Evolução do Direito Administrativo - Do Estado Liberal até hoje:
Junto com o Estado Moderno surgiu a organização do poder, exercido de forma totalitária e absoluta. Se, com a organização estatal surgiu o conceito de administração pública, foi apenas com o Estado de direito, e a limitação do poder à lei, é que nasce a idéia de direito administrativo.
A princípio, este ramo do direito público era sucinto, uma vez que o estado liberal se caracterizava pela obrigação de não fazer. Com a crise de 29, surge um novo modelo capitalista: o estado de bem estar social, no qual surge a obrigação do poder público em garantir um patamar de qualidade de vida mínimo para todos os cidadãos. Como consequência lógica, aumentaram as atribuições estatais e também as regras que regulam esta atuação. Com isso, o direito administrativo aumenta seu campo de alcance.
O direito brasileiro baseou-se no direito francês, no qual o contencioso administrativo tem autonomia em relação ao judicial. Os atos administrativos só podem ser anulados pelo poder judiciário em caso de ilegalidade.
As novas tendências do direito administrativo:
No Brasil, a evolução histórica do Direito administrativo foi semelhante à dos demais países: a constituição de 1891 adotou o sistema liberal. A partir de 1934, criou-se o Estado de Bem Estar Social e, com a constituição de 1988 o Brasil passou por uma ressignificação de vários conceitos da administração pública.
Esta reforma não é exclusiva do Brasil e não significa uma redução na forma de agir do Estado, mas apenas uma mudança qualitativa de sua ação.
1. O princípio da legalidade
Durante a vigência da Constituição de 1981, e do Estado liberal, era permitido ao Estado fazer tudo aquilo que a lei não proibisse. O direito administrativo era negativo.
Em 1934, com o estado de bem estar social, ampliaram-se as obrigações do Estado e, com isso, o alcance do chefe do executivo e também do direito administrativo. Iniciou-se a era da vinculação positiva do direito administrativo no Brasil: o administrador só pode fazer aquilo que a lei permite.
Com a Constituição de 88, o Brasil aderiu ao sistema Democrático de Direito, cujas idéias inerentes: uma concepção mais ampla do princípio da legalidade e a idéia de participação do cidadão na gestão e no controle da Administração Pública. Estas mudanças, no entanto, só foram oficializadas com o plano diretor de reforma do aparelho do Estado.
As tendências atuais do direito Brasileiro abrangem:
1. A mudança no conceito de legalidade:
Não há mais uma mera submissão do direito administrativo à lei, puramente dita, mas ao Direito, entendido como o sistema completo. A lei fundamental alemã define, em seu 20, § 3º que "o poder legislativo está vinculado à ordem constitucional; os poderes executivo e judicial obedecem à lei e ao direito". Embora o Direito Brasileiro não tenha uma norma da mesma ordem, o preâmbulo e os princípios fundamentais (arts. 1º ao 4º) da Constituição falam em diversos valores como segurança, bem-estar, desenvolvimento, igualdade e justiça, dignidade da pessoa humana, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, o da erradicação da pobreza, o da prevalência dos direitos humanos, o da moralidade, publicidade, impessoalidade, economicidade, dentre outros. Estes comandos se dirigem aos três poderes, o que significa que tanto a administração deve obedecê-los na sua atuação, quanto o poder judiciário deverá análisá-los, ao julgar a legalidade dos atos.
Di Pietro comenta que "Hoje, o princípio da legalidade tem uma abrangência muito maior porque exige submissão ao Direito." (Direito administrativo, 27ª edição. p. 30)
2. Controle Social e democracia participativa: O controle social é o controle dos atos da administração de forma direta pela população. O próprio Estado Democrático de Direito traduz essa ideia. A CF, no seu art. 37, §3º, define que "A lei disciplinará as formas de participação do usuário na administração pública direta e indireta". A democracia participativa é importante porque, além de permitir a participação do cidadão no controle dos atos de governo, pode viabilizar (nos sistemas mais complexos e desenvolvidos) sua atuação na definição de políticas públicas, conferindo-lhes maior legitimidade.
3. Supremacia do interesse público sobre o privado:
Não é mais visto de forma absoluta. O interesse público, atualmente, pode ser visto sob duas acepções:
- Interesse público primário: Interesse de toda a coletividade, como a proteção do meio ambiente e das garantias individuais.
