Ordem internacional e caminhos para a democracia: o caso da anistia brasileira

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Serão ressaltadas as legislações sobre anistia promulgadas nos Estados soberanos latino-americanos, a fim de ser estabelecida uma comparação com a lei de anistia brasileira de 1979.

RESUMO

Em outros Estados soberanos latino-americanos, as leis de anistia terminaram sendo revogadas ou anuladas em face do reconhecimento da perpetuação de violações de direitos humanos em diversos contextos por meio das mesmas.

Serão ressaltadas as legislações sobre anistia promulgadas nos Estados soberanos latino-americanos, bem como a retirada das mesmas dos seus respectivos ordenamentos jurídicos como forma de proteção e reconhecimento dos direitos humanos, a fim de ser estabelecida uma comparação com a lei de anistia brasileira de 1979.

INTRODUÇÃO

O Estado brasileiro teria implantando uma lei ampla, geral e de caráter bilateral, mas não irrestrita, na medida em que excluía do regime de anistiado político aqueles que já haviam sido condenados. O presente trabalho tratará de um olhar voltado para o Direito Internacional, relatando sobre a sua relação de interdependência com o Direito interno, a visão da Corte Interamericana de Direitos Humanos e a anistia comparada.

O presente trabalho desempenhará uma análise comparativa entre as leis de anistia promulgadas no Chile, Argentina e Uruguai com a lei de anistia brasileira (Lei n. 6.683/79), a fim de demonstrar que esta destoou do seu sentido original e permanece como grave afronta aos direitos humanos

1 A interdependência entre o Direito Internacional e Direito pátrio

A questão da eficácia e da aplicação do Direito Internacional no direito pátrio não é recente. De acordo com Mazzuoli (2011, p. 75), esse fenômeno pode ser colocado sob dois prismas: o “do direito internacional, que enxerga o problema de fora para dentro; e o do direito interno, que o visualiza de dentro para fora”. Os Estados seriam soberanos para fazer suas leis, contudo não estariam imunes à análise do Direito Internacional. Na tentativa de resolver o problema da incidência das normas internacionais em cada Estado nacional, terminaram se desenvolvendo duas teorias: a dualista e a monista.

A primeira não vislumbra a influência das normas de Direito Internacional no âmbito interno, ou seja, os tratados internacionais, por exemplo, não colidiriam com as normas de direito interno. Deste modo, o Direito Internacional e o Direito de cada Estado nunca conflitariam. Para os dualistas, para que os direitos previstos nas normas internacionais pudessem, de fato, vincular o Estado ao devido cumprimento, deveriam antes ser integradas às normas internas (MAZZUOLI, 2011).

A teoria dualista prega a independência entre os dois Direitos em questão. O Estado assumiria apenas meros compromissos exteriores, sem que isto interferisse no direito pátrio. Para tal corrente, as normas derivadas do Direito nacional seriam de um poder ilimitado, o que não ocorreria com o Direito Internacional. Não existiria subordinação e sim uma relação entre Estados iguais. O Supremo Tribunal Federal tem adotado a posição dualista moderada.

A atual Constituição do Brasil não faz nenhuma menção sobre a necessidade de dupla atuação do Congresso Nacional, consubstanciada na conversão da norma internacional em lei interna, para que um tratado ou convenção de Direito Internacional produzisse efeitos. A mera aprovação pelo Poder Legislativo e a promulgação de Decreto Legislativo não seria suficiente.

Já a teoria monista aborda o Direito Internacional e o Direito nacional como integrantes de um único sistema. Logo, não seria necessária a “internalização” das normas internacionais para que gerassem efeitos sob seus dependentes (MAZZUOLI, 2011). De acordo com esta concepção, os direitos derivados de um tratado ratificado por um Estado seriam incorporados automaticamente ao ordenamento jurídico pátrio.

