A problematização teórica do recurso em sentido estrito na ordem processual penal brasileira

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27/08/2015 às 12:45
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O presente estudo apresenta, problematiza e estabelece parâmetros de consensualização sobre o Recurso em Sentido Estrito dentro do ordenamento processual penal brasileiro, destacando aspectos e divergências doutrinário-jurisprudenciais sobre este.

1 INTRODUÇÃO

A prática de uma conduta delituosa, entendida esta como a responsável por atentar contra a ordem dentro da sociedade, sugere a instauração de um processo penal, responsabilizando-se este por mensurar e aplicar, dentro dos limites da razoabilidade, uma pena equivalente à perturbação social gerada1.

Tal apuração penal é o objeto de estudo principal do Direito Processual Penal. Entretanto, em consideração ao impacto negativo que o cumprimento de uma pena é capaz de gerar à ordem particular de um cidadão, podendo aquela restringir a este o exercício do direito constitucional fundamental da liberdade (comumente valorado abaixo apenas do direito absoluto à vida2), este ramo do Direito apresenta-se como ponderado e responsável por delimitar uma justa aplicação da pena. Cite-se, a exemplo, a interpretação taxativa que deve ser dada à lei processual penal quando esta limita a liberdade individual do acusado3.

Neste contexto de ponderação, exsurgem os recursos no Processo Penal como meios de invalidação, reforma ou integração de uma decisão criminal proferida, sendo um deles o Recurso em Sentido Estrito (RESE), previsto especialmente nos artigos 581 a 592 do Decreto-Lei 3.689/41 (Código de Processo Penal de 1941).

Nesta conjectura, o presente estudo, motivado pelas divergências teórico-jurisprudenciais concernentes a aspectos deste recurso específico, apresenta-se no intuito de expor o RESE no ordenamento processual penal brasileiro, com a finalidade específica de sistematizar soluções e entendimentos teóricos aceitáveis sobre as disposições normativas pertinentes.

Para tanto, pretende-se realizar uma exposição problematizadora no âmbito doutrinário e jurisprudencial sobre as características do recurso em voga, tais como suas noções gerais, os prazos para interposição, apresentação de razões e contrarrazões e exercício do juízo de retratação, formas de interposição, movimentação, endereçamento e efeitos do recurso abordado, bem como serão estudadas com profundidade suas hipóteses de cabimento.

Desta forma, espera-se que o presente recurso seja esclarecido teórica e jurisprudencialmente, de modo que se gere uma exaustiva, adequada e suficiente sistematização deste instrumento de revisão criminal.


2 PRESSUPOSTOS TEÓRICOS PROBLEMATIZADOS DO RECURSO EM SENTIDO ESTRITO

Neste momento, é importante apresentar as noções gerais e principais características do Recurso em Sentido Estrito (RESE), sob uma ótica doutrinariamente comparada, de modo que se estabeleçam bases teóricas potencialmente sustentáveis e suficientes para a percepção e esclarecimento deste recurso.

Entretanto, algumas divergências doutrinárias ainda persistem quanto às referidas características, de modo que se torna relevante esclarecer as divergências existentes, bem como firmar entendimentos quanto ao abordado recurso. Assim, não será feita aqui uma simples repetição conceitual, mas sim uma análise científico-jurisprudencial crítica sobre os aspectos relevantes aqui trabalhados.

2.1 Noções gerais do Recurso em Sentido Estrito (RESE)

O Recurso em Sentido Estrito (RESE) é responsável por permitir, tanto ao juiz que proferiu a decisão recorrida (em sede de retratação) como ao Tribunal a que se endereça o recurso (em sede de reforma), uma nova análise sobre matéria já decidida na seara criminal. Ressalte-se que, considerando que todo recurso na esfera processual penal possui sentido estrito (ou seja, possibilita uma nova análise de uma decisão), o RESE é, na verdade, um recurso inominado com sentido estrito4. Pacelli5, por sua vez e em dissonância da posição aqui adotada, entende que o recurso é estrito não por permitir uma reanálise da matéria já discutida, mas sim por estar restrito às hipóteses de cabimento taxativamente previstas no Código de Processo Penal de 41 (CPP/41), discussão esta que será apresentada em momento oportuno quando se tratar a possível taxatividade do Art. 581 da referida legislação.

