Uma leitura do laudo nº 10 do Tribunal Arbitral AD HOC do Mercosul à luz dos princípios da reciprocidade e da cooperação

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Este trabalho busca realizar uma análise do Laudo n° 10 do Tribunal Arbitral Ad Hoc do MERCOSUL, oriundo das medidas discriminatórias e restritivas ao comércio de tabaco e produtos derivados impostas pelo Brasil ao Uruguai.

Sumário: 1 Introdução. 2 O MERCOSUL. 3 Considerações Gerais e Evolução Histórica do Sistema de Solução de Controvérsias do MERCOSUL. 4 O Laudo nº 10 do Tribunal Ad Hoc do MERCOSUL. 5 Laudo nº 10 do Tribunal Ad Hoc do MERCOSUL e a observância dos princípios da reciprocidade e da cooperação. 6 Considerações Finais. Referências

RESUMO

Este trabalho busca realizar uma análise do Laudo n° 10 do Tribunal Arbitral Ad Hoc do MERCOSUL, oriundo das medidas discriminatórias e restritivas ao comércio de tabaco e produtos derivados impostas pela República Federativa do Brasil à República Oriental do Uruguai. Trata, primordialmente, dos fatores condizentes ao Direito de Integração, diante das necessidades advindas das relações econômicas entre os Estados com o intuito de fortalecê-los, assim como evidenciar as características e as normas adotadas pelo bloco econômico em estudo e como elas se concretizam dentro do cenário regional que se estabelecem sob o entendimento dos critérios peculiares do Direito Internacional. Em sentido restrito, a tônica deste artigo incide na importância do sistema de solução de controvérsias entre os membros do Mercado Comum do Sul que, ligado à diplomacia e à mediação, faz prevalecer o resguardo à soberania estatal e aos princípios da reciprocidade e cooperação ao considerar inapropriadas as medidas que o Brasil impôs ao Estado do Uruguai.
Palavras-chave: MERCOSUL, Tribunal Ad Hoc, laudo arbitral, princípios, reciprocidade, cooperação.

ABSTRACT
This work aims to conduct an analysis of the Report No. 10 of the Arbitration Court Ad Hoc MERCOSUR, arising from discriminatory and restrictive trade in tobacco products and derivatives imposed by the Federative Republic of Brazil to the Oriental Republic of Uruguay measures. Comes primarily from the Right Integration consistent factors, arising before the needs of economic relations between states in order to strengthen them, as well as highlight the features and the rules adopted by the bloc in the study and how they are realized within the regional scene that are established with the understanding of the peculiar criteria of international law. In a narrow sense, the tone of this article focuses on the importance of the dispute settlement system between the members of the Common Market of the South had turned to diplomacy and mediation, does the guard in state sovereignty and the principles of reciprocity and cooperation prevail when considering inappropriate measures that Brazil imposed the state of Uruguay.
Keywords: MERCOSUL, Ad Hoc Tribunal, arbitration award, principles, reciprocity, cooperation.

1 INTRODUÇÃO

A globalização é um fenômeno que trouxe a necessidade de integração entre os Estados. Neste contexto, tornou-se inevitável a mudança de atitude dos Estados, que abandonaram o isolamento e passaram a associarem-se em grandes blocos econômicos, emergindo daí os mais diversos tipos de colaboração. Como escopo principal, há o incentivo ao comércio entre as nações que pactuam o acordo, como é o caso do Mercado Comum do Sul – o MERCOSUL – do qual o Brasil é país membro.

Considerando este panorama, é preciso que haja um órgão responsável para dirimir as controvérsias nascidas no seio de cada bloco econômico, e no caso em apreço, tratar-se-á do Tribunal Permanente de Revisão do MERCOSUL, que elabora laudos com as decisões arbitrais. Dentre eles, merece destaque o Laudo n° 10 do Tribunal Arbitral Ad Hoc, que trata do caso de conflito de interesses entre Brasil e Uruguai, por conta de um imposto que onerava em 150% as exportações de tabaco e produtos derivados do mesmo quando foram exportados do Brasil ao Estado uruguaio. Tal situação extrapola os limites do razoável dentro de uma união aduaneira, que é regida por princípios próprios que direcionam o comércio internacional.