Segundo Mazzuoli (2011), a teoria monista por sua vez se subdivide em nacionalista, internacionalista clássica e internacionalista dialógica. A teoria monista nacionalista prevê a prevalência do ordenamento jurídico interno sobre o internacional. Tal teoria faz predominar a soberania estatal, de maneira que seria facultativa a adoção dos ditames internacionais.

Os monistas nacionalistas aceitam a integração do produto externo convencional ao Direito interno, mas sob o ponto de vista do primado da ordem jurídica estatal (MAZZUOLI, 2011, p. 83). Ou seja, o Direito Internacional seria oponível ao próprio Estado se este, em manifestação da sua soberania, admitisse-o em sua Constituição.

A Magna Carta de um Estado é que estabeleceria, a exemplo da prevalência das normas constitucionais sobre outras espécies normativas, qual a posição hierárquica na qual as normas internacionais estariam situadas.

Segundo esse entendimento, o arbítrio de outro Estado, jamais nas regras do Direito Internacional Público. Ou seja, da mesma forma que os indivíduos devem respeitar-se mutuamente no exercício de sua soberania. Se cada Estado, sem invadir a esfera de competência do outro, por meio das suas regras constitucionais de competência, determina e condiciona a existência das normas do Direito Internacional, é porque o fundamento de validade do direito das gentes não encontra guarida em sua própria existência, no seu próprio arbítrio, mas na vontade declarada do direito interno estatal. (MAZZUOLI, 2011, p. 84)

Para a teoria monista internacionalista clássica, o Direito pátrio emanaria do Direito Internacional, devendo as normas do primeiro se adequar as desse último. Desta maneira, os atos normativos internacionais estariam numa posição hierarquicamente superior aos nacionais, de forma que uma disposição internacional revogaria uma interna que lhe contradissesse.

No que tange à terceira subdivisão, qual seja a teoria monista internacionalista dialógica, possui ela aplicação predominantemente no âmbito das matérias de direitos humanos. Ao contrário da teoria monista internacionalista clássica, a dialógica propõe um diálogo entre o Direito Internacional e o Direito interno para que, diante do caso concreto, decida-se qual norma (internacional ou nacional) terá melhor aplicação para o sujeito. Leva-se em consideração a matéria e não o sentido formal das normas.

As matérias de direitos humanos possuem considerável relevância, devendo ser aplicada a norma mais favorável ao indivíduo, em consonância com o princípio pro homine. Nota-se que há, ainda, hierarquia entre as normas de cunho internacional e nacional, haja vista que é por meio de uma regra convencional que se tem permissão para a aplicação da disposição normativa nacional (MAZZUOLI, 2011).

Percebe-se que o monismo internacionalista prevalece, contudo mais suscetível a uma conversa com o ordenamento jurídico de determinado Estado. Serão os interesses dos sujeitos que determinarão a aplicação de uma outra norma e não a mera formalidade. O fato de ser norma internacional não significaria que a mesma prevaleceria sobre uma nacional. É exatamente este diálogo que permite a integração entre os dois direitos.

A Constituição Brasileira não faz menção a nenhuma cláusula de aceitação do Direito Internacional por nosso ordenamento, mas apenas quanto à absorção dos tratados internacionais, prevista no art. 5º, §2º, da CRFB/88, e sua conversão em normas constitucionais (art. 5º, §3º, da CRFB/88).

Coexistindo em uma das fontes do Direito Internacional, faz-se necessário alguns esclarecimentos a respeito do jus cogens.

Pode-se dizer que o jus cogens consiste numa espécie normativa internacional de natureza imperativa. Isto deriva da impossibilidade de sua derrogação por mera conveniência dos Estados. Foi por meio da Convenção de Viena de 1969 que o jus congens passou a ter uma posição mais elevada na pirâmide das normas internacionais (MAZZUOLI, 2011). A ordem cronológica do estabelecimento de tratados não possui relevância, na medida em que o jus cogens prevalecerá sobre as normas internacionais anteriores ou posteriores a sua inserção no mundo jurídico.

