As singularidades do processo penal diante do processo civil em alguns exemplos

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10/08/2015 às 07:27
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O artigo traz à colação singularidades do processo penal diante do processo civil.

I – A INFLUÊNCIA DO PROCESSO CIVIL NO PROCESSO PENAL. O PROBLEMA DA SUPREMACIA DO INTERESSE PÚBLICO. A TERMINOLOGIA

Diversos são os problemas encontrados para os estudiosos do processo penal, na leitura hoje feita no Código de Processo Penal de 1941.

Instrumento legislativo, editado à época do Estado do Novo, onde a supremacia do interesse do Estado era o rumo a seguir, o Código de Processo Penal, em diversos momentos, apresentava um verdadeiro descompasso com a terminologia hoje adotada pela legislação processual civil e ainda seu entendimento diante dos princípios fundamentais do cidadão.

Diversa, porém, é a visão que se deve ter hoje com relação ao Código de Processo Penal, dirigido no Estado de Direito, instaurado pela Constituição-Cidadã de 1988, à tutela dos direitos e garantias individuais, pois não se entende um ordenamento processual penal hodierno, sem a defesa das liberdades individuais.

Ao estudar a natureza e relações do Direito Processual Penal, MAGALHÃES NORONHA[1], considera que essa disciplina é ramo do Direito Público, colimando a atuação jurisdicional do direito penal. Acentua que o Processo Penal realiza o Direito Penal e considera que é íntima a sua relação com o Direito Processual Civil, pois dele diverge, apenas, no objeto: ¨o segundo visa realizar relações de Direito Privado, e ele as de Direito Público.¨

MIRABETE[2] aduz que o Direito Processual Penal relaciona-se com o Direito Processual Civil por serem ramos do mesmo tronco, de tal sorte que se fala em Teoria Geral do Processo como disciplina para estudo básico dos dois ramos. Diz ele que os institutos processuais se diferem em relação ao conteúdo do processo, seja ele a pretensão punitiva(processo penal), seja ele a proteção extrapenal(processo civil). Alerta que há influências recíprocas nas ações e sentenças penais e civis e que é efeito da condenação a obrigação de indenizar o dano causado pelo crime(artigo 92, I, do CP), tornando a sentença condenatória um título para a execução civil(artigo 63 do CPP e 584, II, do CPC). Relembra que faz coisa julgada no civil a sentença penal em que se reconhece ter sido o ato praticado em estado de necessidade, em legítima defesa, em estrito cumprimento do dever legal ou em exercício regular de direito(artigo 65 do CPP), anotando o caso das questões prejudiciais, em que se suspende de forma obrigatória ou facultativa a ação penal, até a decisão final no processo civil(artigo 92 e 94 do CPP). Isso sem contar que se regulam questões como a posse de coisas(artigo 120), da perda de bens(artigo 122), de sequestro de imóveis(artigo 125), de hipoteca legal(artigo 134), etc.

Mas falei que o entendimento, em face das ditaduras por que percorreu  o Brasil, era da supremacia do interesse público, na leitura das normas do direito processual penal.

 A noção da supremacia do interesse público está sendo desmontada pela doutrina atual, do que se lê em ÀVILA[3], para quem tal princípio não encontra respaldo normativo por 3(três) razões: a uma, por não decorrer da análise sistemática do ordenamento jurídico; a duas, por não admitir a dissociação do interesse privado, colocando-se em cheque o conflito pressuposto pelo princípio; a três, por demonstrar-se incompatível com os princípios erigidos pela ordem constitucional.

Lembra-se que a organização da Constituição brasileira volta-se, de forma precípua,  para a proteção dos interesses do indivíduo, dentro de uma ordem democrática, onde se nota o influxo do princípio da dignidade da pessoa humana, do que deflui a necessidade de estabelecer-se a proteção ao interesse do indivíduo quando ameaçado frente aos interesses promovidos pelo Estado, sob o pretexto de proteger a coletividade. 

