Exclusão de herdeiro por indignidade

31/08/2015 às 18:37
Leia nesta página:

Analisa-se nesse comentário de acórdão o equívoco do judiciário ao declarar indigno aquele que fora absolvido pelo Tribunal do Júri (TJ-RJ; AC 2006.001.03903)

EXCLUSAO DE HERDEIRO. EXCLUSÃO POR INDIGNIDADE. ART. 1595. INC. I. C.CIVIL DE 1916. PROCEDENCIA DO PEDIDO. Ação ordinária. Exclusão de herdeiro por indignidade. Artigo 1.595, inciso I do Código Civil de 1916. Absolvição do réu pelo Tribunal do Júri. Sentença absolutória que não impede o prosseguimento da ação cível e não gera efeitos sobre esta, uma vez que não é fundamentada e se baseia somente na livre e íntima convicção dos jurados. Indignidade do herdeiro que depende de sentença declaratória, a ser proferida em ação proposta por qualquer dos interessados na sucessão, observado o prazo prescricional de quatro anos, a contar da abertura da sucessão. Prova dos autos que revela indícios bastantes de que o réu-apelante tenha sido o autor do crime, justificando sua exclusão. Desprovimento do recurso. (TJ-RJ; AC 2006.001.03903; Décima Oitava Câmara Cível; Rel. Des. João Batista Oliveira Lacerda; Julg. 09/05/2006).

Comentário:

Trata-se de jurisprudência do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro bem interessante.

Primeiramente, cabe destacar que o caso foi julgado com base no Código Civil de 1916, o que por certo não atrapalhará a sua análise, visto que a essência do instituto é a mesma, aplicando, então, mutatis mutandis, o Código Civil de 2002 no comentário.

O julgamento em questão foi proferido nos autos de ação ordinária ajuizada, conforme preceitua o artigo 1.815 do atual Código Civil, por DULCIMAR MEDEIROS DA ROCHA, mãe de JOSÉ CLEBER LUIZ DA ROCHA, pai de ROBSON AMARAL DA ROCHA.

Consta na decisão a quo que ROBSON assassinou seu pai, JOSÉ CLEBER, conforme processo crime anexado aos autos. Por isso, o MM. Juiz deferiu o pedido autoral da mãe do de cujus (DULCIMAR) para declarar a indignidade de seu neto, ROBSON, por este ter matado o autor da herança (inciso I do artigo 1.814 do CC).

O ponto mais intrigante no julgado é o fato de ter ficado claro nos autos que o recorrente foi absolvido do crime no tribunal do júri, mas mesmo assim o juiz ter julgado procedente o pedido para excluí-lo da sucessão hereditária do pai, por entender presentes fortes indícios de autoria do homicídio e comprovados os requisitos para afastamento dele da herança.

No caso, o recorrente alegou que a sentença de absolvição criminal produz efeitos no cível, devendo ser julgado improcedente o pedido autoral por ele já ter sido absolvido no Júri.

Na decisão do acórdão, o relator afirmou:

“tendo em vista a independência das jurisdições penal e civil, a absolvição do apelante na esfera criminal, não impede o prosseguimento da presente demanda e a análise ampla dos fatos e das provas articuladas no pleito inicial, ainda mais por se tratar de decisão apertada do Tribunal do Júri, cuja decisão não é fundamentada e se baseia apenas na livre e íntima convicção dos jurados, e por não ter sido reconhecida categoricamente a inexistência material do fato, na forma do art. 66 do CPP.”

Para tanto, o relator cita Sérgio Cavalieri Filho:

“A decisão dos jurados, como de todos sabido, não é motivada. Quando o Júri absolve nunca se sabe se foi ou não por insuficiência de provas. Poderá até mesmo ocorrer decisão absolutória manifestamente contrária à prova dos autos. Por isso tem-se entendido que a decisão absolutória do Júri sobre a questão do fato e da autoria, por não ser fundamentada, não tem nenhuma influência no juízo cível”.[1]

Além do mais, afirmou que a prova dos autos apresenta indícios veemente, suficientes e desconcertantes de que o crime foi cometido pelo ora apelante, já que o próprio acusado reconheceu a existência de desentendimentos com seu pai, por causa da namorada, e admitiu a prática do delito, embora tenha atribuído o fato a uma misteriosa “entidade” religiosa.

Por isso, manteve-se a sentença.

Pois bem.

