INTRODUÇÃO
Integrantes da sociedade que forem questionados sobre o que expõe uma sentença, um pedido de um advogado ou uma informação prestada por um servidor do Poder Judiciário, em sua quase totalidade dirão não compreender aquelas palavras.
Palavras rebuscadas, incluindo algumas em desuso fazem parte do universo folclórico criado em torno do mundo jurídico que, ao expor suas questões à sociedade na totalidade, não consegue estabelecer a comunicação necessária para o repasse da informação.
Língua morta há séculos, o latim, usado também para definir espécimes biológicos, é largamente utilizado em expressões que poderiam ser inteligíveis aos leigos, se houvesse o hábito de descomplicar os termos expostos. Há casos de sentenças judiciais ou petições de advogados escritas nessa língua em sua quase totalidade, sendo necessário um enorme dicionário para traduzi-las.
Em contrapartida, magistrados já passaram a proferir suas sentenças de maneira simplificada. Poemas, linguagem inteligível (mas não por isso chula), são as chaves usadas por estes profissionais para quebrar a barreira existente entre o Direito e a sociedade.
Motivados por familiares na área de marketing, ou somente pelo desejo em facilitar a vida dos destinatários de seus atos, juízes revolucionam o Direito e mostram que competência não se mede pela quantidade de jargões ou rebuscamentos, mas sim pela efetiva aplicação da lei em seus termos, nos termos da sociedade.
A HISTÓRICA (E QUESTIONÁVEL) APLICAÇÃO DOS JARGÕES JURIDICOS
A linguagem na norma culta é essencial para qualquer profissional. Expressar-se de maneira correta e inequívoca é fundamental para estabelecer comunicação sem qualquer desentendimento. Mas no mundo jurídico, uma das principais características na escrita é o excesso de tecnicismo, que levou a sociedade a cunhar o termo ‘’juridiquês’’ para se referir à linguagem usada nas peças processuais.
Neste sentido, afirmam VIANA e ANDRADE (2007)
Importante esclarecer que o texto jurídico sempre foi marcado por construções fraseológicas complexas e por um elevado grau de conhecimento da língua, não só no processo de estruturação textual, mas também no conhecimento profundo da gramática da língua portuguesa... no entanto essa imagem positiva tem sido depreciada por uma vasta quantidade de erros básicos referentes à utilização da língua e à estruturação da linguagem. VIANA e ANDRADE (2007).
Fato é que vivemos em um país de questionável qualidade de educação. Temos centenas de milhares de analfabetos completos ou funcionais que, ao se depararem com o texto do pedido de seu advogado ou com sentenças proferidas pelo judiciário, não compreendem a linguagem, criando assim um abismo entre o mundo jurídico e a população, principal usuária deste.
De acordo com o dicionário MICHAELIS (2009), comunicação é, em sentido sociológico, o ‘’Processo pelo qual ideias e sentimentos se transmitem de indivíduo para indivíduo, tornando possível a interação social’’.
VIANA e ANDRADE (2007) aduzem sobre as falhas no processo de comunicação, conforme:
Na verdade, os textos jurídicos têm sido afetados pela “fraseomania” dos operadores do direito, que possuem o vício de formular frases rebuscadas sem conteúdo relevante. Isso remete ao tão falado “juridiquês” que, ao invés de aproximar o jurisdicionado, cria um abismo entre quem busca seus direitos e a concretização do direito em si. Na verdade, esse prejuízo não é só para o cidadão comum que se vê distante do direito almejado, mas também é para o profissional do direito, visto que há o descrédito da justiça e, por consequência, do próprio operador jurídico. Essas falhas inviabilizam destroem a estrutura textual e, consequentemente, a coerência no texto. Logo, ao se empregar entraves gramaticais e linguísticos, o profissional do Direito inviabiliza a compreensão textual, ou permite uma versão às avessas do que foi enunciado. VIANA e ANDRADE (2007).
Percebe-se uma crítica generalizada da população, sempre que há acesso aos atos do Poder Judiciário. Sobre a transmissão ao vivo (largamente assistida) do julgamento do mensalão pelo STF, J. R. GUZZO (2012) diz:
Os dez ministros do STF sabem muito bem que três quartos da população brasileira não são capazes de entender direito o que leem ─ que esperança poderiam ter, então, de que alguém conseguisse entender o que estavam dizendo? Falou-se, no julgamento, em “vértice axiológico”, “crivo probatório” e “exordial acusatória”. Ouviram-se as palavras “subsunção”, “vênia” e “colendo”. Apareceu o verbo ”infirmar”. Em certo momento, um dos ministros falou em “egrégio sodalício”. Que raio de língua seria essa?
