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A legalização da eutanásia no Brasil

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22/09/2003 às 00:00

Resumo:


  • A eutanásia é uma prática antiga, discutida desde a Grécia Antiga, com filósofos como Platão e Epicuro abordando o tema e povos como os espartanos praticando a eliminação de recém-nascidos e idosos considerados um fardo.

  • O termo eutanásia foi cunhado por Francis Bacon no século XVII, significando uma "boa morte", e o conceito envolve questões éticas e legais, sendo classificada em ativa e passiva, com a eutanásia passiva relacionada à omissão de tratamentos que prolongam a vida de pacientes terminais.

  • A legalização da eutanásia é um tema controverso e não amplamente aceito; no Brasil, a prática é tipificada como homicídio privilegiado ou omissão de socorro no Código Penal, e embora haja projetos de lei para regularizar a eutanásia passiva, ainda há resistência e preocupações sobre possíveis abusos e desvios de finalidade.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

IV - CONCLUSÕES

Durante o nosso estudo, vimos que a eutanásia é tema antigo, praticada por povos antigos - espartanos, indianos, birmaneses, populações rurais sul-americanas, etc. Classificamos a eutanásia, oportunamente, tão-somente nas modalidades eutanásia passiva e ativa. Enfocamos a eutanásia sob o ponto de vista ético e penal, dispondo, neste último, que tratamento poderia a eutanásia receber sob a ótica penal. Ali constatamos que o tema é tratado no Direito Penal Brasileiro sob o arrimo de delito privilegiado (artigo 121, §1º - eutanásia ativa) ou do crime de omissão de socorro (artigo 135 – eutanásia passiva).

A exemplo de outras legislações estrangeiras, a tentativa de regulamentar legalmente a eutanásia no Brasil ocorreu no Anteprojeto da Parte Especial do Código Penal (artigo 121, § 3º) e no projeto de lei nº 125/96, tendo este não logrado êxito. A medida pretende descriminalizar a prática de eutanásia passiva que hoje é punida como omissão de socorro. Há até quem afirme que em São Paulo, por meio da Lei nº 10.241/99, em seu inciso XXIII do art. 2º, já se admite a hipótese tipificadora da eutanásia passiva ao estabelecer que o cidadão de São Paulo pode recusar tratamentos dolorosos ou extraordinários para tentar prolongar a vida.

Ao contrário do que aconteceu em relação ao aborto, a questão da legalização da Eutanásia não tem sido muito debatida em virtude do atraso de percepção da dimensão do problema e de não serem muitos os grupos de pressão coesos que suscitem o debate e o levem adiante, grupos estes que se voltam mais a tomar posições, favoráveis ou desfavoráveis, do que fornecer horizontes para uma visão crítica acerca da legitimidade e viabilidade da legalização da eutanásia.

Alguns defensores da Eutanásia argumentam que é contraditório permitir aos pacientes o direito de recusar certos tratamentos e não se lhes permitir o direito de morrer suavemente e com dignidade. A sustentação para a eutanásia vem daqueles que se prendem à suposição do materialismo onde a morte é certamente a extremidade e que não há nenhuma conseqüência mais tarde subseqüente às decisões feitas antes.

A propositura da Eutanásia não visaria exterminar humanos, como ocorreu na Segunda Guerra Mundial - Eutanásia Eugênica - onde quem não fosse da raça Ariana, não merecia viver, era impuro e inferior, mas visaria o respeito ao ser humano, evitando sofrimento e tortura ao seu término.

Muitas pessoas com doenças terminais são mantidas vivas contra a sua vontade, recorrendo, por vezes, a outros meios para tentarem prolongar a sua vida, causando mais sofrimento a si e a quem as rodeiam. A sociedade mergulhada nos arcaísmos do passado talvez devesse superá-los e reconhecer que, nos casos extremos, provados, se possível, cientificamente, os indivíduos com doenças terminais pudessem escolher como e quando morrer. Se não pode ser negado o respeito àquele que em agonia opta por adiar o momento da sua morte ao mesmo tempo deveria ser respeitado o direito que assiste ao médico de recusar tal prática mesmo em situações terminais.

A cultura brasileira não é mais avançada do que aquelas que ainda não ousaram legalizar a eutanásia. Plasma-se uma certa desconfiança em relação ao que estaria atrás dos panos, do "jeitinho brasileiro". É temível a adoção de uma legalização da eutanásia não porque somos, de certa forma, conservadores, mas também porque a eutanásia defendida pode ser desvirtuada de seus fins em uma sociedade onde dinheiro é sinônimo de poder.