Realizando um paralelo com o Código de Processo Civil de 1973, Tourinho Filho6 relaciona o RESE ao Agravo (de instrumento ou retido aos autos), entendendo-o como o equivalente deste, apenas em seara distinta (penal, em lugar da cível). Desta forma, os dois recursos citados seriam oponíveis (cada qual em sua esfera) perante decisões interlocutórias, com vistas a invalidá-la, reformá-la ou a integrar.

Entretanto, é válida a ressalva de Távora e Alencar7 quando lembram que a equivalência do Agravo Cível ao RESE criminal é insuficiente para a plena compreensão deste recurso, visto que este pode ser interposto perante algumas modalidades de sentença, situação esta não possível naquela espécie recursal.

Em síntese, o RESE é um recurso inominado que possibilita o reexame de uma decisão ou sentença (desde que abarcadas nas hipóteses de cabimento deste recurso) tanto pelo juízo que a proferiu como pelo juízo ao qual se recorre.

2.2 Discussão sobre a taxatividade do rol elencado no Art. 581 do Código de Processo Penal de 1941

Um embate empreendido na esfera doutrinária e jurisprudencial ocorre sobre a natureza do rol do Art. 581 do Código de Processo Penal (CPP/41), o qual elenca hipóteses de cabimento do Recurso em Sentido Estrito (RESE). Resta configurada a dúvida sobre se tal rol é taxativo ou exemplificativo.

Capez8 entende que o referido rol de hipóteses de cabimento do RESE é taxativo, encontrando respaldo doutrinário nas posições de Pacelli9 e Tourinho Filho10. Távora e Alencar11 lembram que somente uma lei que expressamente autorizasse a ampliação do citado rol o tornaria exemplificativo. Corroborando esta visão, o Supremo Tribunal Federal (STF) já decidiu12 de modo que também entendeu o rol do Art. 581/CPP como taxativo.

O Superior Tribunal de Justiça (STJ), por outro lado, já proferiu decisões em que permitia a interpretação extensiva das hipóteses de cabimento do RESE previstas no Art. 581 do CPP/41, de modo que outras decisões similares às hipóteses poderiam ser alvo do mencionado recurso. Neste sentido, segue:

RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL PENAL. RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. ROL TAXATIVO. APLICAÇÃO EXTENSIVA. ADMISSÃO. ANALOGIA. INVIABILIDADE. PRODUÇÃO DE PROVA. INDEFERIMENTO. DECISÃO DE PRIMEIRO GRAU. INTERPOSIÇÃO. DESCABIMENTO. AUSÊNCIA DE DELIMITAÇÃO DA CONTROVÉRSIA. SÚMULA 284/STF.

1. As hipóteses de cabimento de recurso em sentido estrito, trazidas no art. 581 do Código de Processo Penal e em legislação especial, são exaustivas, admitindo a interpretação extensiva, mas não a analógica.

2. Por não estar elencada entre as situações que admitem o recurso em sentido estrito nem com elas possuindo relação que admita interpretação extensiva, é descabido o manejo deste recurso contra a decisão do Juízo de primeiro grau que indeferiu a produção de prova requerida pelo Parquet, no caso, a realização de exame de DNA.

3. O recorrente não indicou, dentre as hipóteses previstas no art. 581 do Código de Processo Penal ou em leis especiais, qual aquela que, a seu entender, abrangeria, por interpretação, o caso concreto. Ausente, nesse aspecto, a delimitação da controvérsia, incide a Súmula 284/STF.

4. Recurso especial não conhecido. (REsp 1.078.175/RO, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, SEXTA TURMA, julgado em 16/04/2013, DJe 26/04/2013, grifo nosso.)13

Dentro da conclusão argumentativa do STJ, posiciona-se Magalhães14, entendendo este que a limitação do cabimento do RESE a um rol taxativo confere ao magistrado um poder que entende ser antidemocrático, assim como livre de críticas.

