PROCEDIMENTO CRIMINAL NOS CRIMES FALIMENTARES
ROGÉRIO TADEU ROMANO
Procurador Regional da República aposentado e advogado
I – DOS PRESSUPOSTOS DA FALÊNCIA
Os pressupostos da falência são: condição de empresário do devedor e a decretação judicial. Assim são pressupostos: a dívida, o não pagamento e a falência decretada pelo Poder Judiciário.
Necessário que o devedor deva ostentar a posição de empresário ou sociedade empresarial. No entanto, estão sujeitas a intervenção e liquidação extrajudicial promovida pelo Banco Central, como se sabe, as instituições financeiras, á luz da Lei 6.024/74, e ainda estão fora do regime da legislação de falência, as cooperativas.
Não estão sujeitas à lei de falências: a sociedade cooperativa, o agricultor que explore a propriedade rural para fins de subsistência familiar, o artesão, o que presta serviços ou ao que exerce atividade profissional organizada preponderantemente com o trabalho próprio ou dos membros da família para fins de subsistência familiar, o profissional liberal e sua sociedade civil de trabalho, a empresa pública e a sociedade de economia mista.
A insolvência do devedor, pressuposto da falência, pode ser:
a) Confessada: ocorre quando o devedor confessa que não conseguirá saldar a dívida;
b) Presumida: quando a dívida não é paga no vencimento;
c) Sintomática: é percebida através de atitudes do devedor, onde se demonstra que a economia da empresa não vai bem.
O pedido de falência pode ser requerido pelo credor(pessoa física ou jurídica), pelo sócio ou acionista da empresa, pelo cônjuge em vida, pelos herdeiros ou pelo inventariante. Pode ser solicitado pelo empresário, o que caracteriza autofalência.
Sujeito passivo do pedido de falência, é o empresário individual ou coletivo, a sociedade comercial ou anônima, o espólio.
A nova de falências, Lei 11.101/2005, acaba com o instituto da concordata e cria a recuperação judicial e extrajudicial da empresa, mantendo-se a falência com alterações.
A recuperação judicial, artigo 47, tem por objetivo viabilizar a superação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, procurando promover a preservação da empresa.
Como dito as concordatas preventiva e suspensiva e a continuidade dos negócios do falido após a declaração de falência que eram mecanismos de recuperação judicial da empresa passam a dar lugar a um único processo, chamado de recuperação judicial que ocorre sempre antes da falência.
Surge a recuperação extrajudicial, ou seja, a tentativa do devedor resolver seus problemas com os credores sem que haja grande necessidade da intervenção judicial. Tem ela os seguintes objetivos: reorganizar a empresa que esteja passando por uma crise econômico-financeira; preservar a relação de emprego; aumentar o âmbito da negociação entre devedor e credores; abranger a maior parcela possível de credores e empregados do devedor; regular a convolação da recuperação em falência, fixar mecanismos de alteração do plano; estabelecer limites de supervisão judicial da execução do plano e regulamentar o elenco de atribuições dos órgãos administrativos dos planos de recuperação.
Para Fazzio[1], a recuperação judicial é uma ação constitutiva e não um contrato. Inaugura uma nova conjuntura jurídica, modificando a índole das relações entre o devedor e seus credores e assim entre ele e seus empregados. Busca-se sanear a situação gerada pela crise econômico-financeira da empresa devedora.
O Plano de recuperação judicial será apresentado pelo devedor em juízo no prazo de 60(sessenta) dias da publicação da decisão que deferir o processamento da recuperação judicial, sob pena de decretação da falência. Esse plano deverá conter a descrição , em pormenores, do resultado da situação econômico-financeira do devedor, como a indicação dos meios de recuperação a serem adotados, detalhando os prazos e formas de pagamento dos credores.
Tal plano pode sofrer alterações da Assembléia Geral de credores.
Caso o plano de recuperação judicial apresentado pelo devedor seja rejeitado é permitido aos credores apresentarem plano alternativo, sendo que, se rejeitado pela Assembléia, o juiz deverá decretar a falência do devedor.
A nova lei prevê a criação de um comitê de credores que será constituído por deliberação de qualquer das classes de credores na assembléia geral e será composto de:
a) Um representante indicado pela classe de credores trabalhistas;
b) Um representante indicado pela classe de credores com direitos reais de garantia ou privilégios especiais;
c) Um representante indicado pela classe de credores quirografários e com privilégios gerais.
