Da autonomia (funcional, administrativa e orçamentária) atribuída pela Constituição Federal de 1988 aos poderes e órgãos/entes estatais, destituídos de personalidade jurídica.

Responsabilidade (civil) pelos seus atos danosos ou ilícitos que deve ser ampla e atrelada ao seu próprio orçamento

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O objetivo deste trabalho é proceder ao estudo alusivo à autonomia (funcional, administrativa e orçamentária) atribuída pela Constituição Federal de 1988 aos órgãos/entes estatais destituídos de personalidade jurídica.

RESUMO

O objetivo deste trabalho é proceder ao estudo alusivo à autonomia (funcional, administrativa e orçamentária) atribuída pela Constituição Federal de 1988 aos órgãos/entes estatais destituídos de personalidade jurídica, tais como o Ministério Público, o Tribunal de Contas, a Defensoria Pública, e aos Poderes Legislativo e Judiciário, especialmente no que toca à ampla responsabilidade (civil) pela prática de atos danosos ou ilícitos, cuja eventual condenação deva ser suportada pelos seus próprios e respectivos orçamentos.

Para tanto, analisar-se-á a tese segundo a qual os órgãos/entes acima citados, não obstante não detenham personalidade jurídica própria, possuem autonomia financeira e orçamentária, sendo a eles repassado, pelo Poder Executivo, o duodécimo, segundo a lei orçamentária e, desse modo, tendo a Lei Maior lhes consagrado a devida autonomia, necessário se torna fazer uma re(leitura) adequada em consonância com os anseios constitucionais para que tais entidades respondam com seu próprio orçamento nos casos em que perpetrarem algum dano ou ato ilícito comprovado em juízo. 

Por derradeiro, serão sugeridas algumas soluções visando equacionar e afastar a precitada contradição, que afeta todo o sistema constitucional, porquanto a imputação de arcar-se com o pagamento de eventual condenação judicial ao orçamento do próprio órgão ou ente que causou o ato ou dano (ilícito) terá um efeito pedagógico vital para o restabelecimento da verdadeira autonomia.

Palavras-chave: Funções do Estado. Autonomia. Órgãos/Entes. Responsabilidade civil. Orçamento.

SUMÁRIO

Introdução................................................................................................................................. 5

1 Conceito de Estado............................................................................................................... 7

2 Executivo, Legislativo e Judiciário: poderes ou funções do Estado?................................... 8

3 Autonomia atribuída a determinados entes estatais pela CF/88........................................... 10

4 Conceito de Fazenda Pública................................................................................................ 13

5 Responsabilidade civil do Estado prevista na Lei Maior de 1988........................................ 16

6 Repasse do duodécimo do Executivo para os Poderes Legislativo e Judiciário e para os entes/órgãos autônomos. Orçamento fiscal e vedações.................................................................................................... 20

7 Responsabilidade civil que deve recair sobre o orçamento do poder ou ente estatal que praticou o ato considerado ilícito ou do qual advenha alguma responsabilidade civil........................................................ 26

8 Conclusões............................................................................................................................ 34

Referências bibliográficas........................................................................................................ 37   

Introdução

Em prolegômenos, o presente artigo científico, tendo como metodologia a pesquisa bibliográfica, buscará abordar tema alusivo à autonomia (funcional, administrativa e orçamentária) atribuída pela Constituição Federal de 1988 aos órgãos/entes estatais destituídos de personalidade jurídica, tais como o Ministério Público, o Tribunal de Contas, a Defensoria Pública, e aos Poderes Legislativo e Judiciário, especialmente no que toca à ampla responsabilidade (civil) pela prática de atos danosos ou ilícitos, cuja eventual condenação deva ser suportada pelos seus próprios e respectivos orçamentos.

Com efeito, ainda que eventual demanda judicial – nas hipóteses em que se discutir responsabilidade civil do Estado - tenha que ser aforada em face da União, Estados, DF ou Municípios, posto que estes possuem personalidade jurídica de direito público interno, restará demonstrado que - caso o ato ou o fato (danoso ou ilícito) pelo qual motivou eventual indenização ou condenação em juízo de um daqueles - o orçamento dos precitados órgãos/entes autônomos e Poderes estatais é que deverá arcar com tais pagamentos, sob pena de transformar o Tesouro Estadual ou Federal em um verdadeiro e inadmissível segurador universal, além de atribuir a obrigação (pagamento) a um ente que não praticou o dano, ou seja, sem o nexo causal imprescindível para tal mister, isentando erroneamente o ente/órgão que causou o dano de uma forma nada pedagógica, pois quem tem o bônus (autonomia orçamentária) também deve ter o ônus (responsabilidade) para com seus próprios atos.

Assim sendo, apesar da brevidade exigida para o presente artigo, além de conceitos teóricos acerca de algumas questões (v. g., funções ou poderes do Estado; responsabilidade civil do Estado; dano ou ato ilícito, Fazenda Pública, orçamento e autonomia, etc.), serão colacionados alguns casos práticos e concretos que ocorrem em ações judiciais que bem ilustram que o Tesouro Estadual ou Federal revela-se como um verdadeiro “segurador universal” para o pagamento de indenizações advindas de danos ou atos perpetrados por entidades que estão fora das funções do Executivo, cuja situação traduz – a mais não poder - uma total contradição ante a figura da autonomia constitucional.

Por derradeiro, serão sugeridas algumas soluções visando equacionar e afastar a precitada contradição, que afeta todo o sistema constitucional, porquanto a imputação de arcar-se com o pagamento de eventual condenação judicial ao orçamento do próprio órgão ou ente que causou o ato ou dano (ilícito) terá um efeito pedagógico vital para o restabelecimento da verdadeira autonomia, sobretudo se levar em consideração que o Tesouro - seja na esfera federal, seja no âmbito estadual – é destinado a fazer frente às políticas públicas escolhidas pelos governantes em áreas constitucionalmente delimitadas pela Carta Magna (tais como saúde, educação, segurança pública etc.,), mas não para arcar com prejuízos ou danos perpetrados por órgãos ou entes autônomos que não integram o Executivo.

1 Conceito de Estado

É ressabido que o termo “Estado” alude a um povo situado em determinado território e sujeito a um governo, em cujo conceito despontam 3 (três) elementos[1], a saber:

a) povo é a dimensão pessoal do Estado, o conjunto de indivíduos unidos para formação da vontade geral do Estado. Povo não se confunde com população, conceito demográfico que significa contingente de pessoas que, em determinado momento, estão no território do Estado. É diferente também de nação, conceito que pressupõe uma ligação cultural entre os indivíduos;

b) território é a base geográfica do Estado, sua dimensão espacial; e

c) governo é a cúpula diretiva do Estado. Indispensável, também, realçar que o Estado organiza-se sob uma ordem jurídica que consiste no complexo de regras de direito cujo fundamento maior de validade é a Constituição.

Já a “soberania” refere-se ao atributo estatal de não conhecer entidade superior na ordem externa, nem igual na ordem interna (Jean Bodin).

Antigamente muitos consideravam que governo era sinônimo de Estado, ou seja, a somatória dos três Poderes: Legislativo, Executivo e Judiciário. Todavia, hodiernamente, governo, em sentido subjetivo, é a cúpula diretiva do Estado, responsável pela condução dos altos interesses estatais e pelo poder político, e cuja composição pode ser modificada mediante eleições. No aspecto objetivo, governo é a atividade diretiva do Estado.

Ademais, ao aludir ao conceito de Poder Público em sentido orgânico ou subjetivo, Diogo de Figueiredo Moreira Neto disse ser “o complexo de órgãos e funções, caracterizado pela coerção, destinado a assegurar uma ordem jurídica, em certa organização política considerada”[2]. Portanto, pode-se afirmar que o mencionado autor considera Poder Público, em sentido subjetivo, como sinônimo de Estado.

No caso do Brasil, foi adotada a forma federativa de Estado[3], bem como a forma republicana de governo e o sistema presidencialista de governo.

O artigo 1º, cabeça, da Constituição da República de 1988, preceitua que a República Federativa do Brasil é formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constituindo-se em Estado Democrático de Direito, sendo que o caput de seu artigo 18 complementa, estabelecendo que:

a organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição.

Cabe, ainda, ressaltar, consoante escólio de Alexandre de Moraes[4], que a atual Constituição Federal, objetivando evitar o arbítrio e o desrespeito aos direitos fundamentais do homem, previu a existência dos Poderes do Estado, independentes e harmônicos entre si, repartindo entre eles as funções estatais e prevendo prerrogativas e imunidades para que bem pudessem exercê-las, bem como criando mecanismos de controle recíprocos, sempre como garantia da perpetuidade do Estado democrático de Direito, cujos aspectos relevantes serão a seguir abordados.

