Eduardo Cunha: um falso cristão sem virtù maquiavélica

20/07/2015 às 16:04
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Reflexões sobre as ações do presidente da Câmara dos Deputados com base em Maquiavel e Hannah Arendt.

Atropelado pela publicidade indesejada de sua conduta inadequada, Eduardo Cunha reagiu de maneira irracional. “Vou explodir o governo” http://jovempan.uol.com.br/noticias/brasil/politica/vou-explodir-o-governo-afirma-cunha-em-resposta-acusacoes.html e tratou de dar andamento aos requerimentos de Impeachment de Dilma Rousseff http://www.valor.com.br/politica/4140226/cunha-organiza-pedidos-de-impeachment-contra-dilma. Ele também acusou, de forma leviana, o Procurador Geral da República e o STF, fato que gerou uma reação firme do Ministro Marco Aurélio de Mello http://veja.abril.com.br/blog/radar-on-line/brasil/marco-aurelio-mello-nem-rodrigo-janot-nem-o-stf-sao-paus-mandados/.

Um homem comum é responsável por suas ações perante: sua consciência, com a qual será obrigado a conviver diariamente; a comunidade, que pode rejeitar moralmente sua conduta; o Estado, que pode punir atos que foram previamente definidos como sendo criminosos. O homem público também está sujeito a estes três níveis de responsabilidade, mas, ao contrário do homem comum, ele também é responsável pelo órgão público que temporariamente comanda e, em razão disto, ele também deve se preocupar com sua responsabilidade histórica.

O poder do homem comum é pequeno. Portanto, suas ações raramente geram efeitos numa comunidade ampliada. Seus atos afetam apenas ele mesmo, seus familiares, alguns amigos e, eventualmente, um pequeno número de pessoas que pertencem à sua comunidade local.

O poder de um homem público que chegou à cúpula do poder estatal (o Presidente da República, os Ministros do STF e os presidentes da Câmara e do Senado) é imenso. Suas ações afetam não somente sua pessoa, familiares, amigos e comunidade local. Duzentos milhões de pessoas podem ser afetados pelos seus atos. A responsabilidade dele é bem maior.

De um homem comum não se pode esperar um ato grandioso. E, mesmo que ele o pratique, raramente terá grande repercussão ou será dignificado pela História. É claro que qualquer um pode sair do anonimato para entrar na infâmia. Foi o que ocorreu com o grego que incendiou o Templo de Artemis em Éfeso, com os norte-americanos que mataram Lincoln e Kennedy e com o delegado que fuzilou Carlos Marighella.

Os atos dos homens públicos são sempre grandiosos, mesmo quando não tenham sido praticados de maneira intencional e, inclusive, quando produzem efeitos indesejados. Carlos Lacerda apoiou o golpe de estado de 1964 e foi excluído do poder infame que ajudou a instituir. Getúlio Vargas tirou a própria vida e, com isto, decretou o isolamento dos seus adversários políticos até o início dos anos 1960. Napoleão tentou conquistar a Rússia no início do século XIX e provocou a ruína de seu Império, erro que seria repetido por Adolf Hitler no século seguinte. João Goulart não se preparou para resistir ao golpe de estado de 1964. Ele fugiu do país deixando acéfalas as forças que se opunham aos militares, fato que, provavelmente, fortaleceu os golpistas, submetendo o país a mais de duas décadas de Ditadura.

Na vida de um homem comum a moralidade e a ética podem caminhar juntas. Na vida do homem público as duas geralmente estão divorciadas. Isto foi notado com propriedade por Maquiavel:

