A administração pública e o consumo sustentável

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30/08/2015 às 20:14
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5. A3P: a gestão socioambiental sustentável da Administração Pública

O dever constitucional imposto ao Estado de preservar o meio ambiente ecologicamente equilibrado; sua obrigação de defender o meio ambiente decorrente do exercício de atividade econômica, inerente às ações realizadas com o intuito de satisfazer suas necessidades; bem como as recomendações constantes do Capítulo 4 da Agenda 21, anteriormente referidas, induziram a criação da Agenda Ambiental na Administração Pública.

A Agenda Ambiental na Administração Pública (A3P)16 é um programa que visa implementar a gestão socioambiental sustentável das atividades administrativas e operacionais do Governo, tendo como princípios a inserção dos critérios ambientais; que vão desde uma mudança nos investimentos, compras e contratação de serviços pelo governo; até uma gestão adequada dos resíduos gerados e dos recursos naturais utilizados, tendo como principal objetivo a melhoria na qualidade de vida no ambiente de trabalho.

A gestão ambiental, segundo Dias, consiste em:

um conjunto de medidas e procedimentos que permite identificar problemas ambientais gerados pelas atividades da instituição, como a poluição e o desperdício, e rever critérios de atuação (normas e diretrizes), incorporando novas práticas capazes de reduzir ou eliminar danos ao meio ambiente.17

A A3P é uma decisão voluntária respondendo à compreensão de que o Governo Federal possui um papel estratégico na revisão dos padrões de produção e consumo e na adoção de novos referenciais em busca da sustentabilidade socioambiental. A criação da A3P foi uma proposta do Ministério do Meio Ambiente (MMA) e tem sido implementada por diversos órgãos e instituições públicas das três esferas de governo e no âmbito dos três poderes, desde 1999. O MMA apoia tecnicamente as instituições interessadas em implementar a A3P, sendo que a participação pode ocorrer por meio da adesão formal18 ou através do cadastro na Rede A3P.

O desenvolvimento da A3P ocorre a partir de cinco eixos temáticos, quais sejam: licitações sustentáveis (sobre as quais se tratará adiante); uso racional dos recursos (redução do desperdício); gestão adequada dos resíduos (política dos 5 R´s: Reduzir, Repensar, Reaproveitar, Reciclar e Recusar consumir produtos que gerem impactos socioambientais significativos); qualidade de vida no ambiente de trabalho (implantação de ações como: uso e desenvolvimento de capacidades, integração social e interna, respeito à legislação e condições de segurança e saúde no trabalho); e sensibilização e capacitação dos servidores (criação da consciência cidadã da responsabilidade socioambiental nos gestores e servidores públicos).


6. Licitações e contratações públicas: regras para o consumo estatal

A CF/88 determina em seu art. 37, inciso XXI, que, ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações da administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações. Além disso, no art. 175, o constituinte dispôs que incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos.

A Lei nº 8.666/93 estabelece as normas gerais sobre licitações e contratos administrativos pertinentes a obras, serviços, inclusive de publicidade, compras, alienações, concessões, permissões e locações.

O art. 3º da Lei de Licitações, com redação dada pela Lei nº 12.349/2010, apresenta os princípios que devem ser observados no que se refere à licitação: isonomia, seleção da proposta mais vantajosa para a administração e promoção do desenvolvimento nacional sustentável, devendo ser processada e julgada em estrita conformidade com os princípios básicos da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da igualdade, da publicidade, da probidade administrativa, da vinculação ao instrumento convocatório, do julgamento objetivo e dos que lhes são correlatos.

Di Pietro ensina que:

A própria licitação constitui um princípio a que se vincula a Administração Pública. Ela é uma decorrência do princípio da indisponibilidade do interesse público e que se constitui em uma restrição à liberdade administrativa na escolha do contratante; a Administração terá que escolher aquele cuja proposta melhor atenda ao interesse público. [grifos da autora]19

A escolha da proposta mais vantajosa, todavia, além de atender ao interesse público, deve atender ao princípio fundamental da dignidade da pessoa humana, já que todos os princípios, inclusive o do interesse público, dele decorrem. Assim, ao abrir um procedimento licitatório, a Administração deve esclarecer com exatidão qual é o interesse público que ela está perseguindo, justificando-o pelos reflexos no princípio da dignidade da pessoa humana.

