O transporte coletivo clandestino de passageiros:exploração, responsabilização e legislação aplicável

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O TEXTO ABORDA A QUESTÃO DO TRANSPORTE COLETIVO CLANDESTINO DE PASSAGEIROS - EXPLORAÇÃO, RESPONSABILIZAÇÃO E LEGISLAÇÃO APLICÁVEL.

           

INTRODUÇÃO E DESENVOLVIMENTO:

O Transporte Coletivo de Passageiros é um serviço público, cuja configuração jurídica dos deveres e direitos para a exploração dessa atividade, indiscutivelmente, se apresenta como regime especial de concessão, disciplinado pela Lei 8.987/95, que constitui por sua própria natureza, legislação específica, cujo núcleo primordial remonta a Constituição Federal (artigo 175).              

A gama de proteção, proporcionada pela Lei 8.987/95, torna a concessão ferramenta mais apta na transmissibilidade do serviço público, seja quanto à prevalência dos direitos dos usuários (art. 23, VI), ou quanto à fiscalização pela Administração (art. 23, VII), às penalidades aplicadas aos concessionários (art. 23, VIII), à prestação de contas ao poder concedente (art. 23, XIII) e à publicação das demonstrações financeiras do prestador (art. 23, XIV), dentre outras.

PALAVRAS CHAVES: Legislação. Aplicabilidade. Prestação. Serviços de Transporte Coletivo. Poder Concedente. Agências Reguladoras. Responsabilização. Legislação Aplicável. Transporte Clandestino.

DESENVOLVIMENTO:

Particularmente sobre as penalidades, dispõe o artigo 29, inciso II, in verbis:

"Art. 29. Incumbe ao poder concedente:

I - regulamentar o serviço concedido e fiscalizar permanentemente a sua prestação;

II - aplicar as penalidades regulamentares e contratuais". 

Nesse contexto, foram criadas as agências reguladoras, como no caso da AGR, cujo papel é o de poder concedente, estabelecendo as condições de transferência do serviço estatal, até então exercido como monopólio para a iniciativa privada.

A criação das agências especializadas ocorreu tanto nas esferas federais como estaduais, sendo a primeira formada com o objetivo de regular os serviços de rede de larga escala e os de interesse nacional, e a segunda, competente para regular todos os serviços concedidos ou permitidos pelos estados-membros e municípios, para a melhor adaptação às realidades regionais.

Diante desse cenário, no âmbito federal, foi criada a Agência Nacional de Transportes Terrestres – ANTT, instituída pela Lei nº. 10.233/2001, que dispõe sobre a reestruturação dos transportes aquaviário e terrestre, que criou o Conselho Nacional de Integração de Políticas de Transporte, a Agência Nacional de Transportes Aquaviários e o Departamento Nacional de Infra-Estrutura de Transportes, dando outras providências.

Há que se destacar que a predita Lei nº. 10.233/2001 outorgou à ANTT a atribuição de regulamentar o serviço de transporte, no âmbito do direito administrativo, estabelecendo como legítimas a autuação, a apreensão, a retenção e a aplicação de multa por transporte irregular de passageiros como serviço remunerado no âmbito Federal e Estadual.

Ainda em nível nacional, o Dec. Lei nº. 2.521/98 continuou regendo a matéria, inclusive sobre as formas de penalidades por atos contrários às leis que disciplinam o setor, na mesma linha da referida Lei nº. 10.233/2001.

Já, no âmbito do Estado de Goiás, foi criada a Agência Goiana de Regulação, Controle e Fiscalização dos Serviços Públicos - AGR através da Lei nº. 13.550/99 e instituída pela Lei 13.569/99, que entre outras atribuições determina a competência ao órgão, para regulamentar e fiscalizar a prestação de serviços públicos atinentes ao transporte coletivo rodoviário intermunicipal de passageiros, no âmbito do Estado de Goiás.

Prosseguindo na esteira da legislação pertinente aplicável à espécie, há que destacar que, o Decreto 4.648/96, que dispõe sobre o Regulamento do Transporte Coletivo Rodoviário Intermunicipal, foi, por sua vez, recepcionado pela Lei nº. 13.569/99 supracitada (artigo 34), e continua regendo a matéria, haja vista seu conteúdo detalhado, capaz de dar efetividade aos preceitos estabelecidos na referida Lei.

Ciente dos riscos incidentes e/ou acidentes na exploração dos serviços de transportes públicos de forma inadequada, bem como dos graves transtornos às atividades dos usuários, podendo chegar até mesmo comprometer a saúde e vidas humanas, o Estado cuidou de editar a Lei 14.480/2003, que tem por objetivo estabelecer as penalidades aplicáveis àqueles que estiverem operando os serviços com negligência e imperícia, ou mesmo àqueles que estiverem executando-os, na informalidade, sem a devida autorização do poder concedente.

Posto isto, indiscutível se apresenta a configuração Jurídica dos direitos e deveres da Agência Goiana de Regulamentação, Controle e Fiscalização dos Serviços Públicos - AGR subordinados à Lei das Concessões. Há que se destacar que as Leis Estaduais que regem a matéria em discussão foram criadas pelo Estado, com estrita observância da legislação pertinente, especificamente editada para sua regência.

Relevante considerar que as Leis Estaduais nos 13.569/99 e 14.480/2003, e o Decreto Estadual nº. 4.648/96, estão em perfeita consonância com a Lei Federal nº. 8.987/95, e em face do que define o dispositivo constitucional e infraconstitucional, ao excluir, em preceptiva sede de norma específica, a matéria em questão, cujo objeto obedece à diretriz e política próprias.

Não podemos nos esquecer dos fenômenos jurídicos da competência concorrente, prevista no artigo 24 da Constituição Federal, bem como do princípio da especialidade.

A prestação de serviços públicos reveste-se de muita seriedade e responsabilidade, e na transição dos monopólios estatais aos entes privados, deve-se ter sempre em mente o serviço a ser regulado, conforme o interesse público, assim como os princípios da autonomia e da especialidade.

É incontestável que no setor de prestação de serviços de transporte coletivo de passageiros, vigora uma política de maneira autônoma que revela, sem sombra de dúvida, pontos originais e extremamente peculiares. Ressai-se daí, um mínimo de ordenação, e para esta finalidade as Agências de Regulação foram criadas.

Nesta vertente, preleciona Hely Lopes Meirelles:

"O fato de tais serviços serem delegados a terceiros, estranhos à Administração Pública, não retira do Estado seu poder indeclinável de regulamentá-los e controlá-los, exigindo sempre sua atualização e eficiência, de par com o exato cumprimento das condições impostas para sua prestação ao público".

De outro modo, como evitar o perigo à integridade física dos usuários do transporte coletivo pela falta de habilidade dos motoristas? O "informalismo" desregrado ameaça o interesse coletivo, quando se sabe que a responsabilidade dos prestadores públicos é direta (objetiva), independente de apreciação da culpa pessoal do agente, (art. 37, § 6° da CF).

Fato é que o Constituinte, ao legislar sobre normas gerais, não excluiu a competência suplementar dos Estados membros, para exercer competência plena legislativa, no que concerne às peculiaridades da matéria, no âmbito de seu território. Infere-se, que a Constituição ao instituir a legislação concorrente, não adotou um procedimento centralizador, de exclusividade, com a consequente exclusão das demais entidades federativas.

Neste sentido, ensina o Ministro Celso de Mello que:

“A Constituição da República, nas hipóteses de competência concorrente (CF, art. 24) estabeleceu verdadeira situação de condomínio legislativo entre a União Federal, os Estados-membros e o Distrito Federal, daí resultando clara repartição vertical de competências normativas entre as pessoas estatais, cabendo, à União, estabelecer normas gerais (CF, art. 24, § 1º), e, aos Estados-membros e ao Distrito Federal, exercer competência suplementar (CF, art. 24, § 2º,),(...) deferiu ao Estado-membro e ao Distrito Federal, em inexistindo lei federal sobre normas gerais, a possibilidade de exercer a competência legislativa plena, desde que para atender as suas peculiaridades (CF, art. 24, § 3º)”   

Isto posto, depreende-se que o Estado ao legislar sobre a matéria de delegação da exploração dos serviços de transporte coletivo de passageiros, enquanto legislação local, o fez buscando preencher os claros, aperfeiçoando a matéria revelada, na legislação especial, às peculiaridades e exigências estaduais, sem, contudo, desnaturar ou conflitar com àquelas contidas na respectiva Lei Federal (8.987/95).

De outro bordo, tomando por atenção o princípio da especialidade, é inconteste que a lei especial das Concessões prevalece sobre o Código de Trânsito. Trata-se de primazia constitucional na hierarquia das leis, que tem como pressuposto a existência de diferenças entre situações reguladas, e impõe-se como imperativo necessário à manutenção da lógica do sistema jurídico.

Na realidade, criam-se leis especiais, retiram-se blocos, matérias e situações do direito comum, para entregá-las a disciplina específica, quando em razão de peculiaridades e circunstâncias objetivas e subjetivas, merecem regulação especial.

Feitas essas considerações, chegamos ao ponto principal e certamente o mais polêmico da questão – Pode uma lei que regula matéria de transporte e trânsito disciplinar matéria de concessão de serviços públicos de transporte coletivo de passageiros?

Nesse sentido, vale a pena recordar dois tópicos do ensinamento do grande jurisconsulto que foi Carlos Maximiliano, o maior de nossos hermeneutas:

“De fato, o Direito especial abrange relações que, pela sua índole e escopo, precisa ser subtraídos ao Direito Comum. Entretanto, apesar desta reserva, constitui também por sua vez, um sistema orgânico, e, sob certo aspecto, geral; encerrará também regras e exceções. A sua matéria é, na íntegra regulada de modo particular (...)”.

Tal como apontado acima, é juridicamente impossível submeter à delegação da exploração dos serviços públicos de transporte coletivo de passageiros à legislação de trânsito.

Efetivamente, o próprio Código de Trânsito, subtrai determinadas classes de matérias às suas regras porque de alcance limitado, aplicáveis apenas às relações especiais para que foram prescritas.

Nessa linha de raciocínio, a utilização do termo legislação específica referida no artigo 262, § 2º, Parágrafo 4º do artigo 270 e Parágrafo Único do artigo 271, todos do Código de Trânsito do Brasil, permite inferir que faz ele remissão a outras várias leis. Esse fato, por si só, é suficientemente revelador de que a matéria das Concessões, dada as suas especificidades tem regulação própria.

A propósito, dispõem os referidos artigos:

“Art. 262: O veículo apreendido em decorrência de penalidade aplicada será recolhido ao depósito e nele permanecerá sob custódia e responsabilidade do órgão ou entidade apreendedora, com ônus para o seu proprietário, pelo prazo de até trinta dias, conforme critério a ser estabelecido pelo CONTRAN.

§ 2º. A restituição dos veículos apreendidos só ocorrerá mediante o prévio pagamento das multas impostas, taxas e despesas com remoção e estada, além de outros encargos previstos na legislação específica.”

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“Art. 270. O veículo poderá ser retido nos casos expressos neste Código.

§ 4º Não se apresentando condutor habilitado no local da infração, o veículo será recolhido ao depósito, aplicando-se neste caso o disposto nos parágrafos do art. 262.”

“Art. 271. O veículo será removido, nos casos previstos neste Código, para o depósito fixado pelo órgão ou entidade competente, com circunscrição sobre a via.

Parágrafo único. A restituição dos veículos removidos só ocorrerá mediante o pagamento das multas, taxas e despesas com remoção e estada, além de outros encargos previstos na legislação específica.”

Destarte, investida de poder de polícia na fiscalização do transporte intermunicipal irregular como serviço remunerado, a Autarquia Estadual, nos termos do art. 1o da Lei nº. 13.569/99, por conseguinte, legítima a aplicação de multa aos infratores, consoante disposto nos arts. 2o e 3o da Lei nº. 14.480/03, respectivamente, que assim dispõe:

Art. 2º – Compete à Agência Goiana de Regulação, Controle e Fiscalização de Serviços Públicos – AGR a fiscalização do transporte clandestino intermunicipal de passageiros, nos termos desta Lei.”

“Art. 3o – Serão cominadas à pessoa física ou jurídica que realizar transporte clandestino intermunicipal de passageiros as seguintes sanções:

I – multa de R$ 1.000,00 (mil reais);”

É cediço que a AGR é o ente responsável pela Regulação, Controle e Fiscalização do todos os serviços públicos diretamente explorados e aqueles delegados no âmbito do Estado de Goiás. Dentre eles, o serviço de transporte coletivo rodoviário intermunicipal de passageiros. Referido assunto é disciplinado tanto pelas Leis 7.995/1975, 13.569/1999 e 14.480/2003, assim como pela Resolução nº. 005/2008 do Conselho de Gestão da AGR.

Assim sendo, atentando-se para o julgado acima transcrito, dessume-se que, pelo princípio da simetria, compete à AGR, no âmbito estadual, mais especificamente, no Estado de Goiás, fiscalizar e regulamentar a concessão, permissão e autorização de transporte de passageiros e, mais ainda, aplicar as penalidades estabelecidas, inclusive com a apreensão de veículo.

O ato de apreender veículo que esteja realizando transporte clandestino de passageiros de modo irregular não é ilegal e nem ilícito, visto que a apreensão não se dá como medida coercitiva para o pagamento das multas, mas sim pelo cometimento de flagrante ilícito administrativo, haja vista a infração ao regime de concessão de transporte, cuja liberação está condicionada à regularização da atividade junto ao poder concedente, bem como ao pagamento da multa e demais despesas feitas pelo poder público.

Portanto, não restam dúvidas de que compete Autarquia, no caso do presente estudo a AGR, no âmbito das suas atribuições, exercer o poder de polícia que lhe incumbe, fiscalizar e aplicar as penalidades cabíveis aos que transgridem o regulamento.

A competência para legislar sobre trânsito é da União, nos precisos termos do artigo 22, incisos IX e XI, da Lex Mater, sendo o Código Nacional de Trânsito, a lei federal disciplinadora do transporte nacional, impondo-se que as leis estaduais sobre o tema, estejam em consonância com este Diploma.

Nessa ótica, a apreensão bem que esteja exercendo irregularmente o transporte de passageiros bem como a multa aplicada administrativamente com base na Lei nº. 14.480/2003, em seu artigo 3º, inciso I, pela AGR, em decorrência da prática de transporte irregular de passageiros como serviço remunerado no âmbito Estadual é totalmente correta e válida. São atos tomados em nome da autoexecutoriedade, todos previstos em lei especial (8.987/95), com o objetivo de preservar a integridade da comunidade ou do interesse público.

CONCLUSÃO:

Em razão do crescente volume de veículos clandestinos operando no transporte intermunicipal – não sendo preciso lembrar que, além da atuação fora da lei, estes veículos, na maioria das vezes, justamente por se furtarem da fiscalização, representam riscos para a segurança dos usuários – visando coibir esta situação, foi editada a lei 14.480/2003, de 16 de julho de 2003, que “Dispõe sobre a fiscalização do transporte intermunicipal clandestino de passageiros no Estado de Goiás”.

A lei 9.503/1997, em seu artigo 22, conferiu ao Executivo Estadual, em conformidade com o Código de Trânsito, o poder de apreender veículos irregulares, não cadastrados ou não autorizados pelo órgão competente ao exercício de atividade, bem como os que se encontram em desacordo com as exigências da respectiva permissão ou concessão, além de aplicar multa aos mesmos, não constituindo ato ilegal ou inconstitucional, vez que o referido ato é decorrente do poder de polícia do Estado, sendo aplicado no intuito de reprimir o ato ilegal.

     É preocupação do Estado atender aos requisitos de comodidade, conforto e bem-estar dos usuários que utilizam o transporte intermunicipal, vez que a exploração do serviço de transporte de passageiros, seja no âmbito municipal, estadual ou federal, por ser uma atividade pública, só pode ser operado por particular mediante concessão, permissão ou autorização, outorgado em função de processo licitatório, sujeito ao cumprimento das exigências regulamentares, que têm como condão principal proteger os usuários deste sistema.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

Hermenêutica e Aplicação do Direito. 10ª edição, 1988, Rio de Janeiro, pag. 228.

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Sobre a autora
Lorena Carneiro Vaz de Carvalho Albuquerque

Advogada formada pela PUC/GO, inscrita na OAB/GO desde 2009, especialista pela UNIDERP/LFG em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho, especializanda pela Estácio em Direito Civil e Processual Civil, autora do livro: "Manual da Justa Causa Trabalhista - Teoria e Prática".

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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