“...a revolução empreendida por Maquiavel no gênero dos manuais de aconselhamento aos príncipes se baseava, em verdade, na redefinição do conceito central de virtù. Ele endossa o postulado convencional de que virtù é o nome que designa aquela série de qualidades que permite ao príncipe aliar-se à Fortuna e conquistar honra, glória e fama. Mas ele dissocia o sentido do termo de qualquer ligação necessária com as virtudes cardeais e as virtudes principescas. Em lugar disso, Maquiavel sustenta que a característica definidora de um príncipe realmente virtuoso é a disposição de fazer o que dita a necessidade – seja a ação má ou virtuosa – a fim de alcançar seus fins mais altos. Assim, a virtù passa a designar exatamente a qualidade de flexibilidade moral indispensável a um príncipe: ‘Ele deve estar preparado para alterar sua conduta quando  os ventos da fortuna e a variação das circunstâncias o forçam a isso.” (Maquiavel, Quentin Skinner, L&M Pocket, vol. 896, Porto Alegre,  2010, p. 57)

Refletindo sobre o tema, Hannah Arendt faz a seguinte ponderação:

“A principal dificuldade em discutir esses assuntos parece residir na ambigüidade muito perturbadora das palavras que usamos para discutir estas questões, isto é, a moralidade ou a ética. As duas palavras significam originalmente nada mais do que costumes ou maneiras e, depois, num sentido elevado, os costumes e as maneiras que são mais apropriados para o cidadão. Da Ética a Nicômaco até Cícero, a ética ou a moral era parte da política, aquela parte que não tratava das instituições, mas do cidadão, e todas as virtudes na Grécia ou em Roma são definitivamente virtudes políticas. A questão nunca é se um indivíduo é bom, mas se a sua conduta é boa para o mundo em que vive. No centro do interesse está o mundo, e não o eu. Quando falamos sobre as questões morais, inclusive a questão da consciência, queremos dizer algo completamente diferente, algo, na verdade, para o qual não temos uma palavra pronta.” (Responsabilidade e Julgamento, Hannah Arendt, Companhia das Letras, São Paulo, 2010, p. 218)

Não há dúvida de que a conduta de Eduardo Cunha é ilegal e, contudo, virtuosa, no sentido maquiavélico. Como vários outros políticos, o presidente da Câmara dos Deputados fez o que era necessário para chegar ao poder. Ele pediu e recebeu dinheiro sujo (propina) para fazer sua campanha eleitoral. Sua virtù política (principesca, na terminologia de Maquiavel) não foi suficiente. Ele falhou ao esconder seus podres e não conseguiu evitar que os mesmos fossem atribuídos à sua pessoa pelo delator, pelo MP e pela Justiça.

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Após cair em desgraça, o presidente da Câmara dos Deputados fez mais do mesmo. Como notou Marco Aurélio de Mello, ele já vinha hostilizando o governo e intensificou sua campanha de ódio contra Dilma Rousseff. Seu desespero e egoísmo extremados são evidentes. Ao contrário de agir como um homem público que coloca o Brasil acima de si mesmo, Eduardo Cunha passou a disparar em todas as direções. Ele quer submeter tudo e todos à sua vontade inconfessa de ficar impune. Lei, ordem, progresso, governabilidade, independência do Poder Judiciário e seriedade do Ministério Público não significam absolutamente nada para ele. A conduta dele não é boa para o Brasil.

Eduardo Cunha se diz um homem de Deus, mas deseja sacrificar a nação, o governo e até o Estado no altar do seu ego criminoso. O julgamento que dele será feito pela História não será generoso, pois ele tem uma natureza vil e mesquinha. O presidente da Câmara se diz “pastor evangélico”, mas é incapaz de submeter seus atos a qualquer julgamento. Agredido, ele revida, ao invés de dar a outra face. Suas declarações sugerem que ele não segue Jesus, cujos ensinamentos ele supostamente tem pregado. Ao invés de se deixar imolar como seu Deus, Eduardo Cunha prefere chicotear o governo e crucificar o país como se fosse um soldado romano encarregado da execução de Cristo.

A virtù maquiavélica do atual presidente da Câmara dos Deputados foi pequena. A responsabilidade política dele com o Brasil é nenhuma. Na verdade nem mesmo um bom cristão Eduardo Cunha consegue ser. No fundo, ele é apenas um moderno Heróstrato que chegou ao lugar errado, no momento errado. Quem será patriota o suficiente para apagar a tocha que ele empunha? 

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Sobre o autor
Fábio de Oliveira Ribeiro

Advogado em Osasco (SP)

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Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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