O presente trabalho busca analisar, de forma circunstancial, como os princípios da reciprocidade e da cooperação regem os blocos econômicos - em sentido restrito o MERCOSUL – e de que forma são estabelecidos de acordo com o sistema de integração que eles instituem; bem como identificar a aplicação de critérios peculiares do Direito Internacional na controvérsia sobre medidas discriminatórias e restritivas ao comércio do tabaco e seus derivados entre as Repúblicas do Brasil e do Uruguai e, por fim, compreender a importância do sistema de solução de controvérsias entre os membros do Mercado Comum do Sul ligado à diplomacia e à mediação, prevalecendo a ideia de resguardar a soberania Estatal.

Considerando-se tais aspectos, este artigo busca destacar, num primeiro momento, os fatores que influenciaram o Direito de Integração, diante das necessidades advindas das relações econômicas entre os Estados, com o intuito de fortalecê-los, assim como evidenciar os princípios, características e normas adotadas pelo MERCOSUL e como eles se concretizam dentro do cenário regional que se estabelecem. Diante de tal cenário, relaciona-se o Laudo de nº 10 do Tribunal Ad Hoc aos princípios do Direito Internacional que definem a controvérsia sobre o tabaco e seus derivados, como desacordo sobre pontos de direito relativos à compatibilidade de normas aplicadas pelo Brasil com a normativa do bloco
econômico, levando-se em consideração as desigualdades não só culturais, mas sociais, políticas e econômicas entre os parceiros, posto que a sua aplicação está condicionada ao que dispõem os ordenamentos jurídicos dos Estados-membros.

2 O MERCOSUL

É sabido que o MERCOSUL – Mercado Comum do Sul – é um bloco econômico concebido pelo Tratado de Assunção, em 1991, detentor de personalidade jurídica de Direito Internacional é composto pela união dos países do cone sul: Brasil, Argentina, Uruguai, Paraguai e, mais recentemente, a Venezuela. Dentre as medidas de cooperação entre os países-membros estão a livre circulação de bens e serviços, além do estabelecimento de uma Tarifa Externa Comum (TEC), a fim de padronizar os preços dos produtos que serão objeto de exportação. A formação de blocos econômicos é uma necessidade hodierna, uma vez que a competitividade do mundo globalizado induz a cooperações entre as nações. Os países se integram na tentativa de serem mais competitivos no mercado internacional, adquirirem notoriedade, gerando blocos ordenados por interesses semelhantes.

O Mercado Comum do Sul (MERCOSUL) é talvez o projeto mais ambicioso de integração econômica elaborado por países latino-americanos tendo em vista a magnitude da economia de dois dos seus integrantes: Brasil e Argentina1 (MELLO, 1996, p. 298). 

A integração econômica de que trata pode ser conceituada como um status jurídico ao qual os Estados reúnem algumas de suas prerrogativas soberanas, com a finalidade de construir um complexo onde circulem livremente os bens, os serviços, os capitais, as pessoas, os trabalhos. Os objetivos do bloco são: ampliar as relações comerciais entre os países-membros através da diminuição de dependência dessas nações para com a exportação de produtos primários; liberalização de serviços; abertura de concorrências para licitações; legislação comum em diversos setores, como o fiscal, econômico, comercial e político; livre circulação de pessoas; implantação de uma moeda única e, consequentemente, um Banco Central para o bloco.
1 MELLO, 1996, p. 298.