Se o princípio da dignidade da pessoa humana é o fim, sendo o Estado não mais que um instrumento para garantir a promoção dos seus direitos fundamentais, somente onde a Constituição abre uma vereda, é que se pode cogitar, por via de ponderações, à vista do princípio da proporcionalidade, de matizar os direitos fundamentais com interesses coletivos.

Aplaudo a assertiva da Comissão de Reforma do Código de Processo Penal, ao mencionar, em sua exposição de motivos, que a redução das garantias individuais, por si só, não garante nada, no que se refere à qualidade da função jurisdicional. Isso porque as garantias individuais não são favores do Estado. A sua observância, bem dito, é exigência indeclinável para o Estado.

Assim o garantismo, no moderno Estado Democrático de Direito, surge como pauta mínima e modelar para o Estado.

Tal deve ser o norte da interpretação a ser feita, nos dias de hoje, com relação às normas do direito processual penal.

De outro modo, a terminologia apresentada deixa em dúvida a própria doutrina.

Trago alguns problemas que exporei de forma sucinta.          

Tal é o caso da incompatibilidade, que é falta de harmonização ou qualidade do que é inconciliável.

Para NUCCI[4], a incompatibilidade é a situação de suspeição, uma vez que o juiz, o promotor, o serventuário ou funcionário, o perito suspeito, torna-se incompatível com o processo no qual funciona, baseado no principio da imparcialidade. Para ele, incompatibilidade é a afirmação sem a provocação da parte interessada, da suspeição. Aliás, para TORNAGHI[5], a incompatibilidade se vincula ás causas de suspeição.

Porém, para TOURINHO FILHO[6], que argumenta que incompatibilidade e impedimento têm o mesmo significado, é despicienda a sua distinção.

No entanto, o mesmo NUCCI[7] aduz que impedimento é obstáculo ou embaraço ao exercício da função no processo. E conclui: ¨Não deixa de ser, em última análise, uma incompatibilidade, que torna o juiz, o promotor, o serventuário ou funcionário, o perito ou intérprete suspeito de exercer a sua atividade em determinado feito.¨

Na legislação processual civil, a solução do problema torna-se cientificamente clara.

Os casos de impedimento são mais graves e, uma vez desobedecidos, tornam vulnerável a coisa julgada, pois ensejam ação rescisória da sentença, do que se lê do artigo 485, II, do Código  de Processo Civil.

Já os casos de suspeição permitem o afastamento do juiz do processo, mas não afetam a coisa julgada.

As causas de impedimento estão clausuladas no artigo 134 do Código de Processo Civil. Por sua vez, o artigo 135 do mesmo diploma legal arrola os casos de suspeição.

Observemos as medidas cautelares.

O sequestro, no processo penal, é medida assecuratória, destinada a retenção de bens móveis ou imóveis havidos com os proveitos da infração a fim de assegurar as obrigações civis advindas da prática de infração. Por sua vez, coisas furtadas ou roubadas são apreendidas(artigo 240 do CPP)[8] e depois restituídas ao ofendido. Pode  tal medida  ser ajuizada em qualquer fase do procedimento mesmo antes do oferecimento da denúncia ou queixa. Pode ser embargado por terceiro, pelo acusado. Pode ser levantado: se o acusado for absolvido, se a ação penal não for ajuizada em 60(sessenta) dias[9], lembrando que a medida pode ser executada pelo próprio juiz criminal, estando sujeito o bem à pena de perdimento.

Diverso é o sequestro no processo civil. Ali, há apreensão de bem determinado, objeto do litígio, para assegurar futura execução para entrega de coisa certa (artigo 822 do CPC).

O arresto, no processo penal, é medida cautelar que recai sobre qualquer bem, que garanta o pagamento da dívida. No arresto provisório, que deve ser decretado sobre imóveis, haverá substituição, em quinze dias, pela hipoteca legal(artigo 136 do CPP). No arresto definitivo, incidirá sobre móveis, suscetíveis de penhora, que deverão ser vendidos em leilão, após o trânsito em julgado da sentença.