O jus cogens consistiria assim em um mínimo legal a ser obedecido pelos Estados nacionais. Desta maneira, sua transgressão por uma norma interna pode ser alvo de nulidade. Ressalte-se que tanto as normas convencionais quanto os costumes internacionais têm a possibilidade de se tornar jus cogens. A Convenção Americana de Direitos Humanos é um exemplo disto (MAZZUOLI, 2011).

Ao se falar de controle de convencionalidade, caso façamos um analogia com o de constitucionalidade, consistiria numa análise da compatibilidade do ordenamento jurídico pátrio com os tratados de direitos humanos ratificados por um Estado. Ou seja, o jus cogens é um dos parâmetros para auferição deste procedimento. O Brasil reconheceu a imperatividade do jus cogens, em 1992, ao ratificar a Convenção Americana de Direitos Humanos. Logo este parâmetro deveria ter sido levado em consideração quando do julgamento da APDF nº 153, o que não ocorreu.

Interessante notar que no ordenamento jurídico brasileiro convivem entre si três tipos de normas internacionais, quais sejam as que não tratam de assuntos sobre os direitos humanos, as de direitos humanos ratificadas no âmbito interno que não passaram pelo procedimento previsto no parágrafo 3º do artigo 5º da CRFB/88 e os que, por sua vez, passaram por este mesmo crivo. Quanto às primeiras, estas receberão status de lei ordinária, ao passo que as segundas seriam dotadas de status supralegal[1].

O controle de convencionalidade existe para limitar o poder soberano do Estado. Basta a ratificação de um tratado ou convenção pelo país para sujeitá-lo a esta técnica decisória. Os magistrados, por sua vez, poderiam atuar ex officio nestes casos, tendo importante participação na afirmação dos direitos humanos junto aos órgãos internacionais (MAZZUOLI, 2011).

O controle de convencionalidade atua assim ao lado do controle de constitucionalidade previsto no Brasil. A decisão da ADPF nº 153 foi contemplada pela ausência daquele, contrariando as diretrizes do Direito Internacional, em especial a Convenção Americana de Direitos Humanos, na medida em que confirmou a validade da Lei de Anistia datada de 1979, como será visto adiante.

2 A visão da Corte Interamericana de Direitos Humanos

Chegou à Corte Interamericana de Direitos Humanos, em 26 de março de 2009, o caso Gomes Lund. Na ocasião, foi apresentada petição à Comissão Interamericana de Direitos Humanos pelo Centro pela Justiça e o Direito Internacional (CEJIL) e pela Human Rights Wacth/Americas em favor das pessoas desaparecidas na Guerrilha do Araguaia. A Comissão verificou a admissibilidade da demanda e emitiu Relatório de Mérito nº 91/08, submetendo o caso à Corte após o Estado brasileiro não ter respondido em tempo hábil as recomendações feitas ao mesmo (CORTE INTERAMERICANA DIREITOS HUMANOS, 2010, p. 3).

O que se discute ali é a responsabilização do Estado pelos desaparecimentos forçados, prisões arbitrárias e as execuções sumárias perpetrados pelos agentes políticos. Isto se deve à alegação de que o Brasil não teria cumprido com o seu dever de investigar e, se necessário, punir os infratores. A Comissão pediu a atribuição de responsabilidade ao Estado brasileiro pela violação dos artigos da Convenção Americana de Direitos Humanos.

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A Comissão solicitou ao Tribunal que declare que o Estado é responsável pela violação dos direitos estabelecidos nos artigos 3 (direito ao reconhecimento da personalidade jurídica), 4 (direito à vida), 5 (direito à integridade pessoal), 7 (direito à liberdade pessoal), 8 (garantias judiciais), 13 (liberdade de pensamento e expressão) e 25 (proteção judicial), da Convenção Americana sobre os Direitos Humanos, em conexão com as obrigações previstas nos artigos 1.1 (obrigação geral de respeito e garantia dos direitos humanos) e 2 (dever de adotar disposições de direito interno) da mesma Convenção. Finalmente, solicitou à Corte que ordene ao Estado a adoção de determinadas medidas de reparação (CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS, 2010, p. 4).