Apesar do posicionamento do referido Superior Tribunal e da doutrina minoritária referenciada, dissoamos desta compreensão, visto que já existe um recurso previsto em sede residual e que deve ser interposto em caso de decisão que não se encaixe nas hipóteses do Art. 581 do CPP/41, qual seja a apelação (Art. 593, II/CPP). Desta forma, entendemos ser plausível compreender o referenciado rol como taxativo, de modo que não admita interpretação extensiva. Ressalte-se que esta argumentação encontra guarida nos ensinamentos similares de Capez15 e Tourinho Filho16.

2.3 Prazos a serem observados no Recurso em Sentido Estrito (RESE)

O prazo geral para a interposição do Recurso em Sentido Estrito é de 5 dias, conforme disposição expressa do Art. 586 do Código de Processo Penal (CPP/41). Este prazo geral, ressalte-se, está devidamente pacificado tanto na unanimidade da doutrina abordada como na jurisprudência do STF e STJ (tanto em sede de acórdão como de decisões monocráticas), de modo que a inobservância deste prazo enseja falta de tempestividade, pressuposto este de admissibilidade recursal, o que acarreta não conhecimento do RESE pelo órgão julgador.

Tourinho Filho17 entende que, fundando-se o RESE na hipótese do inciso XIV do Art. 581 do CPP/41, o prazo de interposição recursal será de 20 dias, em obediência ao parágrafo único do Art. 586 do mencionado Código. Discordamos desta posição, com apoio de Távora e Alencar18, pois, conforme exposição mais adiante, entendemos que a mencionada hipótese de cabimento encontra-se revogada, de modo que não mais será cabível este recurso nesta situação.

Interposto o recurso tempestivamente, abre-se prazo de 2 dias para que a parte recorrente ofereça razões, bem como para que a parte recorrida ofereça suas contrarrazões, conforme disposição do Art. 588, caput, do CPP/41, prazo este consolidado tanto na doutrina processual penalista como na jurisprudência dos tribunais superiores.

A contagem deste prazo, entretanto, gera certa divergência. O entendimento doutrinário apresentado por Capez19 e defendido por Távora e Alencar20 é de que o prazo só se inicia com a intimação, tanto para arrazoar como para contra-arrazoar, do recorrente e do recorrido. Pacelli21 e Tourinho Filho22, por sua vez, entendem que o prazo para arrazoar é iniciado a partir da interposição do recurso ou a partir da data em que se concede vista sobre o instrumento formado ao recorrente, sendo que o prazo para contra-arrazoar é contado a partir da intimação.

No silêncio jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal (STF), a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) assentou entendimento apenas sobre a contagem para contra-arrazoar, também silenciando sobre o ato a partir do qual corre o prazo para a oferta de razões, conforme segue:

HABEAS CORPUS. EXTORSÃO E FURTO. DELITOS SUPOSTAMENTE COMETIDOS POR POLICIAIS CIVIS. PRISÃO PREVENTIVA. AMEAÇA DE MORTE. OBSTRUÇÃO DA INSTRUÇÃO CRIMINAL. NECESSIDADE COMPROVADA. RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. INOBSERVÂNCIA DO RITO PREVISTO NO ART. 588 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. IMPUGNAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO COM VIÉS ACAUTELATÓRIO. INCIDÊNCIA DA EXCEÇÃO CONTIDA NO ART. 282, § 3º, DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. APLICAÇÃO EXTENSIVA. URGÊNCIA E PREMENTE INEFICÁCIA DA MEDIDA COERCITIVA. POSSIBILIDADE. NULIDADE INEXISTENTE.

1. Este Tribunal, em observância ao comando constitucional de presunção da não culpabilidade, tem-se alinhado ao saudável entendimento de que a liberdade é a regra, permitindo-se ao acusado (que já sofre a ingerência danosa do processo penal) responder livremente eventuais imputações penais que lhe recaiam.

