As singularidades do processo penal diante do processo civil em alguns exemplos

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10/08/2015 às 07:27
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IV – A FUTURA ELIMINAÇÃO DA CARTA TESTEMUNHÁVEL

Da forma como está a reformulação do processo penal, no Brasil, deve ser expurgada de sua sistemática o recurso de carta testemunhável.

É outro remédio singular do processo penal.

Em pronunciamento, por sua importância, de registro na matéria, acentuou ESPINOLA FILHO[36]: ¨Principalmente se se atender que só  cabe carta testemunhável quando, contra a denegação de um recurso, a lei não autoriza outro remédio e se dermos considerações a que, julgando a carta, pode o tribunal decidir o mérito do recurso recusado e contra cuja repulsa foi ela tirada, não deixaremos de compreender que é, de fato, um recurso subsidiário, sem prejuízo de ser um recurso especial, pois tem objetivo específico.¨

A doutrina, na lição de MAGALHÃES NORONHA[37], o via como um soldado de reserva, pois afastado o recurso intentado, ela o substitui, objetivando o mesmo fim. 

Deverá ser substituído no futuro pelo agravo interno(recurso das decisões de Presidente ou de Relator, que, no tribunal, neguem seguimento a recurso), independente de sua aplicação, pelo que consta no Regimento Interno dos Tribunais, como agravo regimental. É o que se deve ler do artigo 557, caput e parágrafo primeiro do Código de Processo Civil.

É remédio legal, um recurso, contra decisão denegatória de recurso criminal ou contra a decisão que obstar seu seguimento desde que não haja outro recurso.

Cabia, na redação do Código de Processo Penal, em 3(três) hipóteses: indeferimento ou denegação do recurso em sentido estrito; recusa do protesto por novo Júri[38]; indeferimento do recurso  extraordinário.[39]

Denegado o processamento da apelação, o recurso cabível hoje é o recurso em sentido estrito(artigo 581, VI, do CPP).


V  - A SISTEMÁTICA DO RECURSO EM SENTIDO ESTRITO DIANTE DAS REFORMAS DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL

Vejamos os casos de cabimento:

a)      O caso do artigo 581, VI, do Código de Processo Penal na redação  que foi dada pelo Código de Processo Penal, foi objeto de revogação pela Lei 11.689 e assim as decisões que absolverem sumariamente o réu serão objeto de recurso de apelação;

b)    O caso do artigo 581, X, do Código de Processo Penal, envolve decisão que concede ou não habeas corpus. No caso de concessão de habeas corpus para trancar inquérito, a decisão tem a mesma natureza de uma absolvição sumária, cabendo apelação da decisão, por extinguir a própria ação penal. Se, ao contrário, não  reconhece a existência de condições da ação ou de pressupostos processuais, o trancamento tem efeito de decisão interlocutória mista e aí seria cabível o recurso em sentido estrito;

c)  O caso do artigo 581, VIII, do Código de Processo Penal envolve a decretação da prescrição ou julgar de outro modo extinta a punibilidade. Tal matéria é de absolvição sumária a teor da Lei 11.719/08, sendo o recurso de apelação o remédio cabível e não mais o de recurso em sentido estrito;

d)    O caso do artigo 581, I, do Código de Processo Penal, que envolve a decisão que não receber a denúncia ou a queixa. Rejeitada a denúncia ou a queixa o provimento do recurso implicará o recebimento da inicial, salvo quando se tratar de nulidade ou de ato de rejeição. A decisão que rejeita a peça acusatória é decisão interlocutória mista, levando em conta que a rejeição liminar da denúncia diz respeito a decisões de índole processual, como as de condições de ação ou de falta de pressupostos processuais, mas pode ser caso de rejeição liminar se inexiste, de pronto, qualquer crime. Não recebida a denuncia e ajuizado recurso em sentido estrito cabe a intimação do acusado para apresentar contrarrazões(Súmula 707 do STF). Se há recebimento da denúncia, a hipótese é de habeas corpus. Registro que das decisões que não recebam a denúncia, nos Juizados Especiais cabe apelação, artigo 82 da Lei 9.099/95;

e)     O caso de reconhecimento de incompetência do juízo, é exemplo típico de decisão interlocutória. Se houver reconhecimento da competência cabe o habeas corpus, pois o acusado não é obrigado a ser julgado por juízo que entende incompetente (artigo 5º, LIII, da Constituição);  