Na recuperação judicial e na falência, o comitê de credores poderá fiscalizar as atividades e examinar as contas do administrador, zelar pelo andamento processual, comunicar ao juiz em caso de violação dos direitos ou prejuízos aos interesses dos credores, apurar e emitir parecer sobre reclamações e requerer a convocação da assembléia geral de credores.
Caberá à Assembléia Geral de Credores deliberar na recuperação judicial pela aprovação, rejeição ou modificação do plano de recuperação judicial apresentado pelo devedor, a constituição de comitê de credores, a escolha de seus membros e sua substituição, o pedido de desistência do devedor e o nome do gestor judicial quando do afastamento do devedor ou qualquer matéria de interesse do credores.
O certo é que o plano de recuperação judicial não se aplica aos créditos tributários, do que se chama na doutrina de credores não concursais, da legislação do trabalho, de acidentes do trabalho e a credores proprietários fiduciários de bens móveis ou imóveis, entre outras espécies.
É conhecida a distinção estabelecida por autores italianos entre credores concursais e credores concorrentes, como se vê da lição de Provinciali.[2]os primeiros são todos aqueles sujeitos aos efeitos da sentença que declarou aberto o concurso; os segundos apenas os que nele se habilitaram. Não sendo concursal poderia a Fazenda Pública habilitar seu crédito. Para Comparato[3], sob o império do Decreto-lei 7.661/45, a Fazenda do Estado, verificando qualquer das hipóteses previstas no artigo 2º daquele diploma normativo possuía legitimação processual para requerer a falência. Bastaria exibir o título de crédito ainda não vencido.
A classificação dos créditos na falência obedecerá a seguinte ordem:
a) Os créditos trabalhistas limitados a 150 salários-mínimos por credor e os decorrentes de acidente do trabalho;
b) Créditos com garantia real até o limite do valor do bem gravado;
c) Créditos tributários, independentemente de sua natureza e tempo de constituição, exceto as multas tributárias;
d) Créditos com privilégio especial como os assim definidos em outras leis civis e comerciais e os aqueles a cujos titulares a lei confira o direito de retenção sobre a coisa dada em garantia;
e) Créditos com privilégio geral, como os previstos no parágrafo único do artigo 67 da lei e os assim definidos em outras leis civis e comerciais;
f) Créditos quirografários, dentre os quais os saldos dos créditos não cobertos pelo produto da alienação dos bens vinculados ao seu pagamento e os dos créditos derivados da legislação do trabalho que excederem 150 salários mínimos;
g) As multas contratuais e as penas pecuniárias por infração das leis penais ou administrativas, inclusive as multas tributárias;
h) Créditos subordinados como os créditos dos sócios e dos administradores sem vínculo empregatício.
Lembre-se que o privilégio não é propriamente um direito, mas uma qualidade que adjetiva o direito pessoal de crédito e que consiste na preferência de pagamento em confronto com outros créditos. É a lição de Rodrigues Pereira[4] para quem, no campo do direito civil, filiado o nosso sistema jurídico ao direito romano, o privilégio é simples prioridade ou prelação de um direito pessoal.
Um aspecto polêmico diz respeito a questão dos créditos trabalhistas, uma vez que a lei estabelece um limite para a preferência do crédito trabalhista de até 150(cento e cinqüenta) salários mínimos. O que ultrapassar esses valores será equiparado aos créditos quirografários, que são preteridos aos créditos privilegiados, garantidos por bens imóveis e móveis e créditos tributários em geral. Cria-se uma hipótese de superioridade dos créditos de natureza salarial, no limite de 5(cinco) salários-mínimos por trabalhador que serão pagos antes de qualquer outro crédito privilegiado.
A recuperação da micro e pequena empresa abrangerá apenas os chamados créditos quirografários, que poderão ser parcelados em até 36 meses, mas corrigidas monetariamente e acrescidas de juros de 12% ao ano. A primeira parcela deve ser paga no prazo máximo de 180(cento e oitenta) dias contados da distribuição do pedido de recuperação judicial.