2. Nesse contexto de garantias há exceções através das quais a constrição é necessária, possibilitando-se, outrossim, que se preserve, em casos específicos, o desenvolvimento sem máculas do processo ou, ainda, sirva como instrumento de proteção à vida.

3. A jurisprudência desta Corte tem-se alinhado de forma uníssona para proclamar que a decisão constritiva da liberdade de caráter prisão cautelar há que vir lastreada em concretos elementos justificadores, sendo insuficiente a mera alusão à gravidade genérica do crime praticado ou infundadas suspeitas, baseadas em simples dedução hipotética.

4. Com base nessas diretrizes, tem-se como satisfatoriamente fundamentada a prisão quando resta demonstrada a ameaça concreta de morte feita pelos acusados, bem como a possibilidade real de obstrução da instrução criminal.

5. Em regra, faz-se necessária a intimação da defesa para que ela possa contrarrazoar eventual recurso em sentido estrito, em observância ao art. 588 do Código de Processo Penal, objetivando-se, com isso, dar efetividade ao contraditório, sob pena de nulidade por violação a esse princípio de matiz constitucional.

6. É viável postergar o contraditório, por aplicação extensiva do § 3º do art. 282 do Código de Processo Penal, com a redação dada pela Lei n. 12.403/11, em caso de recurso em sentido estrito, desde que veicule pedido de imposição de medida acautelatória comprovadamente necessária.

7. Ordem denegada. (HC 267.351/DF, Rel. Ministro OG FERNANDES, SEXTA TURMA, julgado em 06/08/2013, DJe 21/05/2014, grifo nosso.)23

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Dentro deste dissídio doutrinário quanto à contagem do prazo para arrazoar, já assumindo que o prazo para contra-arrazoar é iniciado a partir da intimação, firmamos entendimento no sentido de que este prazo de 2 dias, previsto no Art. 588, caput, do CPP/41, é contado a partir da data em que se conferir vista do instrumento ao recorrente, independentemente de se este ato ocorre no momento em que este recorre ou posteriormente. O que não se afigura razoável, a nosso ver, é o recorrente ter vista sobre o instrumento formado e o prazo depender de sua intimação para correr, visto que o recorrente não precisa ser intimado de um ato que já praticou para saber que o praticou.

Superada esta divergência, é importante ressaltar o prazo de que dispõe o magistrado para exercer o juízo de retratação (ou seja, reformar a decisão por si anteriormente proferida) se assim julgar pertinente. A doutrina abordada e a jurisprudência dos tribunais superiores são uníssonas em declarar o prazo de 2 dias, contados da data de recebimento do recurso concluso (que assim será remetido após o decurso do prazo para contra-arrazoar), para tal exercício. Assente-se, ademais, que a jurisprudência do STJ24 entende que não enseja nulidade o ato do Juiz que, sustentando a decisão anteriormente proferida, se fundamenta com o simples dizer de que mantém a decisão recorrida.

Nesta conjectura, em síntese, assimilamos o prazo de 5 dias para interpor o RESE (contados da data de publicação do ato judicial que o motiva), 2 dias para arrazoar (contados da concessão de vista sobre o instrumento ao recorrente), 2 dias para contra-arrazoar (contados da intimação do recorrido sobre a interposição do recurso e o oferecimento das razões) e 2 dias para o exercício da retratação (contados da recepção do recurso concluso).

2.4 Formas de interposição do Recurso em Sentido Estrito (RESE)

O Recurso em Sentido Estrito (RESE) pode ser interposto de 2 formas: quer por petição, quer por termo nos autos, conforme dispõe o Art. 578 do Código de Processo Penal (CPP/41) e ratificam a doutrina abordada e a jurisprudência dos tribunais superiores. A única ressalva a ser feita é que a jurisprudência do STJ25 entende que deve constar, no termo, o interesse de recorrer, sob risco de não ser considerado o recurso interposto.

