Teoria dinâmica do ônus da prova no Direito de Família: uma análise dos princípios processuais nas relações de familiares

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11/08/2015 às 12:57
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A Teoria Dinâmica de Distribuição do Ônus da Prova e o Direito de Família

A teoria dinâmica de distribuição do ônus da prova vem sendo adotada pela jurisprudência pátria, antes mesmo de sua previsão no Novo Código de Processo Civil, em atendimento à militância da doutrina pátria.

O caso emblemático extraído dos julgados de muitos dos nossos tribunais em que acolhe a teoria aqui em exame é o da responsabilidade civil de profissional liberal, principalmente do médico, vez que este, quando demandado, apresenta, de regra, melhores condições de trazer ao processo prova de regularidade de sua conduta no exercício da atividade[9].

O Superior Tribunal de Justiça, perfilhando com o entendimento, vem aplicando a teoria da carga dinâmica do ônus da prova, senão vejamos:

PROCESSUAL CIVIL. PENHORA. DEPÓSITOS EM CONTAS CORRENTES. NATUREZA SALARIAL. IMPENHORABILIDADE. ÔNUS DA PROVA QUE CABE AO TITULAR. 1. Sendo direito do exequente a penhora preferencialmente em dinheiro (art. 655, inciso I, do CPC), a impenhorabilidade dos depósitos em contas correntes, ao argumento de tratar-se de verba salarial, consubstancia fato impeditivo do direito do autor (art. 333, inciso II, do CPC), recaindo sobre o réu o ônus de prová-lo. 2. Ademais, à luz da teoria da carga dinâmica da prova, não se concebe distribuir o ônus probatório de modo a retirar tal incumbência de quem poderia fazê-lo mais facilmente e atribuí-la a quem, por impossibilidade lógica e natural, não o conseguiria. 3. Recurso especial conhecido e parcialmente provido. (REsp 619.148/MG, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 20/05/2010, DJe 01/06/2010)

No Direito de Família não é diferente. De acordo com Fredie Didier Jr.[10], subsistem decisões que seguem essa orientação em causas de família, sobretudo nas ações de alimentos, impondo ao alimentante o ônus de provar seus rendimentos, fazendo menção o autor à decisão proferida na Apelação Cível n.° 70005993449, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, e na Apelação Cível 7004756425, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS.

 A adoção da teoria no Direito de Família tem importância especial por duas vertentes típicas desse ramo do direito, quais sejam a peculiaridade da prova e feição intervencionista do juiz de família. Nas demandas familiares a dificuldade probatória é marcante, sendo necessária a atuação do magistrado de maneira mais incisiva e ativa, em vias do ativismo judicial, para que se possa elucidar os contornos da demanda e a veracidade dos fatos, com fins de se tutelar os direitos pleiteados.

Não se pode negar que nas relações de família subsiste um caráter dinâmico (não estático) na norma jurídica aplicável, uma vez que se destina ao regramento da própria vida privada, submetendo-se aos movimentos sociais e valorativos que lhe imporão constante evolução e mutação, de acordo com as variáveis temporais e espaciais, para atender às exigências humanas. Destaque-se, ainda, nos inúmeros casos concretos, a existência de interesses cuja prevalência axiológica supera a privacidade no que tange à concretização da dignidade do homem.

Além do conhecimento técnico, as lides de família exigem do jurista sensibilidade para compreender que as suas peculiaridades tornam mais difícil a captação e a própria produção de prova. O que se vislumbra da simples análise de casos como a estipulação de alimentos para um genitor profissional liberal, a investigação de paternidade, a disputa de guarda de um filho, a destituição do poder familiar de um dos genitores. Em qualquer dos casos elencados é possível se depara com a prova diabólica, passível de desconstituição a partir da aplicação da teoria dinâmica do ônus da prova.

Sobre a necessidade da aplicação da teoria da dinâmica do ônus da prova no Direito de Família e consagração do ativismo judicial em busca da concretização dos direitos tutelado nesse ramo do direito dispõe Giorgis[11]:

Embora veneração ao dogma das garantias constitucionais, sempre ressaltado por benquisto núcleo de operadores jurídicos e que coloca a mudez como conduta legal e democrática do decisor, não proclama heresia o entendimento que abraça versão contrária nas questões de família e nas transgressões penais.

É que ali o juiz dispõe de poderes e atribuições que não são próprios aos outros julgadores, e se ampliam c om outra índole investigatória na busca firme e direta da verdade escondida nos fatos; deixa de ser mero condutor do debate, como deseja o sistema dispositivo, para intervir c om prudência e parcimônia na devassa da causa.

O  juiz moderno não é expectador inerte ou convidado de pedra, como ensina a literatura, mas está munido de faculdades que permitem imiscuir-se no comando de diligências que favoreçam a persuasão, sem ficar refém da apatia dos litigantes.

(...)

Nesse sentido, o Superior Tribunal de Justiça observa que na fase atual do Direito de Família não se justifica o fetichismo de normas ultrapassadas em detrimento da verdade real, tendo o julgador a iniciativa probatória quando presentes razões de ordem pública e igualitária, como nas ações de estado; ou quando o juiz se encontre hesitante c om o contexto produzido, ou haja significativa desproporção econômica ou sócio-cultural entre os demandantes.

Desta forma, a adoção da teoria dinâmica do ônus da prova nas relações familiares vem promover a igualdade das partes, em sentido material, de forma a se privilegiar os princípios basilares do processo civil na tutela dos direitos de família, direitos personalíssimos, em regra.