Na hipótese da hipoteca e do arresto, condenado definitivamente o acusado, o incidente deve ser remetido à instância civil, para a apuração da respectiva responsabilidade civil, que se resolve sobre o patrimônio do devedor.

Diverso é o arresto, no processo civil, que se destina a assegurar uma futura execução por quantia certa, consistindo na apreensão judicial de bens do presumível devedor, feita a requerimento de alguém que se afirme credor. Seu desiderato é se transformar em futura penhora.

Outro instituto passível de discussão é o da assistência.

No processo civil, o assistente é terceiro, que tem interesse jurídico em que a sentença seja favorável a uma delas, podendo ingressar no processo para assisti-la.

É intervenção voluntária, que pode existir em qualquer tipo de procedimento.

Mas, não pode o assistente transacionar, desistir, reconhecer o pedido formulado pelo autor.

A assistência no processo civil poderá ser adesiva ou litisconsorcial. Nesta última, passa a atuar no processo por ter interesse em que a sentença seja favorável ao assistido, porque será diretamente atingido por ela. Naquela, assistência simples, o terceiro intervém no processo para auxiliar uma das partes, autor ou réu, praticando atos processuais no intuito de ajudá-la.(artigo 52 do CPC). Na assistência litisconsorcial há o interesse direto, por parte do assistente, na lide, defendendo um interesse próprio, de sorte a estar em situação próxima ao litisconsorte passivo unitário.

Por sua vez, o que se vê na assistência, no processo penal, é a finalidade  da recomposição do patrimônio da vítima, seja moral ou material, havendo um interesse jurídico desse terceiro com relação a condenação do réu, acusado na ação penal. Ocorrendo um fato típico, crime, em que um bem jurídico seja atingido ou destruído como o patrimônio ou a vida, instaurada a ação penal pelo Ministério Público, pode a vítima ou qualquer das pessoas mencionadas no artigo 31 do Código de Processo Penal requerer a sua habilitação como assistente da acusação.

O terceiro, assistente, vítima, pode ser pessoa física, capaz ou incapaz, pessoa jurídica de direito público ou privado. Persegue um interesse próprio, pois.

Percebe-se que o Ministério Público, quando atua como titular da ação penal pública, age no interesse de toda a sociedade, não apenas dessa ou daquela entidade.

Uma instituição pública, ao ingressar como assistente, pode ter o interesse, além da reposição patrimonial, em obter, a partir da condenação, titulo legitimo para aplicar sanções administrativas ao servidor que pratica ilícito contra ela.

No processo penal, o assistente ingressa com a intenção de cooperar com a Justiça, tendo interesse, ao coadjuvar o Parquet, na justa aplicação da pena.

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O assistente receberá a causa no estado em que se achar e será admitido enquanto não passar em julgado a sentença, artigo 269 do CPP. Isso significa dizer que a assistência no inquérito é impossível, pela absoluta falta de interesse jurídico, devendo a vítima aguardar o início da ação penal para intervir.

Pode o assistente apelar de sentença que absolva o réu ou ainda nas sentenças condenatórias, recorrer para o aumento da pena.

Percebe-se a nítida indisponibilidade que envolve a assistência no processo penal em papel antitético àquele que se nota no processo civil, onde se vê a vocação de direitos disponíveis.

A vítima, sem ampliar a matéria de fato constante da denúncia, pode, em prazo legal razoável, requerer a recomposição civil do dano moral causado pela infração, nos termos e limites da imputação penal.

No artigo 82 do anteprojeto do Código de Processo Penal se prevê que transitada em julgado a sentença penal condenatória, e sem prejuízo da propositura da ação de indenização, poderá a vítima promover a execução, no civil.