2.5 Movimentação do Recurso em Sentido Estrito (RESE)

São admitidas, conforme preceituação dos artigos 583 e 587 do Código de Processo Penal (CPP/41), duas formas pelas quais o Recurso em Sentido Estrito (RESE) subirá para apreciação no Tribunal: dentro dos próprios autos do processo ou por instrumento/traslado.

Subirá o recurso dentro dos próprios autos quando, nos termos do Art. 574 do CPP/41, for interposto de ofício pelo magistrado (de modo a gerar absolvição sumária dentro do rito do Tribunal do Júri26), quando não atrapalhar o andamento do processo e quando o ato judicial sobre o qual se funda o RESE interposto houver realizado uma das seguintes hipóteses: não recebeu a peça acusatória, julgou uma exceção como procedente (não sendo esta de suspeição), pronunciou o acusado27, decretou a prescrição, extinguiu a punibilidade, concedeu ou negou a ordem de Habeas Corpus.

Consente a doutrina sobre estas hipóteses, é válido ressaltar que não existe um consenso sobre em que hipóteses o recurso que sobe dentro dos autos atrapalha o andamento do processo, ficando esta análise a cargo do juízo a quo. Entretanto, há uma tendência jurisprudencial do STJ28 a entender que o RESE atrapalha o andamento do processo se subir dentro dos autos em hipótese na qual deveria subir por instrumento.

Por outro lado, o RESE subirá via instrumento/traslado se, nos termos do parágrafo único do Art. 583 do CPP/41, qualquer um dos acusados pronunciados não se insurgir contra o ato que o pronunciou ao Tribunal do Júri ou quando algum dos acusados ainda não houver sido intimado deste ato de sua pronúncia, ou ainda quando o juízo a quo entender que a remessa por instrumento não prejudicará o andamento do processo. Ressalte-se que, para subir o recurso desta forma, deve haver o requerimento do recorrente, no qual devem constar as peças que comporão o traslado29.

Assim requerido, o magistrado determina ao escrivão que retire as peças necessárias, forme o traslado e o concerte no prazo de 5 dias (parágrafo único do Art. 587 do CPP/41). Cumpre ressaltar que o STJ30 já entendeu que o simples requerimento e indicação das peças pelo recorrente já é suficiente para que o recurso seja conhecido pelo juízo a quo, não podendo a parte ser prejudicada por desídia deste quanto à formação do instrumento.

2.6 Endereçamento do Recurso em Sentido Estrito (RESE)

Em via de regra, o Recurso em Sentido Estrito (RESE) é endereçado ao Tribunal competente (à época de edição do Código de Processo Penal – CPP/41 – era o Tribunal de Apelação; atualmente, são os Tribunais de Justiça, os Tribunais Regionais Federais e os Tribunais Regionais Eleitorais).

O Art. 582 dispõe de algumas exceções sobre o endereçamento; estas, entretanto, eram válidas para a época de publicação do ato legislativo mencionado, de modo que, atualmente, Tourinho Filho31 e Távora e Alencar32 pacificam que as referidas hipóteses também são endereçadas ao juízo ad quem (reiterando a ressalva de que, conforme será abordado adiante, entendemos que o RESE não é cabível na hipótese do Art. 581, XIV/CPP).

2.7 Efeitos do Recurso em Sentido Estrito (RESE)

Os primeiros efeitos observados no Recurso em Sentido Estrito (RESE) são o obstativo (impede-se o trânsito em julgado da matéria), o dilatório processual (estende-se o procedimento) e o devolutivo (devolve-se a matéria recorrida ao juízo competente a fim de que este a reanalise).

Havendo exercício do juízo de retratação pelo juízo a quo, opera-se o efeito regressivo33, consistente este na alteração do ato judicial motivador do recurso pelo juízo referido dentro do prazo de 2 dias, contados da oferta de contrarrazões pela parte recorrida.

