3. Linchamento ou justiçamento
A revolta da sociedade com esse estado de coisas, motivada em face da ausência de confiança na atuação dos órgãos públicos, a falta de credibilidade na resposta processual, a fragilidade legislativa e a crescente onda de violência fez com que nascesse no povo brasileiro aquilo que se chama de linchamento ou justiçamento.
Somente em 2014 foram mais de 50 linchamentos registrados no Brasil no primeiro semestre.Muitos autores atribuem a origem da palavra ao coronel Charles Lynch, que praticava o ato por volta de 1782, durante a guerra de independência dos Estados Unidos, ao tratar dos pró-britânicos.
Entretanto, é mais seguidamente atribuída ao capitão William Lynch (1742-1820), do condado de Pittsylvania, Virgínia, que manteve um comitê para manutenção da ordem durante a revolução, por volta de 1780.
A lei de Lynch deu origem à palavra linchamento, em 1837, designando o desencadeamento do ódio racial contra os índios, principalmente na Nova Inglaterra.
O justiçamento era a prática de julgamento e eliminação de pessoas consideradas traidoras de movimentos revolucionários durante a época do regime militar de 1964.
Ocorria, também, em diversos tribunais revolucionários espalhados pelo mundo, oriundos, em geral, de uma situação política excepcional que se instalava após o sucesso de um movimento revolucionário.
O excelso Prof. Luiz Flávio Gomes, descreve com autoridade acerca do linchamento:
"O linchamento constitui uma nefasta licença para matar, sendo manifestação típica das massas (composta de todas as classes sociais; prova disso é que todas elas estão agora surfando na moda dos justiçamentos com as próprias mãos). O linchamento constitui uma evidência do nível de rebelião das massas desorientadas (precisamente pela carência, no país, de lideranças confiáveis). Este fenômeno veicula duas possíveis direções (veja Ortega y Gasset 2013: 142): (a) pode ser o trânsito para uma nova e inusitada organização da sociedade e da humanidade ou (b) uma catástrofe no destino humano. Não existe razão para negar a realidade do progresso (diz o autor citado); "porém, é preciso corrigir a noção que acredita garantido esse progresso. Mais congruente com os fatos é pensar que não existe nenhum progresso seguro, nenhuma evolução sem ameaça de involução e retrocesso. Tudo, tudo é possível na história (tanto o progresso triunfal e indefinido como a periódica regressão). Porque a vida, individual ou coletiva, pessoal ou histórica, é a única entidade do universo cuja substância é o perigo. Ela se compõe de peripécias. É, rigorosamente falando, um drama". No Brasil esse drama tem coloridos distintos porque aqui a vida vale muito pouco".
Diariamente, a imprensa brasileira tem noticiado casos em que o delinquente é preso pela própria vítima, com ajuda de populares, e a partir daí, várias atitudes têm sido tomadas.
Os autores dos crimes geralmente são amarrados em postes de luz, e até que a Polícia compareça para o registro do boletim de ocorrência, os populares com sentimento de revolta passam a agredir os autores.
A principais causa para esse tipo de conduta é justamente a falta de confiança nos órgãos de segurança pública, nas leis penais e processuais e inércia total do sistema de justiça criminal.
Os processos são morosos, burocráticos e dotados de excessivo número de recursos processuais.
As leis brasileiras consideram crime essa prática de fazer justiça com as próprias mãos, cuja tipicidade vem prevista no artigo 345 do Código Penal Brasileiro.
Art. 345 - Fazer justiça pelas próprias mãos, para satisfazer pretensão, embora legítima, salvo quando a lei o permite:Pena - detenção, de quinze dias a um mês, ou multa, além da pena correspondente à violência.Parágrafo único - Se não há emprego de violência, somente se procede mediante queixa.
Das considerações finais
Após os apontamentos feitos em torno da segurança pública e do processo de descarcerização no Brasil, um passo largo para a impunidade, fica fácil entender que as leis são editadas para proteger delinquentes.
E quem detém o poder dominante tudo faz para arregimentar seus fieis asseclas, que dão proteção aos seus desvios de conduta.
Se fosse em direito civil a isso chamaria de confusão, isto é, bandido protegendo bandido e tudo se mistura, formando uma única massa.
Uma sociedade que convive diariamente com o aumento da criminalidade, que se ver mergulhada num submundo das corrupções, dos peculatos e das concussões, das manobras enojadas em busca da impunidade, não pode ser revitimada com mudanças que beneficiam exclusivamente o delinquente, o que faz revitalizar o pensamento de que vivemos numa grande prisão social, numa leitura de grandes castelos protegidos por muros e sistema de segurança privada monitorada, enquanto meliantes desalmados vivem soltos nos corredores da Administração Pública, desfilando no asfalto e nas comunidades subnormais, a transgredir as normas de boa convivência, e a destilar suas peçonhas nos quadrantes sociais.
Mas não esqueçamos de que nenhuma espécie de deficiência na estrutura administrativo-jurisdicional do Estado ou sintomas de resquícios de autoritarismos, de boçalidades, e até mesmo ranço de uma ditadura armazenada nos porões dos quartéis, pode fazer com que o profissional técnico e moralmente competente, comprometido com a Justiça, se cale ou se acomode frente a uma arbitrariedade perpetrada por canalhocratas que pousam de paladinos da moralidade ou arauto da probidade.
Lembrar que o mais belo e prudente dos compromissos é viver o calor da honestidade e jamais deixar o frio da corrupção tomar conta de nossas vidas, sendo mais justo sentir o frio do inverno a cobrir-se com um cobertor adquirido com recursos advindos da corrupção.
Por fim, qualquer que seja a situação de uma Nação, governada por pessoas sérias ou por um bando de irresponsáveis, é importante lembrar que o atual estágio da sociedade não nos permite usar de práticas ilegais, ultrapassadas e arcaicas. Justiça com as próprias mãos faz parte de um tempo remoto que ficou nos porões da ditadura, de triste reminiscência.
O caminho mais correto é transformar essa sociedade por meio de investimentos na educação, mesmo sabendo que conforme ensina Paulo Freire, "seria uma atitude ingênua esperar que as classes dominantes desenvolvessem uma forma de educação que proporcionasse às classes dominadas perceber as injustiças sociais de maneira crítica".
Referências bibliográficas
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