3 CONSIDERAÇÕES GERAIS E EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO SISTEMA DE SOLUÇÃO DE CONTROVÉRSIAS NO MERCOSUL

Conforme entendimento majoritário, o sistema de solução de controvérsias será de Direito Internacional quando versar sobre os conflitos decorrentes do descumprimento de tratado internacional condizentes aos Estados signatários do bloco ou, será de Direito Comunitário, quando houver conflitos entre os Estados-partes e particulares (pessoas físicas e jurídicas). Aduz-se destas primeiras considerações que o tribunal é o elemento fiscalizador do cumprimento das normas comunitárias por parte dos Estados-membros, além de realizar outras funções que efetivamente contribuem para a consolidação do bloco econômico.

Segundo a classificação de Varella (p. 316, 2012), o sistema de solução de controvérsias do MERCOSUL pode ser interestatal quando o conflito envolve apenas Estados; ou, misto, quando o conflito envolve um particular que questiona a política de um Estado. Tal distinção, explica Eduardo Biacchi Gomes, é decorrente do fato de que os tratados de integração geram direitos e obrigações no cenário da ordem jurídica internacional.

Para a análise em questão, considerar-se-á as elementares do Direito Internacional Público de acordo com o sistema arbitral do MERCOSUL: os procedimentos do Direito Internacional; a ausência de efetiva coercibilidade das decisões; impossibilidade de acesso direto dos particulares; a inexistência de tribunal permanente e procedimentos peculiares; o âmbito de tutela limitada aos aspectos econômicos e comerciais e, a vinculação do resultado previsto no laudo arbitral somente aos litigantes, bem como as características do Direito Comunitário: a supranacionalidade; as decisões vinculantes; o tribunal permanente com procedimentos específicos; a possibilidade de os particulares acionarem o tribunal; a interpretação e aplicação das leis e suas sentenças podem tratar tanto de pessoas jurídicas e físicas (particulares) quanto dos Estados-membros.

No conflito entre dois ou mais Estados, a solução da controvérsia inicia-se com um período obrigatório de tentativas de negociações diretas entre as partes, por no mínimo quinze dias. Decorridos esses dias, as partes têm margem de escolha para: ou ingressar com um contencioso perante o tribunal arbitral ou, então, de comum acordo, solicitar a intervenção do Grupo Mercado Comum, que terá até 30 dias para fazer recomendações sobre o litígio. Caso a conciliação não seja possível, o Estado interessado pode iniciar um contencioso arbitral, de acordo com o Protocolo de Olivos. Existem duas instâncias: os Tribunais arbitrais ad hoc e o Tribunal Permanente de Revisão.
O Tribunal arbitral ad hoc é formado a cada disputa e, é assim denominado, porque cada Estado escolhe dois árbitros, sendo um titular e um suplente, em uma lista de nomes previamente indicados por todos os Estados-membros do MERCOSUL, mas não pode escolher um nacional.

Mesmo se uma pessoa for indicada para ser árbitro, é muito provável que não tenha a oportunidade de exercer a função diante de um contencioso, tendo em vista que pode não ser escolhida posteriormente. Se não escolher seus árbitros, a Secretaria-Executiva indicará os árbitros titular e suplente para o membro omisso. (VARELLA, 2012)

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O tribunal arbitral ad hoc tem até 60 dias para analisar os autos e proferir uma decisão. As partes podem, ainda, durante esse período, solicitar medidas executórias semelhantes a medidas cautelares, com o objetivo de evitar o perecimento do objeto enquanto se aguarda a posição da comissão de árbitros. A decisão deve utilizar como fonte as normas do MERCOSUL, os princípios gerais do direito e a equidade.

