Há algum tempo fiz algumas reflexões sobre a eleição de um governo de esquerda na Grécia e alertei o respeitável público:
“...as eleições gregas não dizem respeito apenas ao futuro da Grécia. Elas também dizem respeito ao passado daquele país. Que fragmento de sua própria trajetória o povo grego pretende construir nos próximos anos? A história da Grécia tem algo para fornecer a qualquer liderança política que dela queira fazer uso. Democracia, tirania, submissão a potências externas, ditadura militar, guerras internas, guerra externa, etc… tudo isto pode ser resgatado, repaginado, modernizado e entregue aos cidadãos (aos consumidores de propaganda) como sendo um programa político coerente que indique o único caminho para o futuro glorioso baseado num passado firmemente estabelecido. A Grécia contém todos os inícios. Esta é a maldição dos gregos.”.
http://jornalggn.com.br/blog/fabio-de-oliveira-ribeiro/esquerda-volver-marcham-os-gregos-por-fabio-de-oliveira-ribeiro
Alguns meses depois fui obrigado a reconhecer o fracasso da democracia em virtude do avanço da tirania financeira:
“A crise grega tem todos os ingredientes de uma crise bem maior. A democracia, fundada na soberania popular, já não é ou não pode ser uma realidade política. O poder avassalador dos Bancos se colocou acima de qualquer controle republicano e é capaz de submeter totalmente a vontade dos Estados. Os territórios continuam tendo fronteiras e povos, mas a existência de organização política não significa nada. A soberania deixou de ser um atributo estatal. Na prática a Grécia já vive sob uma rígida bancocracia transnacional. O governo eleito não governa, o voto popular não tem qualquer valor real. Apenas os interesses dos banqueiros podem se expressar através das políticas públicas daquele país.”.
http://jornalggn.com.br/blog/fabio-de-oliveira-ribeiro/a-grecia-e-a-crise-constitucional-da-ue
A convocação de novas eleições na Grécia, sugerem que o impasse entre democracia e mercado não foi superado com a eleição de esquerda. O sistema democrático grego continua funcionando, é verdade. Contudo, também é verdade que a soberania popular manifestada nas urnas não consegue criar um “novo início”. A impotência dos eleitores gregos e da Grécia é evidente. O poder dos credores externos do país é avassalador e impõe, via UE e Alemanha, uma política econômica que reforça a crise. Como disse Wolfgang Streeck:
“O campo de ação política está minado com um número interminável de efeitos secundários imprevisíveis. Se há casos em que se pode falar de complexidade, este é um deles. Faça o que fizer a política para resolver um problema, cria outro problema - a curto ou a longo prazo. O que põe fim a uma crise agrava a outra; por cada cabeça da Hidra que se corta crescem duas novas cabeças. É necessário abordar demasiados problemas em simultâneo; as soluções de curto prazo impossibilitam soluções de longo prazo. Aliás, nem sequer se procuram soluções de longo prazo, uma vez que os problemas de curto prazo exigem prioridade; surgem buracos por todo o lado que só podem ser tapados abrindo novos buracos noutro lado. Não houve nenhum momento posterior à Segunda Guerra Mundial em que os governos reunidos do Ocidente capitalista tivessem transmitido uma imagem de tal desnorte e em que tivesse sido possível pressentir tanto pânico puro e simples por trás das fachadas de serenidade otimista e de domínio da situação que resulta da superação dos perigos.” (Tempo Comprado - A crise adiada do capitalismo democrático, Conjuntura Actual Editora, Lisboa, Portugal, 2013, p. 38).
A visita de Angela Merkel ao Brasil nos últimos dias parece confirmar a avaliação de Wolfgang Streeck. A Alemanha parece ter intuído ou concluído que o problema grego não pode ser solucionado dentro da arquitetura política européia, pois, ao contrário do Brasil, a própria UE, capitaneada pela Alemanha, tornou-se totalmente refém da irracionalidade neoliberal. A crise se tornou um Zeitgeist: a economia grega parou por falta de crédito, o mesmo só pode ser concedido mediante exigências de mais austeridade que provocará desemprego e redução de renda, duas coisas que comprometerão ainda mais a capacidade do Estado grego de arrecadar impostos e cumprir suas obrigações internacionais.
Apesar da teatral serenidade demonstrada por Angela Merkel, durante sua estada em nosso país, tudo indica que Berlim se tornou prisioneira da redoma criada pelo mercado para limitar a política após a queda do Muro da Vergonha. O governo alemão flerta com o Kremlin e se aproxima do Brasil para apoiar a atuação do Banco dos BRICS na crise grega? Ou será que a Alemanha está apenas procurando se salvar mediante investimentos no Brasil em caso de um calote da Grécia que poderá derrubar vários países fragilizados da UE enterrando a moeda comum e a própria unidade européia? Berlim quer um “novo início” (com os BRICS) ou apenas quer mais do mesmo neoliberalismo intragável no Brasil (em caso de colapso da UE, em razão de sua incapacidade alemã de criar um “novo início” para resolver o impasse político e econômico grego)?
E o Brasil? O que nosso país pode ou deve exigir da Alemanha neste momento? Aqui mesmo no GGN esbocei um cenário de grave conflito entre Ocidente e Oriente em caso de resgate da Grécia pelo Banco dos BRICS http://www.jornalggn.com.br/blog/fabio-de-oliveira-ribeiro/grecia-2015-dc-uma-nova-corcira-427-ac . Este cenário deixará de existir ou seria reforçado se Berlim apostar num “novo início” para a Grécia, para a Alemanha e para a UE? Todos os novos caminhos estão fechados enquanto o Zeitgeist neoliberal for alimentado pelo país que produziu a crise de 2008 e se recusa a abandonar o neoliberalismo?
As relações dos EUA com Rússia e China são cada vez mais tensas. Alguns analistas internacionais já acusam o governo norte-americano de estar interferindo de alguma maneira no processo político brasileiro. Não é segredo que, desde os anos 1950, Washington adquiriu o terrível vício de sacudir tudo e todos a procura de novas oportunidades para manter os norte-americanos aferrados ao consumo exagerado de derivados de petróleo. A hegemonia econômica, financeira e militar dos EUA depende da estabilidade interna naquele país e esta, como todos sabem, foi construída, em grande medida, através do fornecimento contínuo de gasolina barata nos postos norte-americanos.
Alemanha, UE, Brasil, Rússia e China usarão a Grécia para forçar os EUA a rever sua política interna e externa ou o Zeitgeist neoliberal produzirá uma guerra mundial independente do que for feito pelos “outros” atores globais? Esta, meus caros, é a verdadeira pergunta que não será respondida com a exibição "tetas" e "bundas" na Av. Paulista.