Traficante Playboy morre: o que a sociedade ganha?

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O Brasil é uma máquina, máquina de construir neuróticos [conversões, projeções, racionalizações etc.]. A morte de Playboy não resolverá o gravíssimo problema brasileiro.

Celso Pinheiro Pimenta, o Playboy, um dos traficantes de drogas mais perigosos do RJ. A recompensa pelo Disque-Denúncia era alta: R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais). Numa operação conjunta, os policiais da Coordenadoria de Recursos Especiais (Core) da Polícia Civil, da Divisão de Repressão a Entorpecentes (DRE) da Polícia Federal e da Coordenadoria de Inteligência da Polícia Militar demonstraram que a cooperação técnica é necessária diante do poder, crescente, do narcotráfico.

Playboy, um homem que representa a realidade brasileira: o poder fascina. Nascido na zona sul do Rio de Janeiro, e bom aluno, por tirar boas notas, não teria a probabilidade de ingressar na criminalidade. O poder, entre outros motivos, o fez ingressar no mundo do tráfico de drogas. Dinheiro "fácil", respeito, coragem, audácia, narcisismo e exibicionismo. Alguns traços de quem entra para a criminalidade, quando há meios materiais para não ingressar na criminalidade.

O tráfico de drogas no Brasil teve a sua gênese nos porões do período do Golpe Militar [1964 a 1985] quando os presos políticos compartilhavam a mesma cela com os presos comuns [não considerados comunistas pelos militares].

As táticas de guerrilha urbana foram ensinadas aos presos comuns, assim como lições sobre direitos sociais e obrigação do Estado em prover as necessidades dos mais carentes. No caso, os párias [negros].

[...] Quando os presos políticos se beneficiaram da anistia que marcou o fim do Estado Novo, deixaram na cadeia presos comuns politizados, questionadores das causas da delinqüência e conhecedores dos ideais do socialismo. Essas pessoas, por sua vez, de alguma forma permaneceram estudando e passando suas informações adiantes [...] Repercutiam fortemente na prisão os movimentos de massa contra ditadura, e chegavam notícias da preparação da luta armada. Agora Che Guevara e Régis Debray eram lidos. Não tardaria contato com grupos guerrilheiros em vias de criação. (WILLIAN, 1991 apud AMORIM, 2004, p. 95)

Comando Vermelho, o embrião produzido nos porões da ditadura militar. O assistencialismo aos moradores das favelas servia, ao mesmo tempo, como ajuda - remédios, alimentos etc. - aos excluídos sociopoliticamente e tática para fortalecer o próprio Comando. Dinheiro para o assistencialismo? A venda de drogas. Contudo, o poder, como é normal a todo ser humano, não tardou a cativar os "donos dos morros". Se no início o assistencialismo era a prioridade dos traficantes, o lucro, e as possibilidades advindas do narcotráfico, não tardou de ser a prioridade. De mocinhos, em muitos morros e favelas, os traficantes passaram a ser "criminosos" para os moradores.

O silêncio é a certeza de viver, e não morrer. O "x-9" - delator - era amaldiçoado e morto pelos narcotraficantes. O poder dos traficantes não se deve, somente, aos moradores das favelas, mas dos clientes: os consumidores. A maioria era de classe média, sendo a minoria de classe alta. O lucro maior era proporcionado pela classe alta, já que cocaína era caríssima para a maioria da população - classe média e os párias. Não obstante, o que mais contribuiu para o crescimento tático, bélico e administrativo dos traficantes não foram os moradores das favelas, os consumidores das classes média e alta. Os agentes públicos.

Não seria possível ao tráfico de drogas conseguir infraestrutura eficaz, que vem se aperfeiçoando ao longo das décadas, com a intervenção eficiente do Estado. E o Estado necessita de agentes públicos. O conluio entre traficantes e agentes públicos foi o ápice da estruturação e expansão do tráfico de drogas. Desde servidor militar, ao agente político, o tráfico consegui crescer, se aperfeiçoar, administrativamente, graças a colaboração velada daqueles. Se assim não fosse, a "colaboração", o Estado não teria dificuldades, que atualmente encontrar, em tolher o poder [paralelo] dos traficantes.