- Interesse público secundário: Interesse da administração pública, enquanto entidade.
Embora exista uma preocupação com o direito coletivo, este nunca poderá ultrapassar os direitos fundamentais. Basta lembrar que o direito administrativo surge justamente com o estado de direito liberal, em contraposição ao absolutismo. A este respeito, Di Pietro:
"A defesa do interesse público corresponde ao próprio fim do Estado. O Estado tem que defender os interesses da coletividade. Tem que atuar no sentido de favorecer o bem-estar social. Negar a existência desse princípio é negar o próprio papel do Estado. O princípio da supremacia do interesse público não coloca em risco os direitos individuais, porque tem que ser aplicado em consonância com os princípios todos que informam o direito administrativo, como os da legalidade, impessoalidade, razoabilidade, segurança jurídica e tantos outros consagrados no ordenamento jurídico. Ele protege os direitos individuais." (Direito administrativo, 27ª edição. p. 37 e 38)
4. Processualização do direito administrativo:
Conforme a CF, o respeito ao devido processo legal, à ampla defesa e ao contraditório são elementos essenciais a qualquer demanda, Assim, esses princípios também devem ser respeitados pela administração, notadamente por aqueles que afetarem direitos de particulares.
Quanto à esta questão, o STJ já se manifestou no sentido de que é imprescindível o respeito ao contraditório e à ampla defesa para que se aprecie a nulidade de ato administrativo - ver RMS 27.440/AL, Rel. Ministro Castro Meira, Segunda Turma.
5. Crise na noção de serviço público:
Decorrente da tendência de transformar serviços públicos exclusivos do Estado em atividades privadas abertas à livre iniciativa e à livre concorrência. Esta ideia é importada da Europa, onde a entende-se que a prestação de certos serviços pelo Estado vai de encontro à livre iniciativa.
Diante desta idéia, diversos países substituíram a ideia de serviço público pela ideia de serviço de interesse econômico geral. A consequência foi a privatização de empresas estatais, a privatização de serviços públicos, que passaram a ser desenvolvidos pela iniciativa privada.
No direito brasileiro, a doutrina adepta do neoliberalismo pressiona a adoção dessas inovações. No entanto, há dois entraves: um teórico e o outro formal.
Primeiro: A consequência de privatizar uma atividade, colocando-a na livre iniciativa, é que o particular não tem o dever de prestá-la, o que atinge a continuidade, universalidade, isonomia e outros princípios inerentes à prestação de serviços públicos. Quanto ao formalismo, a própria Constituição que prevê expressamente a competência exclusiva do Estado para a execução de várias atividades, como ocorre no artigo 21, XI e XII. O que vem ocorrendo é uma privatização parcial, feita pela legislação ordinária, como na legislação de telecomunicações, energia elétrica, correios, portos, como forma de reduzir o tamanho do Estado.
6. Agencificação, com outorga da função regulatória:
Para regular a transferência das atividades públicas para o setor privado, foram criadas as Agências Reguladoras, autarquias em regime especial, cuja finalidade é fiscalizar a prestação destes serviços prestados por entidades particulares.
7. Princípio da Subsidiaridade:
Outra consequência da privatização de atividades públicas, além da criação de agências reguladoras, foram a ampliação da atividade de fomento, bem como das formas de parceria do setor público com o setor privado e o crescimento do terceiro setor.
Este princípio traz, em si, duas ideias: o sentido negativo, ao estabelecer que, nos campos em que as entidades privadas tenham competência para agir, deve ser mínima a intervenção do Estado; e o sentido positivo, ao impor o dever de intervenção estatal onde a atuação privada for insuficiente.
O estado e suas funções:
O Estado possui três funções principais: legislativa, judiciária e administrativa. Para tratar das três, Di Pietro (Direito administrativo, 27ª edição. p. 51), citando Renato Alessi, escrever que:
Muitos critérios têm sido apontados para distinguir as três funções do Estado. Ficamos com a lição de Renato Alessi (19 70, t. 7-8) . Analisando o tema sob o aspecto estritamente jurídico, ele diz que nas três ocorre a emanação de atos de produção jurídica, ou seja, atos que introduzem modificação em relação a uma situação jurídica anterior, porém com as seguintes diferenças :
a) a legislação é ato de produção jurídica primário, porque fundado única e diretamente no poder soberano, do qual constitui exercício direto e primário; mediante a lei, o Estado regula relações, permanecendo acima e à margem das mesmas;
b) a jurisdição é a emanação de atos de produção jurídica subsidiários dos atos primários; nela também o órgão estatal permanece acima e à margem das relações a que os próprios atos se referem;
c) a administração é a emanação de atos de produção jurídica complementares, em aplicação concreta do ato de produção jurídica primário e abstrato contido na lei; nessa função, o órgão estatal atua como parte das relações a que os atos se referem, tal como ocorre nas relações de direito privado. A diferença está em que, quando se trata de Administração Pública, o órgão estatal tem o poder de influir, mediante decisões unilaterais, na esfera de interesses de terceiros, o que não ocorre com o particular. Daí a posição de superioridade da Administração na relação de que é parte .