f)       O caso das decisões que julgarem procedentes as exceções, salvo a de suspeição: Por certo, algumas exceções, se julgadas procedentes, como a de coisa julgada, litispendência, podem levar a extinção do feito. Bem dito que a decisão que julga com relação a exceção de suspeição, impedimento ou incompatibilidade, será feita na segunda instância, razão pela qual está fora do recurso em sentido estrito;

g)      O caso da decisão que pronuncia o réu é tipicamente interlocutória mista, pondo termo a fase procedimental anterior ao julgamento do crime doloso pelo Tribunal do Júri, sem apresentar extinção do processo, cabendo recurso em sentido estrito. Já a decisão que impronuncia o réu desafia o recurso de apelação, a teor da redação hoje dada pela Lei 11.689/08;

h)     O caso da decisão que conceder, negar, arbitrar, cassar ou julgar inidônea a fiança, independente de requerimento de prisão preventiva ou revogá-la, conceder liberdade provisória ou relaxar a prisão em flagrante: a decisão, aqui, é tipicamente interlocutória. Em havendo restrição à liberdade, deve-se ajuizar habeas corpus independente do recurso em sentido estrito;

i)        As decisões que envolverem interlocutórias no curso da execução penal, como a de concessão, revogação da suspensão condicional da pena, são, a partir da Lei 7.210/84, objeto do recurso de agravo. Se proferida na sentença, o recurso será de apelação;

j)        Caso da decisão que desclassifica a infração penal nas denúncias nos crimes dolosos contra a vida: é decisão interlocutória mista, cabendo dela o recurso em sentido estrito;

k)      Caso da decisão que negar conhecimento ao recurso de apelação criminal: aqui tem-se entendido possível o recurso de carta testemunhável, por fungibilidade recursal, como se fosse recurso em sentido estrito, como se lê do julgamento do Tribunal de Justiça de São Paulo, na CT 338.004-3/8, Relator Passos de Freitas, 11 de setembro de 2001. Será o caso do recurso de apelação do assistente da acusação que não vier a ser recebido, onde se reconhece o cabimento do recurso em sentido estrito;

l)        Caso da suspensão do feito em virtude de questão prejudicial: Tal se dará diante de prejudiciais heterogêneas, a teor do artigo 92 do Código de Processo Penal, prejudicial obrigatória, ou pelo artigo 93 do Código de Processo Penal, prejudicial facultativa; 

m)    O caso de julgamento de incidente de falsidade: é caso de decisão interlocutória, cabendo o recurso em sentido estrito. Tal se dá diante de decisão que verifica ser ou não falso determinado documento, materialmente ou ideologicamente.


VI – CONCLUSÕES

São evidentes os reflexos dos institutos do processo civil no processo penal, a começar pelo estudo da teoria geral do processo, onde se vê a trilogia: jurisdição, ação e processo.

O artigo 3º do Código de Processo Penal marca ao intérprete a possibilidade de aplicação dos princípios e institutos do processo civil no processo penal.

No desenrolar do presente estudo, diversos foram os exemplos apresentados, sendo da própria índole das reformas, que já advieram assim como do futuro Código de Processo Penal, que, em seu anteprojeto, já assim previu, a adoção de soluções instrumentais próprias do regime do Processo Civil.

Esse o objetivo do presente estudo: demonstrar a adoção de normas e princípios do processo civil, dentro dos devidos parâmetros, ao processo penal.

Reitero, em profissão de fé, que as garantias individuais não são favores do Estado. A sua observância, bem dito, é exigência indeclinável para o Estado.


Notas

[1] NORONHA, E Magalhães .Curso de direito processual penal, São Paulo, Saraiva, 1979, 11ª edição, pág. 5.

[2] MIRABETE, Júlio Fabbrini. Processo Penal, São Paulo, Atlas, 1992, pág. 32.

[3] ÁVILA, Humberto Bergmann.Repensando o princípio da supremacia do interesse público sobre o particular, in O Direito Público em tempos de crise – Estudos em homenagem a Ruy Ruben Ruschel, 1999, pág. 99/127.

[4] NUCCI, Guilherme de Souza. Código de processo penal comentado, São Paulo, Ed. Revista dos Tribunais, 10ª edição, 2011, pág. 311.

[5] TORNAGHI, Hélio. Compêndio de processo penal, tomo I,  Rio de Janeiro, J. Konfino, 1967, pág. 72.