Os próprios policiais, ímprobos ou probos, sentem medo de serem assassinados pelas costas. Em 2006, São Paulo 1 vivenciou o poder dos traficantes. O estado de São Paulo presenciou horas de terror. Governo e policiais se viram encurralados pela onda de ataques, numa verdadeira guerra moderna da Arte da Guerra. Somente através de acordo, acordo este em que o traficante conseguiu o que queria, é que São Paulo respirou, ainda asmático, tranquilo.

Pária ou não, o tráfico, principalmente de drogas, tem cativado muitos cidadãos. O lucro rápido, apesar dos perigos, não impede os cidadãos. Homens, mulheres, idosos, crianças e adolescentes, não há idade certa para ingressar no tráfico. O Estado brasileiro, neste século, tenta compensar as décadas, de negligência à segurança pública, ao protecionismo [imoral e ilegal] entre autoridades policiais e administrativas, ao descaso das condições de vida dos párias.

Dizer, sobre a morte de Playboy, que "Já foi tarde!", ou "Escória da humanidade!", não é a sensatez que esperamos de pessoas centralizadas numa única verdade: descaso. Enquanto o Brasil aumenta a quantidade de presídios, em outros países o número decai, em outros, os presídios são fechados. Por quê? O Brasil ainda carrega em suas entranhas conceitos segregacionistas, os quais mantém as desigualdades socioeconômicas. Além disso, protecionismo aos crimes de colarinho branco, mesmo com as condenações dos "mensaleiros".

Os investimentos na educação e na segurança pública são vexatórios. No jogo político, pouco há para esses segmentos. Na calada da noite, canetadas são lançadas para aprovações de aumento dos subsídios dos parlamentares. As vantagens criam um Estado absolutista dentro do Estado democrático. Os crimes, diversos, ainda mais lesão os cofres públicos, o que compromete os investimentos em tais áreas.

Socialização e ressocialização, meros instrumentos ideológicos, não práticos e aplicáveis, em dias de candidaturas. A base do desenvolvimento harmonioso [humanitário] de qualquer nação se dá quando o Estado, através dos agentes públicos, não se perde no poder pelo poder. Contudo, é no fator psíquico da cultura brasileira que se encontram as gêneses de todos os problemas atuais.

Quando qualquer cidadão brasileiro age de forma criminosa, não é ele em si o culpado, mas toda a estrutura sociopolítica que o deixou à mercê das desventuras. Não é arma que mata, e muito menos corrompe, se assim fosse, a Suíça teria índices de homicídios superiores ao Brasil. É o excesso de luxo que corrompe os magistrados, os parlamentares, e a Suécia sabe muito bem disto. É a precariedade nos investimentos na educação, que fragiliza as relações humanas, o atraso social nas relações interpessoais; e o Japão investe para não deixar que suas estruturas sociais desmoronem diante da violência gratuita, seja as instituições públicas, ou ao próprio cidadão.

O que temos é uma falha em todas as concepções teóricas em nosso país. Ou melhor, falhas de caráter. Medidas punitivas, somente, não surtiram efeitos desejáveis [ressocialização], mas mecanismos conjuntos: a limitação da liberdade concomitantemente a oportunidades de aprender algum ofício e, depois, poder trabalhar neste ofício. Contudo, é na educação familiar [humanitária] e nas políticas públicas [Estado social] que a criminalidade enfraquecerá. O lucro, egoístico, e pelo temor, dará lugar ao lucro consciente, humanizado. E é possível.

Logo, a morte de Playboy representa um fracasso da sociedade brasileira, e do Estado. Toda causa tem um efeito, o efeito é a corrupção aliada à educação meramente intelectualizada, isto é, desprovida de filosofia humanizada.