A Guerrilha do Araguaia fez parte da resistência ao regime militar implantado no Brasil. O movimento era composto por alguns membros do Partido Comunista do Brasil (CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS, 2010). Tal partido previa a libertação do regime através da formação de um exército do povo (CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS, 2010).

Durante aquele contexto, foram feitas várias campanhas à região do Araguaia, sendo as primeiras apenas para aprisionar e identificar os revoltosos. A ordem não era para matar. Apenas com a ascensão do general Médici à presidência, em 1973, é que foi ordenada a eliminação dos revoltosos (CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS 2010, p. 33).

Somente com a Lei n. 9.140/95, o Estado brasileiro inicia o reconhecimento das graves violações aos direitos humanos.

Art. 1o São reconhecidos como mortas, para todos os efeitos legais, as pessoas que tenham participado, ou tenham sido acusadas de participação, em atividades políticas, no período de 2 de setembro de 1961 a 5 de outubro de 1988, e que, por este motivo, tenham sido detidas por agentes públicos, achando-se, deste então, desaparecidas, sem que delas haja notícias. (BRASIL, 1995).

Criou-se, ainda, uma Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos para reconhecer as pessoas desaparecidas que não estivessem incluídas no anexo I da referida disposição normativa (BRASIL, 1995). A reparação às vítimas, no entanto, era apenas a econômica, de acordo com os artigos 10 e 12 da lei supracitada. Não foi garantida a investigação e a persecução penal daqueles que cometeram graves violações aos direitos humanos no regime de exceção.

A Corte Interamericana tem adotado um posicionamento de extrema repulsa às leis de anistia que garantem a impunidade e a prescrição de crimes lesa-humanidade, tal como tortura e desaparecimentos forçados (CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS, 2010). A lei de anistia brasileira, nesse quadro, violaria a garantia dos direitos humanos, uma vez que o Estado, ao ter ratificado a Convenção Americana de Direitos Humanos teria se obrigado a cumprir suas disposições.

Seria assim dever do Estado adequar seu ordenamento jurídico às disposições internacionais, conforme previsto no artigo 2 da Convenção. A lei, portanto, careceria de efeitos jurídicos.

174. Dada sua manifesta incompatibilidade com a Convenção Americana, as disposições da Lei de Anistia brasileira que impedem a investigação e sanção de graves violações de direitos humanos carecem de efeitos jurídicos. Em consequência, não podem continuar a representar um obstáculo para investigação dos fatos do presente caso, nem para identificação e punição dos responsáveis, nem podem ter igual ou similiar impacto sobre outros casos de graves violações de direitos humanos consagrados na Convenção Americana de ocorridos no Brasil. (CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS, 2010, p. 65).

 O conflito entre a Lei n. 6.683/79 e a Convenção Americana, em verdade, é de cunho material e não meramente formal. Não importa a autoridade da qual emanou e sim o seu conteúdo. Assim, afigura-se irrelevante que o dispositivo normativo se trate de uma autoanistia (CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS, 2010). Em analogia ao controle de constitucionalidade, os magistrados deveriam fazer um controle de convencionalidade, nos limites dos tratados e convenções ratificados pelo seu país.

(...) Como já salientou esta Corte e conforme dispõe o artigo 27 da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados de 1969, os Estados não podem, por razões de ordem interna, descumprir obrigações internacionais. As obrigações convencionais dos Estados Parte vinculam todos seus poderes e órgãos, os quais devem garantir o cumprimento das disposições convencionais e seus efeitos próprios (effet utile) no plano de seu direito interno. (CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS, 2010, p. 66)

Tendo o Brasil ratificado a Convenção Americana, o Judiciário poderia verificar a compatibilidade entre normas de direito internacional e as internas ex officio, o que não fez o Supremo Tribunal Federal, na medida em que convalidou a lei de anistia brasileira (CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS, 2010).