Por sua vez, a recuperação extrajudicial é modalidade que permite ao devedor, mediante negociação direta com seus credores, promover a sua recuperação de forma extrajudicial, levando-a a homologação judicial. É um procedimento alternativo para prevenção da quebra nas crises empresariais, que tem como peculiar a gestão privada dos acordos, com previsão de um processo na etapa judicial final, a exigência de concordância da maioria dos credores, a liberdade de conteúdo, a publicidade para terceiros interessados, a homologação judicial que lhe outorga efeitos em face de uma eventual quebra posterior. Como tal o plano de recuperação extrajudicial é instrumento que disciplina a matéria.
O devedor, que é parte legítima para a ação, deve comprovar os requisitos previstos no artigo 48 da Lei:
a) Estar em atividade há pelo menos dois anos;
b) Não ser falido.
Por sua vez, o credor poderá impugnar o plano no prazo de 30(trinta) dias contados da publicação do edital. A impugnação deverá restringir-se:
a) Não preenchimento do percentual de 3/5 de todos os créditos de cada espécie;
b) Prática de quaisquer dos fatos da falência previstos no artigo 94 da LRE;
c) Tratamento desfavorável aos credores que a ele não estejam sujeitos;
d) Pagamento antecipado das dívidas;
e) Vício de representação dos credores que subscreveram o plano;
f) Simulação de créditos;
g) Prática de ato com intenção de prejudicar os credores;
h) Descumprimento de requisito previsto em lei.
A falência continuou como era, basicamente.
De toda sorte, são princípios que norteiam a nova lei de falências:
a) Preservação da empresa;
b) Separação do conceito empresa/empresário;
c) Recuperação das empresas e empresários recuperáveis;
d) Retirada do mercado de sociedades ou empresários não recuperáveis;
e) Segurança jurídica;
f) Proteção aos trabalhadores, na medida em que tem preferência no recebimento dos créditos da falência e da recuperação;
g) Redução do custo do crédito, fazendo com que haja preservação das garantias;
h) Celeridade processual;
i) Participação ativa dos credores;
j) Desburocratização da recuperação das microempresas;
k) Maximização do valor dos ativos do falido;
l) Rigor na punição de crimes relacionados à falência e a recuperação judicial;
Discute-se com relação a decisão que decreta a falência.
É sabida a posição de Candian[5] quando classificava a sentença declaratória de falência como cautelar ou assecuratória da par conditio creditorum com alto coeficiente executivo na linha de Calamandrei[6]
No Brasil, Valverde[7] vê a sentença como constitutiva, na linha de Pontes de Miranda[8].
Disse Valverde que tal sentença enquanto reconhece a preexistência de uma situação de fato, é declaratória, sendo ainda constitutiva, porque instaura um novo estado jurídico, que é a falência.
Porém, como bem disse Pacheco[9] a executividade da sentença salta à vista.
II – O PROCEDIMENTO CRIMINAL NOS CRIMES FALIMENTARES E A LEI 9.099/95
O entendimento é de que após o advento da Lei 11.313/2006, modificando as redações dos artigos 60 e 61 da Lei 9.099/95, é possível aplicar os benefícios previstos na Lei 9.099/95 aos delitos que são previstos com procedimento especial, como é o caso dos chamados crimes falimentares. É caso de adaptação do procedimento a hipóteses como o da transação (artigo 76 da Lei 9.099/95).
Se não houver possibilidade segue-se para o procedimento especial previsto no Titulo II do Código de Processo Penal para depois passar-se ao rito comum.
Em sendo caso de procedimento de falência antes da edição da Lei 11.101/2005, seguir-se-ia o disposto nos artigos 503 a 512 do Código de Processo Penal, para, antes do recebimento da denúncia ou da queixa, havendo a possibilidade de transação, se for o caso de sua aplicação.
Não sendo viabilizada a transação, recebida a denúncia ou a queixa, segue-se o rito da Lei 9.099/95.
Os demais crimes que não são de menor potencial ofensivo, que eram previstos nos artigos 186 a 189 do Decreto-lei 7.661/45, continuam com o procedimento especial.
III – DOS CRIMES FALIMENTARES
Os caracteres dos crimes falimentares permaneçam previstos na legislação de falência.
Dizia Nelson Hungria que a disciplina dos crimes em questão está ligada à instituição falimentar e este é um tema de legislação intermitente e variável e que não deve ser exposto no direito penal que é objeto de codificação.[10]
Seja como for essa foi a tese aceita na legislação revogada, Decreto-lei 7.661/45 e na atual legislação, Lei 11.101/2005.