2 Executivo, Legislativo e Judiciário: poderes ou funções do Estado?  

  

Segundo Nuno Piçarra[5], em estudo detalhado sobre a falência da ideia de tripartição de poderes e sua substituição por uma teoria geral das funções estatais, tem-se que:

A divisão segundo o critério funcional é a célebre “separação de Poderes”, que consiste em distinguir três funções estatais, quais sejam, legislação administração e jurisdição, que devem ser atribuídas a três órgãos autônomos entre si, que as exercerão com exclusividade, foi esboçada pela primeira vez por Aristóteles, na obra “Política”, detalhada, posteriormente, por John Locke, no Segundo tratado do governo civil, que também reconheceu três funções distintas, entre elas a executiva, consistente em aplicar a força público no interno, para assegurar a ordem e o direito, e a federativa, consistente em manter relações com outros Estado, especialmente por meio de alianças. E, finalmente, consagrada na obra de Montesquieu O espírito das leis, a quem devemos a divisão e distribuição clássicas, tornando-se princípio fundamental da organização política liberal e transformando-se em dogma pelo art. 16 da Declaração Francesa dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, e é prevista no art. 2º da nossa Constituição Federal[6].

O grande avanço trazido por Montesquieu à “tripartição de Poderes” foi no sentido de que tais funções do Estado (executiva, legislativa e judiciária) estariam intimamente conectadas a três órgãos distintos, autônomos e independentes entre si. Ou seja, cada função corresponderia a um órgão, não mais se concentrando nas mãos únicas do soberano, e cuja teoria surgiu em contraposição ao absolutismo, servindo de base estrutural para o desenvolvimento de diversos movimentos como as revoluções americanas e francesas.

Tais atividades passaram a ser realizadas, independentemente, por cada órgão, surgindo, assim, o que se denominou teoria dos freios e contrapesos[7].

Nesse sentido, o E. Supremo Tribunal Federal tem avalizado a teoria dos freios e contrapesos, nos seguintes termos:

“Separação e independência dos Poderes: freios e contra-pesos: parâmetros federais impostos ao Estado-Membro. Os mecanismos de controle recíproco entre os Poderes, os ‘freios e contrapesos’ admissíveis na estruturação das unidades federadas, sobre constituírem matéria constitucional local, só se legitimam na medida em que guardem estrita similaridade com os previstos na Constituição da República: precedentes (...).” (ADI 1.905-MC, rel. Min. Sepúlveda Pertence, j. 19.11.98, DJ, 05.11.2004).

“Os dispositivos impugnados contemplam a possibilidade de a Assembleia Legislativa capixaba convocar o Presidente do Tribunal de Justiça para prestar, pessoalmente, informações sobre assunto previamente determinado, importante crime de responsabilidade a ausência injustificada desse Chefe de Poder. Ao fazê-lo, porém, o art. 57 da Constituição capixaba não seguiu o paradigma da Constituição Federal, extrapolando as fronteiras do esquema de freios e contrapesos – cuja aplicabilidade é sempre estrita ou materialmente inelástica – e maculando o Princípio da Separação de Poderes (...)” (ADI 2.911, rel. Min. Carlos Britto, j. 10.08.2006, DJ, 02.02.2007).

Ademais, não obstante o Legislativo tenha como função típica legislar; o Executivo, a prática de atos de chefia de Estado e de governo e atos de administração; e o Judiciário, a de julgar, dizendo o direito no caso concreto e dirimindo os conflitos que lhe são levados, quando da aplicação da lei, ante as realidades sociais e históricas, passou-se a existir uma maior interpenetração entre os Poderes, de maneira que houve uma atenuação à teoria que pregava uma separação pura e absoluta deles.

Dessarte, além do exercício das precitadas funções típicas (predominantes), inerentes à sua natureza, cada órgão exerce, igualmente, outras duas funções atípicas (de natureza atípica dos outros dois órgãos). Assim, o Executivo, por exemplo, além de exercer uma função típica, ínsita à sua estrutura, exerce, também, uma função atípica de natureza legislativa e outra função atípica de natureza jurisdicional, não havendo se falar, no entanto, em ferimento ao princípio da separação de Poderes, porque tal competência foi constitucionalmente assegurada pelo poder constituinte originário.

Lado outro, deve-se ter como imprecisa a utilização da expressão “tripartição de Poderes”, uma vez que o poder é uno e indivisível, ou seja, não se triparte, e, apesar de um só, manifesta-se por meio de órgãos que exercem funções, como acima aludido.

E, consoante lição de Pedro Lenza[8]:

(...) todos os atos praticados pelo Estado decorrem de um só Poder, uno e indivisível. Esses atos adquirem diversas formas, através do exercício das diversas funções pelos diferentes órgãos. Assim, o órgão legislativo exerce uma função típica, inerente à sua natureza, além de funções atípicas (...), ocorrendo o mesmo com os órgãos executivo e jurisdicional.

    Portanto, a fim de se fazer um uso técnico e adequado, o termo “separação de Poderes” deve ser evitado, bem como substituído pela expressão “funções de Estado”, a qual mais bem define as funções estatais originadas de um Poder uno e indivisível.

3 Da autonomia atribuída a determinados entes estatais pela CF/88

A Constituição de República de 1988, em seu Título IV, denominado de “Da Organização dos Poderes”, expressamente delimitou a estrutura, as competências e as atribuições concernentes ao Poder Legislativo (leia-se: função legislativa), nos artigos 44 a 75, ao Poder Executivo (leia-se: função executiva), nos artigos 76 a 91, e ao Poder Judiciário (leia-se: função jurisdicional), nos artigos 92 a 126.

Além do mais, dentro do mesmo título IV, inseriu o Capítulo IV, denominado “Das funções essenciais à justiça”, dentre as quais se inserem o Ministério Público (artigos 127 a 135), a Advocacia Pública (artigos 131 e 132), a Advocacia (art. 133) e a Defensoria Pública (artigos 134 e 135).

Como visto alhures, o artigo 2º da Constituição Federal apregoa que os Poderes Executivo, Legislativo e o Judiciário são independentes e harmônicos entre si. E, para tanto, lhes são asseguradas a respectiva autonomia administrativa, técnica, orçamentária e financeira, de maneira que para cada uma das funções é estabelecido um orçamento dentro do qual cada uma delas irá exercer as atribuições definidas constitucionalmente.

Nos termos do artigo 165, incisos I, II e III, da CF/88[9], leis de iniciativa do Poder Executivo estabelecerão o plano plurianual, as diretrizes orçamentárias e os orçamentos anuais, não só dele próprio (Executivo), mas, também, dos demais poderes (Legislativo e Judiciário), cujos projetos de lei serão apreciados pelo Legislativo (CF, art. 166).

No mesmo sentido - além dos órgãos dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário -, a Constituição Federal, no que toca ao Ministério Público e à Defensoria Pública, lhes atribuiu a autonomia funcional e administrativa, bem como a iniciativa de suas respectivas propostas orçamentárias, nos termos do disposto no art. 127, §§ 2° a 6º[10] e artigo 135, § 2º[11].

Sendo que o art. 168 da CF/88, dispondo acerca do repasse mensal dos respectivos orçamentos, determina que:

Os recursos correspondentes às dotações orçamentárias, compreendidos os créditos suplementares e especiais, destinados aos órgãos dos Poderes Legislativo e Judiciário, do Ministério Público e da Defensoria Pública, ser-lhes-ão entregues até o dia 20 de cada mês, em duodécimos, na forma da lei complementar a que se refere o art. 165, § 9º. Redação dada pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)

De tais dispositivos constitucionais, infere-se que o Ministério Público e a Defensoria Pública, conquanto não integrem nenhum dos Poderes do Estado (Executivo, Legislativo e Judiciário), são consideradas instituições constitucionalmente autônomas, sobretudo para bem exercer e desempenhar com a devida independência as atribuições que a própria Lei Maior lhes incumbiu.

Ao lado do Ministério Público e da Defensoria Pública, tem-se os Tribunais de Contas (vide artigos 71, caput[12], 73, caput[13], e 75[14]), cujas 3 (três) instituições podem ser caracterizadas como órgãos públicos primários bastante peculiares dentro da estrutura organizacional brasileira, tal como bem definido por Alexandre Mazza[15]. Podem ser destacadas as seguintes características comuns a tais órgãos:

a) são órgãos primários ou independentes: a própria Constituição de 1998 disciplina a estrutura e atribuições das referidas instituições, não sujeitando a qualquer subordinação hierárquica ou funcional;

b) não integram a Tripartição de Poderes: os Tribunais de Contas, o Ministério Público e as Defensorias Públicas não pertencem à estrutura do Legislativo, do Executivo ou do Judiciário;

c) são destituídos de personalidade jurídica: como todo órgão público, tais instituições não são pessoas jurídicas, mas integram a estrutura da Administração Direta da respectiva entidade federativa;

d) gozam de capacidade processual: embora desprovidos de personalidade jurídica autônoma, os referidos órgãos públicos possuem capacidade processual especial para atuar em mandado de segurança e habeas data. No caso do Ministério Público e das Defensorias Públicas, a capacidade processual é geral e irrestrita;

e) mantêm relação jurídica direta com a entidade federativa[16]: os Tribunais de Contas, o Ministério Público e as Defensorias Públicas vinculam-se diretamente com a respectiva entidade federativa, sem passar pelo filtro da Tripartição dos Poderes.