3 A anistia comparada: Argentina, Chile e Uruguai

Com o falecimento de Juan Domingo Perón e a ascensão de Isabel Perón, sua viúva, à presidência, os ânimos políticos se exaltaram na Argentina, sendo o país alvo de conflitos entre as forças governistas e grupos clandestinos. A repressão a atos oposicionistas não foi exclusividade do regime militar argentino. Ao contrário, antes mesmo da ascensão dos militares, Isabel Perón já reprimia movimentos políticos. Contudo, sua forma institucionalizada e sistematizada se deu apenas após o golpe. (WOJCIECHOWSKI, 2014).

Foi por meio da Acta para el Proceso de Reorganización Nacional que os militares formaram uma junta a fim de governar a Argentina, depondo a então presidente em 24.03.1976 (WOJCIECHOWSKI, 2014). Como característico de todo regime ditatorial, houve uma hipertrofia do poder nas mãos do Executivo. O discurso que irradiava das forças militares era o mesmo do Cone Sul: combate aos “inimigos ‘terroristas’ e ‘subversivos’ que colocavam em risco a segurança da Nação e a democracia” (WOJCIECHOWSKI, 2014, p.74).

O alvo do regime castrense incluía líderes trabalhistas, ativistas de direitos humanos, pensadores com ideologias contrárias ao cristianismo ou ao Ocidente, líderes de agremiações de vizinhanças e, em geral, qualquer pessoa que fosse acusada de praticar as atividades subversivas (...). (MENDEZ apud WOJCIECHOWSKI, p. 74).

O regime militar na Argentina perdurou até 1983, prevalecendo naquele país um ar de guerra declarada. Diferente do ocorrido no Brasil, os militares argentinos aprovaram uma lei de pacificação nacional (Lei n. 22.924/83) que garantia a impunidade para os crimes cometidos pelos militares antes do processo de abertura política. A referida lei era geral, abrangendo tantos os “subversivos” quanto os militares no período de 25 de maio de 1973 a 17 de junho de 1982, sendo anulada pelo Congresso Nacional após a instauração da democracia (WOJCIECHOWSKI, 2014).

Ocorre que, com a perda da validade jurídica da Lei de Pacificação Nacional, abriu-se a possibilidade dos militares passarem a figurar no polo passivo de muitas demandas judiciais, provocando insatisfação nos mesmos. Diante disto, o governo promulga a Ley de Punto Final (Lei n. 23.492/86), a qual extinguia todas as ações penais instauradas em desfavor dos agentes militares e outros indivíduos que agiram para conter o “terrorismo” no país:

Artículo. 1º. Se extinguirá la acción penal respecto de toda persona por su presunta participación en cualquier grado, en los delitos del artículo 10 de la Ley Nº 23.049, que no estuviere prófugo, o declarado en rebeldía, o que no haya sido ordenada su citación a prestar declaración indagatoria, por tribunal competente, antes de los sesenta dias corridos a partir de la fecha de promulgación de la presente ley.

En las mismas condiciones se extinguirá la acción penal contra toda persona que hubiere cometido delitos vinculados a la instauración de formas violentas de acción política hasta el 10 de diciembre de 1983. (ARGENTINA, 1986)

Conforme estabelecido no artigo supracitado, foi dado ao Estado um lapso temporal de sessenta dias, contados da data da promulgação da lei, para que abdicasse do jus puniendi. Isto, contudo, desempenhou efeitos negativos aos beneficiários das Forças Armadas. Diversos pedidos de investigações de crimes contra os direitos humanos praticados pelos militares foram apresentados, culminando na promulgação da Ley de Obediencia Debida – Lei n. 23.521/87 (WOJCIECHOWSKI, 2014).