Se uma ou mais partes não ficarem satisfeitas, podem recorrer ao tribunal permanente de revisão, sendo assim denominado, porque os árbitros são sempre os mesmos, sendo um titular e um suplente de cada Estado-membro (Argentina, Brasil, Paraguai, Uruguai e Venezuela). Chama-se de revisão porque tem por função rever o julgamento do tribunal ad hoc. A decisão do Tribunal Permanente é definitiva e não pode ser modificada. Se houver dúvida no texto, os interessados podem solicitar um recurso de esclarecimento, similar aos embargos de declaração no nosso direito interno.
Quando do trânsito em julgado, se houver decisão pela ilegalidade de determinada política ou norma nacional, a parte responsável deve implementar a decisão em até 30 dias. Se não o fizer, abre a possibilidade para retaliações comerciais pelo demandante, que podem ser aplicadas sobre qualquer setor, até um ano após o prazo de implementação. (VARELLA, 2012)

O Tribunal ad hoc julgou apenas um punhado de casos e sua legitimidade ainda não está bem consolidada, quer no plano internacional, quer no plano regional. Há também a possibilidade de acesso ao sistema pelos particulares. Segundo o Protocolo de Brasília, eles não teriam como acionar o sistema de forma direta, mas, sim, indiretamente, isso porque os mecanismos jurisdicionais regulamentados são regidos pelo Direito Internacional Público.
Talvez seja por isso que o MERCOSUL não represente uma verdadeira integração. Os particulares são os principais interessados na solução destes conflitos para o benefício do próprio do próprio país que residem, e não obstante, as próprias normas criadas pelos representantes da união aduaneira pouco resolvem questões tão relevantes como são as
reclamações atestadas pelos particulares. O Mercosul tende a evoluir reiteradamente para aperfeiçoar suas técnicas junto às divergências jurídico-sociais da união proposta. Dita o art. 25, do Protocolo, que o procedimento se aplica aos reclamos dos particulares, em decorrência de:

Sanção ou aplicação, por qualquer dos Estados-partes, de medidas legais ou administrativas de efetivo restritivo, discriminatórias ou de concorrência desleal, em infração do Tratado de Assunção, dos Acordos celebrados no âmbito do mesmo, ou das decisões que emanem do Conselho do Mercado Comum.

O Protocolo de Olivos é um marco do sistema de solução de controvérsias, que segundo Eduardo Biacchi Gomes “tendo em vista a reformulação do sistema adotado, mas as controvérsias instauradas no sistema anterior continuam na tentativa de conciliação pelo sistema atualmente vigente”, embora não sem tratar efetivamente dos particulares no que tange ao acesso direto ao sistema de solução de controvérsias, uma vez que não são considerados pessoas de Direito Internacional.

No atual cenário do sistema de solução de controvérsias, podem os Estados-Membros eleger a via procedimental a ser adotada, desde que haja conflitos no âmbito do bloco econômico ou na Organização Mundial do Comércio (OMC). O Protocolo ainda faculta às partes a possibilidade de acesso direto ao tribunal de revisão, depois de emitido o laudo do tribunal ad hoc, os laudos do primeiro serão obrigatórios, não havendo a possibilidade de recurso.[2] O aperfeiçoamento do sistema trouxe a certeza de que os Estados integrantes do bloco buscam um fim comum, que é a integração total da união aduaneira.

4 O LAUDO Nº 10 DO TRIBUNAL AD HOC DO MERCOSUL

Em 30 de outubro de 2000, o Brasil implementou os Decretos n° 3.646 e 3.647, ensejando medidas restritivas e discriminatórias aos produtos associados ao tabaco, como seus derivados, filtros de cigarro, papel para cigarro e embalagens para filtros a um imposto de 150%, majorando os impostos sobre exportação. A partir de tal panorama, a Companhia Industrial de Tabacos Monte Paz S.A., situada no Uruguai, sentiu-se discriminada, formalizando uma reclamação perante a Sessão Nacional do Grupo Mercado Comum do Uruguai, que, em seguida,apresentou-a ao Grupo Mercado Comum, que elaborou um parecer declarando como procedente a reclamação, decorrendo assim no pedido do Uruguai à Secretaria Administrativa do Mercosul para a solução arbitral do conflito. Por conseguinte, o décimo laudo cuida da reclamação por parte da República Oriental do Uruguai em face da República Federativa do Brasil, em razão de medidas discriminatórias e restritivas ao comércio de tabaco na regulamentação brasileira.