Por corolário lógico, observa-se que, além dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário (insertos os respectivos órgãos que os compõem), a própria Constituição Federal de 1988 erigiu como instituições autônomas e independentes daqueles os Tribunais de Contas, o Ministério Público e as Defensorias Públicas.

        

4 O significado da expressão Fazenda Pública

A expressão Fazenda Pública normalmente é utilizada para designar o Estado em juízo, isto é, as pessoas jurídicas governamentais quando figuram no polo ativo ou passivo de ações judiciais, assim como órgãos despersonalizados dotados de capacidade processual especial, segundo Mazza[17].      

Outrossim, diante do (proto)princípio da supremacia do interesse público sobre o privado, a Lei (Federal) n.º 9.494/97 reconhece determinadas “prerrogativas especiais para a Fazenda Pública”, as quais somente são aplicadas às pessoas jurídicas de direito público.

Segundo anota Hely Lopes Meirelles:

“A Administração Pública, quando ingressa em juízo por qualquer de suas entidades estatais, por suas autarquias, por suas fundações públicas ou por seus órgãos que tenham capacidade processual, recebe a designação tradicional de Fazenda Pública, porque seu erário é que suporta os encargos patrimoniais da demanda.”[18]

A expressão Fazenda Pública representa a personificação do Estado[19], abarcando as pessoas jurídicas de direito público.

Quando a legislação processual lança mão do termo Fazenda Pública está a referir-se à União, aos Estados, aos Municípios, ao Distrito Federal e a suas respectivas autarquias e fundações, porquanto dita expressão identifica-se com as pessoas jurídicas de direito público.

Segundo o Decreto-lei n.º 200/67, em cujo diploma se ateve a organização da Administração Pública no Brasil, extrai-se a divisão da Administração em direta e indireta. Integram a Administração direta os órgãos componentes dos entes federativos, a saber: a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios. A par de tais pessoas jurídicas e dos órgãos que as integram, permite-se o surgimento de outras entidades administrativas, que compõem a Administração indireta: são as autarquias, as fundações públicas, as empresas públicas e as sociedades de economia mista.

Estas duas últimas – empresas públicas e sociedades de economia mista – revestem-se da natureza de pessoas jurídicas de direito privado, não integrando o conceito de Fazenda Pública. Já a autarquia constitui em pessoa jurídica de direito público, com personalidade jurídica própria e atribuições específicas da Administração Pública.

Também, segundo a jurisprudência atual[20], as fundações, conquanto detenham tal denominação, aquelas tidas como de direito público são criadas por lei para exercer atividades próprias do Estado, desincumbindo-se de atribuições descentralizadas dos serviços públicos e sendo geridas por recursos orçamentários, cuja situação as tornam equiparadas a autarquias, conforme entendimento de Leonardo Carneiro da Cunha.[21]  

Ao precitado rol de pessoas jurídicas de direito público, acrescem as agências, às quais se tem atribuído a natureza jurídica de autarquias especiais, significando dizer que tais agências se constituem de pessoas jurídicas de direito público, destinadas a desempenhar atividade pública.[22]

Consoante Leonardo Carneiro da Cunha[23], o conceito de Fazenda Pública abrange:

(...) a União, os Estados, o Distrito Federal, os Municípios e suas respectivas autarquias e fundações públicas, sendo certo que as agências executivas ou reguladoras, sobre ostentarem o matiz de autarquias especiais, integram igualmente o conceito de Fazenda Pública.

Também, se revestem da natureza de pessoas jurídicas de direito público, integrando, portanto, o conceito de Fazenda Pública, as associações públicas (Código Civil, art. 41, IV), constituídas na forma da Lei nº 11.107, de 6 de abril de 2005, em razão da formação de consórcio público. Realmente, o consórcio público constituirá associação pública ou pessoa jurídica de direito privado. Constituído como associação pública, adquire personalidade jurídica de direito público, mediante a vigência das leis de ratificação do protocolo de intenções, integrando a Administração Indireta de todos os entes da Federação consorciados.           

Por seu turno, embora integrem a Administração Pública indireta, por revestirem-se da condição de pessoas jurídicas de direito privado, a cujo regime estão subordinadas, as sociedades de economia mista e as empresas pública estão excluídas do conceito de Fazenda Pública.

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Por arremate, o conceito de Fazenda Pública engloba:

a) entidades federativas (União, Estados, Distrito Federal e Municípios);

b) órgãos públicos com capacidade processual especial (Ministério Público, Defensorias Públicas, Tribunais de Contas etc.);

c) autarquias, fundações públicas, agências reguladoras, agências executivas e demais espécies do gênero autárquico;

d) empresas estatais prestadoras de serviços públicos (exemplo: Correios e Metrô).    

5 Responsabilidade civil do Estado prevista na Lei Maior de 1988

A Constituição Federal de 1988, no seu artigo 37, § 6º, disciplina a responsabilidade do Estado, nos seguintes termos:  

Art. 37. (...)

§ 6º. As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.”

Pode-se notar, inicialmente, que a Constituição de 1988 adotou, como regra, a teoria objetiva na modalidade do risco administrativo. Ou seja, significa que o pagamento da indenização prescinde de comprovação, pelo lesado ou ofendido, de culpa ou dolo (objetiva) e que existem exceções aos dever de indenizar (risco administrativo).

Desse modo, a responsabilidade civil das pessoas jurídicas de direito público e das pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviços públicos lastreia-se no risco administrativo, sendo objetiva. Essa responsabilidade objetiva exige a concorrência dos seguintes requisitos: (i) ocorrência do dano; (ii) ação ou omissão administrativa; (iii) existência de nexo causal entre o dano e a ação ou omissão administrativa e (iv) ausência de causa excludente da responsabilidade estatal.

Quanto à responsabilidade civil do Poder Público, o Supremo Tribunal Federal afirma:

A teoria do risco administrativo, consagrada em sucessivos documentos constitucionais brasileiros desde a Carta Política de 1946, confere fundamento doutrinário à responsabilidade civil objetiva do Poder Público pelos danos a que os agentes públicos houverem dado causa, por ação ou omissão. Essa concepção teórica, que informa o princípio constitucional da responsabilidade civil objetiva do Poder Público, faz emergir, da mera ocorrência de ato lesivo causado à vítima pelo Estado, o dever de indenizá-la pelo dano pessoal e/ou patrimonial sofrido, independentemente de caracterização de culpa dos agentes estatais ou de demonstração de falta do serviço público. Os elementos que compõem a estrutura e delineiam o perfil da responsabilidade civil objetiva do Poder Público compreendem (a) a alteridade do dano, (b) a causalidade material entre o eventus damni e o comportamento positivo (ação) ou negativo (omissão) do agente público, (c) a oficialidade da atividade causal e lesiva, imputável a agente do Poder Público, que tenha, nessa condição funcional, incidido em conduta comissiva ou omissiva, independentemente da licitude, ou não, do comportamento funcional (RTJ 140/636) e (d) a ausência de causa excludente da responsabilidade estatal (RTJ 55/503 – RTJ 71/99 – RTJ 91/377 – RTJ 99/1155 – RTJ 131/417).             