Caso seja percebida uma multiplicidade de réus dentro do processo e o RESE seja interposto por apenas 1 deles, opera-se o efeito extensivo neste recurso, de modo que, nos moldes do Art. 580 do Código de Processo Penal (CPP/41), a decisão sobre o recurso será aplicada a todos os réus (desde que não esteja fundada em razões pessoais do recorrente).

Excepcionalmente, nas delineações do Art. 584 do CPP/41, é possível que o magistrado atribua efeito suspensivo ao recurso abordado desde que estese interponha a ato judicial que haja realizado uma das seguintes hipóteses: decidiu pela perda34 ou quebra35 da fiança, pronunciou o réu ao Tribunal do Júri36, denegou ou julgou deserta a apelação37.

Realizando uma extensão do rol previsto no caput do mencionado dispositivo, o STF38 firmou entendimento no sentido de admitir o efeito suspensivo ao RESE que impugna ato judicial que concedeu liberdade provisória e desde que haja sido impetrado Mandado de Segurança para a atribuição do referido efeito.

Em referência acerdada de Távora e Alencar39, lembram os autores que as demais hipóteses referenciadas no caput do mencionado artigo não mais ensejam cabimento do RESE, quer por serem figuras próprias da execução penal (decisões sobre unificação de penas e concessão de livramento condicional, ante as quais cabe, nos termos do Art. 197 da Lei 7.210/84, agravo em execução), quer por não serem mais admitidas no Direito Penal (conversão de multa em detenção ou prisão simples).

2.8 Hipóteses de cabimento do Recurso em Sentido Estrito (RESE)

As hipóteses de cabimento do Recurso em Sentido Estrito estão previstas no Art. 581 do Código de Processo Penal (CPP/41), em rol que, conforme discutido anteriormente, é taxativo (apesar de alguns entendimentos doutrinário-jurisprudenciais em divergência), cujos incisos serão analisados em separado a seguir.

2.8.1 Hipóteses do inciso I

Conforme esta disposição, o RESE é cabível perante ato judicial que não receba a peça acusatória. Cumpre ressaltar que o Supremo Tribunal Federal assevera, no enunciado de sua súmula nº 707, que, nestas situações, o denunciado deverá ser intimado a apresentar contrarrazões ao recurso, sob risco de nulidade. Saliente-se, ainda, que o não recebimento da peça acusatória ensejará apelação (e não RESE) se o crime for processado nos Juizados Especiais Criminais.

É válido lembrar que o recebimento da peça acusatória não se constitui em hipótese de cabimento do RESE; todavia, a doutrina consente em permitir a impetração de Habeas Corpus como sucedâneo recursal neste caso.

2.8.2 Hipótese do inciso II

Segundo este inciso, é cabível RESE ante ato judicial que determina a incompetência do juízo. Pacelli40 realiza uma importante lembrança ao dispor que a incompetência pode ser originada tanto de uma percepção tardia do magistrado como de uma decisão que desclassificou o crime processado para outro que tenha competência distinta daquela em que o crime desclassificado estava sendo apreciado (esta última encontrando guarida na jurisprudência do STJ41).

Caso o ato judicial decida que o juízo é competente para o julgamento, o RESE não é cabível; entretanto, como alternativa recursal, Tourinho Filho42 entende que, a depender da situação concreta, pode ser impetrável Habeas Corpus como sucedâneo.

2.8.3 Hipóteses do inciso III

Manejável é o RESE perante ato judicial que julgue procedente as exceções, não sendo estas uma de suspeição. Nestes casos, Távora e Alencar43 lembram que tais exceções podem ser de incompetência, litispendência, coisa julgada ou legitimidade, não sendo possível contra a suspeição por se tratar esta de uma percepção íntima do magistrado.

Caso as mencionadas exceções sejam julgadas improcedentes, não se configura hipótese de cabimento do RESE; todavia, entende Tourinho Filho44 que é possível a impetração de Habeas Corpus, desde que baseado no Art. 648, VI, do CPP/41.