Justamente por considerar que os diferentes valores são manifestações de preservação da dignidade da pessoa humana e que os princípios jurídicos são normas orientadas a preservar os seus diferentes aspectos, Justen Filho rejeita a tese tradicional da “supremacia” do interesse público e aponta como indispensável determinar e definir, de modo claro, o conteúdo dos interesses perseguidos pelo Poder Público e pelos particulares, realizando ponderação entre eles segundo os valores e os princípios constitucionais.20

O inciso I, do §1º, do art. 3º da Lei nº 8.666/93, dispõe ser vedado aos agentes públicos admitir, prever, incluir ou tolerar, nos atos de convocação, cláusulas ou condições que comprometam, restrinjam ou frustrem o seu caráter competitivo e estabeleçam preferências ou distinções em razão da naturalidade, da sede ou domicílio dos licitantes ou de qualquer outra circunstância impertinente ou irrelevante para o específico objeto do contrato, ressalvado o disposto nos §§ 5º a 12 do próprio art. 3º e no art. 3º da Lei nº 8.248/91. O art. 30, § 5º da Lei de Licitações, ainda veda a exigência de comprovação de atividade ou de aptidão com limitações de tempo ou de época ou ainda em locais específicos, ou quaisquer outras não previstas nessa Lei, que inibam a participação na licitação. Nesses dispositivos está implícito o princípio da competitividade, decorrente do princípio da isonomia, cabendo desde já registrar que não é qualquer especificação de bens ou serviços a serem adquiridos que viola esse princípio, mas apenas aquelas feitas com tal grau de minúcias que, sem qualquer necessidade objetiva para a Administração ou mesmo sustentação jurídica, torne apenas um determinado fornecedor habilitado a fornecê-los.

Assim, determinados direcionamentos nas licitações podem ocorrer, sem qualquer prejuízo à competitividade, nem ao julgamento objetivo, desde que as exigências estejam claras no edital e sejam jurídica e/ou tecnicamente justificáveis21, como quando amparadas na defesa do meio ambiente, tendo em vista a relevância e a pertinência da questão ambiental para o futuro da humanidade, ou legalmente autorizadas, como no caso da preferência assegurada, em igualdade de condições, aos bens e serviços produzidos no País; produzidos ou prestados por empresas brasileiras ou que invistam em pesquisa e no desenvolvimento de tecnologia no País, nos termos dos incisos II, III e IV, do § 2º, do art. 3º, da Lei nº 8.666/93.

Para Barcessat, se escolhas de produtos por razões de conveniência e oportunidade são aceitas, com muito mais razão há que se aceitar as escolhas motivadas na necessidade de conservação e de preservação do meio ambiente, que constituiu um dever (e não mera faculdade) do Estado. Além disso, a nova redação do caput do art. 3º da Lei de Licitações, impõe a observância do princípio da isonomia conjugado com a promoção do desenvolvimento nacional sustentável.22

A partir dos princípios e apontamentos até aqui abordados, pode-se explicar a licitação como o procedimento legal e obrigatório adotado pela Administração Pública com vistas à contratação da proposta mais vantajosa, dentre as apresentadas pelos interessados, que satisfaça suas necessidades de consumo (devidamente especificadas no instrumento convocatório) e promova desenvolvimento econômico e social sustentável, sem violar o princípio da competitividade entre os fornecedores.