Há de se complementar, ainda, que, em regra, a jurisdição só atua por provocação das partes interessadas, ao passo que a administração atua de imediato, para a concretização dos fins de interesse coletivo.
Embora estas três funções sejam tipicamente exercidas por cada um dos poderes do Estado, não há uma divisão completa, de forma que tanto o executivo quanto o legislativo podem, atipicamente, praticar atos de governo (ex. quando promovem licitações para compra de material).
O poder executivo exerce tipicamente, as funções política e administrativa. A atividade política (ou governamental) diz respeito aos atos de gestão da política estatal (como ocorre no veto presidencial ou na cassação de mandato de algum parlamentar). A parte administrativa, por seu turno, é a execução das normas jurídicas para o atendimento direto e imediato dos interesses da coletividade, através de atos infralegais, submetidos à regime jurídico próprio (o administrativo) e ao controle de legalidade do poder judiciário.
Indo ao encontro da separação entre as atividades políticas e administrativas dentro do poder executivo, o STF, no julgamento do AgRg 6650 definiu que a nomeação de parentes para cargos políticos não configura nepotismo:
AGRAVO REGIMENTAL EM MEDIDA CAUTELAR EM RECLAMAÇÃO. NOMEAÇÃO DE IRMÃO DE GOVERNADOR DE ESTADO. CARGO DE SECRETÁRIO DE ESTADO. NEPOTISMO. SÚMULA VINCULANTE Nº 13. INAPLICABILIDADE AO CASO. CARGO DE NATUREZA POLÍTICA. AGENTE POLÍTICO. ENTENDIMENTO FIRMADO NO JULGAMENTO DO RECURSO EXTRAORDINÁRIO 579.951/RN. OCORRÊNCIA DA FUMAÇA DO BOM DIREITO. 1. Impossibilidade de submissão do reclamante, Secretário Estadual de Transporte, agente político, às hipóteses expressamente elencadas na Súmula Vinculante nº 13, por se tratar de cargo de natureza política. 2. Existência de precedente do Plenário do Tribunal: RE 579.951/RN, rel. Min. Ricardo Lewandowski, DJE 12.9.2008. 3. Ocorrência da fumaça do bom direito. 4. Ausência de sentido em relação às alegações externadas pelo agravante quanto à conduta do prolator da decisão ora agravada. 5. Existência de equívoco lamentável, ante a impossibilidade lógica de uma decisão devidamente assinada por Ministro desta Casa ter sido enviada, por fac-símile, ao advogado do reclamante, em data anterior à sua própria assinatura. 6. Agravo regimental improvido.
(Rcl 6650 MC-AgR, Relator(a): Min. ELLEN GRACIE, Tribunal Pleno, julgado em 16/10/2008, DJe-222 DIVULG 20-11-2008 PUBLIC 21-11-2008 EMENT VOL-02342-02 PP-00277 RTJ VOL-00208-02 PP-00491)
Administração pública e o direito administrativo:
A função administrativa é tipicamente desenvolvida pelo poder administrativo, mas também pode ser executada pelos demais poderes.
A doutrina costuma identificar a função administrativa por três critérios:
a) critério subjetivo ou orgânico: Leva em consideração o sujeito ativo do ato - que faz.
b) critério objetivo material: leva em consideração os elementos intrínsecos da atividade desenvolvida - o que se faz.
c) critério objetivo formal: (conceito trazido por Celso Antônio, mas não por Di Pietro, que apenas trata do conceito "objetivo ou material") classifica o ato pelo regime jurídico a ele aplicado. O critério objetivo formal é importante por que qualquer ato administrativo, mesmo que elaborado pelo judiciário ou pelo legislativo, de forma atípica, terá incidência do direito administrativo.