[6] TOURINHO FILHO, Fernando Costa. Código de processo penal comentado, São Paulo, Saraiva, volume I, pág. 299.

[7] NUCCI, Guilherme de Souza. Código de processo penal comentado, São Paulo, Ed. Revista dos Tribunais, 10ª edição,  2011, pág. 312.

[8] Antes de transitar em julgado a sentença final, as coisas apreendidas não poderão ser restituídas enquanto interessarem ao processo(artigo 118 do CPP). A busca e apreensão é medida assecuratória destinada a colheita de provas no processo.

[9] Na legislação revogada de lavagem de dinheiro, o prazo peremptório era de 120(cento e vinte) dias, do que se lia da Lei 9.612/98.

[10] MONIZ DE ARAGÃO, Egas Dirceu. Comentários ao código de processo civil, volume II, 2ª edição, Rio de Janeiro, Forense, pág. 260.

[11] NUCCI, Guilherme de Souza. Código de processo penal comentado, São Paulo, RT, 10ª edição, 2011, pág. 701.

[12] RANGEL, Paulo. Direito Processual Penal, 20ª edição, São Paulo, Atlas, 2012, pág. 448.

[13] LOPES JR,Aury. Direito processual penal e sua conformidade constitucional, Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2007, volume I, pág. 540 550.

[14] OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de Processo Penal, São Paulo, Atlas, 16ª edição, 2012, pág. 427.

[15] OLIVEIRA, Eugênio Pacelli. Curso de Processo Penal, São Paulo, Atlas, 16ª edição, 2012, pág. 428.

[16]Em sentido contrário, admitindo a possibilidade de ser a vítima processada por desobediência, caso não compareça à audiência para o qual foi intimada, temos as lições de Scarance Fernandes(A vítima no processo penal brasileiro, pág. 148); Mirabete(Código de processo penal interpretado, pág. 279) e Tourinho(Comentários ao código de processo penal, vol. I, pág. 401), dentre outros. Da mesma forma, entende-se que a vítima pode ser processada por crime de desobediência, caso se recuse a fazer exame de corpo delito, podendo, se persistente a recusa, ser conduzida ¨debaixo de vara¨, para realizar as perícias.

[17] O mérito da ação penal se considera o que diz respeito a existência e autoria do fato e ainda o juízo de adequação jurídico-penal, impedindo a reabertura de discussão da matéria no mesmo ou em outro processo.

[18] THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil, volume I, 46ª edição, Rio de Janeiro, Forense, 2007.

[19] THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil, Rio de Janeiro, Forense, 47ª edição, volume I, pág. 263.

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[20] OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de processo penal, São Paulo, Ed. Atlas, 16ª edição, 2012, pág. 631.

[21] Quanto a impronúncia(artigo 414 do CPP), o recurso cabível, diante da reforma processual de 2008, é o de apelação(artigo 416).

[22] OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de direito Processual penal, São Paulo, Atlas, 16ª edição, 2012, pág. 881.

[24] TÁVORA, Nestor ; RODRIGUES ALENCAR, Rosmar. Curso de direito processual penal, Salvador, Bahia, Ed. JusPodivm, 7ª edição, pág. 728. 

[25] MIRABETE, Júlio Fabbrini. Processo Penal, 14ª edição, São Paulo, Ed. Atlas, 2003, páginas 445 e 446.

[26] Ocorre quando se julga o mérito, definindo-se o juízo, sem condenar ou absolver o acusado, como na hipótese de declarações da extinção da punibilidade.

[27] Indícios são certas circunstâncias que permitir chegar à verificação da existência de um fato. Indício é uma circunstância certa e que se realizou ao passo que na presunção considera como realizado um fato não provado, fundando-se, entretanto, na experiência. Por um raciocínio intelectual a partir de um fato conhecido e demonstrado(indício), chega-se, por presunção, à demonstração de outro fato. 

[28] NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal Comentado, 10ª edição, São Paulo, RT, pág. 751.

[29] NUCCI, Guilherme de Souza. Código de processo penal comentado, 10ª edição, São Paulo, RT, pág. 769.