Conforme ensina Maria Helena Diniz,

“nosso direito não segue os passos da lei portuguesa, belga ou francesa, que requerem, como requisito dessa pena civil, a prévia condenação criminal do herdeiro ou do legatário, de modo que, no Brasil, a defesa invocada pelo apelante, segundo a qual ele ainda não foi julgado criminalmente, não tem qualquer procedência (RT, 164:707)”.

Afirma também a autora:

“A prova da indignidade pode ser produzida no cível. É óbvio, porém, que uma absolvição do acusado, pelo reconhecimento de uma excludente de criminalidade, impede o questionamento do fato no cível, de acordo com o art. 935 do Código Civil, visto que a sentença criminal produz efeito de coisa julgado em relação aos efeitos civis.”[2]

Não obstante precioso ensinamento da Professora citada, a questão ainda é controvertida.

A solução da questão a ser perseguida diz respeito à influência da absolvição do réu no Júri na ação ordinária de indignidade.

O primeiro entendimento, baseado na sentença, no acórdão e na doutrina de Sérgio Cavalieri Filho, diz que as esferas civil e criminal são independentes e que as provas no cível podem ser analisadas ampla e livremente, de modo que, se não for afastada enfaticamente a materialidade ou a autoria pelo juízo criminal, ao juízo cível é dado amplo poderes.

Além do que, diminui-se a “certeza jurídica” da decisão do Tribunal do Júri, dando, assim, muito mais razão ao juiz cível de agir conforme entenda.

O segundo entendimento, ao qual se considera correto, vê equivocada a decisão do tribunal.

Ora, tem-se que o processo criminal ao qual foi submetido o recorrente/réu/indigno é o que mais dá (ou deveria dar) garantia na busca pela certeza jurídica.

Fique sempre informado com o Jus! Receba gratuitamente as atualizações jurídicas em sua caixa de entrada. Inscreva-se agora e não perca as novidades diárias essenciais!
Os boletins são gratuitos. Não enviamos spam. Privacidade Publique seus artigos

Como se sabe, neste tipo de processo criminal o réu é submetido a duas fases processuais, já que, uma vez pronunciado, vai à Júri popular, onde os argumentos são longamente debatidos.

Dizer que o Júri não é confiável é decretar a mais absurda falência da segurança jurídica no sistema brasileiro.

Ora, se não posso dizer com toda certeza que tal pessoa é assassina ou que ela é inocente, mesmo depois de ter sido condenado ou absolvido pelo Júri, mas posso dizer como toda certeza que tal contrato é inválido ou não, é sinal alguma coisa está errada.

O que deveria dar mais certeza, uma condenação por homicídio ou a decretação de invalidade de um contrato ou mesmo a declaração de indignidade? O que é mais forte, chamar alguém de assassino ou de indigno (lembrando que mesmo os condenados por simples crime contra a honra também são indignos)?

Sem dizer que é cabível recurso quanto ao resultado do Júri, quando a acusação ache que as provas foram ignoradas.

No caso em tela, entende-se que é incabível que duas decisões do mesmo fato sejam contrárias dentro do mesmo sistema jurídico. Mesmo que a decisão do Júri seja absolutória por falta de provas ela é exauriente, isto é, ela foi a fundo na questão.

Deste modo, o argumento de que a decisão do Júri não é confiável é incoerente, pois, caso assim o fosse, estaríamos certamente andando em meio a assassinos e assistindo, complacentemente, a inocentes condenados a vários anos de prisão.

Um tribunal não deveria atestar a sua própria fragilidade e injustiça e permanecer inerte. Deveria, pois, reconhecer os efeitos da sentença absolutória perante todas as esferas possíveis, reconhecendo a processo penal como o mais garantista de todos eles.


[1] CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Responsabilidade Civil. 6. ed. P. 553.

[2] DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. 28. ed. São Paulo: Saraiva. v. 6. p. 69.

Assuntos relacionados
Sobre o autor
Alexandre Castro

Possui graduação em Direito - Faculdades Integradas de Vitória (2010). Atualmente é mestrando pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo em Direito Civil Comparado (bolsista pelo CNPq).

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Leia seus artigos favoritos sem distrações, em qualquer lugar e como quiser

Assine o JusPlus e tenha recursos exclusivos

  • Baixe arquivos PDF: imprima ou leia depois
  • Navegue sem anúncios: concentre-se mais
  • Esteja na frente: descubra novas ferramentas
Economize 17%
Logo JusPlus
JusPlus
de R$
29,50
por

R$ 2,95

No primeiro mês

Cobrança mensal, cancele quando quiser
Assinar
Já é assinante? Faça login
Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Colabore
Publique seus artigos
Fique sempre informado! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos