Teoria dinâmica do ônus da prova no Direito de Família: uma análise dos princípios processuais nas relações de familiares

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11/08/2015 às 12:57
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Analisa a concretização dos princípios processuais nas relações familiares a partir da adoção da teoria dinâmica do ônus da prova no Direito de Família.

Resumo: O presente trabalho se propõe a analisar em a concretização dos princípios processuais nas relações familiares a partir da adoção da teoria dinâmica do ônus da prova no Direito de Família. Para tanto, serão ponderados conceitos sobre o ônus da prova e o regramento de distribuição estática; a teoria dinâmica do ônus da prova e a sua relação com os princípios processuais; e a teoria dinâmica de distribuição do ônus da prova e o Direito de Família. A pesquisa bibliográfica toma por fundamento autores como Didier Jr., Braga e Oliveira, Giorgis, dentre outros.

Palavras-chave: Ônus da prova; Distribuição; Princípios Processuais; Família.

Abstract: This study aims to analyze in the achievement of procedural principles in family relations from the adoption of the dynamic theory of the burden of proof in family law. Therefore, they are weighted concepts about the burden of proof and the static distribution rules; the dynamic theory of burden of proof and its relationship with the procedural principles; and the dynamic theory of distribution of the burden of proof and the Family Law. The literature takes on grounds authors like Didier Jr., Braga and Oliveira, Giorgis, among others.

Keywords: Burden of proof; Distribution; Procedural Principles; Family.

Sumário: Introdução. 1. O ônus da prova e o regramento de distribuição estática. 2. Teoria Dinâmica do ônus da Prova e sua relação com os Princípios Processuais. 3. A Teoria Dinâmica de Distribuição do Ônus da Prova e o Direito de Família. Considerações finais. Referências.


INTRODUÇÃO

A distribuição do ônus da prova no processo civil brasileiro, disposta no art. 333 do CPC, estabelece que compete, em regra, a cada uma das partes o ônus de fornecer os elementos de prova das alegações de fato que fizer. A parte que alega deve buscar os meios necessários para convencer o juiz da veracidade do fato deduzido como base da sua pretensão/exceção, afinal é a maior interessada no seu reconhecimento e acolhimento.

A regra estabelecida pelo CPC leva em consideração três fatores: a) a posição da parte na causa - se autor ou réu; b) a natureza dos fatos em que funda sua pretensão/exceção; c) e o interesse em provar o fato. Desta forma, ao autor cabe o ônus da prova do fato constitutivo do seu direito e ao réu a prova do fato extintivo, impeditivo ou modificativo deste.

A teoria clássica de distribuição do ônus da prova distribuindo prévia e abstratamente o encargo probatório, sem levar em consideração as peculiaridades e particularidades do caso concreto. Por isso, nem sempre a parte que possui o encargo probatória, prévia e abstratamente distribuído, apresenta condições de atender a esse ônus que lhe foi rigidamente atribuído, o que pode vir a inviabilizar o desfecho efetivo e equânime da demanda.

Em contraposição ao regramento estático de distribuição do ônus da prova, foi desenvolvido pela doutrina e adotado pela jurisprudência pátria a teoria dinâmica da distribuição do ônus da prova, que propõe novo paradigma para a distribuição do encargo probatório, de forma a se contemplar as peculiaridades e particularidade do caso concreto, a partir da atribuição do encargo probatório à parte que apresenta maiores e melhores condições na produção/apresentação.

A aplicação da teoria da carga dinâmica da prova denota destacada relevância nas relações familiares, nas quais os processos judiciais apresentam peculiar dificuldade na produção de provas. Neste ramo do direito, que se destina ao regramento da própria vida privada, mas que busca a tutela de direitos personalíssimo, a dinamicidade na norma jurídica aplicável é preponderante, sendo, por vezes, imprescindível para solver a lide.

O presente trabalho busca analisar a concretização dos princípios processuais nas relações familiares a partir da adoção da teoria dinâmica do ônus da prova no Direito de Família. Para tanto, a partir da pesquisa bibliográfica, discorreu-se sobre: o ônus da prova e o regramento de distribuição estática; a teoria dinâmica do ônus da prova e a sua relação com os princípios processuais; e a teoria dinâmica de distribuição do ônus da prova e o Direito de Família.


O ônus da prova e o regramento de distribuição estática

O ônus da prova, segundo Fredie Didier Jr.[2], constitui encargo atribuído à parte, sem cujo desempenho se põe em situação de desvantagem perante o direito. Não se trata de obrigação, mas de imperativos do próprio interesse que acarretam em poderes processuais concedidos à parte para aferir a possibilidade de escolha de algum comportamento que atinja a meta buscada por sua ação.

Discorre-se na doutrina sobre a existência de dois sentidos atribuídos aos ônus da prova. Em um primeiro sentido, o ônus da prova seria uma regra de conduta dirigida às partes, que indica quais os fatos que a cada uma incumbe provar, chamada de ônus subjetivo. Conduto, é possível que as provas produzidas sejam insuficientes para elucidar os fatos envolvidos na lide, sendo, ainda assim, imposto ao magistrado o dever de julgar. Daí emerge o segundo sentido, o ônus objetivo, regra de julgamento dirigida ao juiz que indica qual das partes deverá suportar os riscos advindos do mau êxito na atividade probatória, que resultaria em decisão desfavorável[3].

A despeito dessa distinção, concebe-se, a rigor, que o órgão judicial deve se preocupar como aspecto objetivo do ônus da prova, e não com seu aspecto subjetivo, pois o que importa é o resultado da instrução e sua avaliação e julgamento pelo magistrado, e não a conduta das partes na instrução.

E isto porque a finalidade da prova é permitir a formação da convicção quanto à existência dos fatos da causa, não tendo a prova um fim em si mesma ou fim moral e filosófico. Tendo em vista a assertiva de que a finalidade da prova é convencer o juiz, pode-se dizer que ele é o seu principal destinatário, pois é quem precisa ser cientificado da verdade quanto aos fatos, para que possa decidir, considerando-se, desta forma, as partes como destinatários indiretos, pois elas também precisam se convencer da verdade, para que acolham a decisão.

Destarte, ônus da prova orienta quem responderá pela ausência de prova de determinado fato. Trata-se, pois, de regras de julgamento de aplicação subsidiária, porquanto somente incidem se não houver prova do fato ensejador do direito pleiteado envolvido na lide.

Alinhando ao entendimento, dispõe Humberto Theodoro Junior[4] que:

 Esse ônus consiste na conduta processual exigida da parte para que a verdade dos fatos por ela arrolados seja admitida pelo juiz. Não há um dever de provar, nem à parte contrária assiste o direito de exigir a prova do adversário. Há um simples ônus, de modo que o litigante assume o risco de perder a causa se não provar os fatos alegados dos quais depende a existência do direito subjetivo que pretende resguardar através da tutela jurisdicional. Isso porque, segundo máxima antiga, fato alegado e não provado é o mesmo que fato inexistente.

O CPC, em seu art. 333, estabelece que, em regra, compete a cada uma das partes o ônus de fornecer os elementos de prova das alegações de fato que fizer. Ao distribuir o ônus da prova, o CPC levou em consideração três fatores: a posição da parte na causa; a natureza dos fatos em que funda sua pretensão; e o interesse em provar o fato. Desta forma, ao autor cabe o ônus da prova do fato constitutivo do seu direito e ao réu a prova do fato extintivo, impeditivo ou modificativo deste mesmo direito (art. 333, CPC).

Vê-se, assim, que adotou o nosso CPC uma concepção estática do ônus da prova, que é distribuído a priori, sem a observância das peculiaridades do caso concreto. Tal regramento se revela insatisfatório no contexto da dinâmica processual, visto que desconsidera as particularidades do direito material inserto e a realidade dos fatos envoltos na lide, ganhando força, contemporaneamente, a teoria da distribuição dinâmica da prova.


Teoria Dinâmica do ônus da Prova e sua relação com os Princípios Processuais

A Teoria da distribuição dinâmica do ônus da prova surgiu na Argentina, tendo como principais autores Jorge w. Peryano e Augusto M. Morello. Estes, conforme dispõe Wilson Alves (WILSON ALVES APUD FREDIE DIDIER, 2009, pg. 93), passaram a defender a repartição dinâmica do ônus da prova, tomando por base os princípios da veracidade, boa-fé, lealdade e solidariedade, a partir da concepção de que seria necessário levar em consideração as circunstâncias do caso concreto para se atribuir o ônus àquele que tivesse mais condições de satisfazê-lo, impondo-se atuação probatória à parte que mais tem possibilidades de produzi-la.

Lastreada no axioma de que a prova incumbe a quem, pelas circunstâncias do caso concreto, detém as melhores condições de produzi-la, inaugura paradigma que rompe a visão estática da mera distribuição, não mais importando o prévio e abstrato encargo, a posição da parte, ou a qualidade do fato, mas a concretude do caso, a natureza do fato a demonstrar, de forma que o encargo seja assumido por quem tem melhores condições de produção da prova na instrução processual[5].

O objetivo desta teoria é promover a igualdade, em sentido material, das partes. Busca evitar que uma das partes tenha o ônus de uma prova diabólica, aquela prova de impossível produção.

Em suma, a teoria propõe que o encargo na produção probatória não deve ser repartido prévia e abstratamente, mas casuisticamente; que a distribuição do ônus não pode ser estática e inflexível, mas dinâmica; que pouco importa a posição assumida pela parte na causa; e que é irrelevante a natureza do fato ser provado – se constitutivo, modificativo, impeditivo ou extintivo do direito – ou o interesse em prová-lo, mas, sim, quem tem mais possibilidades de fazer a aprova.

Permanece o magistrado como principal destinatário e gestor das provas, contudo, com poderes instrutórios ainda maiores, pois está entre suas atribuições avaliar qual das partes possui melhores condições de produzir a prova no caso concreto. Por isso, encontra concretude na teoria o princípio dispositivo (ou da livre investigação ou apreciação das provas ou do ativismo judicial), conforme coloca José Carlos Teixeira Giorgis[6], asseverando que o dinamismo contribui para que a demanda atinja sua máxima finalidade.

Para Izabella Naccaratti André Friedrich[7], que toma por fundamento lições de Suzana Santi Cremasco, podem ser considerados como fundamentos dessa teoria os deveres de igualdade, lealdade, solidariedade, boa fé objetiva processual, devido processo legal, acesso à justiça e efetividade do processo, visão cooperatória e publicista do processo civil, busca pela verdade real e obtenção de um resultado justo. Nessa linha, afirma que a teoria da distribuição dinâmica do ônus da prova se propõe a facilitar a produção de provas necessárias ao delineamento dos fatos controvertidos no processo, conduzindo ao aprimoramento da formação do convencimento do magistrado, de modo a se alcançar a efetividade e a justiça da decisão a ser proferida, tendo por base os princípios pilares do processo civil contemporâneo.

Segundo esta linha, acrescenta Fredie Didier Jr.[8] que a doutrina acolhe a concepção da teoria da distribuição dinâmica do ônus da prova a partir de uma interpretação sistemática de nossa legislação processual, sendo ela decorrente dos seguintes princípios:

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  1. Princípio da igualdade (art. 5°, caput, CF, e art. 125, I, CPC), uma vez que deve haver uma paridade real de armas das partes no Processo, promovendo-se um equilíbrio substancial entre elas, o que só será possível se atribuído o ônus da prova àquela que tem meios para satisfazê-lo;
  2. Princípio da lealdade, boa-fé, e veracidade (art. 14, 16, 17, 18 e 125, II, CPC), pois nosso sistema não admite que a parte aja ou se omita, de forma ardilosa, no intuito deliberado de prejudicar a contraparte, não se valendo de alegações de fato e provas esclarecedoras;
  3. Princípio da solidariedade com o órgão judicial (arts. 339, 340, 342, 345, 355, CPC), pois todos têm o dever de ajudar o magistrado a descortinar a verdade dos fatos;
  4. Princípio do devido processo legal (art. 5°, XIV, CF), pois um processo devido é aquele que produz resultados justos e equânimes;
  5. Princípio do acesso à justiça (art. 5°, XXXV, CF), que garante a obtenção de tutela jurisdicional justa e efetiva.