A impunidade estava, finalmente, legalizada. As violações de direitos humanos perpetradas durante o regime militar seriam perdoadas sob a desculpa da “obediência devida”, ou seja, quando os agentes do Estado estavam subordinados a autoridades em posição hierarquicamente superior, não podendo descumprir suas ordens.

Artículo. 1º -Se presume sin admitir prueba en contrario que quienes a la fecha de comisión del hecho revistaban como oficiales jefes, oficiales subalternos, suboficiales y personal de tropa de las Fuerzas Armadas, de seguridad, policiales y penitenciarias, no son punibles por los delitos a que se refiere el artículo 10 punto 1 de la ley Nº 23.049 por haber obrado en virtud de obediencia debida

La misma presunción será aplicada a los oficiales superiores que no hubieran revistado como comandante en jefe, jefe de zona, jefe de subzona o jefe de fuerza de seguridad, policial o penitenciaria si no se resuelve judicialmente, antes de los treinta dias de promulgación de esta ley, que tuvieron capacidad decisoria o participaron en la elaboración de las órdenes.

En tales casos se considerará de pleno derecho que las personas mencionadas obraron en estado de coerción bajo subordinación a la autoridad superior y en cumplimiento de ordenes, sin facultad o posibilidad de inspección, oposición o resistencia a ellas en cuanto a su oportunidad y legitimidad. (ARGENTINA, 1987).

Nota-se que a Ley de Punto Final e a de Obediencia Debida possuíam legitimidade democrática, na medida em que foram promulgadas nos ditames constitucionais argentinos. O que não ocorreu com a Ley de Pacificación Nacional, sancionada por um governo de exceção. Até 1998, tais leis estiveram em pleno vigor no cenário argentino, sendo revogadas em tal ano por meio da Lei n. 24.952, editada pelo Congresso Nacional (WOJCIECHOWSKI, 2014).

A transição do regime militar para o democrático na Argentina se caracterizou pelo “clamor de justiça e a participação decisiva das instâncias judiciais”, tendo sido criada Comissão Nacional de Desaparecimento de Pessoas. Esta teve por finalidade o esclarecimento das situações de desaparecimento de pessoas no país durante a ditadura militar (WOJCIECHOWSKI, 2014).

Foi com a reforma na Carta Magna da Argentina, em 1994, que se alterou substancialmente o cenário da impunidade neste país. O art. 75, inciso 22, daquela Carta atribuía status constitucional às normas internacionais ratificadas em solo argentino (WOJCIECHOWSKI, 2014, p.86). Assim, não apenas os tratados de direitos humanos passam a compor o ordenamento jurídico daquele país, mas, também, sua interpretação.

Juan Mendez indica que esta decisão estabelece definitivamente tratamento distinto do instituto prescricional caso se esteja, ou não, enfrentando um delito de lesa-humanidade, ante a incidência, neste hipótese, das normas de ius cogens, decorrentes do direito internacional público consuetudinário (MÉNDEZ apud WOJCIECHOWSKI, p. 89).

Por outro lado, diante do contexto de bipolarização trazido pela Guerra Fria, o governo chileno assustou os Estados Unidos com a possibilidade de implantação do sistema socialista. Como de costume, os EUA iniciaram uma política de embargo à economia do Chile, culminando numa crise econômica neste país. O golpe militar ocorreu em 11 de setembro de 1973. O então presidente, Allende, foi deposto pelo Exército com apoio da Marinha e Carabineros.

Pinochet assume o comando do Chile e dá início a uma repressão brutal aos opositores do regime. O governo militar chileno foi demasiadamente radical. A luta armada foi desestrutura logo com a ascensão da ditadura. O Congresso Nacional, por sua vez, foi dissolvido, assim como o Tribunal Constitucional, por meio do Decreto-lei 27 (WOJCIECHOWSKI, 2014).