A "tendência" de uma legalização da eutanásia seria, no Brasil, um movimento monopolizado pelos setores mais avançados da sociedade, como bem argumentou RABENHORST, e a mídia representa o pensamento destes setores e não da sociedade de um modo geral.

É preciso sacrificar algumas particularidades, exceções para que a regra não seja desrespeitada. É cediço que, mesmo ante a presença de impedimentos legais, a eutanásia já é praticada. Que estes impedimentos continuem sendo uma forma de controle de condutas que, embora não muito eficaz, expressa a vontade do Estado brasileiro de repudiar determinadas práticas, para que estas não sejam ainda mais inspiradas sob o escudo da Legalização da Eutanásia no Brasil.


NOTAS

  1. Platão e Sócrates já advogavam a tese da "morte serena", a eliminação da própria vida para evitar mais sofrimento da pessoa doente, enferma, que se encontre diante de um quadro clínico irreversível.
  2. No juramento de Hipócrates consta: "eu não darei qualquer droga fatal a uma pessoa, se me for solicitado, nem sugerirei o uso de qualquer uma deste tipo".
  3. José Ildefonso BIZATTO. Eutanásia e Responsabilidade Médica. Porto Alegre: Sagra, 1990, p. 23.
  4. Hélio GOMES cita que o hábito de abandonar ou matar recém-nascidos "desgraçados" também era realizado pelos índios brasileiros.
  5. Atualmente, esse costume ainda é praticado por alguns povos como os batas e os neocaledônios.
  6. Paulo Lúcio NOGUEIRA, Op. cit., p. 43.
  7. Bíblia Sagrada, I Samuel, Capítulo 31, versículos 1 a 13. Todavia, segundo nota de rodapé, p. 437, da Bíblia SHEDD, em I Crônicas, Capítulo 10, versículos 4 e 5, que Saul se suicidara, tendo o amalequita violado o cadáver quando roubou-lhe a coroa e o bracelete.
  8. A eutanásia eugênica, também chamada de selecionadora, visa a eliminação de recém-nascidos degenerados e de enfermos portadores de doenças contagiosas, onde o objetivo é preservar a raça humana de graves problemas biológicos. Servia como um instrumento de "higienização social".
  9. Para o Prof. José Roberto GOLDIM (http://www.ufrgs.br/HCPA/gppg.htm, Capturado em 26.07.2002), a designação eutanásia para esse tipo de procedimento é incorreta, pois "não havia o interesse de minorar o sofrimento de uma pessoa capaz e informada de sua condição de saúde".
  10. Destarte, adota o princípio do duplo efeito onde a intenção é diminuir a dor, porém o efeito, sem vínculo causal, pode ser a morte do paciente.
  11. Maria Celeste Cordeiro Leite SANTOS. Transplante de Órgãos e Eutanásia. São Paulo: Saraiva, 1992. p. 209.
  12. Milton Schmitt COELHO, bacharel em Direito em Santa Cruz do Sul (RS). Eutanásia – Uma análise a partir de princípios éticos e constitucionais. IN.: www.jus.com.br. Capturado em 18.10.2002.
  13. José NÁUFEL. Novo Dicionário Jurídico Brasileiro 9. ed. Rio de janeiro: Forense, 1998, p. 445.
  14. Prof. R. LIMONGI França (Coordenação). Enciclopédia Saraiva do Direito. São Paulo: Saraiva, 1977, vol. 34, p. 245.
  15. Prof. R. LIMONGI França (Coordenação). Enciclopédia Saraiva do Direito. São Paulo: Saraiva, 1977, vol. 34, p. 245.
  16. José NÁUFEL. Novo Dicionário Jurídico Brasileiro. 9. ed. Rio de janeiro: Forense, 1998, p. 445.
  17. Revista Jurídica CONSULEX. Eutanásia no Direito Comparado. Ano V. nº 114, 15 de outubro de 2001, p. 16.
  18. Maria Celeste Cordeiro Leite SANTOS. Transplante de Órgãos e Eutanásia, São Paulo: Saraiva, 1992. p. 209.
  19. A Corte considerou constitucionais as leis que proíbem os médicos de ministrarem drogas a pacientes terminais em estado de lucidez, ao passo que deixou subentendido que não há barreiras constitucionais que proíbam a um Estado aprovar uma lei que permita o suicídio assistido por médico.
  20. Vide: www.jus.com.br.
  21. Sr. RenatoFlávioMarcão e Sr. Leon Frejda Szklarowsky. Por coincidência, ambos escreveram artigos jurídicos no site www.jus.com.br - Sr. RenatoFlávioMarcão escreveu "Homicídioeutanásico: eutanásiae ortotanásianoAnteprojetodeCódigoPenal" e Sr. Leon Frejda Szklarowsky escreveu "A eutanásia no Brasil". Os juristas responderam as perguntas por e-mail: as respostas encontram-se transcritas no Relatório Final de Monitoria, da mesma forma como as dos demais entrevistados. Neste artigo, nos adstringimos a condensar o entendimento majoritário, mas as aludidas respostas ainda se encontram à nossa disposição.