O crime falimentar é um crime contra o patrimônio, sendo que o seu objeto jurídico é o dano causado ao patrimônio dos credores, bem jurídico que está sob a imediata tutela da lei, porque assim ordena o interesse público. Essa a linha de Carvalho de Mendonça, Galdino de Siqueira, Delitala, dentre outros ilustres juristas.
São elementos constitutivos do crime falimentar: a) a existência de um devedor que seja empresário; b) a sentença declaratória de falência; c) a fraude dolosa; d) evento de perigo para o comércio.
A sentença de falência é condição objetiva de punibilidade do crime falimentar. A partir daí, como enumera Sampaio de Lacerda[11], com base em Trajano de Miranda Valverde, tem-se:
}a) Todos os fatos antefalimentares, que a lei enumera, são indiferentes penalmente sem a sentença declaratória;
b) A sentença lhe dá o cunho de antijuridicidade, com ele integrando o crime, sendo elemento constitutivo e específico do delito;
c) A sentença declaratória da falência(condição de punibilidade), pode ser futura ou concomitante, relativamente aos fatos por ela tornados puníveis, portanto delituosos.
Todos os crimes falimentares expostos no Decreto-lei 7.661/45(antiga lei de falências) são dolosos.
O artigo 186 da antiga lei de falências enumerava como delitos:
a) Gastos pessoais ou de família, manifestadamente excessivos em relação ao seu cabedal. Assim mesmo que a despesa não seja excessiva não desse causa a falência teria contribuído para depauperar a massa;
b) Despesas gerais do negócio ou da empresa que sejam injustificáveis;
c) O emprego de meios ruinosos para obter recursos e retardar a declaração de falência, como vendas nos seis meses a ela anteriores, por menos do preço corrente ou a sucessiva reforma dos títulos de crédito[12];
d) Abuso de responsabilidade de mero favor, que consistia na emissão de títulos de créditos, como letras de câmbio, notas promissórias, duplicatas, sem que houvesse correspondente em dinheiro e que se destinam a operações de crédito, de modo que possam atribuir ao comerciante a existência de um crédito fictício. São eles levados a descontos, permitindo o levantamento do dinheiro em bancos;
e) Prejuízos vultosos em operações arriscadas, incluindo os investimentos em operações em que se estipula a liquidação exclusivamente pela diferença entre o preço ajustado e a cotação que os títulos ou as mercadorias tiverem no vencimento do ajuste;
f) Inexistência de livros obrigatórios ou sua escrituração atrasada, lacunosa, defeituosa e confusa;
d) Falta da apresentação do balanço dentro de sessenta dias, após a data fixada para o seu encerramento.
Por sua vez, a lei revogada caracterizava como falência fraudulenta aqueles ilícitos em que o devedor que, com o fim de criar ou assegurar injusta vantagem para si ou para outrem, praticar, antes ou depois da falência, algum ato fraudulento que resulte ou possa resultar prejuízo aos credores(artigo 187), sendo caracterizados por: a) falência decretada pelo juiz; b) dolo; c) intuito de lucro em benefício do próprio falido ou de terceiro; d) prejuízo dos credores; e) sejam tais atos praticados antes ou depois da falência.
Com a mesma pena de reclusão de 1(um) a 4(quatro) anos de reclusão, a lei punia o devedor, quando com a falência concorrem alguns dos seguintes fatos:
a) Simulação de capital para a obtenção de maior crédito, o chamado ¨capital aguado¨, quando realizado com bens estimados ou avaliados em quantias incompatíveis com a realidade;
b) Pagamento antecipado de uns credores em prejuízo de outros, em detrimento do princípio da igualdade entre os credores;
c) Desvio de bens, inclusive pela compra em nome de terceira pessoa, ainda que cônjuge ou parente;
d) Simulação de despesas, de dívidas ativas ou passivas e de perdas;
e) Perdas avultadas em operações de puro acaso;
f) Falsificação material, no todo ou em parte, da escrituração obrigatória, ou não, ou alteração da escritura verdadeira;
g) Omissão, na escrituração obrigatória ou não, de lançamento que dela devia constar, ou lançamento falso ou diverso do que dela devia ser feito;
h) Destruição, inutilização ou supressão, total ou parcial, dos livros obrigatórios;
Por sua vez, a Lei 11.101/2005 enumera no artigo 168 os crimes em espécie a partir da fraude a credores.
