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Movimento de regulação da atividade lotérica

22/07/2015 às 17:27
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Neste momento de crise econômica geral, a MP do Futebol reabre a saudável discussão sobre o papel econômico e social local das loterias estaduais, bem como assegura a execução mais harmônica desse serviço público com o texto constitucional.

As Loterias Estaduais aguardam a sanção presidencial do Projeto de Lei de Conversão nº 10, de 2015, decorrente da Medida Provisória nº 671/2015, aprovado no dia 13/07/2015, pelo Congresso Nacional[1], conhecida como MP do futebol, que, entre outras providências, altera o Decreto-Lei nº 204, de 27 de fevereiro de 1967.

Percebe-se, no Congresso Nacional, um movimento propício a regulação do jogo no país e, neste ensejo, o presidente da Loteria do Estado do Rio de Janeiro, Sergio Ricardo de Almeida, não poupou esforços do governo estadual junto ao Relator, Deputado Federal Otavio Leite, que adicionou ao texto a proposta encaminhada com amparo da Primeira Dama do Estado, Maria Lúcia Cautiero Horta Jardim.

Depois de décadas de omissão legiferante e tratamento anti-isonômico, imposto pela Ditadura Militar aos Estados Federados, por força do referido Decreto-Lei, resguardado, à época pelo Ato Institucional, n.º 4, de 7 de dezembro de 1966, a União, finalmente, vem assegurar aos Estados os mesmos direitos da Loteria Federal para a exploração do serviço público loterias e loteria promocional, pelas loterias estaduais, no âmbito de seus respectivos territórios.

Além da iminente confirmação legislativa, do inquestionável dever de tratamento isonômico entre os entes federados, já amplamente defendido pelos especialistas na matéria em tela, se encerram quaisquer dúvidas quanto à possibilidade das Loterias Estaduais existentes poderem aumentar as quantidades de bilhetes e séries emitidas, ante a revogação expressa do § 1°, do art. 32, do referido Decreto-Lei, em reconhecimento expresso da realidade e a sua evidente razoabilidade, uma vez que a continuidade do funcionamento das loterias estaduais, em termos e viabilidade econômica, por si e ante o tempo decorrido, exige a elevação das emissões lotéricas, acima do limite máximo então fixado, como bem ensinou o saudoso Professor, Caio Tácito[2], valendo aduzir que irrazoável seria impedir o natural aumento das emissões de novas séries de bilhetes lotéricos, decorrente do sucesso do serviço, que possibilitam maior movimentação da economia, com a aquisição de mais prêmios e novas chances e oportunidades de ganhar, bem como a elevação dos decorrentes investimentos sociais.

Com a inauguração do novo sistema político em 1988, com destaque para autonomia dos entes da federação, temos que a competência privativa da União para legislar sobre sistemas de consórcios e sorteios não se traduz em monopólio capaz de restringir a exploração das mesmas modalidades lotéricas exploradas no âmbito federal pelas loterias estaduais, sem, portanto, guardar isonomia[3] entre os entes da Federação e de maneira a afastar os efeitos de uma cláusula pétrea, na lição do Ex-ministro, Carlos Ayres Britto[4], em destaque:

 “Se é correto ajuizar que apenas a União pode originariamente legislar sobre essa ou aquela espécie de sorteio (e assim excluí-lo da ilicitude contravencional), não parece verdadeiro, contudo, afirmar que somente ela pode explorá-lo.

(...)

Instituído, ou autorizado que seja um determinado jogo pela pessoa jurídica central da Federação (ainda que por lei ordinária, tão somente) qualquer das duas entidades estatais periféricas (Estado-membro ou Distrito Federal), pode concorrer com ela, União Federal. Pode, no território de cada qual delas, competir com o Governo Central pela preferência dos apostadores.”

Prossegue o Ministro fazendo uma distinção basilar: a competência legislativa não induz ao monopólio do jogo pela União Federal.

Não custa lembrar que o legislador constituinte originário foi muito preciso e taxativo ao instituir monopólios, restritos às seguintes situações:

“Art. 177. Constituem monopólio da União:

I - a pesquisa e a lavra das jazidas de petróleo e gás natural e outros hidrocarbonetos fluidos;

II - a refinação do petróleo nacional ou estrangeiro;

III - a importação e exportação dos produtos e derivados básicos resultantes das atividades previstas nos incisos anteriores;

IV - o transporte marítimo do petróleo bruto de origem nacional ou de derivados básicos de petróleo produzidos no País, bem assim o transporte, por meio de conduto, de petróleo bruto, seus derivados e gás natural de qualquer origem;

V - a pesquisa, a lavra, o enriquecimento, o reprocessamento, a industrialização e o comércio de minérios e minerais nucleares e seus derivados, com exceção dos radioisótopos cuja produção, comercialização e utilização poderão ser autorizadas sob regime de permissão, conforme as alíneas b e c do inciso XXIII do caput do art. 21 desta Constituição Federal.”