Justen Filho aborda a licitação como um instrumento jurídico para a realização de valores fundamentais e a concretização dos fins impostos à Administração, motivo pelo qual a licitação não apresenta fins em si próprios, sendo imperioso ter em vista que a realização das formalidades próprias à licitação não satisfaz, de modo automático, os interesses protegidos pelo Direito, dentre os quais se podem citar o ambiente ecologicamente equilibrado e a sadia qualidade de vida. E continua o autor:

A licitação buscar realizar diversos fins, igualmente relevantes. Busca-se assegurar a seleção da proposta mais vantajosa, com observância do princípio da isonomia. Mas a licitação também é instrumento de controle da regularidade dos gastos públicos, da regularidade ética das condutas dos agentes públicos e dos particulares. Também se pode apontar a licitação como meio para a realização de políticas públicas.23

E dentre as políticas públicas a serem realizadas por meio da licitação, sem dúvida, deve estar a da preservação e defesa de um meio ambiente ecologicamente equilibrado para todos, em razão do dever imposto ao Poder Público pelo caput do art. 225 da CF/88.

Tal qual a licitação, também a contratação pública, por ser a consequência lógica daquele procedimento, se revela como um relevante instrumento de implementação de políticas públicas no âmbito econômico e social. Isso porque, segundo Justen Filho:

Os valores desembolsados pelo Estado por meio de contratos administrativos são muito relevantes. Por isso, as referidas contratações administrativas tornam-se um meio não apenas de satisfazer necessidades imediatas do Estado. Passam a ser um instrumento de incentivo e fomento a atividades reputadas como socialmente desejáveis. Afinal, é vultoso o montante de recursos financeiros desembolsados pelos cofres públicos relativamente a contratações administrativas. Em outras palavras, os gastos públicos são um fator essencial para a promoção do desenvolvimento econômico e social. Não é casual, por isso, que na maior parte dos países a disciplina das contratações administrativas incorpore regras destinadas a assegurar a realização de fins políticos de grande relevo.24

A partir dessa ótica é que o legislador, com a edição da Lei nº 12.349/2010, incluiu a promoção do desenvolvimento nacional sustentável como um dos princípios da licitação, conforme visto anteriormente e detalhado a seguir.


7. Desenvolvimento nacional sustentável: o mais novo princípio regente das licitações

O ser humano, seja enquanto indivíduo, seja enquanto Estado, sempre dependeu da natureza para satisfazer suas necessidades de consumo. De nada adianta criar regras para a economia gerir o consumo se a natureza não for mais capaz de nos fornecer o sustento. Tal já era o ensinamento de Aristóteles em sua obra A Política:

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A questão pela qual começamos era saber se o governo, quer doméstico, quer político, compreende a tarefa de adquirir ou se ele não pressupõe já feitas as aquisições. Pois, assim como a política não faz os homens, mas os recebe da natureza e se serve deles, assim também é preciso antes, para que a economia possa administrá-los, que a natureza forneça nosso sustento, ou do seio da terra, ou do mar, ou de qualquer outra maneira. Um fabricante de tecidos não faz a lã, mas serve-se dela; julga se ela é boa ou má e própria ou não aos seus fins.25

A instituição da promoção do desenvolvimento nacional sustentável como princípio das licitações trata-se do reconhecimento da natureza como uma responsabilidade humana.

Nesse sentido, Jonas explica que, antes de nossos tempos, as interferências do homem na natureza eram essencialmente superficiais e impotentes para prejudicar um equilíbrio firmemente assentado. Todavia, certas transformações nas nossas capacidades, decorrentes, especialmente, da técnica moderna, “acarretaram uma mudança na natureza do agir humano. E, já que a ética tem a ver com agir, a consequência lógica disso é que a natureza modificada do agir humano também impõe uma modificação na ética”. Assim, a natureza como uma responsabilidade humana é uma novidade sobre o qual uma nova teoria ética deve ser pensada, já que nenhuma ética anterior vira-se obrigada a considerar a condição global da vida humana e o futuro distante, inclusive a existência da espécie. Nesse contexto, importam o ator coletivo e o ato coletivo, não o ator individual e o ato individual, sendo que a “natureza modificada do agir humano altera a natureza fundamental da política”.26

A atuação estatal, portanto, deverá levar em conta a responsabilidade coletiva pela perpetuação da espécie humana, uma responsabilidade que ultrapasse o momento presente, que se preocupe com o futuro, que transpareça um comportamento ético que induza toda a população ao que realmente importa, que é o convívio com a natureza de modo equilibrado e sustentável.