Administração pública em sentido subjetivo:
São todos os entes aos quais a lei atribui o poder de praticar atos administrativos. São, tipicamente, pessoas do poder executivo. No entanto, como nosso sistema adota um padrão de especialização e não de separação total, podem ser atipicamente praticados pelos demais poderes - executivo e judiciário.
Compõem a Administração Pública, em sentido subjetivo, todos os órgãos integrantes das pessoas jurídicas políticas (União, Estados, Municípios e Distrito Federal), aos quais a lei confere o exercício de funções administrativas, estes são os órgãos da administração direta.
Entretanto algumas vezes a própria administração opta pela execução indireta da atividade administrativa, transferindo-a a pessoas jurídicas com personalidade de direito público ou privado, que compõem a chamada Administração Indireta do Estado.
No direito positivo brasileiro, o Decreto-lei nº 200/67, com a redação dada pela Lei nº 7.596/87, determinou quais são os entes da administração pública subjetivamente considerados:
"A administração federal compreende:
I - a administração direta, que se constitui dos serviços integrados na estrutura administrativa da Presidência da República e dos Ministérios;
II - a administração indireta, que compreende as seguintes categorias de entidades, dotadas de personalidade jurídica própria:
a) autarquias;
b) empresas públicas;
c) sociedades de economia mista;
d) fundações públicas."
Administração pública em sentido objetivo ou material:
A função administrativa, em seu conteúdo, ou seja, em seu sentido objetivo, abarca abrange o fomento, a polícia administrativa e o serviço público. Alguns autores falam em intervenção como quarta modalidade, enquanto outros a consideram como espécie de fomento.
a) Serviço público: atividade que busca implementar utilidades e comodidades para os administrados, satisfazendo os interesses coletivos. São serviços que, por sua essencialidade ou relevância para a coletividade foram assumidas pelo Estado, com ou sem exclusividade.
b) poder de polícia: contém ou restringe a liberdade individual em favor do interesse coletivo. São as chamadas limitações administrativas.
c) Fomento: Incentivo de atividades privadas mas que sejam de interesse coletivo. Inclui diversas possibilidades, como:
- auxílios financeiros ou subvenções, por conta dos orçamentos públicos;
- financiamento de obras privadas que tragam interesse coletivo - como construções de hotéis para as olimpíadas;
- favores fiscais que estimulem atividades consideradas particularmente benéficas ao progresso material do país - zona franca de Manaus ;
- desapropriações que favoreçam entidades privadas sem fins lucrativos, que realizem atividades úteis à coletividade, como os clubes desportivos e as instituições beneficentes.
d) Intervenção: atuação da administração no domínio econômico, seja de forma direta (por meio das empresas estatais) seja de forma indireta (pela regulamentação e fiscalização da atividade econômica). Di Pietro fala apenas na segunda hipótese, já que a atuação direta do Estado na economia por meio de empresas estatais será regida pelo direito privado, nos termos do art. 173, §1º, II, da CF - e apenas subsidiariamente pelo direito público.
Assim, em sentido material ou objetivo, a Administração Pública pode ser definida como a atividade concreta e imediata que o Estado desenvolve, sob regime jurídico total ou parcialmente público, para a consecução dos interesses coletivos.
Conceito de direito administrativo:
Para Maria Sylivia Zanella Di Pietro, direito administrativo é "o ramo do direito público que tem por objeto os órgãos, agentes e pessoas jurídicas administrativas que integram a Administração Pública, a atividade jurídica não contenciosa que exerce e os bens de que se utiliza para a consecução de seus fins, de natureza pública." (Direito administrativo, 27ª edição. p. 48).
Fontes do Direito Administrativo:
a) Princípios gerais;
b) Lei;
c) Atos Normativos infralegais (respeitando a compatibilidade vertical das normas)
d)doutrina
e) Jurisprudência ( principalmente as súmulas vinculantes)
f) Costumes
g) Precedentes administrativos - devem ser aplicados a casos que guardem semelhança, em face dos princípios da isonomia e da segurança jurídica. Os precedentes não podem ser invocados quando: a) foram ilegais; b) quando o interesse público motivar a alteração de posicionamento já proferido anteriormente. Essa mudança é chamada de "prospective overrulling" e só será aplicada ex nunc.