É crime praticar, antes ou depois da sentença que decretar a falência, conceder a recuperação judicial ou homologar a recuperação extrajudicial, ato fraudulento de que resulte ou possa resultar prejuízo aos credores com o fim de assegurar vantagem indevida para si ou para outrem. O crime é passível de pena de 3(três) anos a 6(seis) anos e multa. Podendo a pena ser acrescida de 1/6 a 1/3, se o agente:
a) Elabora escrituração contábil ou balanço com dados inexatos;
b) Omite, na escrituração contábil ou no balanço, lançamento que deles deveria constar, ou altera escrituração ou balanço verdadeiros;
c) Destrói, apaga ou corrompe dados contábeis ou negócios armazenados em computador ou sistema informatizado;
d) Simula a composição de capital social;
e) Destrói, oculta ou inutiliza, total ou parcialmente, os documentos de escrituração contábil obrigatórios.
A pena é aumentada de 1/3 até a metade se o devedor manteve ou movimentou recursos ou valores paralelamente à contabilidade exigida pela lei.
Há hipótese de concurso de agentes, com a previsão de incidência nas mesmas penas para os contadores, técnicos contábeis, auditores e outros profissionais que concorrerem com tais condutas, seja em coautoria ou em participação(artigo 29 do Código Penal).
Aqui estão os crimes de falência fraudulenta antes previstos.
O artigo 169 da nova lei de falências prevê que é crime violar, explorar ou divulgar, sem justa causa, sigilo empresarial ou dados confidenciais sobre operações ou serviços, contribuindo para a condução do devedor a estado de inviabilidade econômica ou financeira. A pena é de reclusão de 2(dois) a 4(quatro) anos e multa.
Na mesma pena, incide, por conta do artigo 170, quem divulga ou propala, por qualquer meio, informação falsa sobre devedor em recuperação judicial, com o fim de levá-lo à falência ou de obter vantagem.
O crime de induzimento ao erro, previsto no artigo 171 consiste em sonegar ou omitir informações ou prestar informações falsas no processo de falência, de recuperação judicial ou de recuperação extrajudicial com o fim de induzir a erro o juiz, assim como o Ministério Público, os credores, a assembléia de credores, o comitê ou o administrador judicial, antigo síndico da massa falida. É crime praticado pelo falido, de forma dolosa, sujeito a pena de 2(dois) anos e 4(quatro) anos e multa.
É crime de favorecimento aos credores, antigo crime de falência fraudulenta, previsto no artigo 172, praticar, antes ou depois da sentença que decretar a falência, conceder a recuperação judicial ou homologar plano de recuperação extrajudicial, ato de disposição ou oneração patrimonial ou gerador de obrigação, destinado a favorecer um ou mais credores em prejuízo dos demais, sendo a pena de 2(dois) anos a 5(cinco) anos e multa. Na mesma pena incide o credor que em conluio possa beneficiar-se no ato previsto no caput desse artigo.
Pratica crime de desvio, ocultação ou apropriação de bens, previsto no artigo 173, quem se apropria, desvia ou oculta bens pertencentes ao devedor sob recuperação judicial ou à massa falida, inclusive por meio de aquisição por interposta pessoa. A pena é de 2(dois) anos a 4(quatro) anos e multa.
Por outro lado, é crime de aquisição, recebimento, uso ilícito, de bens praticado por aquele sujeito ativo que sabe pertencer à massa falida ou influir para que terceiro, de boa-fé, o adquira ou receba ou use, com pena prevista de 2(dois) anos a 4(quatro) anos e multa, como se lê do artigo 174.
É crime de habilitação ilegal de crédito, previsto no artigo 175, apresentar, em falência, recuperação judicial ou recuperação extrajudicial, relação de créditos, habilitação de créditos ou reclamação falsas, ou juntar a elas titulo falso ou simulado. É crime cometido pelo pretenso credor da massa.
É crime, previsto no artigo 176, exercer atividade para a qual foi incapacitado ou inabilitado por decisão judicial, com pena prevista de 1(um) a 4(quatro) anos e multa.
É crime de violação de impedimento, a teor do artigo 177, adquirir o juiz, o representante do Ministério Público, o administrador judicial, o gestor judicial, o avaliador, o escrivão, o oficial de justiça ou o leiloeiro, por si ou por interposta pessoa, bens da massa falida ou de devedor em recuperação judicial, ou, em relação a estes, entrar em alguma especulação de lucro, quando tenham atuado nos respectivos processos, sujeito a pena de 2(dois) a 4(quatro) anos e multa. É crime impróprio, já previsto na legislação anterior, no artigo 190.