2.8.4 Hipótese do inciso IV

É cabível RESE ante ato judicial que pronuncie o réu a julgamento pelo Tribunal do Júri, disposição esta corroborada pela doutrina e pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça45. Por outro lado, se o ato judicial impronunciar o réu (bem como o absolver sumariamente), não é cabível este recurso, mas sim a apelação, nos termos do Art. 416/CPP.

2.8.5 Hipóteses dos incisos V e VII

Pode ser interposto o RESE ante ato judicial que decida qualquer matéria relativa à fiança (negando-a, arbitrando-a, cassando-a ou a julgando inidônea, quebrada ou perdida), que se oponha à prisão preventiva (quer indeferindo seu requerimento, quer a revogando), que conceda liberdade provisória e que relaxe prisão em flagrante. Nestas hipóteses, é possível notar o esforço empreendido para que os atos judiciais que sejam, de alguma forma, favoráveis à liberdade do réu possam ser novamente discutidos em sede recursal. Ressalte-se, ainda, que o Superior Tribunal de Justiça46 já firmou entendimento admitindo a interpretação analógica deste inciso para possibilitar o cabimento do RESE contra ato judicial que concede prisão domiciliar ao réu preso.

Por outro lado, caso o ato judicial seja, de alguma forma, desfavorável à liberdade do agente (quer autorizando a prisão preventiva, quer não concedendo liberdade provisória, quer não relaxando prisão em flagrante), Tourinho Filho47 e Távora e Alencar48 consentem em ser manejável o Habeas Corpus como sucedâneo recursal.

2.8.6 Hipóteses dos inciso VIII e IX

É cabível RESE perante os atos judiciais que decidam sobre a prescrição ou sobre a extinção de punibilidade por causa diversa daquela. Se o ato motivador do recurso reconhecer a prescrição ou julgar extinta a punibilidade por outra razão, encontrará este fundamento no inciso VIII; por outro lado, caso seja indeferido o pedido de reconhecimento da prescrição ou de outra causa que extingua a punibilidade, o fundamento legal para cabimento do RESE encontra-se no inciso IX.

Esta matéria, registre-se, encontra-se pacificada na doutrina trabalhada, bem como já foi decidida tanto no Supremo Tribunal Federal49 como no Superior Tribunal de Justiça50, entendendo os Tribunais pela aplicação destas hipóteses nos termos acima delimitados.

2.8.7 Hipóteses do inciso X

O RESE é cabível perante ato judicial que conceda ou negue Habeas Corpus. Na hipótese de concessão deste writ, é também cabível o recurso de ofício previsto no Art. 574, I/CPP. Nesta situação, pacifica-se doutrinariamente que a concorrência entre estes dois recursos não afronta a unirrecorribilidade recursal, visto que, ao passo que o RESE é interposto pela parte, o recurso de ofício é interposto pelo magistrado.

É importante salientar que a decisão concessória ou denegatória deste sucedâneo deve ter sido proferida em instâncias inferiores, de modo que o Supremo Tribunal Federal51 já decidiu ser incabível RESE que atacasse decisão proferida por este, inclusive não aplicando o princípio da fungibilidade recursal nesta situação específica.

2.8.8 Hipóteses dos incisos XIII, XV e XVI

O RESE apresenta-se como cabível se interposto em face de ato judicial que anule, total ou parcialmente, o processo de instrução criminal (inciso XIII). Caso a anulação não ocorra, Tourinho Filho52 entende ser cabível o Habeas Corpus fundado no Art. 648, VI/CPP, orientando, ainda, que pode o caso concreto ensejar hipótese de cabimento de correição parcial nesta situação.

Cabível, ainda, é o RESE que denegue a apelação ou a julgue deserta53 (inciso XV). Sendo esta recebida ou não atestada a sua deserção, não é cabível este recurso, de modo que a parte recorrida pode arguir, nas contrarrazões, este argumento. Expresse-se, ademais, a tendência seguida pelo Superior Tribunal de Justiça54 quanto a não admitir a incidência do princípio da fungibilidade recursal quando outro recurso for interposto em lugar deste.