Latim não é, mesmo porque os ministros não sabem falar latim. Não é nenhum idioma estrangeiro que se conheça. Também não é português. Os sons lembram vagamente a língua falada no Brasil, e as palavras utilizadas estão nos dicionários do nosso idioma oficial. Mas, se nem o 1% mais instruído da população nacional entende algo desse patuá, o resultado prático é que o julgamento mais importante da história do STF acabou sendo feito numa linguagem desconhecida. Daria na mesma, no fundo, se tivessem falado em javanês ─ tanto que foi indispensável, para os meios de comunicação, armar uma espécie de serviço de tradução simultânea para as pessoas ficarem sabendo se o réu, afinal, estava sendo condenado ou absolvido. (J.R. GUZZO- 2012)
O distanciamento da classe jurídica do restante da população através de sua linguagem própria torna a busca pelo conhecimento do mundo do Direito pedante e impossível. Os jurisdicionados então passam a ter sentimento de descrédito e repulsa pelo judiciário e todas suas ramificações. Os juristas tornam-se então, caricatos para a sociedade.
POSICIONAMENTO DA ENTIDADE DE CLASSE
Cientes desta realidade de falha de comunicação, a Associação dos Magistrados Brasileiros se posicionou ‘’A partir de 2005, foram feitos concursos para estudantes e magistrados, palestras com o professor Pasquale Cipro Neto e distribuição de uma cartilha com glossário de expressões jurídicas’’ (MATURANA- 2012).
Ainda, de acordo com a reportagem, foi encomendada uma pesquisa pela Associação, na qual ficou comprovado que ‘’a população brasileira se incomodava não só com a lentidão dos processos na Justiça, mas também com a linguagem hermética, prolixa e pedante’’(MATURANA- 2012).
A atitude da entidade referida demonstra que a mudança na maneira de se comunicar do judiciário não representa qualquer retrocesso, mas sim melhora na compreensão dos documentos pelos jurisdicionados. Através da linguagem acessível, torna-se mais efetiva a resposta para a sociedade a respeito das reprimendas do Estado àqueles que não seguem o texto legal.
POSICIONAMENTO DO PODER LEGISLATIVO
Há ainda manifestação a favor da simplificação da linguagem usada pelos magistrados. De acordo com MATURANA (2012),
No Congresso, a iniciativa mais direta contra o “juridiquês” foi o Projeto de Lei da Câmara (PLC) 7.448/06, apresentado pela então deputada federal Maria do Rosário. O texto determinava sentenças em linguagem simples, clara e direta. Foi aprovado pela Câmara em 2010, através de um substitutivo de José Genoino, mas quando chegou ao Senado, em dezembro de 2010, não pôde tramitar porque a Casa havia acabado de aprovar o projeto de novo Código de Processo Civil, que está sendo atualmente analisado pelos deputados. (MATURANA-2012).
De acordo com o autor, a única saída para que os anos de trâmite não sejam em vão, seria a aplicação da simplificação já no contexto do novo Código de Processo Civil, que poderia determinar a simplificação em seus termos, sem a necessidade de uma alteração. Seria o lógico, visto que o novo diploma legal abarcaria o anseio da mudança em seu próprio corpo.
EXEMPLOS DE APLICAÇÃO DA LINGUAGEM ACESSÍVEL
Em diversos sítios da internet, encontramos exemplos claros da aplicação de uma linguagem acessível aos jurisdicionados. Sentenças bem humoradas, explicitadas em versos de palavras utilizadas nos diálogos informais tornam-se importantes aliadas para o acesso à Justiça.
O furto famélico de duas galinhas, praticado por homem simples no interior do estado de Minas Gerais foi base para uma sentença inovadora e inusitada.
Vanessa DONÓFRIO (2014) exemplifica seu texto com a sentença do juiz Ronaldo Tovani, Comarca de Varginha/ MG, conforme:
No dia cinco de outubro
Do ano ainda fluente
Em Carmo da Cachoeira
Terra de boa gente
Ocorreu um fato inédito
Que me deixou descontente.
O jovem Alceu da Costa
Conhecido por "Rolinha"
Aproveitando a madrugada
Resolveu sair da linha
Subtraindo de outrem
Duas saborosas galinhas.
Apanhando um saco plástico
Que ali mesmo encontrou
O agente muito esperto
Escondeu o que furtou
Deixando o local do crime
Da maneira como entrou.