Importa destacar que a teoria da carga dinâmica não se confunde com a inversão do ônus da prova. Veja-se que a teoria da carga dinâmica é aquela na qual o magistrado, por meio de decisão, atribui o ônus da prova à parte que, no caso concreto, revele ter as melhores condições de produzi-la, enquanto que a inversão do ônus da prova, decorre de previsão expressa da lei e pressupõe a existência de uma responsabilidade, a princípio, atribuída a uma das partes, e, uma vez preenchidos os requisitos legais, é transferido o encargo à parte contrária.

Desta forma, para que a inversão ocorra, não é necessário que o juiz analise as circunstâncias do caso concreto e decida sobre a inversão; com o preenchimento dos requisitos legais, deverá incidir a inversão, sendo esta última prevista no art. 6º, VIII, do CDC, que condiciona sua incidência à verossimilhança da alegação ou hipossuficiência.

Tem-se, assim, que o art. 333, CPC deve ser concebido e interpretado à luz dos princípios que informam o processo civil cooperativo e igualitário, de maneira a se consolidar uma visão solidarista do ônus da prova, que viabiliza a justa e adequada tutela do direito material, em superação aos paradigmas individualistas e patrimonialistas.

O Novo Código de Processo Civil, Lei 13.105/2015, em seu art. 373, §1˚, prevê a aplicação da Teoria da Carga Dinâmica:

Art. 373. O ônus da prova incumbe:

I – ao autor, quanto ao fato constitutivo do seu direito;

II – ao réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor.

§ 1º Nos casos previstos em lei ou diante de peculiaridades da causa, relacionadas à impossibilidade ou à excessiva dificuldade de cumprir o encargo nos termos do caput ou à maior facilidade de obtenção da prova contrária, poderá o juiz atribuir o ônus da prova de modo diverso, desde que o faça por decisão fundamentada. Neste caso, o juiz deverá dar à parte a oportunidade de se desincumbir do ônus que lhe foi atribuído.

§ 2º A decisão prevista no § 1º deste artigo não pode gerar situação em que a desincumbência do encargo pela parte seja impossível ou excessivamente difícil.

§ 3º A distribuição diversa do ônus da prova também pode ocorrer por convenção das partes, salvo quando:

I - recair sobre direito indisponível da parte;

II - tornar excessivamente difícil a uma parte o exercício do direito.

Desta forma, entrando em vigor o Novo Código Civil, em determinados casos, a norma autorizará que o magistrado atribua o ônus da prova à outra parte, quando haja impossibilidade ou excessiva dificuldade em cumprir o encargo. Entretanto, apesar do juiz passar a poder distribuir o encargo da produção probatória segundo as particularidades da causa, mediante decisão fundamentada, a regra geral de distribuição (estática) do ônus da prova fica mantida, havendo, em verdade, a previsão da flexibilização da teoria probatória pelo Novo CPC.

Sobre o autor
Sheila Santos Rolemberg

Pós-Graduada em Direito Civil e Direito Processual Civil pela Faculdade Guanambi (2015). Bacharela em Direito pela Universidade do Estado da Bahia (2012). Tem experiência na área de Direito, com ênfase em Direito do Trabalho, Direito Civil, Direito do Consumidor e Direito Previdenciário. Último cargo ocupado: Advogada-sócia do Rebelo e Rolemberg Advocacia. Inglês Fluente. Informações complementares: Curso de Extensão "Como Advogar em D. Previdenciário", pela Damásio de Jesus; Curso de Extensão em "Direito do Trabalho e Processo do Trabalho", pela UNEB - Curso "Fundamentos do Processo do Trabalho", pelo TRT - Curso "Eficácia e Efetividade dos Direitos Fundamentais nas Relações de Trabalho", pelo TRT - Curso "Execuções de Contribuições Previdenciárias", pelo TRT - Curso "Controle de Constitucionalidade", pela Academia de Letras Jurídicas.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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