Mas o juiz da ação civil poderá suspender o curso do processo, até o julgamento final da ação penal já instaurada. É a prejudicialidade, forma de conexão, que poderá demandar a suspensão do processo até a conclusão no outro juízo da lide. Era o que dispunha o artigo 265, IV, do Código de Processo Civil.

Levo em conta o artigo 935 do Código Civil, que repete o antigo artigo 1.519 do Código revogado, no sentido da separação das instâncias, com o reconhecimento da supremacia do juízo criminal em relação a algumas matérias.

Cabe a discussão com relação a legitimação do Parquet para ajuizar ação civil decorrente de delito. Parece emergir a evidente ilegitimidade do Ministério Público, em face da previsão constitucional de atuação da Defensoria Pública(artigo 134,CF), uma vez que aquela instituição permanente, tem atribuição reservada pela Constituição de 1988 à defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais, de dimensão coletiva e difusa, e individuais indisponíveis(artigo 127, CF).

Encontra-se revogado, diante disso, o artigo 68 do Código de Processo Penal, ou ainda sujeito a inconstitucionalidade progressiva, como disse o Ministro Sepúlveda Pertence. Afinal, por mais absurdo que seja, as Defensorias Públicas, no Brasil, ainda não funcionam em sua plenitude, na defesa dos necessitados.

De toda sorte, notável a possibilidade de fixação de valor mínimo de indenização em sentenças condenatórias, por força da reforma processual penal de 2008.

Passo a questão da citação.

No processo penal é incabível a citação por carta, com AR. A citação será pessoal. Certo que temos, com a reforma de 2008, a citação por hora certa, instituto próprio do direito processual civil, na produção de uma citação ficta. Atende tal instituto à plena defesa, necessária a prática do devido processo legal? Para alguns, será necessário a suspensão do feito, a teor do artigo 366 do CPP, se o réu for citado por hora certa.

A citação por hora certa era prevista no Código de Processo Civil de 1939, artigo 171, e é encontrada no direito comparado no Código de Processo Civil Português, artigo 240; Código de Processo Civil francês, artigos 655 a 658 do Código de Processo Civil; Código de Processo Federal da Argentina, artigo 339, segunda parte e, no Código de Processo Civil Federal do México(artigo 117).

Trata-se de um incidente próprio do cumprimento do mandado e não modalidade distinta. Essa a lição de MONIZ DE ARAGÃO.[10]

Ainda é NUCCI[11] que entende possível que a citação por hora certa pode valer-se da suspensão do processo, pois não se pode, para ele, dar prosseguimento a instrução, valendo-se dessa espécie de citação ficta. Mas, não ocorrerá, pois não há analogia em malam partem, suspensão da prescrição.  Disse ele que, no processo penal, com maior razão do que as premissas existentes no processo civil, do que se lê do artigo 9º, II, do Código de Processo Civil, não se pode dar prosseguimento a uma instrução valendo-se de uma espécie de citação ficta.

No anteprojeto do Código de Processo Penal, no artigo 145, se diz que verificando-se que o réu se oculta para não ser citado, a citação far-se-á por edital, no  prazo de 5(cinco) dias. Porém, se acusado, citado por edital, não apresentar resposta escrita, nem constituir advogado, ficarão suspensos o processo e o curso do prazo prescricional, podendo o juiz determinar a produção antecipada de provas consideradas urgentes e, se for o caso, decretar quaisquer das medidas cautelares previstas no artigo 521, tais como: prisão provisória; fiança, recolhimento domiciliar; monitoramente eletrônico; suspensão do exercício de função pública ou atividade econômica; suspensão das atividades da pessoa jurídica; proibição de freqüentar determinados lugares; suspensão da habilitação para dirigir veículo automotor, embarcação ou aeronave; afastamento do lar ou outro local de convivência com a vítima; proibição de ausentar-se da comarca ou do País, comparecimento periódico em juízo; proibição de se aproximar ou manter contato com pessoa determinada; suspensão do registro de arma de fogo e da autorização para o porte; suspensão do poder familiar; liberdade provisória; tal como se vê, no artigo 319 do Código de Processo Penal, com a redação dada pela Lei 12.403/11. ;

Que dizer da teoria da prova? É nela que temos a feição própria do Código de Processo Penal, sob a ótica da Constituição de 1988, dentro dos limites do sistema acusatório e das garantias libertárias que devem ser oferecidas ao réu.

