Do cerceamento do direito de defesa diante do indeferimento do depoimento pessoal das partes no processo do trabalho

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Trata-se de estudo sob uma ótica jurisprudencial, a respeito de nuances que disciplinam a oitiva das partes, na prática

 

Priscilla Mirelle Ramos Silva*

RESUMO

Este artigo acadêmico tem como escopo, sem a pretensão de exaurir a matéria, analisar algumas questões processuais controvertidas que surgem no dia a dia, acerca da ausência de oitiva das partes no processo no trabalho. Trata-se de estudo sob uma ótica jurisprudencial, a respeito de nuances que disciplinam a oitiva das partes, na prática. É um tema relevante e interessante, uma vez que vários juízes dispensam cotidianamente o indeferimento da oitiva das partes, sem qualquer justificativa e amparo legal.

Palavras-chave:Cerceamento de Defesa. Processo do Trabalho. Depoimento Pessoal das Partes. Artigo 5º, inciso LV, da CF/88.

ABSTRACT

This academic article is scope, with no claim to exhaust the subject, look at some controversial procedural issues that arise in everyday life, about the absence of hearsay of the parties at work. It is study in a jurisprudential point of view, as to points governing the hearing of parties in practice. It is a relevant and interesting topic, since many judges routinely waive the the hearing of parties without any justification and legal support.

Keywords: Curtailment of Defense. Labour Procedure. Personal testimony of the Parties. Article 5, paragraph LV, CF / 88.

1 INTRODUÇÃO

O presente trabalho científico busca apresentar um estudo acerca dos aspectos objetivos do depoimento pessoal das partes, analisando a relevância da produção da prova no processo do trabalho, bem como o poder-dever do magistrado e do seu livre convencimento motivado para o indeferimento do depoimento pessoal das partes.

A abordagem leva em conta a temática do indeferimento da produção de prova, no processo, mais precisamente do indeferimento do depoimento pessoal das partes.

Os efeitos da ausência da oitiva das partes, constitui assunto imprescindível para a devida compreensão ao cerceamento do direito de defesa e do contraditório, bem como a nulidade da própria sentença.

2 DO DEPOIMENTO PESSOAL DAS PARTES NO PROCESSO DO TRABALHO

O depoimento pessoal consiste basicamente na oitiva da parte, podendo ser solicitada pela parte adversa ou por determinação do juizo, com a finalidade de esclarecer todos os fatos relativos a causa de pedir, podendo ocorrer a qualquer momento no processo.

Registra-se ainda, por importante, que o CPC contempla duas modalidades de depoimento pessoal:

a)    O interrrogatório, que se referea modalidade em que o juiz pode, de oficio, em qualquer estado do processo determinar o comparecimento das partes com o objetivo de interrogá-las sobre os fatos narrados no processo conforme preconizado no art. 342 do CPC: “O juiz pode, de ofício, em qualquer estado do processo, determinar o comparecimento pessoal das partes, a fim de interrogá-las sobre os fatos da causa.”

b)    O depoimento pessoal, que ocorre quando o juiz nao determinar de oficio a oitiva das partes, competindo a cada parte requerer o depoimento pessoal da outra, com objetivo de interrogá-la na audiência de instrução e julgamento, segundo regra esculpida do art. 343 caput, do CPC: “Quando o juiz não o determinar de ofício, compete a cada parte requerer o depoimento pessoal da outra, a fim de interrogá-la na audiência de instrução e julgamento.”

Se a parte intimada para comparecer em juízo, ou, comparecendo, se recusar a depor, será aplicada a pena de confissão, com fulcro no art. 343, § 2º, do CPC: “Se a parte intimada não comparecer, ou comparecendo, se recusar a depor, o juiz Ihe aplicará a pena de confissão.”

Cumpre esclarecer que o Código de Processo Civil menciona que é defeso a quem ainda não depôs, assistir ao depoimento da outra parte (artigo 344, parágrafo único), no entanto, no processo do trabalho, tal regra de forma alguma pode ser absoluta, em face do “jus postulandi”, bem como da verdade real e do amplo poder instrutório do juiz.

O depoimento pessoal possui uma grande importância para obtenção dos limites da prova, para o convencimento do juiz, para a condução dos demais depoimentos e ainda para a fundamentação dasetença, inclusive em face da necessidade de avaliar o nível de convicção do autor sobre os seus pleitos, bem como levantar detalhes sobre os fatos da causa, descrições detalhadas e sem contradições.

3 DA CONFISSÃO

 

Entende-se por confissão a admissão de um fato desfavorável ao próprio interesse e favorável à parte adversa, ou seja, a confissão é meio de prova judicial que consiste na declaração de ciência ou conhecimento, feita conscientemente, sem coação, por quem é parte no processo ou por seu representante.

Segundo leciona Arruda Alvim (1997, p. 556) a confissao consiste: “na declaração, com efeito probatório de ciência de fatos, tidos como verídicos pelo confitente, e contrarios ao seu interesse, sendo favorável à outra parte”. 