A reclamação do Uruguai tem por finalidade que o Tribunal Ad Hoc acolha totalmente a sua reclamação “… declarando a incompatibilidade do Decreto nº 3.464 com a normativa e princípios vigentes no MERCOSUL e que, portanto, a República Federativa do Brasil anule dito Decreto relativo a República Oriental do Uruguai assim como toda medida de efeito restritivo e/ou discriminatório relativas a exportações a Uruguai de tabaco e produtos derivados do tabaco, com a finalidade de eliminar as conseqüências negativas que gera, em especial á restrição do comércio e a discriminação mencionadas, se abstendo dessa maneira, de adotar no futuro outras medidas similares as que se questionam na presente reclamação”.[3]

Este laudo acabou não contemplando a real controvérsia, pois, antes da decisão final o Brasil revogou os Decretos n° 3646 e 3647 por intermédio dos Decretos n° 5492/05 e 4831/03, respectivamente. Com isso, ficou sem objeto a controvérsia em comento, uma vez que o Uruguai satisfez-se com essa conduta.

5 LAUDO Nº 10 DO TRIBUNAL AD HOC DO MERCOSUL E A OBSERVÂNCIA DOS PRINCÍPIOS DA RECIPROCIDADE E DA COOPERAÇÃO

Como é cediço, os princípios lançam as diretrizes para a aplicação do direito. Nos dizeres de Celso Antônio Bandeira de Melo, são “mandamentos nucleares de um sistema”[4], isto é, dirigem toda a interpretação concebida no ordenamento jurídico. Neste contexto, ressaltam-se dois objetos da análise desta apresentação que são os princípios da reciprocidade e da cooperação, que norteiam o Direito Internacional, bem como as relações entre os blocos econômicos.

Quanto ao princípio da reciprocidade, pode-se afirmar que este instaura a possibilidade dos Estados-membros pertencentes a um bloco econômico harmonizarem suas relações, posto que terão mutualidade em relação aos outros Estados signatários ao assumirem direitos e obrigações, segundo o que preleciona o artigo 2º do Tratado de Assunção. Tal princípio baseia-se em permitir a aplicação de efeitos jurídicos em determinadas relações de Direito, quando esses mesmos efeitos são aceitos igualmente por países estrangeiros. Segundo o Direito Internacional, a reciprocidade implica o direito de igualdade e de respeito mútuo entre os Estados. O mesmo tem servido de base para atenuar a aplicação do princípio de territorialidade das leis.

Por exemplo, em matéria de extradição - entendida como um dos mecanismos de cooperação judicial internacional - a doutrina estabelece que na ausência de um Tratado, existe um dever moral de assistência que deriva da obrigação que incumbe às nações de entregar os delinquentes ao seu juízo natural para que sejam julgados e castigados, se for o caso. Existem autores para quem, mais do que um dever moral, se trata de uma verdadeira obrigação internacional derivada do fato em si de pertencer a uma comunidade de Estados, baseada em razões de colaboração internacional, ajuda recíproca, solidariedade ou assistência mútua.

Pondera-se, entretanto, que a necessidade dos Estados de proporcionar e assegurar-se de um tratamento idêntico, encontra seu melhor resguardo nos acordos internacionais, pois esses, mais do que qualquer outro instrumento, asseguram a cada Estado que, em condições similares, a outra parte agiria da mesma forma. Em virtude disso, têm razão os que vêem nos Tratados bilaterais e multilaterais uma genuína expressão do princípio de reciprocidade, toda vez que por autoridade dos mesmos, os Estados assumem o compromisso de igualdade de trato.A assistência jurídica internacional deriva basicamente desse auxílio mútuo ou recíproco que devem os Estados entre si, porém, está claro que se trata de um dever que se impõe a todos os Estados por igual quando a ocasião se apresenta.