Valho-me da lição de RANGEL[12] que desenvolve 3(três) princípios importantes para a teoria da prova no processo penal.

A uma, tem-se o principio da comunhão da prova, onde a lei coloca uma prevalência do magistrado sobre as partes, possibilitando ouvir quem quiser mesmo as partes desistindo da oitiva. É a gestão da prova, como um consectário do princípio da verdade processual  e da igualdade das partes na relação jurídico-processual. Tal princípio deve ser conjugado ao sistema acusatório, que preside o moderno processo penal, afastando-se do modelo inquisitório.

O princípio da liberdade da prova é ainda um consectário lógico do princípio da verdade processual, ou seja, se o juiz deve buscar sempre a verdade dos fatos que lhe são apresentados, tendo toda a liberdade de agir com o fim de reconstruir o fato praticado e aplicar a ele a norma jurídica que lhe for cabível.

Por fim, vedam-se provas obtidas por meios ilícitos(principio da inadmissibilidade de provas obtidas por meios ilícitos), algo inerente ao Estado Democrático de Direito que não admite a condenação obtida pelo Estado a qualquer preço.

Um exemplo é a acareação.

Se, no processo civil, estamos diante de uma verdade formal, no processo penal, a busca é a da verdade real.

O processo penal não se conforma com ilações fictícias ou afastadas da realidade. Isso porque o magistrado pauta o seu trabalho na reconstrução da verdade dos fatos, superando eventual desídia das partes na colheita probatória, como forma de exarar um provimento jurisdicional mais próximo possível do ideal de justiça. Mas, tal busca tem limites no próprio sistema acusatório e nos princípios garantidores da pessoa humana.

Percuciente a opinião de LOPES JR[13] quando reputa um erro grave se falar em verdade real, não só porque a própria noção de verdade é excessiva e difícil de ser apreendida, mas também pelo fato de não se poder atribuir o adjetivo de real a um fato passado, que existiria no imaginário. A verdade seria um mito e a sentença um ato de crença, de convencimento, um sentimento declarado pelo juiz, uma verdade contingencial.

 A verdade, no processo penal, seria identificada como verdade aproximada, uma verossimilhança, que se extrai de um processo, pautado, no devido processo legal, respeitando-se o contraditório, a ampla defesa, a paridade de armas(pois a acusação não está acima da defesa).

Para alguns, como OLIVEIRA[14], a acareação é  típico procedimento intimidatório.

Aliás, para OLIVEIRA[15], a acareação somente poderá ocorrer entre testemunhas, e entre testemunhas e a vítima, ou entre os ofendidos, já que estes têm o dever de depor e ter as suas responsabilidades e poderão ser responsabilizados criminalmente, por eventual falsidade em seus depoimentos.

Não se concebe uma acareação entre acusado e testemunhas. Ora, o acusado tem o direito de silenciar e até de mentir. Como exigir dele uma imparcialidade? Fácil ver que tal acareação, se prevista no universo teórico, não teria efeito prático no processo penal.

A  acareação pode ser realizada, no procedimento criminal,  em audiência una, onde seriam ouvidos a vítima(que se não comparecer pode ser trazida ¨debaixo de vara¨, mas não se submete a sanção da desobediência)[16], as testemunhas, o perito(se houver prova pericial a fazer), e, por fim, o acusado, num interrogatório(misto de meio de prova e exercício de autodefesa).  

Sigamos a outros exemplos.

