Nunca levei muito a sério esse negócio de fim/falência do Estado. Quando começou, eu sei. Agora, se acabou, quando foi? Na Revolução Industrial? Na Primeira Grande Guerra? Com a criação do Conselho de Segurança da ONU? Na Guerra-Fria? Com o neoliberalismo? Sérias dúvidas, principalmente porque, sob os meios de exceção praticados no século XXI, está mais vivo do que nunca.
Pois bem - deixando de lado o historicismo e fazendo uma analogia com a medicina -, ao estudar o Estado de Exceção, sinto-me fazendo a autópsia de um cadáver insepulto há dois séculos. Ao menos na referência ao Estado de Direito já cheira bem mal: forças policiais querem usar a “cadaverina” como se fosse spray de pimenta, para conter rebeliões populares.
Em todo caso, sinto-me como um intensivista com especialidade em controle (ou provocação) de epidemias e pandemias societais. Um virologista, bacteriologista que procura no cadáver estatal as respostas para o açodamento das formas mais violentas de morte propagadas na atualidade. Se a analogia fosse com o cinema estaria rodando “Alien 21: a peste paralisante”.
Pela tradição analítica, teríamos de ver os problemas enfrentados pelo Estado Moderno para manter sua soberania: guerra eletrônica, boicotes econômicos, exploração ilegal da biodiversidade e presença ostensiva de grupos paramilitares ou de mercenários (a exemplo da Amazônia, com a empresa Blackwater), o terrorismo interno e externo, e outros meios.
Pelo outro caminho, da desconstrução do Estado, investiga-se o elevadíssimo endividamento dos Estados soberanos, começando pelos Estados Unidos (18 trilhões de dólares), a desmesurada concentração do capital, a imposição da lógica econômica pelas maiores empresas transnacionais na fixação das políticas públicas.
E uma tipologia de terceiro caminho nos levaria a pensar em uma junção entre as duas apostas anteriores. Mais livres do maniqueísmo, podemos desembaraçar alguns pontos do que denominei de Teoria Geral do Estado de Direito de Exceção.
Atualmente, os antigos problemas de soberania se converteram em “soberania de conquista”, ou seja, invadir e conquistar sob a pretensa ameaça externa (EUA no Iraque, Síria, Líbia, Ucrânia); ao mesmo tempo em que o hostis (inimigo externo) é também o cidadão nacional: do atentado praticado pelo “lobo solitário” (por exemplo, o cidadão estadunidense descontente com o Fisco e sua pauperização familiar) ao treinamento velado de forças especiais como preparativo da imposição de Lei Marcial.
Pelo caminho clássico, faríamos uma releitura da Teoria do Estado e do Direito (na cola de Hans Kelsen, jurista alemão) com destaque, neste caso, para a relação entre norma social e regra jurídica (direito positivo), entre o Direito e a Justiça.
Pelo viés da Teoria Geral do Estado de Direito de Exceção, falaríamos da relação entre a regra (equidade, isonomia, direitos fundamentais, bom senso) e a exceção: a própria regra constitucional que preserva núcleos aditivos ao Poder Político (entre outras, a mencionada Lei Marcial ou, no nosso caso, o rebotalho ditatorial da Lei de Segurança Nacional).
Por este prisma, destacam-se ainda a reversão do direito em antidireito: controle do Legislativo por grupos de poder hegemônicos promulgando leis injustas. Literariamente falando – e parodiando Albert Camus, escritor franco-argelino – colocamo-nos entre a versão (hermenêutica, interpretação) e a aversão ao direito imposto e atravessado pela deslegitimação moral e social.
E assim caminha o famoso Estado Cientificista, impondo regras de sobrevivência física aos que já apresentam morte cerebral. E, no mais, seria a perfeita caracterização da pior doença política – diagnosticada no século passado como “analfabetismo político” (Brecht).
Enfim, por tudo isso, acompanhados de Hamlet (do dramaturgo inglês Shakespeare), dá para dizer que a Teoria Geral do Estado de Direito de Exceção contempla o que “há de podre no Reino da Dinamarca”.