A necessidade de observância do princípio da reciprocidade já era expressa em tratados realizados no século XII e XIII e é pacificamente aceita como de fundamental importância no Direito Internacional Público.

Os mecanismos de cooperação econômica no plano internacional, na medida que são modelos jurídicos consensuais criados pelos Estados na existência de um jus cogens, exigem institutos deste tipo para garantir a base do consentimento na elaboração e na aplicação de normas de operação conjunta. Este instituto, no caso do Direito Internacional, é o da reciprocidade. [...] No sistema internacional, máxime numa conjuntura como a atual marcada pelo distanciamento entre ordem e poder, esta decisão deve resultar de um consenso, que se origina de uma reciprocidade de interesse dos múltiplos centros de poder. Este consenso supera, num primeiro momento, a tendência ao conflito por um esforço de cooperação. [...] Conforme se verifica, se justiça é igualdade, a justiça do comércio resultaria, de acordo com Aristóteles, da igualdade segundo o trabalho, contido nas mercadoriastransacionadas, apurado de acordo com uma proporção estabelecida pela reciprocidade.[5] 

Para Humberto Ávila, “o postulado da razoabilidade é utilizado na aplicação da igualdade, para exigir uma relação de congruência entre o critério distintivo e a medida discriminatória. O exame da decisão permite verificar que há dois elementos analisados, critério e medida, e uma determinada relação de congruência exigida entre eles”.6 Neste diapasão, pode-se pontuar que a atitude do Brasil, ao criar os Decretos n° 3646 e 3647, não é coerente justamente por desconsiderar o princípio da reciprocidade. Uma visão rápida e superficial da questão, já revelaria que realizar medidas discriminatórias em relação a outro país – principalmente quando com ele existe um pacto para cooperação – atenta contra a harmonia do comércio internacional. Por ser incompatível com o que se espera quanto à relação amistosa entre signatários de um mercado comum, iniciou-se a discussão consubstanciada no Laudo n° 10 supracitado.

Da Reclamação do Uruguai extrai-se, com clareza, que sua reclamação se dirige a lograr: 1) uma declaração de incompatibilidade do Decreto brasileiro Nº 3.646 com a normativa MERCOSUL; 2) um pedido de anulação dos efeitos de dito Decreto em relação ao Uruguai; 3) um pedido de anulação de toda medida brasileira de efecto similar ao que produz esse Decreto; 4) um pedido de que o Brasil se abstenha de adotar no futuro outras medidas que produzam efeitos similares aos que se questionam na presente reclamação. [7] 

Quanto ao princípio da cooperação, que também rege as relações do Direito Internacional, também é possível realizar importantes observações. A cooperação internacional é o ato de mútuo auxílio entre dois ou mais Estados para a finalidade de um escopo comum, que pode ser das mais diversas espécies: políticos, culturais, estratégicos, humanitários, econômicos. No contexto da globalização, e por consequência, com o advento dos blocos econômicos, as relações entre as nações ultrapassam os limites geográficos. Para que o Estado possa atingir suas mais diversas finalidades, ele precisa lançar mão de diversos mecanismos materiais. Nem sempre consegue fazer isso sozinho, precisando de uma parceria denominada de cooperação. Buscando a próprio valor semântico do termo, cooperar é o agir conjunto de duas ou mais pessoas para o alcance de um propósito comum, com benefícios para todas as partes envolvidas.