O radicalismo do regime Pinochet, além de ser consolidado principalmente por meio do desempenho da DINA, ficou conhecido também por meio da atuação da “Caravana da Morte”, uma missão militar que se iniciou logo após o golpe de 1973, liderada pelo general Sérgio arellano Stark, responsável por executar sumariamente centenas de prisioneiros políticos (MUÑOZ apud WOJCIECHOWSKI, p. 103).

No período de 1973 a 1985, instaurou-se regime ditatorial no Uruguai. O golpe desfechado neste país teve caráter civil-militar, agregando as Forças Armadas e o presidente eleito à época, Juan María Bordaberry (COVELLI, 2012, p.76). Como típico dos regimes ditatoriais militares, as Câmaras foram dissolvidas e se criou um conselho de Estado para governar o país. O interessante é que o governo uruguaio negava o caráter ditatorial e proibia a imprensa de qualquer comentário que atribuísse tal característica ao regime instalado (COVELLI, 2012).

O Uruguai atingiu o maior número de prisioneiros políticos do mundo, apesar de não ter investido em demasia nas execuções sumárias e desaparecimentos forçados como o Brasil (COVELLI, 2012, p.77). O regime de exceção tentou ali se institucionalizar pelos anos seguintes ao golpe, submetendo uma proposta para sua continuação por meio de um plebiscito. A nação uruguaia, todavia, rejeitou a perpetuação de violações aos direitos humanos.

Em 1985, dá-se início a transição política no país supracitado. Forças Armadas e os partidos políticos celebram uma forma de pacto a fim de alcançar a democracia. Surge, assim, uma lei de anistia geral para delitos políticos e conexos (Lei n. 15.737/85).

Vale la pena señalar, sin embargo, que la Ley de Amnistía de marzo de 1985 excluía expresamente de su aplicación los delitos cometidos por funcionarios policiales o militares, equiparados o asimilados, que fueran autores, coautores o cómplices de tratamientos inhumanos, crueles o degradantes, o de la detención de personas luego desaparecidas (COVELLI, 2012, p.79-80).

Apesar da abrangência da lei de anistia, os militares continuaram a pressionar o governo, pois alguns destes se tornaram alvos de processos judiciais. Assim, foi sancionada a Ley de Caducidad de La Pretensíon Punitiva Del Estado (Lei n. 15.848 de 22 de dezembro de 1986). Além de anistiar as graves violações aos direitos humanos desempenhadas pelos militares, tal dispositivo normativo não contribuiu para o esclarecimento da história do país latino-americano, que seria consubstanciado na criação de uma Comissão Nacional da Verdade (COVELLI, 2012).

Artículo 1º.- Reconócese que, como consecuencia de la lógica de los hechos originados por el acuerdo celebrado entre partidos políticos y las Fuerzas Armadas en agosto de 1984 y a efecto de concluir la transición hacia la plena vigencia del orden constitucional, ha caducado el ejercicio de la pretensión punitiva del Estado respecto de los delitos cometidos hasta el 1º de marzo de 1985 por funcionarios militares y policiales, equiparados y asimilados por móviles políticos o en ocasión del cumplimiento de sus funciones y en ocasión de acciones ordenadas por los mandos que actuaron durante el período de facto. (URUGUAI, 1986).

Eram excluídos do beneplácito uruguaio aqueles que, na época da promulgação da Lei de Anistia, já possuíam processos ou que praticaram crimes com intenção de auferir dinheiro, nos termos do art. 2º da Lei n. 15.848/86. A lei de caducidade uruguaia obstaculizou o esclarecimento da verdade e o direito à justiça das vítimas do regime opressor.

Como um meio de dar primazia aos direitos humanos e restabelecer reconciliação com a história do país, a Corte de Justiça do Uruguai entendeu pela inconstitucionalidade da lei de anistia uruguaia. Contudo, era necessária a ratificação popular. A população foi consultada por meio de um referendo para se posicionar contra ou a favor da derrogação da referida lei. Em 16 de abril de 1989, os uruguaios optaram pelo “não” (COVELLI, 2012, p.82).

