III – ADMISSIBILIDADE, COMPETÊNCIA E LEGITIMIDADE
Interessante a ilação trazida por Adalberto José Q.T.de Camargo Aranha[8] para quem o mandado de segurança contra ato judicial pode atuar como um verdadeiro recurso, fazendo o reexame, mantendo ou reformando o ato atacado quando: a) não houver recurso específico para atacar o ato ou; b) havendo recurso, este não chegar a tempo de tornar reparável o dano, quando se fala em irreparabilidade do dano, isto quando a reparabilidade do dano não é assegurada de forma suficiente para a previsão do recurso ou correição, se estes não conferiram efeitos suspensivos à ilegalidade ou abuso de poder. Por essa razão já se entendeu que o mandado de segurança pudesse ser ajuizado com efeitos rescisórios, sendo oponível contra decisões já transitadas em julgado(RT 373/287,377/271, 395/220, dentre outros).
É competente para conhecer e decidir o mandado de segurança contra ato jurisdicional o tribunal que seja competente para conhecer de eventual recuso relativo á causa. Todavia, o remédio, como já salientado, tem natureza eminentemente civil, mesmo visando a conhecimento de matéria seja civil, penal, trabalhista ou eleitoral.
A fonte para entendimento da competência da Justiça Federal é a Constituição Federal.
Daí que pelo artigo 102, I, ¨d¨, da Constituição Federal é competente o Supremo Tribunal Federal para julgar originalmente o mandado de segurança contra atos do Presidente da República, das Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, do Tribunal de Contas da União, do Procurador-Geral da República e do próprio Supremo Tribunal Federal.
Já ao Superior Tribunal de Justiça compete o processamento e julgamento originário do mandado de segurança contra ato de Ministro de Estado, dos Comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica ou do próprio Tribunal(artigo 105, I, ¨b¨, da Constituição de 1988).
Mas lembro que, a teor da Súmula 41 do Superior Tribunal de Justiça, este Tribunal não tem competência para processar e julgar, originalmente, mandado de segurança contra ato de outros Tribunais ou dos respectivos órgãos. Aliás, a competência para julgamento do mandado de segurança contra atos dos Tribunais, inclusive aqueles dos Presidentes dos respectivos Tribunais, é do próprio Tribunal(LOMAN, Lei Complementar 35, artigo 21, VI).
Na esfera da Justiça Federal compete aos Tribunais Regionais Federais processar e julgar, originalmente, os mandados de segurança contra ato do próprio Tribunal ou de juiz federal(artigo 108, I, ¨c¨, da Constituição Federal) e, aos juízes federais compete processar e julgar os mandados de segurança contra ato de autoridade federal, excetuados os casos de competência dos Tribunais Federais.
No que concerne aos atos dos juízes dos Juizados Especiais Criminais o julgamento compete às Turmas Recursais, a teor da Súmula 376 do STJ. Caso a autoridade seja a própria Turma Recursal, o mandado de segurança poderá ser impetrado perante o Tribunal de Justiça respectivo ou ainda TRF, se for matéria no âmbito federal.
Parte passiva no mandado de segurança é a autoridade coatora, artigo 7º, inciso II, da Lei 12.016/2007.
O impetrante, o sujeito ativo, é a pessoa que sofre o constrangimento ilegal, não referente á liberdade de locomoção, devendo estar representado por advogado.
Ainda lembro que conforme o enunciado 701 do Supremo Tribunal Federal, no mandado de segurança impetrado pelo Ministério Público, na decisão proferida em processo penal, é obrigatória a citação do réu como litisconsorte passivo necessário em face da relação jurídica estabelecida.
A Lei 12.016/2009 determina, no artigo 7º, incisos I e II, a necessidade de notificar o coator do conteúdo da petição inicial, enviando-lhe a segunda via apresentada com as cópias dos documentos, a fim de que, no prazo de dez dias, preste informações e ainda que se dê ciência do feito ao órgão de representação judicial da pessoa jurídica interessada, que a autoridade coatora presenta, enviando-lhe cópia da inicial sem documentos, para que, querendo, ingresse no feito.
Na matéria Guilherme de Souza Nucci[9] traz algumas considerações aqui sintetizadas:
a) se o acusado impetrar mandado de segurança contra ato de delegado caberá o julgamento ao juiz e será ouvido, como litisconsorte necessário, o Parquet;
b) sendo a acusação patrocinada pelo Ministério Público, não tem sentido ser ele ouvido, novamente, como custos legis;
c) se a acusação for promovida pelo ofendido, no entanto, ouve-se este, como litisconsorte necessário e o MP como custos legis;
d) quando o acusado impetrar mandado de segurança no Tribunal contra ato do juiz, será ouvida a Procuradoria-Geral de Justiça, que intervirá como custos legis, não havendo de ser litisconsorte necessário o Parquet através do órgão que funciona em primeiro grau;
e) se o impetrante do mandado de segurança for o promotor ou procurador da república, na esfera federal, contra ato de magistrado, será ouvida a Procuradoria de Justiça(órgão do Ministério Público, em segundo grau de jurisdição, como custos legis, ou ainda, no âmbito federal, a Procuradoria Regional da República).