O senhor Gabriel Osório
Homem de muito tato
Notando que havia sido
A vítima do grave ato
Procurou a autoridade
Para relatar-lhe o fato.
Ante a notícia do crime
A polícia diligente
Tomou as dores de Osório
E formou seu contingente
Um cabo e dois soldados
E quem sabe até um tenente.
Assim é que o aparato
Da Polícia Militar
Atendendo a ordem expressa
Do Delegado titular
Não pensou em outra coisa
Senão em capturar.
E depois de algum trabalho
O larápio foi encontrado
Num bar foi capturado
Não esboçou reação
Sendo conduzido então
À frente do Delegado.
Perguntado pelo furto
Que havia cometido
Respondeu Alceu da Costa
Bastante extrovertido
Desde quando furto é crime
Neste Brasil de bandidos?
Ante tão forte argumento
Calou-se o delegado
Mas por dever do seu cargo
O flagrante foi lavrado
Recolhendo à cadeia
Aquele pobre coitado.
E hoje passado um mês
De ocorrida a prisão
Chega-me às mãos o inquérito
Que me parte o coração
Solto ou deixo preso
Esse mísero ladrão?
Soltá-lo é decisão
Que a nossa lei refuta
Pois todos sabem que a lei
É prá pobre, preto e puta...
Por isso peço a Deus
Que norteie minha conduta.
É muito justa a lição
Do pai destas Alterosas.
Não deve ficar na prisão
Quem furtou duas penosas,
Se lá também não estão presos
Pessoas bem mais charmosas.
Afinal não é tão grave
Aquilo que Alceu fez
Pois nunca foi do governo
Nem seqüestrou o Martinez
E muito menos do gás
Participou alguma vez.
Desta forma é que concedo
A esse homem da simplória
Com base no CPP
Liberdade provisória
Para que volte para casa
E passe a viver na glória.
Se virar homem honesto
E sair dessa sua trilha
Permaneça em Cachoeira
Ao lado de sua família
Devendo, se ao contrário,
Mudar-se para Brasília. (DONÓFRIO-2014).
Com essa maneira de sentenciar, o magistrado atinge, então não somente os interessados diretamente na ação, mas também aplica princípios complicados do Direito que poderiam render inúmeros jargões ininteligíveis à população.
Neste caso, a comunicação torna-se um sucesso, pois é atingido o propósito de transmitir a informação à quem esta realmente importa. E, pela repercussão do caso, aproxima o universo legal ao povo.
PAMPLONA FILHO (2011) nos brinda com mais um exemplo, neste caso oriundo do TRT 18. A lide, que tratava de reclamação de direitos trabalhistas envolvendo um ex colaborador e uma funerária foi sentenciada assim:
SENTENÇA
"...Mas eu lhes digo: não se vinguem
dos que fazem mal a vocês. Se alguém lhe
der um tapa na cara, vire o outro lado
para ele bater também."
Mateus 5.39
"Então Pedro chegou perto de Jesus
e perguntou: - Senhor, quantas vezes devo
perdoar o meu irmão que peca contra mim?
Sete vezes? - Não – respondeu Jesus. –
Você não deve perdoar sete vezes,
mas setenta e sete vezes".
Mateus 18.21-22
CONSIDERAÇÕES INICIAIS "BREVE RESUMO DA ÓPERA”
Trabalhou o autor para a reclamada
numa funerária no interior
Foi dispensado depois da empreitada
Após longo tempo de labor
Talvez movido pela ambição
ou por orgulho ou vaidade
captou clientes na região
e abriu concorrente na cidade
O proprietário da empresa
quem sabe por ira ou raiva
alertou a sociedade local
que não era a mesma funerária
Apresentou também denúncia
alegando crime de estelionato
Foi aberto inquérito policial
Na Justiça Criminal Estadual
Talvez levado por vingança
Acionou o autor a Trabalhista
pedindo com forte esperança
verbas do tempo de motorista
A reclamada opôs defesa
mas não limitou sua atuação
além de contestar a ação
formulou uma reconvenção
Esta novela de mútuos ataques
pletora de pecado capital
vem sendo alimentada pelas partes
E ninguém imagina o seu final
Este infindável ciclo insano
deve ser interrompido com perdão
alguém deve oferecer a própria face
para que possa haver a conciliação
O fim da história só Deus sabe
a paz ainda não veio neste inverno
mas desejo que ela não venha somente
num canto do céu ou do inferno. (PAMPLONA FILHO-2011)
Afirma o autor que o magistrado Platon Teixeira de Azevedo Neto declinou sua sentença em versos com a intenção de promover a conciliação entre as partes. Com nove anos de experiência na magistratura trabalhista, encontrou em versos uma boa maneira de se expressar.