Um policial morto, também é um fracasso, pois quanto mais mortes de policiais, mais se presencia a presença do tráfico. E o tráfico, como já dito alhures, tem suas raízes na historicidade da segregação, dos crimes de colarinho branco. Qualquer vida perdida na criminalidade representa o fracasso de todo e qualquer sistema em nosso país. Nenhuma criança nasce querendo pegar numa arma para desferir tiros, com vontade sádica. Nenhum ser humano nasce pensando em se suicidar, nas drogas, na violência. Nenhum ser humano nasce odiando o outro.

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O ciclo de mortes, qualquer morte, de qualquer cidadão, não representa nenhum término da violência. A violência é fruto de outra violência, o descaso. E o descaso é fruto do egoísmo, da segregação. Eis os males que levam ao aumento da criminalidade.

O Brasil é uma máquina, máquina de construir neuróticos [conversões, projeções, racionalizações etc.]. A morte de Playboy não resolverá o gravíssimo problema brasileiro. Seja colarinho branco ou não, os males da máquina de neuroses tornam o Brasil um local bárbaro. Na culpa [projeções], os linchamentos acontecem como meios "eficazes" de "justiça". A diferença entre o criminoso neurótico e o doente neurótico é que aquele exteriorizou o seu âmago. Um simples chute numa cadeira, ou num cachorro, um palavrão diante do mendigo que suplica um naco de pão, o dedo anular a outro condutor - que a preferência de passagem deve ser respeitada -, simples atitudes "inocentes" e sem o potencial criminoso de um Playboy. Conduto, o criminoso neurótico e o doente neurótico se assemelham, a diferença está no fato de que este faz simples descarga motora "inofensivas". Todavia, ambos, criminoso e doente, são iguais. O doente ainda é temeroso pela ação censora do superego, já o criminoso rompe as barreiras morais, as barreiras da tolerância social, da Justiça, indo a transgressão penal. Ambos só variam nos resultados; no fundo, são iguais.

E a transgressão penal, claro, varia de acordo com os ânimos [concepções teóricas] psíquicos de cada época. Em cada época, um tipo de verniz civilizatório. E a máquina de neuroses Made in Brazil não para de produzir neuróticos.


Nota

1 - São Paulo Sob Ataque em 2006 (Discovery Channel) Documentário. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=PQ1mm3aO2Lc


Referências

O DIA. Traficante mais procurado do Rio, Playboy é morto em ação conjunta. Disponível em: https://odia.ig.com.br/noticia/rio-de-janeiro/2015-08-08/traficante-mais-procurado-do-rio-playboyemorto-em-ação-conjunta.html

PEREIRA, Sérgio Henrique da S. A origem das desigualdades sociais, a guerrilha comunista, a criminalidade organizada no Brasil e as ações dos delinquentes infanto-juvenis no século XXI. Disponível em: https://transitoescola.jusbrasil.com.br/artigos/139773551/a-origem-das-desigualdades-sociaisaguerrilha-comunistaacriminalidade-organizada-no-brasileas-acoes-dos-delinquentes-infanto-juvenis-no-seculo-xxi

PEREIRA, Sérgio Henrique da S. As desigualdades sociais privilegiam tipos de criminosos no Brasil. Disponível em: https://transitoescola.jusbrasil.com.br/artigos/206780319/as-desigualdades-sociais-privilegiam-tipos-de-criminosos-no-brasil

Veja. O bandido e seu labirinto. Disponível em: https://veja.abril.com.br/noticia/brasil/o-bandidoeseu-labirinto/

Wikipédia, a enciclopédia livre. Celso Pinheiro Pimenta. Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Celso_Pinheiro_Pimenta

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Sobre o autor
Sérgio Henrique da Silva Pereira

Articulista/colunista nos sites: Academia Brasileira de Direito (ABDIR), Âmbito Jurídico, Conteúdo Jurídico, Editora JC, Governet Editora [Revista Governet – A Revista do Administrador Público], JusBrasil, JusNavigandi, JurisWay, Portal Educação, Revista do Portal Jurídico Investidura. Participação na Rádio Justiça. Podcast SHSPJORNAL

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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