Por derradeiro, configura-se hipótese de cabimento do RESE quando o ato judicial atacado ordena a suspensão do processo em virtude da existência de uma questão prejudicial (inciso XVI). Conforme ideia de Capez55, entendemos que esta questão pode ser compreendida como o fato de cujo conhecimento se extrai um precedente indispensável para a análise do processo e solução do litígio criminal.

Assente a doutrina quanto à hipótese deste inciso, é válido ressaltar que o Superior Tribunal de Justiça56 já entendeu ser cabível o RESE em face de ato judicial que suspendeu o processo por não comparecimento do réu citado por edital (assim como por não ter este constituído advogado).

2.9 Hipóteses dos incisos VI, XI, XII, XIV, XVII, XVIII, XIX, XX, XXI, XXII, XXIII e XXIV

Por diversas razões e diferentes percepções doutrinário-jurisprudenciais, variando desde a revogação expressa até a revogação tácita, a serem explicitadas a seguir, os incisos VI, XI, XII, XIV, XVII, XVIII, XIX, XX, XXI, XXII, XXIII e XXIV do CPP/41 não mais representam hipóteses de cabimento do RESE.

O inciso VI trazia a hipótese de cabimento do RESE se o ato judicial absolvesse sumariamente o réu no rito do Tribunal do Júri. Entretanto, esta disposição foi revogada expressamente pela Lei 11.689/08, passando a caber nesta hipótese o recurso de apelação, nos termos do Art. 416/CPP.

O inciso XIV desperta divergência doutrinária, sendo necessária atenção especial a esta discussão. Tourinho Filho57 entende que o RESE continua cabível contra ato judicial que inclui ou exclui jurado da lista geral, inclusive defendendo sua interposição no prazo de 20 dias (Art. 586, parágrafo único/CPP). Távora e Alencar58, por sua vez, entendem que o dispositivo foi revogado tacitamente graças à inclusão do § 1º no Art. 426/CPP pela Lei 11.689/08. Silenciando a jurisprudência quanto a esta questão, resta importante esclarecê-la.

A Lei 11.689/08 realizou a referida alteração no Art. 426, originando um recurso específico para quem se oponha às alterações feitas na lista geral de jurados, seja este a reclamação de qualquer do povo. Suprida a hipótese de cabimento do RESE, admitir a permanência do inciso XIV do Art. 581/CPP em vigência vai de encontro à ideia de unirrecorribilidade recursal, visto que 2 recursos seriam oponíveis ante o mesmo ato judicial (podendo ambos serem interpostos pelas partes). Desta forma, seguimos estes últimos autores, entendendo que este dispositivo encontra-se tacitamente revogado por aquela Lei.

Outro dissídio doutrinário gera-se quanto ao inciso XVIII. Tourinho Filho59 e Távora e Alencar60 o entendem como hipótese ainda válida de cabimento do RESE, Entretanto, dissoamos deste entendimento por entendermos que o incidente de falsidade é instituto típico da execução penal, cabendo neste caso, conforme o Art. 197 da Lei 7.210/84, a interposição de agravo em execução.

Quanto à validade do inciso XXIV como hipótese de cabimento do RESE, observa-se um silêncio jurisprudencial. Entretanto, a doutrina abordada é pacífica ao entender que a conversão da multa em pena privativa de liberdade não é mais possível graças à alteração promovida pela Lei 9.268/96 no Art. 51 do Código Penal vigente. Assim, por não mais ser este instituto aplicável ao Direito Penal, seguimos o entendimento de que o mencionado inciso encontra-se tacitamente revogado.

Finalmente, a doutrina analisada é consente em entender que os incisos XI, XII, XVII, XIX, XX, XXI, XXII e XXIII estão tacitamente revogados pela Lei 7.210/84, visto que, por serem institutos aplicados na execução penal, não mais ensejam hipótese de cabimento de RESE, mas sim possibilidade de interposição de agravo em execução (Art. 197).

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Sobre o autor
Péttrus de Medeiros Lucena

Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte – CERES – Campus de Caicó.

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