REFERÊNCIAS

BIBLIOGRÁFICAS
  1. BARROCA, Maria Fernanda. A eutanásia é uma derrota social. IN: http://www.ciberacores.net/correiodahorta/2002/Julho/Opiniao2838.shtml. Capturado em: 16.07.2002.
  2. BIZATTO, José Ildefonso. Eutanásia e Responsabilidade Médica. Porto Alegre: Sagra, 1990.
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  5. COELHO, Milton Schmitt. Eutanásia – Uma análise a partir de princípios éticos e constitucionais. Santa Cruz do Sul (RS). IN.: www.jus.com.br. Capturado em 18.01.2003.
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  9. GOMES, Hélio. Medicina Legal. 20. ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1969.
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  12. NÁUFEL, José. Novo Dicionário Jurídico Brasileiro. 9. ed. Rio de janeiro: Forense, 1998.
  13. NOGUEIRA, Paulo Lúcio. Em Defesa da Vida. São Paulo: Saraiva, 1995.
  14. PAGANELLI, Wilson. Eutanásia. Capturado em 11.10.2002. Disponível na Internet http://www.jus.com.br/doutrina/eutapag.html
  15. PESSINI, Léo. Distanásia: até quando investir sem agredir? Capturado em 07.09.2002. Disponível na Internet http:/200.239.45.3/cfm/espelho/revista/bio1v4/ distanásia html
  16. SANTOS, Maria Celeste Cordeiro Leite. Transplante de Órgãos e Eutanásia. São Paulo: Saraiva, 1992.
  17. SHEDD, Bíblia Sagrada. Russell P. SHEDD (editor responsável). Traduzida por João Ferreira de Almeida. 2. ed. ver. e atual. no Brasil. Brasília: Sociedade Bíblica do Brasil, 1997.
  18. ZUBEN, Newtin Aquiles von. Questões de bioética: morte e direito de morrer. Acessado em 18.10.2002. Disponível na Internet http://fae.unicamp.br/ html/vonzuben /morte.htm.
  19. Sites (Capturados entre julho de 2002 a janeiro de 2003):
    1. www.tex.pro.br/wwwroot/assuntosdiversos/vaticanocriticalegalizacaodaeutanasianaholanda.htm
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    14. http://www.google.com.br/search?q=cache:KeO5RZtl7LYC:www.sindifisp-rj.org.br/informativo/INFORMATIVO%2520SEMANAL%2520019%2520-%252017.05.2002.doc++%22legalizacao+da+eutanasia%22&hl=pt&ie=UTF-8
    15. http://www.google.com.br/search?q=cache:H0_M6gyd0DAC:www.unifran.br/daltro/site/juridico/textos/EUTANASIA.doc++%22legalizacao+da+eutanasia%22&hl=pt&ie=UTF-8
    16. http://wwwalu.por.ulusiada.pt/21548997/filosofia.htm
    17. http://www.unitau.br/prppg/inicient/iveic/resuhuma/huma03.htm
    18. http://www.sharkye.bcl.pt/?pgid=eutanasia_med2
    19. http://wwwalu.por.ulusiada.pt/21508395/reflexes.htm
    20. vitor.coutinho.bei.t-online.de/Eutanasia.html
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Sobre o autor
Luiz Inácio de Lima Neto

acadêmico de Direito na UFPB

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LIMA NETO, Luiz Inácio. A legalização da eutanásia no Brasil. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 8, n. 81, 22 set. 2003. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/4217. Acesso em: 21 dez. 2024.

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