 Na medida em que inexistem direitos absolutos, ainda que assegurados constitucionalmente, no mesmo diapasão, o princípio da responsabilidade objetiva do Poder Público não se reveste de caráter absoluto, eis que admite o abrandamento e, até mesmo, a exclusão da própria responsabilidade civil do Estado, nas hipóteses excepcionais configuradoras de situações liberatórias – como o caso fortuito e a força maior – ou evidenciadoras de ocorrência de culpa atribuível à própria vítima (RDA 137/233 – RTJ 55/50).[24] 

O constitucionalista Alexandre de Moraes, ao se debruçar a respeito da responsabilidade civil objetiva do Estado (CF, § 6º do art. 37), apresentou as suas características básicas[25], senão vejamos:

(i) as pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa;

(ii) a obrigação de reparar danos patrimoniais decorre de responsabilidade civil objetiva. Se o Estado, por suas pessoas jurídicas de direito público ou pelas de direito privado prestadoras de serviços públicos, causar danos ou prejuízos aos indivíduos, deverá reparar esse danos, indenizando-os independentemente de ter agido com dolo ou culpa;

(iii) os requisitos configuradores da responsabilidade civil do Estado são: ocorrência do dano; nexo causal entre o eventus damni e a ação ou omissão do agente público ou do prestador de serviço público; oficialidade da conduta lesiva; inexistência de causa excludente da responsabilidade civil do Estado;

(iv) no Direito brasileiro, a responsabilidade civil do Estado é objetiva, com base no risco administrativo, que, ao contrário do risco integral, admite abrandamentos. Assim, a responsabilidade do Estado pode ser afastada no caso de força maior, caso fortuito, ou ainda, se comprovada a culpa exclusiva da vítima;

(v) havendo culpa exclusiva da vítima, ficará excluída a responsabilidade do Estado. Entretanto, se a culpa for concorrente, a responsabilidade civil do Estado deverá ser mitigada, repartindo-se o quantum da indenização;

(vi) a responsabilidade civil do Estado não se confunde com as responsabilidades criminal e administrativa dos agentes públicos, por tratar-se de instancias independentes. Assim, a absolvição do servidor público no juízo criminal não afastará a responsabilidade civil do Estado se não ficar comprovada culpa exclusiva da vítima;

(vii) a indenização deve abranger o que a vítima efetivamente perdeu, o que despendeu, o que deixou de ganhar em consequência direta e imediata do ato lesivo do Poder Público, ou seja, deverá ser indenizada nos danos emergentes e nos lucros cessantes, bem como honorários advocatícios, correção monetária

e juros de mora, se houver atraso no pagamento. Além disso, nos termos do art. 5º, V, da Constituição Federal, será possível a indenização por danos morais;

(viii) a Constituição Federal prevê ação regressiva contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.          

Demais, de acordo com a doutrina, para que o dano seja indenizável, necessário que sejam reunidas duas características: ser anormal e específico, excedente o limite do razoável.

Dano anormal é aquele que excede os inconvenientes naturais e esperados da vida em sociedade. Ou seja, vai além do mero aborrecimento. Dano específico é aquele que alcança destinatários determinados, isto é, atinge um indivíduo ou uma classe delimitada de indivíduos. Assim, presentes os 2 (dois) atributos, considera-se que o dano é antijurídico, produzindo-se o dever de pagamento de indenização pela Fazenda Pública.    

Outrossim, para a configuração da responsabilidade estatal, é irrelevante a licitude ou ilicitude do ato lesivo, bastando que haja um prejuízo anormal e especifico decorrente de ação ou omissão de agente público para que surja o dever de indenizar.

Em regra, os danos indenizáveis originam-se de condutas contrárias ao ordenamento jurídico. No entanto, existem situações em que a Administração Pública atua em conformidade com direito e, ainda assim, causa prejuízo indenizável, sendo estes últimos nominados de danos decorrentes de atos lícitos e que também produzem dever de indenizar.

Já com relação aos danos por omissão do Estado, Celso Antônio Bandeira de Mello[26] entende que, em casos tais, aplica-se a teoria da responsabilidade subjetiva, verbis:

Quando o dano foi possível em decorrência de uma omissão do Estado (o serviço não funcionou, funcionou tardia ou ineficientemente) é de aplicar-se a teoria da responsabilidade subjetiva. Com efeito, se o Estado não agiu, não pode, logicamente, ser ele o autor da dano. E, se não foi o autor, só cabe responsabilizá-lo caso esteja obrigado a impedir o dano. Isto é: só faz sentido responsabilizá-lo se descumpriu dever legal que lhe impunha obstar ao evento lesivo. 

Deveras, caso o Poder Público não estivesse obrigado a impedir o acontecimento danoso, faltaria razão para impor-lhe o encargo de suportar patrimonialmente as consequências da lesão. Logo, a responsabilidade estatal por ato omissivo é sempre responsabilidade por comportamento ilícito. E, sendo responsabilidade por ilícito, é necessariamente responsabilidade subjetiva, pois não há conduta ilícita do Estado (embota do particular possa haver) que não seja proveniente de negligência, imprudência ou imperícia (culpa) ou, então, deliberado propósito de violar a norma que o constituía em dada obrigação (dolo). Culpa e dolo são justamente as modalidades de responsabilidade subjetiva.

Dessarte, mostra-se correta a posição sustentada por Bandeira de Mello e pelo Prof. Oswaldo Aranha Bandeira de Mello, segundo os quais a responsabilidade do Estado é objetiva no caso de comportamento danoso comissivo e subjetiva no caso de comportamento omissivo.

Igualmente, cabível se mostra a responsabilidade civil do Estado, seja nas hipóteses nas quais foi produzido algum tipo de dano ou prejuízo a outrem, seja naquelas oriundas de ato ilícito ou lícito, os quais, de qualquer modo, ao contrariarem o ordenamento jurídico, ultrapassaram o campo da legalidade, passando, a partir de então, a ser passível de indenização estatal, desde que comprovado o nexo causal entre a ação ou omissão de agente público e o evento danoso/lesivo, bem assim não haja nenhuma excludente de ilicitude.    

Nesse rumo, novamente esclarecedoras as lições de Bandeira de Mello:

a) No caso de comportamentos ilícitos comissivos ou omissivos, jurídicos ou materiais, o dever de reparar o dano é a contrapartida do princípio da legalidade. Porém, no caso de comportamentos ilícitos comissivos, o dever de reparar já é, além disso, imposto também pelo princípio da igualdade.  

b) No caso de comportamentos lícitos, assim como na hipótese de danos ligados a situação criada pelo Poder Público – mesmo que não seja o Estado o próprio autor do ato danoso -, entendemos que o fundamento da responsabilidade estatal é garantir uma equânime repartição dos ônus provenientes de atos ou efeitos lesivos, evitando que alguns suportem prejuízos ocorridos por ocasião ou por causa de atividades desempenhadas no interesse de todos. De conseguinte, seu fundamento é o princípio da igualdade, noção básica do Estado de Direito.[27]   

Por conseguinte, a responsabilidade civil do Estado – tal como lançada no art. 37, § 6º, da Constituição Federal – é objetiva no que alude à conduta comissiva - ou seja, prescinde da comprovação de culpa ou dolo do agente público causador do evento danoso - e subjetiva no que toca a danos por omissão - além do nexo causal entre a conduta ilícita ou danosa e o resultado, forçoso demonstrar-se a culpa ou o dolo do agente público causador do dano. Ainda, a responsabilidade civil estatal só restará afastada na hipótese na qual restar demonstrada a presença de uma das excludentes de responsabilidade, tais como a culpa exclusiva da vítima, a força maior, o caso fortuito e o fato provocado por terceiro.

Lado outro, quanto à ação indenizatória, esta pode ser proposta pela vítima contra a pessoa jurídica a qual o agente público causador do dano pertence.

No julgamento do Recurso Extraordinário n.º 327.904/SP, aos 15.8.2006, o Supremo Tribunal Federal passou a rejeitar a propositura de ação indenizatória per saltum diretamente contra o agente público. Desde então, o Supremo Tribunal Federal considera que a ação regressiva do Estado contra o agente público causador do dano constitui dupla garantia: a) em favor do Estado, que poderá recuperar o valor pago à vítima; b) em favor do agente público, no sentido de ele não poder ser acionado diretamente pela vítima para ressarcimento de prejuízo causado no exercício de função pública.

Esse novo entendimento da Suprema Corte afasta a possibilidade, anteriormente existente, de a vítima escolher se a ação indenizatória deve ser proposta contra o agente público, contra o Estado ou contra ambos em litisconsórcio passivo. Com isso, o agente público responde somente administrativa e civilmente perante a pessoa jurídica a que se vincula.

6 Repasse do duodécimo do Executivo para os Poderes Legislativo e Judiciário e para os entes/órgãos autônomos (Ministério Público, Defensoria Pública e Tribunal de Contas). Orçamento fiscal e vedações

Consoante visto acima, a Constituição Federal prevê, no artigo 168, que os recursos relativos às dotações orçamentárias destinados aos órgãos dos Poderes Legislativo e Judiciário, do Ministério Público e da Defensoria Pública, ser-lhes-ão entregues até o dia 20 (vinte) de cada mês, em duodécimos.

Esta disposição reveste-se de significativa relevância em razão da garantia que propicia para a autonomia financeira dos Poderes (leia-se: funções) Legislativo e Judiciário, do Ministério Público e da Defensoria Pública.

Com efeito, é fundamental que, para além da iniciativa na elaboração de sua própria proposta orçamentária, tenham aqueles órgãos a certeza de que os recursos correspondentes às suas dotações orçamentárias lhes sejam entregues pelo Executivo.