Por fim, é crime de omissão dos documentos contábeis obrigatórios, previsto no artigo 178, deixar de elaborar, escriturar ou autenticar, antes ou depois da sentença que decretar a falência, conceder a recuperação judicial ou homologar o plano de recuperação extrajudicial ou documentos de escrituração contábil obrigatórios, com pena de 1(um) a 2(dois) anos de reclusão e multa, e sujeito a procedimento específico dos juizados especiais. Tal crime já era prevista na legislação anterior. Não basta configurar o crime a mera falta de livros, é necessário configurar que tal falta acarrete o perigo.
A Lei 11.101/2005 determina, no artigo 181, que são efeitos da condenação:
a) A inabilitação para o exercício de atividade empresarial;
b) O impedimento para o exercício de atividade empresarial;
c) A impossibilidade de gerir empresa por mandato ou por gestão de negócio.
Tais efeitos não são automáticos devendo ser, de forma motivada, declarados na sentença, perdurando por até 5(cinco) anos, após a extinção da punibilidade, podendo cessar antes da reabilitação penal.
O Registro Púbico de Empresas será notificado da sentença penal condenatória transitada em julgada para que tome medidas para impedir novo registro em nome dos inabilitados.
A teor do artigo 182 a prescrição dos crimes previstos na nova lei de falência rege-se pelas disposições do Código Penal, Decreto-lei 2.848, de 7 de dezembro de 1940, começando a correr do dia da decretação da falência, da concessão da recuperação judicial, que substitui a antiga concordata, ou da homologação do plano de recuperação extrajudicial. No passado, a prescrição extintiva da punibilidade de crime falimentar operava-se em dois anos contados da data em que transitasse em julgado a sentença que encerrasse a falência ou que julgasse cumprida a concordata, artigo 199, e parágrafo único. É certo que o Supremo Tribunal Federal, discutindo a matéria, no RE 22.159, de 31 de dezembro de 1956, com votos de Orozimbo Nonato, Candido Mota, Hahnemann Guimarães, Edgard Costa, Barros Barreto contra os votos de Rocha Lagoa, Sampaio Costa, Afrânio Costa, Ari Franco, DJ de 9 de março de 1959, pág. 1012 a 1013, entendeu que o prazo deveria ser contado da data da declaração, já que tendo que se encerrar dois anos após não poderiam os interessados ficar â mercê do liquidatário ou do juiz, que não observassem o prazo para o encerramento.
Aliás, a decretação da falência interrompe a prescrição cuja contagem tenha se iniciado com a concessão da recuperação judicial ou com a homologação do plano de recuperação extrajudicial(artigo 182, parágrafo único).
IV – O NOVO PROCEDIMENTO CRIMINAL PREVISTO NA LEI 11.101/05.
Com a edição da nova lei de falências estão revogados os artigos 503 a 512 do Código de Processo Penal.
Os crimes falimentares passam a ser investigados pela Polícia, se necessário, para colher provas.
A competência para instruir e julgar os crimes já relatados é do juiz criminal da jurisdição onde tenha sido decretada a falência, concedida a recuperação judicial ou homologado o plano de recuperação extrajudicial(artigo 183). Todos os crimes vinculados aos delitos falimentares devem ser julgados no juízo de falência, quando houver continência, como se vê do concurso formal ou ainda concurso de agentes. Haverá separação de processos caso haja concurso material, respeitando-se o rito especial do crime falimentar.
Os crimes previstos na lei de falência são de ação penal pública incondicionada.
Recebida a denúncia ou queixa será observado o rito previsto nos artigos 531 a 540 do Código de Processo Penal, seguindo-se o procedimento sumário.
É certo que a nova Lei de Falências, Lei 11.101/05, não faz qualquer referência à necessidade de fundamentação do despacho de recebimento da denúncia por crime falimentar, ao contrário do que exigia o artigo 109, § 2º, do Decreto-lei 7.661/45), que foi inspiração para a Súmula 564, onde se dizia que a ausência de fundamentação do despacho de recebimento da denúncia por crime falimentar enseja nulidade processual, salvo se já houver sentença condenatória.