Considerando os próprios fins do Estado – promoção do bem-estar geral – presume-se que deve agir com a assistência mútua de outros entes da mesma natureza, com interesses convergentes. Seja no âmbito interno ou externo, a cooperação revela-se enquanto padrão importante para o desenvolvimento social. Hildebrando Accyoli afirma:

O principal, dentre os deveres morais dos Estados, é o de assistência mútua, o qual se manifesta sob várias formas. Entre estas, podem citar-se as seguintes: a) o abrigo concedido por um Estado, em seus portos, a navios estrangeiros que, acossados pelo mau tempo ou avariados, procuram refúgio; b) os socorros marítimos em caso de naufrágio, incêndio a bordo, ou qualquer outro sinistro; c) a adoção de certas medidas sanitárias, que impeçam a propagação de enfermidades; d) a assistência e cooperação para a administração da justiça, tanto em matéria civil, quanto em matéria penal, compreendendo-se nesta última a adoção de medidas próprias para facilitar a ação social contra o crime.[8] 

Os Estados, por mais desenvolvidos que possam ser, sempre necessitarão agir em conjunto com outros, com objetivos e para fins sociais, políticos, geográficos, ideológicos, econômicos e culturais similares. Nenhum país, por mais desenvolvido que seja, pode abster-se do relacionamento cooperativo com outro Estado-Nação, a fim de buscar soluções para problemas comuns ou que atravessem ou que pretendam evitar. Também se mostra patente a cooperação internacional para a promoção de bens comuns que ultrapassem as fronteiras de um país, como, por exemplo, a cooperação internacional ligada à proteção do meio ambiente e ao patrimônio cultural. Como é cediço, a República Federativa do Brasil tem por princípio a cooperação internacional para o progresso da humanidade e há diretriz constitucional que impõe à esta buscar uma integração econômica, política, social e cultural dos povos latino-americanos, objetivando à formação de uma comunidade destas nações. Assim, a cooperação internacional visa a solucionar problemas de diversas ordens. Seja de que espécie for, a cooperação internacional é um instrumento que deve ser utilizado cada vez mais, para o desenvolvimento das nações e para o fortalecimento de culturas e valores humanitários.
Hodiernamente, os Estados são levados a buscar e estabelecer parcerias e relações de interesse e ajuda no âmbito internacional, devido à dependência econômica e financeira entre os países, sendo estabelecidas parcerias promissoras entre países amigos. O resultado dessas ações é a formação dos chamados blocos econômicos, como o clássico exemplo do Mercosul, alvo desta análise.

Nessa conjuntura, cooperação internacional é o ato de mútua colaboração entre dois ou mais Estados-Nação para a finalidade de um objetivo comum, que pode ser das mais diversas espécies. Neste caso pontual, os objetivos são econômicos, o que traz à baila novamente o caso relativo ao comércio de tabaco e derivados no laudo n° 10 do Tribunal Ad Hoc do Mercosul.

Como já exposto, o laudo implicitamente defende o princípio da reciprocidade, considerando que este não foi observado nas medidas tomadas pelo Brasil em relação ao Uruguai. Por fazerem parte de um mesmo bloco econômico, não cabe a adoção de medidas restritivas, muito menos a provocação de prejuízos ao comércio do país-membro.
Da mesma forma, depreende-se que o princípio da cooperação também foi desprezado, visto que não há ajuda mútua nem apoio recíproco em dada situação, ao revés, existe desprezo aos interesses de uma nação amiga, que, injustificadamente, sofreu restrições completamente incoerentes e desmotivadas.

Por todo o elencado, merece guarida a decisão proferida pelo Tribunal Ad Hoc do Mercosul, coerente com as diretrizes que norteiam o Direito Internacional e as relações entre países-membros de blocos econômicos.

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O processo de integração do Mercosul se consolidará por meio da implantação de estruturas definitivas, uma vez que seus Estados-Membros perceberam que o funcionamento ideal deste bloco econômico requer organização e interatividade para que se possa alcançar um adequado grau de harmonização.

Verificou-se, neste trabalho que, para tal efetivação, existe a necessidade de um sistema específico que trate das controvérsias, já que são decorrentes de profundas crises respaldadas na “rivalidade de seus membros”. A justificativa para tal afirmação parte dos aspectos inerentes ao direito de integração e de que forma suas normas se concretizam dentro do cenário regional que se estabelecem, sob a égide do Direito Internacional, da diplomacia, mediação e, de forma mais restrita, dos princípios da reciprocidade e da cooperação.