Também prescreve a Lei Maior – artigo 169, § 1º, incisos I e II - que a concessão de qualquer vantagem ou aumento de remuneração, a criação de cargos, empregos e funções ou alteração de estrutura de carreira, bem como a admissão ou contratação de pessoal, a qualquer título, pelos órgãos e entidades da administração direta ou indireta, inclusive fundações instituídas e mantidas pelo poder público, só poderão ser feitas: (i) se houver prévia dotação orçamentária suficiente para atender às projeções de despesa de pessoal e aos acréscimos dela decorrentes; e (ii) se houver autorização específica na lei de diretrizes orçamentárias, ressalvadas as empresas públicas e as sociedades de economia mista.

O artigo 74 da CF/88 dispõe que os Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário manterão, de forma integrada, sistema de controle interno com a finalidade de avaliar o cumprimento das metas previstas no plano plurianual, a execução dos programas de governo e dos orçamentos da União.

O parágrafo quinto, incisos I a III, do art. 165, da CF/88 reza que a lei orçamentária anual compreenderá: (i) o orçamento fiscal referente aos Poderes da União, seus fundos, órgãos e entidades da administração direta e indireta, inclusive fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público; (ii) o orçamento de investimento das empresas em que a União, direta ou indiretamente, detenha a maioria do capital social com direito a voto; e (iii) o orçamento da seguridade social, abrangendo todas as entidades e órgãos a ela vinculados, da administração direta ou indireta, bem como os fundos e fundações instituídos e mantidos pelo Poder Público.

O parágrafo terceiro do artigo 166 apregoa que as emendas ao projeto de lei do orçamento anual ou aos projetos que o modifiquem só podem ser aprovadas caso:

I - sejam compatíveis com o plano plurianual e com a lei de diretrizes orçamentárias;                                                                                                                      

 II - indiquem os recursos necessários, admitidos apenas os provenientes de anulação de despesa, excluídas as que incidam sobre:

a) dotações para pessoal e seus encargos;

b) serviço da dívida;

c) transferências tributárias constitucionais para Estados, Municípios e Distrito Federal; ou

III - sejam relacionadas:

a) com a correção de erros ou omissões; ou

b) com os dispositivos do texto do projeto de lei. [grifou-se]

Já o artigo 167, da CF, estabelece diversas vedações, destacando-se as alusivas à: (i) realização de despesas ou a assunção de obrigações diretas que excedam os créditos orçamentários ou adicionais (inciso II); (ii) transposição, o remanejamento ou a transferência de recursos de uma categoria de programação para outra ou de um órgão para outro, sem prévia autorização legislativa (inciso VI); (iii) utilização, sem autorização legislativa específica, de recursos dos orçamentos fiscal e da seguridade social para suprir necessidade ou cobrir déficit de empresas, fundações e fundos, inclusive dos mencionados no art. 165, § 5º (inciso VIII); e (iv) transferência voluntária de recursos e a concessão de empréstimos, inclusive por antecipação de receita, pelos Governos Federal e Estaduais e suas instituições financeiras, para pagamento de despesas com pessoal ativo, inativo e pensionista, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.(Incluído pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998) (inciso X).

Infere-se, dos dispositivos supratranscritos, que cada Poder/função do Estado (Executivo, Legislativo e Judiciário) e entes/órgãos autônomos (Ministério Público, Defensoria Pública e Tribunal de Contas) detêm orçamento próprio, sendo, a todos eles, atribuída a iniciativa de lei para tal mister, de maneira que todas as receitas e despesas sejam englobadas na lei orçamentária anual de cada ente federado (União, Estados, Distrito Federal e Municípios).   

Assim, cada um dos Poderes e cada entidade autônoma possuem orçamento próprio e independente para fazer frente a todas as atribuições e deveres que lhes foram impingidos pela Constituição Federal, razão pela qual é vedado a quaisquer dos Poderes, por meio de repasse de seu próprio orçamento, utilizar-se ou depender-se de verba que seja originada de orçamento estranho àquele que foi incorporado na lei orçamentária por outro Poder.

As obrigações e despesas de cada um (funções do Estado e órgãos autônomos) não podem exceder os créditos constantes do orçamento aprovado mediante lei, sob pena de quebra do princípio harmônico e independente que há de existir no sistema constitucional brasileiro, conforme assegurado no art. 2º, da CF/88.

Com efeito, a iniciativa do projeto de lei orçamentária a cada uma das funções estatais e órgãos autônomos assegurada pela Lei Maior visa justamente a salvaguardar possíveis e indevidas interferências que possam haver entre todos eles, fazendo com que cada ente elabore e cuide de seu próprio orçamento, dentro dos ônus e responsabilidades a eles atribuídos constitucionalmente.

Portanto, a despeito de o Executivo ser aquele poder que cuida de efetuar, mensalmente, em duodécimos, o repasse dos recursos correspondentes às dotações orçamentárias aos órgãos dos Poderes Legislativo e Judiciário, do Ministério Público e da Defensoria Pública, não pode ser àquele atribuído a pecha de “segurador universal”.

O Supremo Tribunal Federal, ao julgar a Ação Direta de Inconstitucionalidade n.º 732/RJ, Relator o Min. Celso de Mello, DJ 21.8.92, ressaltou em sua ementa o seguinte:

[...] - O comando emergente da norma inscrita no art. 168 da Constituição Federal tem por destinatário especifico o Poder Executivo, que está juridicamente obrigado a entregar, em consequência desse encargo constitucional, até o dia 20 de cada mês, ao Legislativo, ao Judiciário e ao Ministério Público, os recursos orçamentários, inclusive aqueles correspondentes aos créditos adicionais, que foram afetados, mediante lei, a esses órgãos estatais.

- A prerrogativa deferida ao Legislativo, ao Judiciário e ao Ministério Público pela regra consubstanciada no art. 168 da Lei Fundamental da República objetiva assegurar-lhes, em grau necessário, o essencial coeficiente de autonomia institucional.

-A “ratio” subjacente a essa norma de garantia radica-se no compromisso assumido pelo legislador constituinte de conferir às Instituições destinatárias do “favor constitucionis” o efetivo exercício do poder de autogoverno que irrecusavelmente lhes compete.    

 A norma contida no precitado artigo 168 da CF/88 confere máxima expressão ao postulado que assegura a independência e a harmonia entre os Poderes do Estado, instituindo uma típica garantia assecuratória da autonomia financeira dos Poderes Legislativo, Judiciário e Executivo e dos órgãos autônomos (Ministério Público, Defensoria Pública e Tribunal de Contas).

No mesmo sentido, o Ministro Celso de Mello, ao julgar o Mandado de Segurança n.º 21.291/AgRg, de que foi Relator, acentuou que:

[...] a norma inscrita no art. 168 da Constituição reveste-se de caráter tutelar, concebida que foi para impedir o Executivo de causar, em desfavor do Judiciário, do Legislativo e do Ministério Público[28], um estado de subordinação financeira que comprometesse, pela gestão arbitrária do orçamento – ou, até mesmo, pela injusta recursa de liberar os recursos nele consignados –, a própria independência político-jurídica daquelas Instituições.     

Portanto, sem dispor de capacidade para livremente gerir e aplicar os recursos orçamentários vinculados ao custeio e à execução de suas atividades, os Poderes Legislativo e Judiciário e os órgãos autônomos (Ministério Público, Defensoria Pública e Tribunal de Contas) nada poderão realizar. 

Ante o exposto, levando em consideração tal quadro, não cabe ao Executivo, por meio de seu próprio orçamento, fazer frente às obrigações e responsabilidades que são devidas exclusivamente pelos Poderes Legislativo e Judiciário, bem como pelo Ministério Público, Tribunal de Contas e Defensoria Pública, sob pena de ofensa ao sistema constitucional-orçamentário ora vigente.

Nesse tanto, o § 2º do art. 19 da Lei Complementar n.º 101/2000, que trata sobre a responsabilidade fiscal de todos os Poderes e órgãos autônomos brasileiros, apregoa que “observado o disposto no inciso IV do § 1o, as despesas com pessoal decorrentes de sentenças judiciais serão incluídas no limite do respectivo Poder ou órgão referido no art. 20”, ou seja, sinaliza tal instrumento legal que cada Poder ou órgão autônomo deverá se responsabilizar pelo pagamento com despesas de pessoal decorrentes de sentenças judiciais, observado o limite de cada um deles previsto no precitado art. 20[29], a demonstrar a autonomia e independência dos respectivos orçamentos.   

Infere-se, pois, de tal preceito legal, que, se dentro do orçamento do Estado há destinação específica de verba que deve ser encaminhada ao Legislativo, ao Judiciário, ao Tribunal de Contas e ao Ministério Público, nada mais justo e ético, aliado a uma interpretação sistemática, que, em caso de condenação judicial oriunda de atos ou danos que tenham sido causados por algum deles e prejudicados terceiros, os ônus da sucumbência sejam carreados ao orçamento do Poder ou órgão autônomo causador do evento danoso ou lesivo.