Segundo o Código de Processo Civil, o juiz pode efetuar 3(três) tipos de atos, quais sejam: as sentenças, as decisões interlocutórias e os despachos, do que se lê do artigo 162 do Código de Processo Civil.

Na redação da Lei 11.232, de 22 de dezembro de 2005, sentença é o ato do juiz que implica algumas das situações previstas no artigo 267 e 269 do Código de Processo Civil(artigo 162, § 1º, do Código de Processo Civil).[17]  

As sentenças terminativas, como disse  THEODORO JÚNIOR[18], põem fim ao processo, sem lhe resolverem, entretanto o mérito e são previstas no artigo 267 do Código de Processo Civil. Tal sentença faz coisa julgada formal.

Por sua vez, sentenças definitivas são as decidem o mérito da causa, no todo ou em parte, extinguindo o direito de ação no que é pertinente ao acertamento pretendido pela parte. A sentença aqui faz coisa julgada material e formal.

Decisão interlocutória é o ato pelo qual o juiz, no curso do processo, resolve questão incidente(artigo 162, § 2º, do Código de Processo Civil).

Por sua vez, despachos são todos os demais atos do juiz praticados no processo, de ofício ou a requerimento das partes, do que se lê do artigo 162, § 2º, do Código de Processo Civil.

De toda sorte, como bem explicitou THEODORO JÚNIOR [19], só ocorre a decisão interlocutória quando não há  o encerramento do feito.

Tem-se o indeferimento da petição inicial que pode ser parcial ou total. O primeiro é decisão interlocutória e o segundo, sentença terminativa, onde não se julga o mérito, onde o juiz acolhe ou rejeita o pedido(artigo 295 do CPC).

Essas as ideias trazidas pelo Código de Processo Civil de 1973, diante das sucessivas reformas havidas.

Por sua vez, o artigo 800 do Código de Processo Penal ao cuidar dos prazos para a prática de atos judiciais, faz referência expressa aos despachos de expediente(inciso III), à interlocutória simples(inciso II), à interlocutória mista(inciso I) e a decisão definitiva, onde se cuida da sentença propriamente dita(inciso I).

No artigo 593 do Código de Processo Penal, temos as hipóteses de cabimento da apelação, a saber: decisões definitivas ou com força de definitivas, nas quais não se condena nem se absolve o réu.

Exemplo de decisão interlocutória simples é aquela que envolve o recebimento da denúncia ou de queixa que pode ser objeto de ação autônoma, habeas corpus. Aqui são resolvidas questões processuais e não se extingue o processo.

A decisão interlocutória mista é aquela que encerra fase procedimental bem delineada, como ensina OLIVEIRA[20], como é o caso da decisão de pronúncia[21], ou mesmo de encerrar a própria relação processual – desde que sem o julgamento do mérito – de que são exemplos as decisões que acolhem as exceções de litispendência ou de coisa julgada(art. 95, III e V, CPP). Por seu turno, a decisão que rejeita a denúncia ou a queixa, é ainda interlocutória mista.

Por sua vez, o recurso para a absolvição sumária é o de apelação, como se lê da redação que foi dada aos artigos 397, IV, e ainda 416 do Código de Processo Penal, como se resolve questão tipicamente de mérito, à luz do que acontece, por simetria, no artigo 330 do Código de Processo Civil, para o julgamento antecipado da lide. Tal será o caso das chamadas sentenças absolutórias antecipadas(artigo 397, I , II e III, e artigo 415 do CPP). Ora, esse será o caso da atipicidade, que poderá ser objeto, inclusive, de ajuizamento de habeas corpus, diante de evidente ilegalidade.

Acentuo que o ajuizamento de habeas corpus ora leva a deferimento seja para trancamento da ação penal(ou do inquérito), seja por absoluta atipicidade da conduta, ora se há ausência mínima de suporte probatório que lastreie a ação penal ou quando já se encontrar extinta a punibilidade do delito(STF – RT 742/533; RT 747/597; STJ – RSTJ 95/405).