Há hipótese de ação penal privada subsidiária caso o órgão do Ministério Público não ofereça denúncia no prazo previsto no parágrafo primeiro do artigo 187, qualquer credor habilitado ou o administrador judicial poderão oferecer a peça de acusação. Não há mais necessidade de ser o credor habilitado com decisão transitada em julgado como disse Nucci.[13]
Ressalta o artigo 192 da Lei 11.101/05 que a nova legislação não se aplica aos processos de falência ou concordata ajuizados anteriormente ao início de sua vigência, que serão concluídos nos termos do Decreto-lei 7.661/45, onde se previa um procedimento inquisitorial, que não mais se ajusta ao direito pátrio, dado que adotamos o sistema acusatório.
Discute-se com relação ao antigo procedimento judicial de investigação.
O inquérito judicial é uma exceção á regra segundo o qual o inquérito é um procedimento administrativo inquisitório puro.
O inquérito judicial não está previsto na Lei 11.101/2005, pois quando for preciso uma investigação aplica-se o inquérito policial.
Anteriormente permitia-se o inquérito tramitando em juízo e com a possibilidade de haver o contraditório com a participação efetiva do falido, defendo-se, se assim quisesse.
Tal peça era indispensável para conferir justa causa à ação penal.
A impugnação do devedor não era obrigatória, devendo o juiz, como assim era antes, determinar o prosseguimento do feito.
Determinava o artigo 103, caput, da antiga lei de falências, que nas 24 horas seguintes ao vencimento do dobro do prazo marcado pelo juiz para os credores declararem seus créditos(artigo 14, parágrafo único, V), o síndico, atual administrador judicial, apresentaria em cartório, em duas vias, a exposição circunstanciada das causas de falência, o procedimento do devedor, antes e depois da sentença declaratória de falência, e, se houver, os atos que constituem crime falimentar. Assim o indicativo da prática de tais crimes nasce a partir de tal relatório acompanhado do laudo do perito encarregado do exame da escrituração do falido, artigo 63, V, do Decreto-lei 7.661/45.
Os credores, como se via da antiga legislação, poderiam solicitar, no prazo de cinco dias, após a exposição feita pelo síndico, a instauração do inquérito, se tal providência não fora realizada.
O Ministério Público não estava, por certo, atrelado as conclusões daquele relatório, podendo ou não denunciar, aplicando-se, de todo, o disposto no artigo 28 do Código de Processo Penal, caso o Promotor requeresse o arquivamento dos autos e o juiz assim não o entendesse.
Findo o prazo de cinco dias, os autos pela legislação revogada eram enviados com vista ao Parquet para que, dentro de três dias, opinasse sobre a exposição do síndico, as alegações dos credores e os requerimentos que fossem apresentados.
Já se disse que o falido poderia exercer o ônus de contestar, em cinco dias seguintes, as arguições contidas no auto do inquérito e requerer o que entendesse de direito. Com a contestação os autos voltavam ao Parquet para apreciação.
Após o decurso de prazo para a contestação do falido, os autos eram imediatamente conclusos ao juiz, que, poderia, em 48(quarenta e oito) horas deferir ou não as provas requeridas, designando dia e hora para a realização das provas deferidas, dentro dos quinze dias seguintes. Realizadas as provas, ou não as havendo a realizar, os autos irão para o órgão do Ministério Público que, no prazo de cinco dias, faria seu pronunciamento, seja pela apensação dos autos do inquérito(arquivamento), ou oferecendo denúncia contra o falido ou os outros responsáveis(artigo 108 do Decreto-lei 7.661/45).
Se o despacho do juiz fosse afirmativo, o juiz, recebendo a denúncia ou a queixa determinaria a remessa dos autos ao juiz criminal competente para o prosseguimento da ação. Tal situação beira ao bizarro! Como se pode entender que um juiz com competência em matéria civil pudesse receber uma denúncia e encaminhá-la ao juiz com competência em matéria criminal para processá-la?
De toda sorte, se mantém o functor prescritivo no sentido de determinar que a ação penal, no crime falimentar, não poderá iniciar-se antes de declarada a falência, e será extinta quando reformada tal decisão. Tal é o que se lê do artigo 180 da nova lei.