Por conseguinte, tornou-se ainda mais evidente a anterior incompatibilidade dos artigos 1° e 32 do Decreto-lei n.º 204/67, à luz da atual Constituição da República[5], posto que “loteria” não é um monopólio da União Federal, sendo enfim reparada, mais uma violação de direitos, arbitrariamente perpetrada pela ditadura militar.

Por fim, vale destacar que: “São reservadas aos Estados as competências que não lhes sejam vedadas pela Constituição Federal[6], sendo competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, entre outras[7], zelar pela guarda da Constituição, das Leis e das Instituições democráticas e conservar o patrimônio público, cuidando da saúde, e assistência pública, da proteção e garantia das pessoas portadoras de deficiência, acesso à cultura, à educação, combater as causas da pobreza e os fatores de marginalização, promovendo a integração dos setores desfavorecidos. E, concorrentemente[8], destaco, especialmente, sobre Orçamento, cujas finalidades coincidem, justamente com as destinações dos recursos obtidos historicamente com a exploração dos serviços públicos das loterias estaduais.

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Donde se conclui que, no exercício da competência privativa para legislar sobre sistemas de consórcios e sorteios, a União não pode instituir restrições injustificadas à atividade dos Estados, inviabilizando ou esvaziando sua competência para a exploração do serviço, sob pena de violação ao princípio federativo, sendo assegurado aos Estados a exploração das mesmas modalidades lotéricas instituídas ou autorizadas ao ente federal, pela preferência dos apostadores, bem como a necessidade de aprimoramento da regulação da atividade lotérica em âmbito federal e estadual, de forma isonômica e não monopolista.


[1] Conhecida como MP do Futebol, que estabelece princípios e práticas de responsabilidade fiscal e financeira e de gestão transparente e democrática para entidades desportivas profissionais de futebol; institui parcelamentos especiais para recuperação de dívidas pela União, cria a Autoridade Pública de Governança do Futebol - APFUT; dispõe sobre a gestão temerária no âmbito das entidades desportivas profissionais; cria a Loteria Exclusiva - LOTEX; altera as Leis nºs 9.615, de 24 de março de 1998, 8.212, de 24 de julho de 1991, 10.671, de 15 de maio de 2003, 10.891, de 9 de julho de 2004, 11.345, de 14 de setembro de 2006, e 11.438, de 29 de dezembro de 2006, e os Decretos-Leis nºs 3.688, de 3 de outubro de 1941, e 204, de 27 de fevereiro de 1967; revoga a Medida Provisória nº 669, de 26 de fevereiro de 2015; cria programa de iniciação esportiva escolar; e dá outras providências

[2] Loteria Estadual. Limites de emissão de bilhetes. Autonomia Estadual. R. Dir. Proc. Geral, Rio de Janeiro, (40), 1988,

[3] Art. 9º, I da CF/88

[4] ADI 2.847/DF

[5] BARROSO, L. R., Parecer: Decisão da STF: Competência privativa da União para legislar sobre serviço de loterias. Competência dos Estados para exploração do serviço, nos termos da legislação nacional. Inconstitucionalidade de legislação federal que esvazie a competência político-administrativa dos estados

[6] Art. 25, §1º da CF/88

[7] Art. 23, §1º da CF/88

[8] Art. 24, §1º da CF/88

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Sobre o autor
Paulo Horn

Presidente da Associação dos Antigos Alunos de Direito da UFRJ - ALLUMNI FND. Mestrando em Direito da Cidade pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro UERJ. Possui graduação em Ciências Jurídicas e Sociais pela Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro (1990) - FND/UFRJ. Atualmente é Vice-Presidente da Loteria do Estado do do Rio de Janeiro, Autarquia, onde iniciou como chefe da assessoria jurídica em 2007, Vinculada a Secretaria de Estado da Casa Civil do Governo do Estado do Rio de Janeiro. Tem experiência na área de Direito, com ênfase em Direito Público. Especialista em Direito do Consumidor, pela Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro, em parceria com a Universidade Estácio de Sá (2004) - EMERJ/UNESA. Especialista em Direito Constitucional, Administrativo e Tributário, pela Universidade Estácio de Sá (2009) UNESA. Exerceu os cargos de Diretor Geral de Administração e Finanças, da Secretaria de Estado de Turismo do Rio de Janeiro - SETUR (2003/2006) e Presidente do Conselho Fiscal da Companhia de Turismo do Estado do Rio de Janeiro - TURISRIO (2005/2007), Diretor Administrativo e Financeiro da Fundação Casa França-Brasil, da Secretaria de Cultura do Estado do Rio de Janeiro. FCFB (1995/1999). Membro da Comissão de Direito Constitucional da OAB e do IAB, onde integra a Comissão Especial para Exame dos Projetos de Lei visando à regulação de jogos e entretenimento no Brasil. Membro da Academia de Direito Eleitoral e Político - ABRADEP

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