O consumo público é orientado pelo procedimento licitatório e, diante do volume que representa, com seu consequente impacto ambiental, nada mais justificava sua prática em desacordo com as regras essenciais à garantia de um desenvolvimento sustentável. Em razão disso, sustenta Nalini:

As regras da licitação constituem imperativo global. Mas não podem ignorar os influxos da profunda mutação tecnológica e científica desta era turbulenta. No momento em que as ameaças à subsistência de vida no planeta deixam o capítulo do catastrofismo para assumirem consistência e proximidade, o Estado já não pode se contentar com o menor preço.27

Assim, urgia o abandono da viabilidade econômica (aquisição pelo menor preço) como único ideal da licitação. Essa variável precisava ser harmonizada com os demais princípios que regem o Estado Brasileiro, em prol, especialmente, da garantia da dignidade da pessoa humana, quais sejam: a justiça social e a defesa do meio ambiente. Entretanto, vale referir que o simples fato de não se priorizar o menor preço no momento da contratação nem sempre importa em prejuízo econômico para a Administração, pois, a médio ou longo prazo, a aquisição de bens ou serviços ambientalmente corretos, que consomem menos água e energia, por exemplo, pode representar vantagens, inclusive econômicas, como as verificáveis com a redução dos gastos com esses insumos naturais.

A partir dessa ótica, Barki explica que a vantajosidade para a Administração nas contratações públicas “não pode ser considerada apenas sob o prisma econômico (direito ao desenvolvimento), importando também o ambiental (direito ao meio ambiente sadio)”.28 Bliacheris, por sua vez, expõe que “a proposta mais vantajosa não é aquela de menor valor, como se poderia apressadamente concluir, mas aquela que melhor atende o interesse público”.29 E quando se fala em interesse público está se falando em interesse da coletividade, sendo do seu maior interesse ver satisfeitos os direitos fundamentais, dentre eles, o da defesa e preservação do meio ambiente ecologicamente equilibrado.

Desse modo, cabe ao Estado, enquanto administrador de um sistema social encontrar os valores ideais para as variáveis desse sistema, sem ignorar nenhuma, pois, como explica Capra, “se tentarmos maximizar qualquer variável isolada em vez de otimizá-la, isso levará, invariavelmente, à destruição do sistema como um todo”.30

O Estado que se habilita a agir dessa forma é o que se pode chamar de Estado Socioambiental, o qual, segundo Fensterseifer, é aquele que aponta para a compatibilidade da atividade econômica com a ideia de desenvolvimento sustentável, não se tratando de um Estado “Mínimo”, mas de um “Estado regulador da atividade econômica, capaz de dirigi-la e ajustá-la aos valores e princípios constitucionais, objetivando o desenvolvimento humano e social de forma ambientalmente sustentável”.31 Para Teixeira, o Estado Socioambiental deve levar em conta a crise ambiental e posicionar-se diante da sua tarefa de defesa do ambiente, tendo em vista o dever que lhe é imposto pelo caput do art. 225 da CF/88, cumprindo um papel intervencionista e implementador de novas políticas públicas para tal mister.32

O constituinte, ao compartilhar o dever de tutela do ambiente entre particulares e Estado, impôs àqueles deveres fundamentais e a este, deveres de proteção. Os deveres de proteção ambiental do Estado, conforme nos ensina Fensterseifer, devem atender ao princípio da proporcionalidade, ou seja, estão proibidos os excessos, da mesma forma que as insuficiências, especialmente as decorrentes da omissão de medidas destinadas a efetivar esse dever, ou da atuação de modo manifestamente insatisfatório.33

Assim, no que se refere à tutela do meio ambiente, está proibido o Estado de consumir de forma insustentável, continuando a optar apenas pelo menor preço sem se preocupar com os reflexos ambientais das suas contratações, até porque, nos termos do art. 225, § 1º, inciso V, da CF/88, também lhe compete “controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente”. Por outro lado, também não se espera do Estado uma postura que apenas privilegia a proteção ambiental, devendo essa acontecer concomitantemente com o desenvolvimento do mercado, seja interferindo, seja regulando, para que a viabilidade econômica continue sendo alcançada por meio das licitações.