O prazo para o Ministério Público se pronunciar, em parecer, pela Lei 12.016/2009 subiu de 5(cinco) para 10(dez) dias, mas basta a intimação para a oferta de pronunciamento, para elidir a eventual nulidade(artigo 12).
O prazo para conclusão dos autos ao magistrado não poderá exceder a cinco dias, devendo o mandado de segurança, ressalvado o habeas corpus, ter preferência para julgamento. Nos tribunais, os autos deverão ser levados a julgamento na primeira sessão que se seguir a data em que forem conclusos ao relator(artigo 20, § § 1º e 2º, da Lei 12.016/2009).
IV – RECURSOS
O mandado de segurança é ação civil não se admitindo a condenação em honorários advocatícios(artigo 25 da Lei 12.016/2009).
Não são admissíveis embargos infringentes(Súmula 169 do STJ) na forma do artigo 25 da Lei 12.016/2009.
Da sentença, negando ou concedendo o mandado de segurança, cabe apelação, seja pelo indeferimento da inicial(artigo 10, § 1º), seja ainda pela sentença final(artigo 14).
Em sendo o julgamento proferido por juiz de primeiro grau, a sentença concessiva de mandado de segurança fica sujeita a duplo grau de jurisdição, podendo a autoridade coatora dela recorrer, submetendo-se a decisão à execução provisória(artigo 14, §§ 1º, 2º e 3º, da Lei 12.016/2009).
Quando o mandado de segurança for concedido e o Presidente do Tribunal ao qual competir o conhecimento do recurso, ordenar ao juiz a suspensão da segurança(da execução da sentença), desse ato cabe agravo regimental para o Tribunal a que presida no prazo de cinco dias, nos termos do artigo 15 da Lei 12.016/2009.
Caso o julgamento seja de competência originaria do Tribunal caberá recurso ordinário constitucional, se for denegatória a decisão, ou ainda recurso especial ou recurso extraordinário, a teor do artigo 18 da Lei 12.016.
V – CABIMENTO NO PROCESSO PENAL
Permito-me trazer a douta opinião do Desembargador Francisco Cavalcanti[10], quando argumenta:
¨o mandado de segurança não é substitutivo do recurso, nem instrumento para, como regra, atribuir-se o efeito suspensivo para o qual o sistema processual não previu aquele efeito, sobretudo para que tal não funcione como uma ferramenta para procrastinação dos processos.¨
Ainda da prática forense e das lições de Guilherme de Souza Nucci[11] alguns exemplos de utilização do remédio processual podem ser suscitados:
a) para obstar a injustificada quebra do sigilo bancário, fiscal ou de outros dados(impetração contra o juiz que deu a ordem);
b) para autorizar o acesso de advogado aos autos, ainda que o inquérito ou processo corra em segredo de justiça(impetração contra o magistrado, se este deu a ordem, ou contra a autoridade policial se partiu desta a medida restritiva contra o advogado);
c) para assegurar a presença de advogado ou defensor durante a produção de alguma prova na fase inquisitorial, possibilitando a sua presença, uma vez que se trata de prerrogativa sua;
d) pelo ofendido, quando o assistente do Ministério Público for impedido de se habilitar nos autos pelo juiz, sem justificativa plausível;
e) pela acusação, quando o julgador ordena a soltura do acusado, agindo contra a expressa disposição de lei, uma vez que é inviável o habeas corpus, quando o Parquet age pro societate;
f) quando o recurso cabível é desprovido de efeito suspensivo;
g) quando se quer dar efeito suspensivo ao recurso apresentado;
h) quando do ato combatido advenha dano irreparável demonstrado prontamente;
i) quando há apreensão excessiva de material para fundamentar uma ação penal por crime contra a propriedade industrial;
j) visando evitar o desentranhamento de documentos;
k) para apresentar quesitos em perícia;
l) contra ordem de seqüestro;
m) para restituição de coisas apreendidas;
n) para trancamento de inquérito policial ou ação penal quando a indiciada ou acusada é pessoa jurídica;
o) para entrega provisória de aeronave apreendida;
Observo ainda que já se entendeu caber o writ, em sede administrativa, em atos de caráter penal, quando houver recusa de expedição de certidão negativa de antecedentes,(RT 586/313) na omissão de certidão devida a condenado(RT 609/323, 586/313). Outra hipótese é a de indeferimento de vista dos autos fora do cartório, em juízo, ou mesmo na Polícia, quando não for o caso de exigência de sigilo das investigações(artigo 798 do CPP); em todas as situações onde não exista ameaça, nem potencial(caso de infração penal cuja pena cabível seja exclusivamente de multa), à liberdade individual, não seja cabível o habeas corpus, e estiver configurada a prática de ilegalidade pelos agentes púbicos, sem prejuízo ao regular exercício de direitos subjetivos.