Percebe-se ainda, mais um exemplo onde não somente manifesta-se em versos o magistrado. O sítio MIGALHAS (2015) apresenta um processo em trâmite na cidade de Palmas/ TO onde tanto o advogado quanto o magistrado manifestaram-se através de versos. Transcrevemos, a princípio, a contestação do advogado e poeta Carlos Nascimento (MIGALHAS, 2015)
Senhor Juiz
O autor sobre o evento sete (07) vem falar
Que lesado foi ao acidentar
Por isso, procurou onde a demanda ajuizar
Preferiu o domicílio do réu sem vacilar
Sendo competência territorial pôde optar
Seja, onde há sucursal ou onde morar
Isso é jurisprudencial não precisa reafirmar
Ademais, o réu sabe que deve pagar,
Aqui ou em outro lugar
Porém, para modificar, não basta alegar
Prejuízo tem que demonstrar
Sobre esse intento não conseguiu provar.
Portanto, o autor para finalizar
Pede para o doutor, a presente rejeitar
Essa é a contestação,
Parece de canastrão
Mas, sem atrevimento.
Pede, suplica o deferimento
Carlos Nascimento. (MIGALHAS, 2015)
Em contrapartida, o magistrado Zacarias Leonardo decide, apresentando também em versos os termos, conforme: (MIGALHAS, 2015)
Em versos e jurisprudências responde o excepto;
Não pode ser acolhida a exceção; acertado pontua;
O juízo competente é do domicílio do autor ou do local do fato;
Esqueceu-se a excipiente não ser escolha sua.
A lei contemplou o domicilio do autor ou o local do acidente;
Assim é mais fácil para a vítima do sinistro pensou o legislador;
Em sua casa, com sua gente ou onde se feriu o requerente;
Pareceu mais propício buscar lenitivo e reparo à sua dor;
Mas, onde mora o requerente? Perquire o judicante;
Mora em Palmas e se feriu quando no interior se encontrava;
Em seu parágrafo único o artigo cem (100) soluciona o embate;
O foro do domicílio do autor era escolha que bastava.
A contestação não parece de canastrão;
Pelo contrário, sem respaldo legal e sem assento;
Parece, isto sim, a exceção, uma medida de protelação;
Coisa de instituição financeira querendo ganhar tempo.
De fato a jurisprudência é de remanso;
Por outro lado a legislação é de meridiana clareza;
Enquanto o requerente espera ansioso o desfecho;
Navega tranqüila a seguradora sob o benefício da destreza.
É preciso colocar na espera um ponto final;
Por isso, sem mais delongas, porque não sou poeta;
Firmo de logo a competência do juízo da capital;
É aqui que se deve resolver o quanto o caso afeta. (MIGALHAS 2015).
Percebe-se que, embora não fosse a decisão direcionada a um jurisdicionado carente de informações (instituição bancária), aproveitando-se do precedente no processo criado pelo advogado, o magistrado nega o pedido com a mesma linguagem.
O Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região manifestou acórdão (0000869-29.2013.5.04.0241 RO) com linguagem coloquial para decidir sobre mais uma lide trabalhista. O juiz convocado João Batista de Matos Danda, relator do acórdão, afirma que
(...)três meses depois de iniciada a obra, o pedreiro caiu da sacada, um pouco por falta de sorte, outro pouco por falta de cuidado, porque ele não tinha e não usava equipamento de proteção. Ele, Itamar, ficou com pena e acabou pagando até o serviço que o operário ainda não tinha terminado (...)
Para julgar de novo, vou ler as declarações de todos mais uma vez e olhar os documentos. Pode ser que me convença do contrário. Mas pode ser que não(...)
(...)está claro que Itamar é dono de um comércio e fez a sua casa, no andar de cima, sem contratar construtora, empreitando vários serviços conforme precisava e o dinheiro permitia. Lucas trabalhou lá, por alguns meses, mas acertavam preço pelos serviços, com pagamentos por semana. Não prometeram assinar a carteira e, pela forma como foi feito o trabalho, nem deveria. Em resumo, se Lucas não foi empregado de seu Itamar, não tem que receber os direitos do empregado(...) (TRT 4ª REGIAO- ACÓRDÃO 0000869-29.2013.5.04.0241 RO- 2015)
Ainda decidiu que o empregado tem direito a recebimento de dano moral e explicita que “serve para amenizar um pouco o sofrimento de Lucas, mas também serve para Itamar lembrar que tem obrigação de cuidar da segurança daqueles que trabalham na sua casa, mesmo quando não são empregados”. (TRT 4ª REGIÃO- ACÓRDÃO 0000869-29.2013.5.04.0241 RO- 2015).