Desse modo, em respeito ao contribuinte – pagador de impostos –, escorreito seria que o juiz, na parte dispositiva da sentença, condene o Estado, porém especifique que a verba, para o referido pagamento, seja retirada da parte orçamentária destinado ao Poder ou órgão autônomo causador do dano, em respeito aos ditames da Lei Complementar n.º 101, de 4 de maio de 2000 (artigos 19 e 20).

Por conseguinte, não se mostra justo que o Estado (na função executiva), por meio do Tesouro, tenha de retirar verbas de setores essenciais para a sociedade, tais como: educação, construção de creches e escolas, saneamento básico, transporte, segurança pública, habitação, iluminação pública, etc., a fim de responder por condenação judicial a qual não deu causa.       

Pois, se a própria Constituição de 1988 atribuiu a todos os Poderes e a cada um dos órgãos despersonalizados (tais como o Ministério Público, a Defensoria Pública e o Tribunal de Contas) a devida autonomia técnica, financeira e orçamentária - incluindo a iniciativa de lei orçamentária -, descabe ao Poder Executivo responder por eventuais danos, erros e/ou atos ilícitos cometidos pelos demais poderes e órgãos autônomos a particulares, socorrendo-se de seu próprio orçamento, ou, ainda, o que seria muito pior, com verbas oriundas do Tesouro (Federal, Estadual ou Municipal), as quais hão de ser destinadas, exclusivamente, para o custeio das políticas públicas estabelecidas constitucionalmente.

7 Responsabilidade civil que deve recair sobre o orçamento do ente estatal que praticou o ato considerado ilícito ou do qual advenha alguma responsabilidade civil

Em primeiro lugar, foi visto que a República Federativa do Brasil, como um Estado Federado, possui funções independentes e harmônicas entre si, quais sejam, executiva, legislativa e jurisdicional.

Segundo, a própria Lei Maior criou alguns entes/órgãos, que não integram nenhum das funções ou Poderes acima arrolados, quais sejam, o Ministério Público, a Defensoria Pública e o Tribunal de Contas.

Terceiro, tanto no primeiro grupo (das funções executiva, legislativa e jurisdicional) quanto no segundo (Ministério Público, Defensoria Pública e Tribunal de Contas) foi-lhes atribuída, pela CF/88, a autonomia técnica, financeira e orçamentária, incluindo, ainda, a competência para iniciativa de lei que regule o orçamento de cada função/poder ou ente/órgão despersonalizado.

Quarto, tem-se que os órgãos públicos com capacidade processual especial (Ministério Público, Defensorias Públicas e Tribunais de Contas) integram o conceito de Fazenda Pública.

Quinto, a responsabilidade civil do Estado é derivada de uma conduta (ilícita ou lícita) comissiva ou omissiva perpetrada por agente público, de um evento danoso e de um nexo de causalidade entre a conduta e o resultado, inexistente, ainda, qualquer hipótese de excludente de responsabilidade. No caso da responsabilidade comissiva, ela é de natureza objetiva (a vítima não necessita comprovar o dolo ou a culpa do agente público causador do dano); já, na óptica da responsabilidade omissiva, esta é subjetiva, isto é, além da conduta, do resultado e do nexo causal entre ambos, a vítima deve provar a ocorrência de dolo ou culpa do agente público provocador do evento danoso.

Sexto, cada função/poder estatal e cada órgão despersonalizado autônomo detêm competência para apresentar seu próprio orçamento, não podendo haver ingerência de um sobre o outro, cuja situação torna descabida a figura do Executivo como segurador universal dos demais poderes e órgãos autônomos.

Pois bem. Assentadas tais premissas, tal como muito bem pontuado por Celso Antônio Bandeira de Mello, ao discorrer acerca da responsabilidade civil do Estado[30], tem-se que o Estado - mais precisamente na figura do Poder ou função Executivo(a) - não pode ser erigido em segurador universal dos demais poderes (Legislativo e Judiciário) e órgãos despersonalizados autônomos (Ministério Público, Defensoria Pública e Tribunal de Contas), sob pena de quebra do princípio da separação e harmonia entre os poderes insculpido no art. 2º da CF/88.

Como é ressabido, qualquer pessoa que se sinta prejudicada ou vítima de algum ato danoso ou ilícito perpetrado por agente público pode ingressar em juízo com ação indenizatória em desfavor da pessoa jurídica de direito público à qual aquele pertença.

Por exemplo: na hipótese de um policial militar ser flagrado ao espancar uma pessoa que estava sendo por ele abordada, dando-lhe golpes violentos e provocando-lhes lesões e danos morais, caberá à vítima ingressar com ação indenizatória em juízo em face da pessoa jurídica de direito público a cujo quadro ele pertence (se for policial militar, a ação deve ser dirigida contra o Estado-membro onde esteja lotado o agressor; se for policial federal, a ação indenizatória é veiculada em face da União).

Lado outro, caso o dano ou ato ilícito ou lícito, mas que provoque prejuízo (material e/ou moral) a outrem, seja perpetrado ou pelo Legislativo, ou Judiciário, ou Ministério Público, ou Defensoria Pública ou, ainda, Tribunal de Contas, eventual demanda continua a ser aforada em face ou da União ou do Estado Membro ou Município respectivo, donde se originou a conduta lesiva.

No entanto, o pagamento de indenização, que demande dispêndio de verba pública, e cujo ato não tenha sido perpetrado pelo Executivo, deve ser arcado e imputado ao orçamento da função ou do órgão autônomo provocador do dano, a afastar o pagamento pelo orçamento do Executivo, sob pena de transformar este último em segurador universal de todo o sistema constitucional.

Para tanto, seguem abaixo alguns casos concretos demandados em juízo para melhor esclarecer a questão posta no presente estudo, senão vejamos.

Por exemplo: um servidor do Poder Judiciário, titular de um determinado cargo público, devidamente aprovado em concurso público, que tenha suas atribuições arroladas na lei da carreira e que exija escolaridade de nível médio, ao depois, lhe é determinado que passe a executar funções distintas e estranhas (de nível superior) para o cargo que ele disponha, sob ordem de um magistrado/juiz, a atuar em verdadeiro desvio de função, sem, contudo, perceber a devida diferença remuneratória. Irresignado com tal situação, o servidor ingressa em juízo com uma ação declaratória de desvio de função c/c cobrança em face da União (no caso de Justiça Federal) ou do Estado (Justiça Estadual). Contestado o feito e produzidas as provas, sobrevém sentença condenatória, determinando que o ente estatal pague as devidas diferenças salariais dos últimos 5 (cinco) anos anteriores ao ajuizamento da demanda. Transitada em julgado a sentença, o pagamento far-se-á mediante expedição de precatório (CF, art. 100), cujo montante sairá do Tesouro Federal ou Estadual, e não do orçamento do Judiciário, apesar de o dano ter sido perpetrado por este último.

Em outro exemplo, o Ministério Público Estadual intenta uma ação civil pública em face de uma empresa privada, imputando-lhe dano ambiental ante um empreendimento, que, ainda que tenha recebido o devido licenciamento ambiental do órgão ambiental competente, segundo o Parquet, não observou a legislação ambiental e provocou danos de grande monta aos moradores localizado no entorno da área ocupada pela referida empresa. Pleiteia o embargo da obra, a paralisação do empreendimento e a condenação da empresa ao pagamento de indenização em favor do Fundo previsto na Lei n.º 7.347/85 (art. 13)[31]. Contestado o feito, tanto a empresa quanto o MP pugnaram pela realização de prova pericial para que fosse analisado, pelo expert, se houve, ou não, o dano ambiental e se o empreendimento prejudica a população situada em seu entorno. Ao final da demanda, o magistrado julga improcedente o pedido veiculado pelo órgão ministerial, contudo, condena o Estado-membro (pessoa jurídica de direito público) do local onde o empreendimento está localizado para que efetue o pagamento dos honorários devidos ao perito judicial, após o trânsito em julgado da sentença, mediante expedição de precatório (CF, art. 100), de sorte que o orçamento do Ministério Público fica imune a tal condenação, não obstante o Estado – na sua função executiva - não tenha participado da lide, bem como não tendo dado causa a tal dano material.

N’outra hipótese, o Tribunal de Contas de um determinado Estado, ao alterar o sistema remuneratório de seus servidores, encaminha projeto de lei para aprovação do Legislativo, ante a autonomia que lhe foi conferida pela CF/88, incluindo, aí, iniciativa legislativa para alteração de remuneração de seus membros e servidores. Aprovado o projeto de lei, inúmeros servidores entendem haver sofrido indevida diminuição em sua remuneração, cuja situação mostra-se inconstitucional, ante a irredutibilidade de vencimentos prevista na própria Carta Magna. Assim, ingressam em juízo com ação declaratória c/c cobrança em face do Estado onde encontra-se sediado o Tribunal de Contas. Citado, o Estado, por meio de seus Procuradores, oferta defesa, pugnando pela improcedência da demanda. Sobrevinda sentença, a pretensão é acolhida pelo Judiciário, e, na parte dispositiva, o Estado é condenado ao pagamento das diferenças salariais a todos os autores que ingressaram em juízo, cujo adimplemento far-se-á mediante a expedição de precatório. Novamente, o orçamento do Tribunal de Contas não responderá por tal pagamento.