[30] É embargável, no prazo de 15 dias, a decisão da turma que: em recurso especial, divergir do julgamento de outra turma, da seção ou da corte especial; em recurso extraordinário, divergir do julgamento de outra turma ou do pleno(artigo 502 do anteprojeto). O recurso de embargos de divergência passou a ter previsão no Código de Processo Civil, a partir de 1949, quando a Lei 623, de 19 de janeiro de 1949, introduziu o parágrafo único do artigo 833 do CPC de 1939, com a seguinte redação: ¨Além de outros casos admitidos em lei, são embargáveis, no Supremo Tribunal Federal, as decisões das Turmas, quando divirjam entre si, ou de decisão tomada pelo Tribunal Pleno.¨ O Código de Processo Civil de 1973 não previu no elenco recursal tal espécie, fazendo apenas menção ao processamento do recurso extraordinário em obediência ao respectivo regimento interno(artigo 546 do CPC). Por sua vez, o regimento interno do STF, com vigência a partir de 1 de dezembro de 1980, tratou de divergência no artigo 330, assim registrando: ¨Cabem embargos de divergência à decisão de Turma que, em recurso extraordinário ou em agravo de instrumento, divergir de julgado de outra Turma ou Plenário na interpretação do direito federal¨. Com a Lei 8.038/90, na redação do artigo 29, assim foi prescrito: ¨È embargável, no prazo de quinze dias, a decisão da Turma que, em recurso especial, divergir do julgamento de outra turma, da seção ou do órgão especial, observando-se o procedimento estabelecido no regimento interno¨. Com a Lei 8.950, de 13 de dezembro de 1994, tem-se que é embargável a decisão da turma que: I – em recurso especial, divergir do julgamento de outra turma, da seção ou órgão especial; Ii – em recurso extraordinário, divergir do julgamento da outra turma ou do plenário. Em resumo: os embargos de divergência somente são cabíveis perante o Supremo Tribunal Federal e Superior Tribunal de Justiça e somente no âmbito de recursos especial e extraordinário, nos termos dos artigos 496, VIII, e 546 do CPC. Não cabem contra decisão proferida em agravo. Os embargos de divergência têm a finalidade de uniformizar o entendimento do Tribunal quando há discrepância de posições entre as turmas ou entre uma turma e outro órgão colegiado(seção, órgão especial ou plenário). Assim não se examina o acerto ou desacerto de decisão proferida no âmbito de recurso especial ou extraordinária, mas, em grau de admissibilidade, a harmonização da divergência. O relator pode indeferir liminarmente os embargos de divergência quando intempestivos ou quando contrariarem súmula do tribunal ou não se comprovar ou não se configurar a divergência jurisprudencial(artigo 266, § 3º, do RISTJ). Se inadmitidos cabe recurso de agravo(artigo 258 do RISTJ e artigo 317 do RISTF). O recurso de embargos de divergência tem somente efeito devolutivo(artigo 266, § 2º, do RISTJJ). Não há efeito translativo.

[31] A propósito, necessário ver que se segue a disciplina da Lei 11.187/2005, com vigência a partir de 18 de janeiro de 2006, como se lê da redação trazida ao artigo 522 do CPC.

[32] Não cabe mandado de segurança contra ato judicial passível de recurso ou correição.

[33] Tal é o conhecido exemplo no julgamento do HC 84.078, Relator Ministro Eros Grau, por maioria, entendendo incabível o inicio da execução penal antes do trânsito em julgado da condenação(isto é, da chamada execução provisória), ainda que exauridos o primeiro e o segundo grau de jurisdição.

[34] RANGEL, Paulo. Direito processual penal, 4ª edição, Rio de Janeiro, Ed. Lumen, Juris, 2001, pág. 583.

[35] NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de processo penal e de execução penal, 3ª edição, São Paulo, RT, 2007, pág. 856.

[36] ESPÍNOLA FILHO, Eduardo. Código de processo penal brasileiro,  volume VI,  Rio de Janeiro, Editora Borsoi, 1955, pág. 196.

[37] NORONHA, E Magalhães..Curso de direito processual penal, São Paulo, Ed. Saraiva, 1979, 11ª edição, pág. 399.

[38] O protesto por novo júri foi eliminado do ordenamento processual na reforma processual de 2008. Cabia de decisão do Júri para outro Júri, provocando novo pronunciamento quando a pena imposta for superior a 20(vinte) anos. Não cabia na aplicação de concurso material(RT 547/396), mas cabia nos casos de crime continuado ou crime formal, uma vez que se tratava de um todo unitário(RT 444/334).

[39] Em caso de indeferimento de recurso extraordinário ou especial, cabe agravo(Lei 12.322/10).

Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Informações sobre o texto

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