O mandado de segurança, que é atualmente regulamentado pela Lei nº 12.016, de 7 de agosto de 2009, que revogou a anterior Lei nº 1.533/51, é cabível para a tutela de “direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data”(art. 5º, LXIX). O procedimento ali estará previsto com a autoridade notificada para prestar informações e oferecer documentos no prazo de dez dias, seguindo manifestação do Parquet, como custos legis, e a decisão final. Por óbvio, não há fase destinada a produção de provas, em razão da natureza célere do writ constitucional, exigindo-se prova pré-constituida. Da decisão no mandado de segurança caberá recurso de apelação(artigo 14 da Lei nº 12.016/09). Mas lembre-se que toda impetração em que se queira o reconhecimento de direito á acusação veicula interesse também da defesa, exigindo-se a intimação ou citação do réu – quando ele não compuser ainda a relação jurídica processual – na condição de litisconsorte passivo(Súmula 701 do Supremo Tribunal Federal).
Repete-se que, no processo penal, trata-se de ação e não de recurso. É de ação mandamental, no sentido de ser destinada à obtenção de ordem judicial dirigida à autoridade apontada como coatora(ou violadora do alegado direito), por meio da qual se exige dessa autoridade determinado comportamento, comissivo ou omissivo, que seja suficiente para fazer cessar a ilegalidade.
A decisão no mandado de segurança constitui-se em ordem judicial para imediato cumprimento, razão pela qual não tem efeito suspensivo, a corrigir o atuar dos agentes do Poder Público, de modo a adequá-lo aos limites da lei.
Como sujeito passivo do writ responde a autoridade coatora, que é aquela responsável pela prática do ato, ainda que futuro(se iminente), violador do alegado direito individual, com poderes para a sua revisão. Em tese, nada impede que as pessoas a tanto equiparadas a autoridades, pela Lei nº 12.016/2009, artigo 1º, §1º, possam vir a figurar no pólo passivo da impetração.
Mister se faz para o ajuizamento do mandado de segurança o direito líquido e certo que é aquele apto a ser exercido imediatamente pelo seu titular, independentemente da eventual complexidade quanto à solução de direito, ou seja, quanto à definição da norma legal aplicável ao caso concreto. Como tal a liquidez diz respeito a situação de fato a não demandar instrução probatória, e à autorização do Direito quanto ao seu imediato exercício, como ensinou Eugênio Pacceli de Oliveira.[12]
Deve ser lembrada a lição de que “a utilização do mandado de segurança contra ato judicial é aceita na jurisprudência quando o mesmo, porventura, seja manifestadamente ilegal ou revestido de teratologia”(RMS nº 19.220/SC, Relator Ministro José Arnaldo da Fonseca, DJ de 14 de junho de 2005).
Notas
[1] BASTOS, Celso Ribeiro; MARTINS, Ives Gandra. Comentários à constituição do Brasil, São Paulo, Saraiva, 1989, 2º volume, pág. 326.
[2] NÉRY JÚNIOR, Nelson. Princípios fundamentais – Teoria geral dos recursos, São Paulo, ed. Revista dos Tribunais, 4ª edição, pág. 53.
[3] NUNES, José de Castro. Do mandado de segurança, Revista Forense, 6ª edição, pág. 124.
[4] No caso do direito eleitoral, os recursos ali existentes, consoante o artigo 257 do Código Eleitoral, não têm efeitos suspensivos.
[5] Admitir-se o mandado de segurança contra decisão transitada em julgado seria burlar a coisa julgada material, que não admite recurso ordinário ou extraordinário. Assim se a parte não usa nenhum recurso cabível não é justo dar-lhe sucedâneo através do mandado de segurança.
[6] Foi o caso recente, em decisão muito conhecida, discutida no MS 94.527/RN, na Justiça Eleitoral, em que se impôs, sem o devido processo legal, e sem sustentação legal e constitucional, pena de cassação de registro e de mandato eleitoral e ainda inelegibilidade, após declarar-se a preclusão temporal de recurso ordinário de sentença que impôs outra sanção.
[7] YARSHALL, Flávio Luis. Alterações nas regras que disciplinam o agravo de instrumento: primeiras impressões, Revista do advogado, n. 84, pág. 56 a 83.
[8] CAMARGO ARANHA, Adalberto José Q.T.de. Dos recursos no processo penal, São Paulo, Saraiva, 1988, pág. 218.
[9] NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de processo penal e execução penal, São Paulo, RT, 7ª edição, 2010, pág. 973.
[10] CAVALCANTI. Francisco. O novo regime jurídico do mandado de segurança: Comentários à Lei nº 12.016, de 7 de agosto de 2009, São Paulo, MP Ed. 2009, pág. 73.
[11] NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de processo penal e execução penal, São Paulo, RT, 7ª edição, 2010, pág. 968 e 969.
[12]OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de Processo Penal, São Paulo, Atlas, 17ª edição, 2013, pág. 957.