A inclusão da promoção do desenvolvimento nacional sustentável como um dos princípios da licitação apenas tornou explícita a necessidade de a proteção do meio ambiente constar como um dos objetivos a ser atingido pelo procedimento licitatório, seja na contratação de obras e serviços sustentáveis, seja na aquisição de bens, pois, tendo em vista o disposto no caput do art. 225 e no inciso VI do art. 170 da CF/88, já se tratava de um objetivo implícito, do qual a Administração Pública não poderia afastar-se sob pena de violar seu dever constitucional de defender e preservar o meio ambiente ecologicamente equilibrado, enquanto bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida.

Meneguzzi, entretanto, entende que tais dispositivos, cumulados com o inciso IV do § 1º do art. 225 da CF/8834, o parágrafo único do art. 5º e o art. 10 da Política Nacional do Meio Ambiente35 e o art. 12 da Lei de Licitações36, apenas serviam para exigir a contratação de obras e serviços sustentáveis, não possuindo o mesmo panorama a questão das compras.37

A Agenda Ambiental na Administração Pública (A3P), todavia, já abordava as licitações sustentáveis lato sensu em um dos seus eixos temáticos antes mesmo da alteração legislativa que incluiu a promoção do desenvolvimento nacional sustentável como um dos princípios da licitação. Segundo o referido programa, as denominadas licitações sustentáveis são aquelas que levam em consideração a sustentabilidade ambiental dos produtos e processos a ela relativos, sendo importantes não apenas para a boa conservação do ambiente, como também por representarem uma melhor relação custo/benefício a médio ou longo prazo quando comparadas às que se valem do critério de menor preço.

As licitações sustentáveis são também conhecidas por compras públicas sustentáveis, compras ambientalmente amigáveis, ecoaquisições ou compras verdes, sendo aquelas que consideram a variável ambiental, com o intuito de garantir um consumo harmonizado com o princípio do desenvolvimento sustentável.

Barcessat define a licitação sustentável como aquela que tem como objetivo precípuo utilizar o poder de compra estatal visando a propiciar uma postura sustentável das empresas, que terão de se adequar às exigências caso queiram vender para o setor público. Assim, no entender da autora, visando a implementação dos ideais previstos na Constituição (art. 225 e 170), as licitações sustentáveis não só podem como devem ser utilizadas com fins regulatórios (não apenas econômicos), nos termos do art. 174 da CF/8838, isto é, como meio de fomentar uma atividade, restringi-la ou até mesmo desestimulá-la, pois isso prestigia a ideia de bem comum, assim como a noção de relevante interesse coletivo, já que induz práticas que produzam efeitos sociais que venham ao encontro dos desígnios constitucionais.39

Registre-se que tal entendimento não vai de encontro com a própria disposição do art. 174, pois, ainda que as funções de fiscalização, incentivo e planejamento exercidas pelo Estado sejam apenas indicativas para o setor privado, a tendência é que as empresas queiram atender as exigências estipuladas para o consumo estatal, tendo em vista os elevados valores envolvidos nos contratos públicos. Todavia, inexistindo interesse de determinadas empresas em se submeter ao novo modelo de consumo, nenhuma penalidade lhe será imposta (pelo menos não diretamente), mas terá que arcar com as consequências de eventual desinteresse do consumidor (público e particular) pelos seus produtos, serviços ou obras.