A propósito, ainda sobre o tema esclarece o ilustre jurista Humberto Theodoro Junior (2004, p.432):

A confissão deve conter: I – reconhecimento de um fato alegado pela outra parte; II – a vonluntariedade desse reconhecimento; III – um prejuízo para o confitente, em decorrência do reconhecimento. Há, pois, um elemento subjetivo na confissão, que é o ânimo de confessar, ou seja, a intenção de reconhecer voluntariamente um fato alegado pela outra parte. E há, também, um elemento objetivo, que é o próprio fato litigioso reconhecido em detrimento do confitente.” 

A confissão, deve ser avaliada sempreligada com os demais elementos probatórios doprocesso, podendo ser espontânea ou provocada, judicial ou extrajudicial. Contudo, a parte responderá pessoalmente sobre osfatos articulados no processo, não podende servir-se de escritos preparados; todavia, o juiz lhe permitirá a consultda a notas breves, desde que complementem esclarecimentos, consoante disciplina o art. 346 do CPC: “A parte responderá pessoalmente sobre os fatos articulados, não podendo servir-se de escritos adrede preparados; o juiz Ihe permitirá, todavia, a consulta a notas breves, desde que objetivem completar esclarecimentos”.

Como exemplo, podemos citar o exame de documento no ato da oitiva das partes, como a CTPS ou ficha de registro, respectivamente, pelo reclamante e preposto reclamada.

Cabe pontuar, ademais, a indivisibilidade da confissão, não podendo a parte que se beneficia aceitá-la em uma parte e rejeitá-la em outra, quando desfavorável.

De mais a mais, a confissão seja ela ficta ou real, não tem efeitos no processo quando se tratar de questões de direitos indisponíveis ou, nos casos em que havendo litisconsortes, apenas um ou alguns deles fizerem a confissão.

4 DO CERCEAMENTO DO DIREITO DE DEFESA DIANTE DO INDEFERIMENTO DO DEPOIMENTO PESSOAL DAS PARTES NO PROCESSO DO TRABALHO

 

A análise do cerceio do direito de defesa está ligado diretamente à questão de produção da prova, sua necessidade, pertinência e utilidade diante do processo.

Se de um lado tem-se o direito assegurado às partes de produzir todas as provas necessárias a resolução da lide, de outro se tem a prerrogativa do juiz de indeferir as provas que considere inúteis ou protelatórias ao deslinde do processo.

Com a devida vênia, entende-se que, em que pese ser competência do juízo a avaliação da prova com plena liberdade, deve-se assegurar às partes a possibilidade de fazer prova dos fatos que entendem necessários, tratando-se de uma garantia constitucional, o direito a ampla defesa e contraditório, estatuído no art. 5º, LV, da CF/88: “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes  “.

Condutor absoluto do processo, o juiz deve fazer-se atuante em busca da verdade real. É o que dispõe o art. 765 da CLT: “Os Juízos e Tribunais do Trabalho terão ampla liberdade na direção do processo e velarão pelo andamento rápido das causas, podendo determinar qualquer diligência necessária ao esclarecimento delas.”

No mesmo sentido, temos o art. 130 do CPC, aplicado subsidiariamente ao processo do trabalho, que reza: “ao juiz, de ofício ou a requerimento da parte, determinaras provas necessárias à instrução do processo,indeferindo as diligências inúteis ou meramente protelatórias”.

Entretanto, também é verdade que o juiz que preside a ordem dos trabalhos em audiência deve observar as provas que foram requeridas e providenciar sua produção, sobretudo se o indeferimento a um meio de prova que a parte reputa essencial ao seu direito, lhe acarretar prejuízo.

O indeferimento do pedido pela parte, de oitiva do reclamante ou do preposto, configura flagrante cerceamento do direito ao contraditório e à ampla defesa constitucionalmente assegurado (art. 5º, LV).

Ao indeferir o pedido de oitiva de uma das partes oportunamente formulado, o julgador impede a obtenção da confissão real da parte, objetivo primordial do depoimento pessoal, acarretando manifesto prejuízo, principalmente diante na natureza eminentemente fática da maior parte das matérias relacionadas ao direito do trabalho.

Neste sentido, vem reiteradamente decidindo os Tribunais Regionais do Trabalho:

NULIDADE. CERCEIO DE DEFESA. INDEFERIMENTO DA OITIVA DA PARTE. Cabe ao julgador avaliar a necessidade e a utilidade do meio de prova requerido. Contudo, no caso em tela, o Juízo a quo indeferiu a oitiva do reclamante baseando o julgamento tão somente na revelia e na prova documental, posteriormente julgando parcialmente procedentes os pedidos, também em detrimento da segunda reclamada, que estava presente à audiência.(TRT-1 - RO: 00005556220105010018 RJ , Relator: Angela Fiorencio Soares da Cunha, Data de Julgamento: 30/07/2014, Quarta Turma, Data de Publicação: 03/09/2014)

INDEFERIMENTO DA OITIVA DA PARTE CONTRÁRIA. CERCEAMENTO DO DIREITO DE DEFESA CONFIGURADO. NULIDADE DA SENTENÇA. Constatada violação à garantia constitucional da ampla defesa (CF88, art. 5º, inc. LV), impõe-se a anulação da sentença e reabertura da instrução.(TRT-1 - RO: 00007092220125010241 RJ , Relator: Dalva Amelia de Oliveira, Data de Julgamento: 25/03/2014, Oitava Turma, Data de Publicação: 16/04/2014)

INDEFERIMENTO DA OITIVA DA PARTE. PREJUÍZO PROCESSUAL DEMONSTRADO. NULIDADE. Demonstrado o prejuízo processual provocado pelo indeferimento da oitiva da parte e da produção de prova testemunhal, é imperiosa a decretação de nulidade da sentença por cerceamento do devido processo legal, devendo a instrução do feito ser reaberta no juízo de origem para tal finalidade. É o caso dos autos.(TRT-5 - RecOrd: 00000184120135050021 BA 0000018-41.2013.5.05.0021, Relator: RENATO MÁRIO BORGES SIMÕES, 2ª. TURMA, Data de Publicação: DJ 02/10/2014.)

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INDEFERIMENTO DA OITIVA DA PARTE. PREJUÍZO PROCESSUAL DEMONSTRADO. NULIDADE. Demonstrado o prejuízo processual provocado pelo indeferimento da oitiva da parte e da produção de prova testemunhal, é imperiosa a decretação de nulidade da sentença por cerceamento do devido processo legal, devendo a instrução do feito ser reaberta no juízo de origem para tal finalidade. É o caso dos autos.(TRT-5   , Relator: RENATO MÁRIO BORGES SIMÕES, 2ª. TURMA)

Conforme se depreende, a discussão em torno do cerceamento do direito de defesa perante o indeferimento do depoimento das partes, comporta entendimentos divergentes, sendo certo compete ao magistrado poder-dever de indeferir diligencias inúteis e protelatórias, nos termos do art. 130 do CPC c/c art. 5º, LXXVIII, da CF/88, entretanto, só se pode reputar como desnecessária uma prova quando exista nos autos outra que comprove de forma irrefutável o fato objeto da controvérsia.

Ademais, é evidente o prejuízo causado com o indeferimento da oitiva das partes, uma vez que, negado seu direito à produção de prova, à luz do art. 5º, LIV e LV, da CF/88.

Entende-se, pois, que o indeferimento da oitiva das partes implica claramente no cerceamento ao direito de defesa, caracterizando nulidade processual instransponível ao processo, por afronta à garantia incerta na Constituição Federal.

5 CONCLUSÃO

Em que pese ser poder-dever do magistrado indeferir o depoimento pessoal das partes oportunamente requeridas, com base no seu livre convencimento motivado, só se pode reputar como desnecessária uma prova quando exista nos autos outra que comprove de forma irrefutável o fato objeto da controvérsia, sob pena de, quando indeferida pelo juízo, caracterizar cerceamento do direito de defesa.

Tendo os litigantes o direito constitucional de produzir prova de seus direitos, de forma ampla, com os meios e recursos a ela inerentes, constituindo o indeferimento do pedido de oitiva das partes, cerceamento do direito de produzir prova.

Afinal, a parte teve tolhido o seu direito de se desincumbir de ônus processual que lhe competia, isto é, não lhe foi oportunizada a produção de provas dos fatos constitutivos de suas pretensões.

Desse modo, não confere prerrogativa do magistrado indeferimento de diligências necessárias ao processo, mormente quando há discussão de matéria fática controvertida nos autos que poderia ser elucidada por meio do depoimento pessoal das partes.

6 REFERÊNCIAS

BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. Disponível em: <http://www.tst.jus.br>. Acesso em: 17 de jul. 2014.

CARRION, Valentin. Comentários à Consolidação das Leis do Trabalho. 36 ed.São Paulo: Saraiva, 2011.

DEZEN JR., Gabriel. Constituição Federal Interpretada. Nitéroi – RJ: Impetus, 2010.

GIGLIO, Wagner. Direito Processual do Trabalho. 10 ed. São Paulo: Saraiva, 1997.

MARTINS, Sérgio Pinto. Comentários à CLT. 15 ed. São Paulo: Atlas, 2011.

SAAD, Eduardo Gabriel. Consolidação das Leis do Trabalho: comentada. 47 ed. São Paulo: LTr, 2014.

SARAIVA. Renato. Direito do Trabalho. São Paulo: Método, 2005.

SCHIAVI, Mauro. Manual de Direito Processual do Trabalho. 6 ed.São Paulo: LTr, 2013.

ALVIM, Arruda. Manual de Direito Processual Civil, v. 2, 6ª ed.,1997.

THEODORO JUNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. V. 1, 23ª Ed, 2004.

BRASIL. JusBrasil. Disponível em<http://www.jusbrasil.com.br>. Acesso em: 17 de jul. 2014.


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Sobre as autoras
Priscilla Mirelle Ramos Silva

Graduada em Direito pela UNINASSAU em 2011.

Juliana Gabriela Bomfim Gomes

Graduada em Direito pela UNINASSAU em 2011. Pós Graduanda na Esmatra.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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