Em Santa Catarina, o juiz Rubens Sergio Salfer decide sobre uma demanda que envolve indenização pela morte de suínos pelos cães da parte demandada. De acordo com o sítio CONSULTOR JURÍDICO (2003), foi esta a sentença:
Visto e analisado
Todo o processado
Os relatórios são dispensados
Conforme a Lei dos Juizados.
Abrão Prestes dos Santos é agricultor
Gilmar Henzel tem o mesmo labor
São vizinhos na Linha Cordilheira
Bem próximo à fronteira.
O primeiro é o reclamante
Vem a Juízo confiante
Propor ação de cobrança
Em face da vizinhança.
Diz o requerente
Que encontra-se descontente
Por ver mortos dois suínos
Por afiados dentes caninos.
Os porcos estavam pastando
Não viram o cão chegando
Mal eles sabiam
Que o entardecer não veriam.
Cada um dos animais
Pesava 25 quilos totais
Peso bruto como afirma
A peça inicial confirma.
O segundo é o reclamado
Dono do cão apontado
Causador destas intrigas
Entre famílias amigas.
Sobreveio o despacho inicial
Na forma da Lei Especial
Citando-se o requerido
Intimando-se o ofendido.
Chega o momento esperado
Pelo juiz designado
Para julgar a questão
Posta em discussão.
Presentes os patronos
Além dos dois colonos
Proposta a conciliação
Houve sua rejeição.
Apresentada defesa escrita
No feito que tramita
Dizendo que o autor mente
Sendo o réu inocente.
Tomados os depoimentos pessoais
Na forma dos textos legais
Ouvidos dois testigos
Sem quaisquer fustigos.
Apresentadas as razões derradeiras
Tudo sem brincadeiras
Prolato esta sentença
Para geral sabença.
Expressa o artigo trezentos e trinta e três
Em casos deste jaez
Que incumbe ao autor
Evidenciar o seu clamor.
Os testemunhos colhidos
Neste Juízo ouvidos
Vieram em socorro
Do mencionado cachorro.
Os porquinhos coitados
Morreram estraçalhados
Sem que ninguém apontou
Qual bichano lhes matou.
Compete a quem alega
Em caso de refrega
Provar o que sustenta
Na liça que ostenta.
Princípio não observado
Pelo reclamante desorientado
Provas que não fez
Quando chegou a sua vez.
Sem medos em minha mente
Julgo improcedente
O pedido formulado pelo autor
Lamentando a sua dor.
Sem honorários ou custas
Nestas lides mais que justas
Onde se busca o Direito
Desde que se prove o pleito.
São Miguel do Oeste
Não fica no Norte, Sul ou Leste
Não fica na Argentina
Fica em Santa Catarina.
Rubens Sérgio é o meu nome
Salfer o sobrenome
Sou Juiz de Direito
Judicando escorreito.
Processo nº 067.01.002.772-2
A sentença, endereçada a dois simples moradores do interior de tiram seu sustento da lavoura, deixa clara a decisão judicial. Percebe-se que não qualquer desrespeito ou avilte à posição do magistrado. Uma sentença clara, concisa e inteligível.
Marcio MATURANA (2012) expõe em seu texto que a aplicação da linguagem coloquial em sentenças tem o apoio de juristas, conforme:
...a orientação pela simplificação da linguagem jurídica deve ganhar uma defesa mais enfática no projeto de Código de Proceso Penal. Pedro Taques (PDT-MT), que integra a Comissão de Constituição e Justiça e conhece bem o “idioma” do Direito porque é professor de Direito e ex-procurador da República, argumenta que a necessidade de termos mais técnicos não impede a clareza do texto para que todo cidadão entenda. Na opinião dele, não é necessário chegar ao coloquialismo, mas também não se pode usar uma argumentação ininteligível.
— A linguagem pernóstica muitas vezes usada na Justiça é na verdade um símbolo que busca afastar o cidadão de quem exerce o poder. A democratização da palavra de forma nenhuma afetará o respeito da população ao Poder Judiciário — disse o senador.