Em outro caso, especificamente no que toca à intimação do Estado quanto ao pagamento dos honorários advocatícios de defensor dativo, em casos nos quais o Juízo nomeia advogado particular ante a ausência de defensor público, tem-se que o art. 22, do Estatuto da OAB (Lei n.º 8.904/94), prevê que o advogado dativo, quando indicado para patrocinar causa de juridicamente necessitado, no caso de impossibilidade ou da inexistência de Defensoria Pública no local da prestação do serviço, tem direito aos honorários fixados pelo juiz, segundo tabela da OAB, sendo pagos pelo Estado. Porém, com a entrada em vigor da Emenda Constitucional de n.º 45/2004, a Defensoria Pública Estadual passou a ter assegurada sua autonomia funcional, administrativa e a iniciativa de sua proposta orçamentária dentro dos limites estabelecidos na lei de diretrizes orçamentárias e subordinação ao disposto no art. 99, § 2º, da CF/88, conforme estabelece o § 2º do art. 135, da Lei Maior. Ademais, com a novel Emenda Constitucional n.º 80/2014, o art. 98, do Ato das Disposições Constitucional e Transitórias, passou a exigir a existência de Defensores Públicos Estaduais em todas as unidades jurisdicionais, no prazo de 8 anos, priorizando as regiões com maiores índices de exclusão social. Levando em consideração os fatos acima arrolados, tem-se que deva ser feita uma releitura do art. 22, da Lei n.º 8.906/94, principalmente com a entrada em vigor da EC n. 45/2004, que, ao acrescentar o § 2º ao art. 134, da CF/88, assegurou à Defensoria Pública Estadual a sua autonomia funcional, administrativa e de iniciativa de sua proposta orçamentária. Nesse norte, como a partir de tal marco constitucional, o Estado repassa mensalmente à Defensoria Pública Estadual o montante alusivo ao duodécimo, aprovado pelo Legislativo, e, ainda, considerando que o pagamento dos honorários de advogado dativo somente pode ser custeado caso inexista defensor público no local da prestação do serviço ou mediante a impossibilidade de comparecimento do mesmo, o pagamento dos honorários advocatícios dos advogados dativos nomeados em juízo deve ser feito pela própria Defensoria Pública, por meio de seu orçamento, visto que a obrigação constitucional de lotar defensores públicos é dirigida a tal instituição, e não mais ao Executivo.

Portanto, com relação à Defensoria Pública, conclui-se que o ônus alusivo ao pagamento dos defensores dativos deve a ela própria ser imputado, e não mais ao Estado, ante a autonomia daquela instituição, do orçamento que lhe é próprio e da sua obrigação de prover cargo de defensor público em todas as comarcas do Estado.

No mesmo sentido, com relação ao desvio funcional de servidores do Judiciário, o pagamento das diferenças salariais há de ser adimplido pelo próprio Judiciário, por meio de seu orçamento, ante a sua autonomia e diante de o dano haver sido perpetrado pelo próprio Poder (função).

Outrossim, no que concerne ao Ministério Público Estadual, o ônus referente ao pagamento dos honorários periciais deve ser dirigido ao próprio órgão ministerial, cuja verba sairá de seu próprio orçamento, diante de sua autonomia e, sobretudo, pelo fato de o Estado não ter sido parte na demanda, ajuizada unicamente pelo Parquet.

Com efeito, verifica-se, atualmente, que o Tesouro do Estado, seja no âmbito federal, seja na esfera estadual, tem sido utilizado para pagamentos de indenizações, valores, despesas processuais, reposições salariais etc., cujos danos ou atos (ilícitos) foram causados pelos Poderes Legislativo e Judiciário, ou, ainda, pelos órgãos despersonalizados autônomos (Ministério Público, Defensoria Pública e Tribunal de Contas), sem que o Executivo, contudo, tivesse dado causa a tais condenações.

Assim sendo, para afastar-se de vez a figura de segurador universal atrelada ao Executivo, forçoso se mostra que cada um dos Poderes e órgãos despersonalizados autônomos, tendo em vista a autonomia técnica, financeira e orçamentária a eles constitucionalmente atribuída, responda com seus próprios e respectivos orçamentos, quando em juízo restar comprovado que o dano ou o ato do qual se originou algum prejuízo a particular tenha sido por eles perpetrados, a despeito de a ação judicial haver sido aforada em face da União, ou do Estado ou do Município, consoante acima demonstrado.

Se o Executivo não pode ser erigido como segurador universal da sociedade, com muito mais razão também não o pode ser com relação aos demais poderes e órgãos autônomos, sob pena de a sociedade ser duplamente apenada. Ou seja, o Tesouro Estadual ou Federal é destinado para a manutenção da sociedade e das políticas públicas previstas na CF/88, tais como as áreas de saúde, educação, segurança pública, direitos socais etc., incumbindo ao Executivo administrá-lo dentro de suas possibilidades.

Dessa forma, a verba inserta no Tesouro não pode ter outra destinação senão para o que ora se aludiu, sob pena de a sociedade – por meio do orçamento destinado ao Executivo – ter que arcar com um novo pagamento, não em seu favor, mas para fazer frente a danos provocados por outros poderes e órgãos autônomos, não obstante estes já tenham orçamento próprio para tal mister.

Ao se manter o quadro atual, o sistema orçamentário-constitucional não “fecha”, porquanto os demais poderes e órgãos autônomos sempre terão como segurador universal o Poder Executivo, isto é, lhes serão dados “cheques em branco”, na medida em que, ainda que provoquem algum dano ou prejuízo a terceiros por atos praticados por seus próprios membros, seus orçamentos ficarão ilesos para adimplir condenações, pois cientes de que o Tesouro (estadual ou federal) “pagará a conta”.

Por corolário lógico, ainda que se tenha como certo que a União, o Estado ou o Município são as pessoas jurídicas de direito público a serem acionadas em juízo por particulares que se sintam prejudicados diante de dano ou ato ilícito causado ou pelo Judiciário, ou Legislativo, ou Ministério Público, ou Defensoria Pública, ou Tribunal de Contas – valendo ressaltar, nesse ponto, que estes últimos fazem parte do conceito de Fazenda Pública -, e o pagamento determinado pelo Judiciário seja realizado mediante a expedição de precatório, chega-se à conclusão que o montante a ser destinado para tal adimplemento deve ser retirado do orçamento do Poder ou do órgão autônomo causador do dano que originou a condenação estatal.

Nesse rumo de pensamento, o doutrinador Matos de Vasconcelos, citado por José Cretella Júnior[32], ao discorrer acerca da ação regressiva do Estado contra o agente, asseverou o seguinte:

Infelizmente, não se tem levado a efeito esta ação, como fora de esperar. Temos ciência, apenas, da ação promovida pelo Ministério Público contra o ex-chefe de polícia do Distrito Federal, Marechal Fontoura, pela demissão ilegal de um comissário reintegrado, nada sabendo sobre a eficácia de seus resultados. No dia em que tal reparação se der, os direitos individuais serão melhor respeitados e o Tesouro deixará de sofrer prejuízos, as mais das vezes, perfeitamente evitáveis. Por essa forma, não se verá a avalanche de créditos votados pelo Poder Legislativo para pagamento, por força de sentença judiciária, assecuratória de direitos violados e em boa hora reparados pela Justiça. Personalize-se a culpa, faça-se por ela responder quem dela foi o causador e um novo estado de coisas se implantará com grande proveito para a moral pública. (Matos de Vasconcelos, Direito Administrativo, 1937, vol. 2, p. 510-511)   

Como se observa, a figura esdrúxula de segurador universal imputada ao Executivo provoca para o Estado como um todo a descompensação patrimonial negativa pelo pagamento do indevido, visto que o orçamento daquele serve de fonte para o adimplemento de condenações advindas de prejuízos causados pelos outros Poderes (Legislativo e Judiciário) e/ou pelos órgãos autônomos despersonalizados (Ministério Público, Defensoria Pública e Tribunal de Contas), a despeito destes 2 (dois) últimos disporem de orçamento próprio. 