Diante de tal cenário, o objeto deste trabalho foi relacionar o Laudo de nº 10 do Tribunal Ad Hoc aos princípios do Direito Internacional que definem a controvérsia verificada através das imposições discriminatórias e restritivas ao comércio do tabaco e seus derivados entre as Repúblicas do Brasil e do Uruguai, bem como a análise histórico-estrutural do Sistema de Solução de Controvérsias do Mercosul, que tem como finalidade primordial, resolver conflitos de ordem econômico-financeira, jurídico-administrativa, consoante a reforma proporcionada pelo recente Protocolo de Olivos, resguardando a soberania Estatal.

Todavia, a tendência do bloco é se desenvolver para que, no futuro, possa efetivar de forma plena o desenvolvimento da América Latina e a potencialização das economias dos Estados. Para isso, o Sistema de Solução de Controvérsias é de fundamental importância, já que este é uma tentativa de assegurar a diplomacia entre os membros. Nesse contexto, os órgãos supranacionais deverão integrar e determinar o bloco, haja vista que as decisões devem partir do interesse do grupo em benefício das partes integrantes. Desta forma, o processo de integração não será comprometido. Finalmente, vale destacar que qualquer mudança no curso da história dependerá acima de tudo da vontade política dos seus membros e do nível de integração os países envolvidos em suas pretensões.


REFERÊNCIAS


ACIOLY, Hildebrando. Tratado de Direito Internacional Público. Volume I. São Paulo: QuartierLatin, 2009.
ÁVILA, Humberto. Teoria dos Princípios. [da definição à aplicação dos princípios jurídicos] 7ª Ed. Malheiros. São Paulo. 2007.
LAFER, Celso. A condição de reciprocidade na cláusula facultativa de jurisdição obrigatória da Corte Internacional de Justiça. Revista de Direito Público, a.I, v.3, p. 195 – 208, jan/mar. 1968
MELLO, Celso. Direito Internacional da integração. Rio de Janeiro: Renovar, 1996, p. 298.
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Conteúdo jurídico do princípio da igualdade. 3ª ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2000.
MERCOSUL. Tribunal Ad Hoc do Mercosul, Laudo Arbitral X. Disponível em: http://mercosur.int/msweb/portal%20intermediario/pt/controversias/X%20LAUDO.pdf. Acesso em: 03/06/2014.
MERCOSUL.Disponível: http://www.ambitojuridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=2428. Acesso em: 03/06/2014.
http://www.oas.org/juridico/mla/sp/ven/sp_ven-mla-gen-reciprocity.html. Acesso em: 02/06/14.
VARELLA, Marcelo D. Direito Internacional Público. 4ed. São Paulo: Saraiva, 2012.

[1] MELLO, 1996, p. 298.

[2] Estas considerações demonstram que o Tribunal Permanente de Revisão não tem um formato acabado, o que não quer dizer que o mesmo não é efetivo e funcional.

[3] Escrito de Reclamacão do Uruguai, p. 2 – citado no laudo n° 10. 4 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Conteúdo jurídico do princípio da igualdade. 3ª ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2000, p. 68.

[4] MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Conteúdo jurídico do princípio da igualdade. 3ª ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2000, p. 68.

[5] LAFER, Celso. Op. cit, p.31 – 34.

[6] Teoria dos Princípios - da definição a aplicação dos princípios jurídicos – 7ª Edição- Malheiros.

[7] MERCOSUL. Tribunal Ad Hoc do Mercosul, Laudo Arbitral X.

[8] ACIOLY, Hildebrando. Tratado de Direito Internacional Público. Volume I. São Paulo: QuartierLatin, 2009, pp. 314-315.

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Sobre as autoras
Mayara Thais Amaral Silva

Estudante de Direito da UEMA. Licenciada em Letras.

Lorena Ivy

Estudante de Direito do 10° período da Universidade Estadual do Maranhão.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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