Mais do que servir como uma ferramenta para afastar e dominar a situação, como disse Taques, os termos incompreensíveis num raciocínio tortuoso acabam agredindo a própria Constituição federal, lei máxima do país, na opinião do juiz André Nicolitt, que também atua como professor de Direito na Universidade Cândido Mendes e na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj). (MATURANA-2012).
O autor, ao explicitar em seu texto a opinião do jurista, deixa claro que a aplicação da linguagem coloquial não cria qualquer constrangimento ou demonstra desrespeito às decisões. Pelo contrário, somente aproxima o poder judiciário dos litigantes.
CONCLUSÃO
Após analisar as mais diversas situações em que foram proferidas as sentenças em forma de versos ou linguagem coloquial, percebemos que há a tendência que o emprego da forma simplificada da linguagem aumente com o passar dos anos.
Fato é que, para haver a quebra deste paradigma de sentenças rebuscadas, em ‘’juridiquês’’ leva tempo. A mudança na redação dos magistrados depende de conscientização dos profissionais que precisam vencer o (mau) hábito de escrever tecnicamente onde não cabe esta escrita.
Através de atitudes, como da Associação dos Magistrados Brasileiros, vislumbramos um horizonte de maior efetividade de comunicação entre os juristas e jurisdicionados. Afinal, não faz sentido manter a escrita ininteligível, em um país onde as pessoas, na maioria das vezes, não conseguem ler e interpretar o que leram.
Assim, uma boa saída para este problema é a conscientização já em ambiente acadêmico, para que os futuros juristas possam deixar a faculdade com a certeza que a linguagem é uma ferramenta de comunicação, e não de segregação.
Deixemos o ‘’juridiquês’’ como uma triste lembrança, que nos remontará a juristas que falam uma língua desconhecida. E deixemos a interpretação desta língua para historiadores e não para a população.
É necessário expressar-se bem. Claramente. E isto não significa que tenhamos que nos expressar rebuscadamente. E assim, poderemos tornar o ‘’juridiquês’’ morto, assim como sua maior inspiração, o latim.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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DICIONÁRIO MICHAELIS- Conceito de Comunicação- 2009- INTERNET- Disponível em http://michaelis.uol.com.br/moderno/portugues/index.php?lingua=portugues-portugues&palavra=comunica%E7%E3o- Acesso em 16/08/2015, 11:44 hs
DONÓFRIO, Vanessa- Sentença inusitada de um juiz, poeta e realista- Sítio JusBrasil- INTERNET- Disponível em http://vanessadmorozini.jusbrasil.com.br/artigos/137952629/sentenca-inusitada-de-um-juiz-poeta-e-realista - Acesso em 16/08/2015, 13:25 hs
GUZZO, J.R.- Tudo em Javanês- Revista Veja- 2012- INTERNET- Disponível em http://veja.abril.com.br/blog/augusto-nunes/tag/lingua-portuguesa/- Acesso em 16/08/2015- 12:09 hs
MATURANA, Márcio- Termos rebuscados atrapalham a compreensão de sentenças judiciais e textos do Direito – Jornal do Senado- 2012- INTERNET- Disponível em http://www12.senado.gov.br/jornal/edicoes/2012/06/26/termos-rebuscados-atrapalham-a-compreensao-de-sentencas-judiciais-e-textos-do-direito- Acesso em 16/08/2015, 12:28 hs
MIGALHAS – Autoria desconhecida- Advogado peticiona em versos e juiz decide em prosa e poesia- Sítio Migalhas-2015- INTERNET- Disponível em http://www.migalhas.com.br/Quentes/17,MI223042,71043-Advogado+peticiona+em+versos+e+juiz+decide+em+prosa+e+poesia – Acesso em 16/08/2015, 14:33 hs
PAMPLONA FILHO, Rodolfo- Sentença em versos- Blog pessoal- 2011. Disponível em http://rodolfopamplonafilho.blogspot.com.br/2011/02/sentenca-em-versos.html- Acesso em 16/08/2015, 13:37 hs
VIANA, Daniel Roepke e ANDRADE, Valdeciliana da Silva Ramos- Direito e linguagem: os entraves linguísticos e sua repercussão no texto jurídico processual- Revista Direitos e Garantias Fundamentais- 2009- INTERNET- Disponível em http://www.fdv.br/publicacoes/periodicos/revistadireitosegarantiasfundamentais/n5/2.pdf - Acesso em 13/08/2015, 14:11 hs