A reforma processual penal, do que se vê da Lei 11.719/08, acabou com o entendimento de que a decisão que julgava extinta a punibilidade era passível de recurso em sentido estrito, que no novo Código de Processo Penal, deve ser substituído por agravo(de instrumento ou retido). Aliás, casos como de prescrição devem ser entendidos como questões de mérito atípicas.

Assim a decisão que extingue a punibilidade não pode mais ser incluída entre as interlocutórias mistas. É o que chamam de sentenças absolutórias sumárias, que irão desafiar o recurso de apelação.

Da mesma forma, a decisão que absolve sumariamente o réu por atipicidade(artigo 397, III, do CPP), que  somente impede a rediscussão do fato tal como ali narrado, diverso da sentença que se vê do artigo 386, II, que faz coisa julgada material não em relação ao fato narrado, mas ao fato efetivamente ocorrido(sentença absolutória definitiva), é passível de apelação, inclusive do que se vê quanto a segunda, pelo artigo 593, I, do CPP.  

Como bem esclarece OLIVEIRA[22], as sentenças julgam a própria pretensão punitiva do Estado. Decidem, de forma definitiva, as questões relativas à existência de um fato, à delituosidade desse fato e sobre a respectiva autoria e acerca de sua punibilidade(absolvição sumária, artigo 397, IV, do Código de Processo Penal). Aqui incluímos as chamadas absolvições impróprias, onde se afasta a culpabilidade do agente, terminando por determinar uma medida de segurança ao acusado(artigo 386, parágrafo único, II), diante da prova de existência e do ilicitude do fato típico(crime). O recurso cabível é apelação.

Por sua vez, as decisões com força de definitivas  julgam o mérito de questões incidentes tais como: pedido de restituição de coisas(artigo 118 e seguintes do CPP; pedido de reabilitação(artigo 743 do CPP); o cancelamento da inscrição da hipoteca(artigo 141 do CPP), que é uma medida assecuratória distinta do sequestro, onde se visa os proveitos do ilícito[23]; o levantamento do sequestro(artigo 131, CPP). O recurso cabível é apelação(artigo 593, II, do CPP).

A doutrina apresenta outras conclusões.

TÁVORA e RODRIGUES ALENCAR[24] registram a lição de MIRABETE[25] que apresenta a seguinte classificação:

- interlocutórias simples: caracterizadas como aquelas que ¨dirimem questões emergentes relativas à regularidade ou marcha do processo, exigindo um pronunciamento decisório sem penetrar no mérito da causa¨, a exemplo da decisão do recebimento da denúncia ou da que decreta a prisão preventiva, que se distinguem dos meros despachos;

- interlocutórias mistas, que também são chamadas de ¨decisões com força de definitivas¨, em terminologia adotada pelo art. 593, II, CPP, assim definitivas porque ¨encerram ou uma etapa do procedimento ou a própria relação processual, sem o julgamento do mérito da causa¨, sendo,  no primeiro caso, denominadas de ¨interlocutórias mistas não terminativas¨, tal como ocorre com a pronúncia – que remete o feito ao tribunal do júri – e, no segundo caso, ¨de interlocutórias mistas terminativas¨, a exemplo do que se dá com a rejeição da denuncia;

-  definitivas ou sentenças em sentido próprio, que são provimentos que solucionam a lide, julgando o mérito da causa, podendo se apresentar como condenatórias, absolutórias ou terminativas de mérito[26].

A teor do artigo 3º do Código de Processo Penal, deve o intérprete, sempre que possível, socorrer-se das regras do Processo Civil para correta aplicação da lei.

O problema a seguir posto dirá respeito à correta aplicação dos institutos não recebimento da denúncia e rejeição da denúncia.

Mas, para isso, evidenciam-se as dificuldades aqui já postas com outros institutos do processo penal.

Senão vejamos.

Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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