Dessarte, quando do pagamento de tais condenações, o Executivo poderá, por ocasião do repasse dos duodécimos, compensar/descontar o montante alusivo ao respectivo pagamento, passando, a partir de então, a se ter um efeito pedagógico para com os demais Poderes e órgãos autônomos, livrando, de uma vez por todas, o Executivo da pecha indevida e inconstitucional de segurador universal.     

Com efeito, visando evitar-se ato ilegal que possa ser eventualmente perpetrado pelo Executivo em dita ocasião, tem-se que tal desconto ou compensação deve estar determinado (a) na parte dispositiva de uma decisão judicial (sentença ou acórdão), na qual a autoridade judiciária, ao condenar a pessoa jurídica de direito público (União, Estado, Distrito Federal ou Município) ao pagamento de uma indenização ou montante em dinheiro, declare que o devido adimplemento, por meio da expedição de precatório, deve ser retirado do orçamento do Poder (função) ou órgão autônomo causador da condenação estatal.       

Caso, porém, não seja feito tal desconto, onerar-se-á sobremaneira um Poder em detrimento do outro, em clara ingerência indireta dos Poderes Legislativo e Judiciário e órgãos autônomos no Poder Executivo, o qual também está adstrito aos termos da Lei de Responsabilidade Fiscal.

Não se pode, assim, condenar o Estado (por meio do orçamento destinado ao Executivo) a ter que pagar eventual verba devida a um particular que deveria ser adimplida pelo Poder ou órgão autônomo causador do dano ou ato lesivo. Nada mais justo, portanto, que, no caso de hipotética condenação do Estado ou da União ou do Município em juízo, seja o valor desta descontado do repasse do duodécimo do Poder ou órgão autônomo causador do evento danoso, como previsto na mencionada Lei de responsabilidade fiscal, sob pena de afronta ao postulado da separação e harmonia entre os poderes, esculpido no art. 2º da Lei Maior.

A divisão orgânica dos Poderes é princípio fundamental estatuído na Constituição Federal, de maneira que, da mesma forma que é vedado ao Executivo exercer ingerência sobre os demais Poderes e órgãos autônomos, obrigando-os a cumprir as determinações previstas na legislação de direito orçamentário, não pode esse mesmo ente suportar os ônus decorrentes de eventual descumprimento dessas normas por essas instituições.

Essa independência e harmonia, estabelecidas pela Carta Magna, estariam sendo feridas, caso o valor a ser pago à vítima do dano em juízo tivesse que ser arcado pelo Poder Executivo – na hipótese o dano ou ato lesivo ter sido perpetrado pelos outros Poderes ou órgãos autônomos -, porque seria repassado o valor integral do duodécimo a estes últimos, sem que arcassem com a condenação a que deram causa, utilizando-se indevidamente do Tesouro para tal desiderato.

    

8 Conclusões    

1. A República Federativa do Brasil, como um Estado Federado, possui funções independentes e harmônicas entre si, quais sejam, executiva, legislativa e jurisdicional.

2. A própria Lei Maior criou alguns entes/órgãos, que não integram nenhum das funções ou Poderes acima arrolados, quais sejam, o Ministério Público, a Defensoria Pública e o Tribunal de Contas.

3. Tanto no primeiro grupo (das funções executiva, legislativa e jurisdicional) quanto no segundo (Ministério Público, Defensoria Pública e Tribunal de Contas) foi-lhes atribuída, pela CF/88, a autonomia técnica, financeira e orçamentária, incluindo, ainda, a competência para iniciativa de lei que regule o orçamento de cada função/poder ou ente/órgão despersonalizado.

4. Tem-se que os órgãos públicos com capacidade processual especial (Ministério Público, Defensorias Públicas e Tribunais de Contas) integram o conceito de Fazenda Pública.

5. A responsabilidade civil do Estado é derivada de uma conduta (ilícita ou lícita) comissiva ou omissiva perpetrada por agente público, de um evento danoso e de um nexo de causalidade entre a conduta e o resultado, inexistente, ainda, qualquer hipótese de excludente de responsabilidade. No caso da responsabilidade comissiva, ela é de natureza objetiva (a vítima não necessita comprovar o dolo ou a culpa do agente público causador do dano); já, na óptica da responsabilidade omissiva, esta é subjetiva, isto é, além da conduta, do resultado e do nexo causal entre ambos, a vítima deve provar a ocorrência de dolo ou culpa do agente público provocador do evento danoso.

6. Cada função/poder estatal e cada órgão despersonalizado autônomo detêm competência para apresentar seu próprio orçamento, não podendo haver ingerência de um sobre o outro, cuja situação torna descabida a figura do Executivo como segurador universal dos demais poderes e órgãos autônomos.

7. A fim de afastar-se de vez a figura de segurador universal atrelada ao Executivo, forçoso se mostra que cada um dos Poderes (Legislativo e Judiciário) e órgãos despersonalizados autônomos (Ministério Público Estadual, Defensoria Pública e Tribunal de Contas), tendo em vista a autonomia técnica, financeira e orçamentária a eles constitucionalmente atribuída, responda com seus próprios e respectivos orçamentos, quando em juízo restar comprovado que o dano ou o ato do qual se originou algum prejuízo a particular tenha sido por eles perpetrados, a despeito de a ação judicial haver sido aforada em face da União, ou do Estado ou do Município.

8. A verba inserta no Tesouro do Estado não pode ter outra destinação senão para o custeio das políticas públicas eleitas pelos governantes e cumprimento das obrigações e mandamentos constitucionais, sob pena de a sociedade – por meio do orçamento destinado ao Executivo – ter que arcar com um novo pagamento, não em seu favor, mas para fazer frente a danos provocados por outros poderes e órgãos autônomos, não obstante estes já tenham orçamento próprio para tal mister.

9. Ainda que se tenha como certo que a União, o Estado ou o Município são as pessoas jurídicas de direito público a serem acionadas em juízo por particulares que se sintam prejudicados diante de dano ou ato ilícito causado ou pelo Judiciário, ou Legislativo, ou Ministério Público, ou Defensoria Pública, ou Tribunal de Contas – valendo ressaltar, nesse ponto, que estes últimos fazem parte do conceito de Fazenda Pública -, e o pagamento determinado pelo Judiciário seja realizado mediante a expedição de precatório, chega-se à conclusão que o montante a ser destinado para tal adimplemento deve ser retirado do orçamento do Poder ou do órgão autônomo causador do dano que originou a condenação estatal.

10. Quando do pagamento de tais condenações, o Executivo poderá, por ocasião do repasse dos duodécimos, compensar/descontar, do Poder (função) ou órgão autônomo causador do dano ou prejuízo, o montante alusivo ao respectivo pagamento, passando, a partir de então, a se ter um efeito pedagógico para com os demais Poderes e órgãos autônomos, sob pena de afronta ao postulado da separação e harmonia entre os poderes, esculpido no art. 2º da Lei Maior.

11. Visando evitar-se ato ilegal que possa ser eventualmente perpetrado pelo Executivo em dita ocasião, tem-se que tal desconto ou compensação deve estar determinado (a) na parte dispositiva de uma decisão judicial (sentença ou acórdão), na qual a autoridade judiciária, ao condenar a pessoa jurídica de direito público (União, Estado, Distrito Federal ou Município) ao pagamento de uma indenização ou montante em dinheiro, declare que o devido adimplemento, por meio da expedição de precatório, deve ser retirado do orçamento do Poder (função) ou órgão autônomo causador da condenação estatal, de forma a realçar a autonomia destes e o efeito pedagógico de tal medida.

 

Referências Bibliográficas

CRETELLA JÚNIOR, José. O Estado e a obrigação de indenizar. 2 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002.

CUNHA, Leonardo Carneiro da. A Fazenda Pública em Juízo. 12 ed. São Paulo: Dialética, 2014.

DINAMARCO, Cândido Rangel. Fundamentos do Processo Civil Moderno. Tomo I, 3 ed. São Paulo: Malheiros, 2000.

JUSTEN FILHO, Marçal. O Direito das Agências Reguladoras Independentes. São Paulo: Dialética, 2002.

LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 12 ed. São Paulo: Saraiva, 2008.

MAZZA, Alexandre. Manual de Direito Administrativo. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2015.

MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 23 ed. 2ª tiragem, atualizada por Eurico de Andrade Azevedo, Délcio Balestero Alexio e José Emmanuel Burle Filho. São Paulo: Malheiros, 1998.

MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 26 ed. São Paulo: Malheiros, 2008.

MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 30. ed. São Paulo: Atlas, 2014.

MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Curso de Direito Administrativo. 15. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2009.

Sobre o autor
Pablo Henrique Garcete Schrader

Procurador do Estado de Mato Grosso do Sul, desde 19.7.2010.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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Artigo apresentado ao Instituto Para o Desenvolvimento Democrático – IDDE como requisito parcial para obtenção do título de especialista em “Advocacia Pública” sob a orientação do Professor Rodolfo Viana Pereira

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