No mesmo sentido, organizou-se um plebiscito visando a anulação dos artigos 1º ao 4º da Lei de Caducidade, tendo o povo votado, mais uma vez, pelo não (COVELLI, 2012, p.82-83). Pode-se dizer, assim, que os uruguaios optaram por perpetuar a impunidade dos crimes de lesa-humanidade desempenhados pelos militares no regime de exceção.

CONCLUSÃO

O presente trabalho buscou fazer uma análise das disposições internacionais e sua relação de interdependência com o ordenamento pátrio. Destacou-se o contexto histórico em que a referida disposição legal foi promulgada, aclarando aspectos peculiares do que teria sido “acordado” para o alcance da democracia.

Constatou-se que a Lei n. 6.689 de 1979 foi fruto do exacerbado poder político que os militares detinham à época no regime de exceção. A proposta da lei de anistia brasileira era distinta do que foi aprovado. O dispositivo normativo em questão se mostrou irrazoável na medida em que deveria consistir numa lei de caráter geral e irrestrito, o que não ocorreu. Ao contrário, incluiu o “perdão” a crimes de lesa-humanidade, em detrimento daquele que cometeram delitos políticos transitados em julgado.

O Brasil divergiu bastante dos seus vizinhos latino-americanos Argentina, Chile e Uruguai. Tais países firmaram posicionamento em favor do direito à verdade, regra geral anulando as leis de anistias que corroboravam para a impunidade das graves violações aos direitos humanos e desenvolvendo mecanismo de reconciliação nacional, tal como a criação de comissões da verdade e de desaparecidos.

Conforme explicitado, atestou-se que a Corte Interamericana de Direitos Humanos tem adotado posicionamento incisivo de condenação aos Estados que obstem a investigação e punição dos crimes contra os direitos humanos. Na realidade, desde o término da Segunda Guerra Mundial todos os Estados têm promovido políticas afirmativas de prevalência aos direitos humanos, consistindo em dever do Estado investigar, processar e, se necessário, punir os que violam gravemente os direitos humanos.

Desta maneira, percebe-se que o Estado brasileiro ainda caminha “com passos curtos” rumo à prevalência dos direitos humanos na medida em que ainda prevê a imperatividade da lei de anistia de 1979.

REFERÊNCIAS

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COVELLI, Tatiana Rincón. El derecho internacional de los derechos humanos: ¿límite o elemento constitutivo de la democracia? –A propósito de La transición uruguaya a la democracia. Estudos Socio-Jurídicos. Bogotá, v. 14, nº 2, p. 71-106, maio/dez. 2012. Disponível em: <http://www.scielo.org.co/pdf/esju/v14n2/v14n2a04.pdf>.  Acesso em: 23 maio 2015.

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URUGUAI. Ley nº 15.848, de 22 de dezembro de 1986. Se reconoce que ha caducado el ejercicio de La pretension punitiva Del Estado respecto de lós delitos hasta el 1º de marzo de 1985. Disponível em: <http://www.parlamento.gub.uy/leyes/AccesoTextoLey.asp?Ley=15848&Anchor=>. Acesso em 12 maio 2015

WOJCIECHOWSKI, Paola Bianchi. Leis de anistia e o Sistema Internacional de Proteção dos Direitos Humanos: Estudo Comparativo Brasil, Argentina e Chile. Curitiba: Juruá, 2014.


[1] Quando do julgamento do Recurso Extraordinário 466.343/SP, a Corte decidiu que os tratados internacionais de direitos humanos teriam um valor mais alto do que as leis e menos que a Magna Carta. (BRASIL, 2008)

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Sobre a autora
Dândara Carneiro da Silva Diniz

Graduanda em Direito pela Universidade Estadual do Maranhão (UEMA).

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