Para Bliacheris, ao abrir um mercado significativo às empresas que produzem de um modo mais limpo e de menor impacto ambiental, as licitações sustentáveis incorporam claros elementos de incentivo, sendo que as questões pertinentes ao papel indutor do Estado, da utilização do poder do Estado para criar mercado para produtos sustentáveis estão sintetizadas no princípio da ecoeficiência, consagrado no art. 6º, V, da Lei nº 12.305/201040.41

No mesmo sentido é o entendimento de Santos, que acredita que com a exigência de objetos sustentáveis por parte do Estado, o mercado passará a se movimentar para atender essa demanda, o que levará ao desenvolvimento de bens, serviços e obras que atendam a critérios de sustentabilidade. Dessa forma, as licitações e contratações públicas sustentáveis implicam em uma forma de intervenção do Estado na ordem econômica, visando assegurar a defesa do meio ambiente por meio do incentivo ao desenvolvimento de atividades e bens sustentáveis, o que também possui inegável caráter educativo.42

Eventualmente, as formas de intervenção do Estado podem não ser suficientes para obter êxito em licitações sustentáveis, especialmente quando, apesar de adequadamente definido o bem ou serviço que se pretende adquirir, não se encontrar fornecedor apto no mercado. Nesses casos, deve-se cogitar a exploração direta da atividade econômica pelo Estado, tendo em vista o relevante interesse coletivo envolvido na temática socioambiental, nos termos do art. 173 da Constituição de 198843.

Para Bim, a licitação sustentável é aquela influenciada por parâmetros de consumo menos agressivos ao meio ambiente, que integra critérios ambientais de acordo com o estado da técnica. A licitação sustentável objetiva adquirir bens, serviços e obras com reduzido impacto ambiental em comparação com os outros que servem à mesma finalidade, sendo que tal comparação poderá, por exemplo, considerar o material bruto, a produção, o fabrico, o empacotamento, a distribuição, o reuso, a operação, a manutenção ou a disposição/eliminação do produto ou serviço.44

O detalhamento do que vem a ser a promoção do desenvolvimento nacional sustentável almejada pelo legislador é de extrema importância, pois desenvolvimento sustentável, como bem alertado por Ferreira, é um conceito em aberto, cuja utilização poderá fazer a Administração Pública cair na armadilha da subjetividade, tão prejudicial aos processos licitatórios, em razão da abertura dada a impugnações e paralisações, que acabam prejudicando a população usuária do serviço público e o próprio meio ambiente, já que paralisação, em geral, se traduz em desperdício. Assim, imprescindível estabelecer com cautela as especificações dos bens e serviços a serem adquiridos, sendo que as Políticas Nacionais de Mudança Climática (Lei nº 12.187/2009, art. 6º, XII45) e de Resíduos Sólidos (Lei nº 12.305/2010, art. 7º, XI46) vieram auxiliar nessa atribuição, já que elas dão o norte, os parâmetros, para que se definam os produtos que favorecem o desenvolvimento sustentável.47

Segundo o Ministério do Meio Ambiente, o poder de compra do governo representa cerca de 10 a 15% do PIB Nacional, o que evidencia sua importância enquanto agente econômico, na medida em que cria mercado, especialmente no que se refere aos produtos ambientalmente corretos, motivo pelo qual assume liderança dando o exemplo. Todavia, a promoção do desenvolvimento nacional sustentável não poderá, conforme já enfatizado anteriormente, violar totalmente os demais princípios da licitação, como os da isonomia e da economicidade, os quais devem ser harmonizados em prol do interesse da coletividade.

Sobre a autora
Cirlene Luiza Zimmermann

Mestre em Direito pela Universidade de Caxias do Sul – UCS. Professora de Direito na Universidade de Caxias do Sul - UCS. Coordenadora da Revista Juris Plenum Previdenciária. Procuradora Federal - AGU. Autora do Livro “A Ação Regressiva Acidentária como Instrumento de Tutela do Meio Ambiente de Trabalho”.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Mais informações

Trabalho apresentado no I Congresso Internacional Florense de Direito e Ambiente – Preservação e Gestão das Florestas, realizado nos dias 28, 29 e 30 de agosto de 2011, pelo Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Direito da Universidade de Caxias do Sul – UCS, na cidade de Caxias do Sul – RS.

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