Considerações finais

O Código de Processo Civil vigente, tomando por fundamento a teoria estática do ônus da prova, estabelece que ao autor cabe o ônus da prova do fato constitutivo do seu direito e ao réu os fatos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito do autor, distribuindo prévia e abstratamente o encargo probatório.

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Em contrapartida, consolida-se na doutrina e jurisprudência, tendo sido objeto de positivação legislativa no Novo CPC, teoria desenvolvida com fito em romper o paradigma da distribuição estática, a teoria dinâmica da distribuição do ônus da prova,  que leva em consideração o processo em sua concreta realidade, ou seja, com todas as suas particularidades e peculiaridades, de maneira a se atribuir o encargo probatório à parte que, perlas circunstâncias fáticas, tiver melhores condições de promover a elucidação dos fatos envoltos na lide, independentemente de sua posição no processo.

O Novo Código de Processo Civil traz previsão expressa de aplicação da teoria da carga dinâmica das provas em seu art. 373, o que ratifica a concepção contemporânea de processo.

A adoção da teoria dinâmica do ônus da prova nas relações familiares apresenta importância diferencial, o que se explica pelo fato do Direito de Família apresentar duas vertentes típicas: a peculiaridade da prova e feição intervencionista do juiz de família. Diante do caráter dinâmico das relações de família, prescinde de dinamicidade a norma jurídica aplicável, tanto a de direito material quanto a de direito processual, uma vez que se destina ao regramento da própria vida privada.

Destarte, a aplicação da referida teoria nas ações de família reflete a busca de concretização de princípios basilares do processo civil, a exemplo dos princípios da igualdade, da lealdade, da boa-fé, da solidariedade, do devido processo legal, do acesso à justiça, da livre investigação e apreciação das provas, com fito em se alcançar resultados judiciais mais efetivos e equânimes.


Referências

BRASIL. Lei 13.105/2015 de 16 de março de 2015. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2015/Lei/L13105.htm>. Acesso em: 03 de abril de 2015.

CAMARGO, Bárbara Galvão Simões de. O Ônus Probatório e sua Dinâmica Processual: uma Análise do Projeto do Novo Código de Processo Civil no Senado Federal e na Câmara dos Deputados. Publica Direito. Disponível em: < http://www.publicadireito.com.br/artigos/?cod=05751401fb782aa4 >. Acesso em: 03 de julho de 2014.

DIDIER JÚNIOR, Fredie. Curso de Direito Processual Civil: teoria da prova, direito probatório, teoria do precedente, decisão judicial, coisa julgada e antecipação dos efeitos da tutela. JusPodivm: Salvador, 2009.

FRIEDERICH, Izabella Naccaratti André. A Aplicação da Teoria da Carga Dinâmica das provas no Processo Civil Brasileiro. Rio de Janeiro. 2013.

GIORGIS, José Carlos Teixeira. A prova dinâmica no Direito do Família. Revista Âmbito Jurídico. Brasil. Disponível em: < http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=6106>. Acesso em:03 julho 2014.

THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. Forense: Rio de Janeiro, 2006, v. 01.


Notas

[2] DIDIER JÚNIOR, Fredie. Curso de Direito Processual Civil: teoria da prova, direito probatório, teoria do precedente, decisão judicial, coisa julgada e antecipação dos efeitos da tutela. JusPodivm: Salvador, 2009. p. 73.

[3] DIDIER JÚNIOR, Fredie. Op. Cit. p. 73.

[4] THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. Forense: Rio de Janeiro, 2006, v. 01. p. 462.

[5]GIORGIS, José Carlos Teixeira. A prova dinâmica no Direito do Família. Revista Âmbito Jurídico. Brasil. Disponível em: < http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=6106>. Acesso em:03 julho 2014.

[6] GIORGIOS, José Carlos Teixeira. Op. Cit.

[7] FRIEDERICH, Izabella Naccaratti André. A Aplicação da Teoria da Carga Dinâmica das provas no Processo Civil Brasileiro. Rio de Janeiro. 2013.

[8] DIDIER JÚNIOR, Fredie. Op. Cit. p. 92.

[9] STJ, 4a T., REsp n. 693.09/SC, rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, j. em 18.06.1996, publicado no DJ de 26.08.1996, p. 29.688.

[10] DIDIER JÚNIOR, Fredie. Op. Cit. p. 92.

[11] GIORGIOS, José Carlos Teixeira. Op. Cit.

Sobre o autor
Sheila Santos Rolemberg

Pós-Graduada em Direito Civil e Direito Processual Civil pela Faculdade Guanambi (2015). Bacharela em Direito pela Universidade do Estado da Bahia (2012). Tem experiência na área de Direito, com ênfase em Direito do Trabalho, Direito Civil, Direito do Consumidor e Direito Previdenciário. Último cargo ocupado: Advogada-sócia do Rebelo e Rolemberg Advocacia. Inglês Fluente. Informações complementares: Curso de Extensão "Como Advogar em D. Previdenciário", pela Damásio de Jesus; Curso de Extensão em "Direito do Trabalho e Processo do Trabalho", pela UNEB - Curso "Fundamentos do Processo do Trabalho", pelo TRT - Curso "Eficácia e Efetividade dos Direitos Fundamentais nas Relações de Trabalho", pelo TRT - Curso "Execuções de Contribuições Previdenciárias", pelo TRT - Curso "Controle de Constitucionalidade", pela Academia de Letras Jurídicas.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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