Estamos diante de uma condição objetiva de punibilidade. Tal a posição de Noronha[14]. Por sua vez, Mirabete[15] , considera que estaríamos diante de condição objetiva de punibilidade nos crimes antefalimentares, mas é pressuposto dos crimes posfalimentares. A posição de Noronha é majoritária e é seguida por Nelson Hungria, Heleno Fragoso, dentre os grandes penalistas do País.
Afinal, que seria tal condição objetiva de punibilidade? Seria necessário distingui-las das condições de procedibilidade?
V – CONDIÇÕES OBJETIVAS DE PUNIBILIDADE E CONDIÇÕES DE PROCEDIBILIDADE OU DE PERSEGUIBILIDADE.
A verdade é que a doutrina costuma distingui-las como bem lecionou Assis Toledo.[16]
Registra o ilustre penalista que como as denominadas condições de punibilidade não são, em geral, alcançadas pelo dolo ou pela culpabilidade do agente para os autores que as fazem abranger o evento dano, como foi o caso de Nelson Hungria, quanto aos crimes culposos, fica muito difícil, nessa e noutras hipóteses, evitar a introdução no sistema penal, que tem por base o principio da culpabilidade, não se podendo conceber a inserção de um elemento objetivo do tipo, o resultado, em mera condição de punibilidade.
Fica difícil conceber a sentença declaratória de falência erigida como elemento constitutivo do crime, condição para punição do delito falimentar, Seria um tipo de origem processual? Por certo que não.
Assim o crime falimentar iria se consumar no tribunal, na declaração de falência, algo que fugiria ao razoável. Não se pode, ao limite do absurdo, considerá-la como elemento do crime.
Reclama-se a inserção, de forma expressa, na lei processual, de disposição a respeito das chamadas condições objetivas de punibilidade. Mirabete[17] é dos que entendem que a punibilidade, por razões de política criminal, está na dependência do aperfeiçoamento de elementos ou circunstâncias não encontradas na descrição típica do crime e exteriores à conduta. É um acontecimento futuro e incerto não acobertado pelo dolo do agente, exterior ao tipo e, em consequência, do crime. A inexistência de condição objetiva de punibilidade impede a instauração de ação penal, mas proposta esta, há decisão de mérito.
A condição objetiva de punibilidade não se confunde com as chamadas excusas absolutórias. Aqui o crime subsiste, tanto que não se podem dela valer, como o caso do artigo 181 do Código Penal ou ainda do artigo 348, § 2º, do Código Penal), os coautores, que não apresentarem as características personalíssimas do tipo. Aqui estamos diante de exclusão da pena. Estaremos na hipótese do artigo 181 do Código Penal, diante de causas pessoais de exclusão da pena, que existem na época do crime, como dizia Wessels, na linha de Assis Toledo[18]. Ao contrário, as causas pessoais de extinção da pena surgem não na época do crime, mas após o delito e que impedem, de modo retroativo, a punibilidade.
E as condições de procedibilidade?
De acordo com a doutrina, além das condições de ação, que são as condições genéricas, existiriam as chamadas condições de procedibilidade, que são as condições especiais.
As condições de procedibilidade são as que condicionam o exercício da ação penal, têm caráter processual e se atêm a admissibilidade da persecução penal.
É condição de procedibilidade a requisição do Ministro da Justiça nos crimes contra a honra previstos no Código Penal contra o Presidente da República ou contra chefe de estado estrangeiro (artigo 145, parágrafo único do Código Penal), a representação do ofendido em determinados crimes, como se lê dos artigos 130, 140, 141, II, 147, 151 do Código Penal.
Doutrinadores há que incluem as condições de procedibilidade nas condições de ação, que seriam uma espécie daquelas. Tal é o caso de Tourinho Filho[19]
Aliás, para Assis Toledo[20]é correto, pois, reduzir as chamadas condições de punibilidade a meras condições de punibilidade, condições específicas da ação penal, condições a que está subordinado, em determinadas hipóteses, o direito de ação penal, sem reduzir a meros elementos do tipo. Com o não adimplemento de uma condição objetiva de punibilidade fica suspenso não o tipo penal, mas o exercício da ação penal.
Diz-se ainda no artigo 511 do Código de Processo Penal, que no processo criminal por crime falimentar não se conhecerá de matéria atinente a arguição de nulidade da sentença declaratória de falência.
Ora, essa matéria é de cognição do juízo civil.
Recebida a denuncia ou a queixa cabe o recurso em sentido estrito da decisão.