Súmula 436 do STJ e o cerceamento de defesa

31/08/2015 às 19:01
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O presente trabalho aborda o cerceamento de defesa de processos em âmbito administrativo fiscal, no que tange a impugnações de tributos sujeitos a lançamento por homologação.

SÚMULA 436 DO STJ E TEMAS CONEXOS

INTRODUÇÃO

O presente trabalho aborda o cerceamento de defesa de processos em âmbito administrativo fiscal, no que tange à impugnação de tributos sujeitos a lançamento por homologação. O estudo se volta para uma análise do processo administrativo em seu embasamento principiológico, com o fito de que, a seguir, discuta-se, analisando a constituição do crédito tributário, a inconsistência lógica dos entendimentos jurisprudenciais, consubstancializados na Súmula 436 do Superior Tribunal de Justiça.

CONTROLE ADMINISTRATIVO E O DIREITO DE PETIÇÃO

Controle da Administração Pública, nas palavras de José dos Santos Carvalho Filho, é “o conjunto de mecanismos jurídicos e administrativos por meio dos quais se exerce o poder de fiscalização e de revisão da atividade administrativa em qualquer das esferas de Poder.”(CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 23. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010. p. 108)

Logo, de acordo com a definição acima colada, o controle é um conjunto de mecanismos jurídicos, dispostos em lei, em obediência ao princípio da legalidade, através dos quais se efetivam o poder de fiscalização e de revisão da atividade Estatal.

Os três poderes da República Federativa do Brasil, Legislativo, Executivo e Judiciário estão sujeitos a normas de controle da administração pública. Entretanto, vale ressaltar que o controle aqui abordado não se refere ao controle político entre poderes, pois este tem por base a interferência entre os poderes por meio do sistema de freios e contrapesos, o que não objeto de estudo deste trabalho.

O controle administrativo tem linhas diversas. De fato, ele também atua nas três esferas de poder, entretanto sem causar interferência entre elas. Este tipo de controle tem função meramente administrativa, atuando nos serviços administrativos de seus órgãos.

A Administração Pública, nesta seara, tem o poder-dever de rever seus atos quando estiverem estes em desacordo com a legislação. Essa revisão dos próprios atos é também denominada autocontrole, da Administração Pública. (MACHADO SEGUNDO, Hugo de Brito. Processo Tributário. 5 ed. São Paulo: Atlas, São Paulo 2010. p. 105)

Este autocontrole será exercido quando provocado, podendo exercer qualquer pessoa física e jurídica, através do exercício do seu direito de petição.

O direito de petição está garantido no artigo 5º, XXXIV, de nossa Carta Magna, e confere à pessoa, independente do pagamento de taxas, a faculdade de peticionar aos poderes públicos contra ilegalidade ou abuso de poder. Conforme ressalta Gilmar Mendes, “no conceito de petição há de se compreender a reclamação dirigida à autoridade competente para que reveja ou eventualmente corrija determinada medida, a reclamação dirigida à autoridade superior com o objetivo idêntico, o expediente dirigido à autoridade sobre a conduta de um subordinado, como também qualquer pedido ou reclamação relativa ao exercício ou à atuação do Poder Público.” (MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de Direito Constitucional 9. ed. rev. e atual. – São Paulo : Saraiva, 2014. p. 434)

Dessa forma, o processo administrativo deriva do controle interno da Administração Pública, bem como do efetivo exercício do direito de petição. Neste sentido, leciona o professor Hugo Segundo:

[…] a existência de um processo administrativo de controle interno da legalidade dos atos da Administração Pública é decorrência inexorável dos princípios do Estado de Direito e do devido processo legal, e da regra que assegura o direito de petição. Não pode, portanto, ser afastada, ou amesquinhada, pelo legislador infraconstitucional.” (MACHADO SEGUNDO, Hugo de Brito. Processo Tributário. 5. ed. São Paulo: Atlas, São Paulo, 2010, p.105)

DEVIDO PROCESSO LEGAL

A Constituição Federal de 1988 incorporou em seu texto o princípio do devido processo legal. De origem inglesa, pois remona à Magna Charta Libertatum de 1215, e consagrado também no art. XI, nº 1 da Declaração Universal dos Direitos do Homem, o princípio “configura dupla proteção ao indivíduo, atuando tanto em âmbito material de proteção ao direito de liberdade, quanto no âmbito formal, ao assegurar-lhe paridade total de condições com o Estado-persecutor e plenitude de defesa”.(MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 6. ed. São Paulo: Atlas, 1999, p.112)

O Estado de Direito, conforme vimos, cria direito e a ele se submete. Em âmbito processual, o Estado deve definir normas que disciplinem o processo, de forma que organizem os atos de uma maneira lógica para que se obtenha determinado fim, e impondo a ele próprio e às partes envolvidas submissão às regras processuais.

Tais normas, entretanto, devem ser estabelecidas de forma que garantam a igualdade das partes em conflito, bem como a possibilidade de essas partes participarem de forma efetiva do processo.

Neste sentido, leciona brilhantemente o Professor Hugo De Brito Machado Segundo:

“... podemos definir o princípio em comento como sendo aquele segundo o qual ninguém poderá ser privado da liberdade ou de seus bens seão através de um processo regulado por normais legais previamente estabelecidas, que assegurem a igualdade material das partes em conflito, e a possibilidade de essas partes influenciarem na convicção do julgador para a prolação de uma decisão justa, razoável, e a mais próxima possível da determinada pelo Direito material. Se bem percebermos, praticamente todos os demais princípios jurídicos do processo são desdobramentos do devido processo legal.” (MACHADO SEGUNDO, Hugo de Brito. op. cit. p. 54)

Percebe-se logo, pela definição dos mestres acima coladas, que o princípio aludido tem como corolário dois outros princípios consagrados em nossa constituição federal, a saber, o princípio da ampla defesa e do contraditório. Insta mencionar que o devido processo legal, logicamente, também deve ser observado em âmbito administrativo. Com efeito, o processo administrativo deve ser todo regulado por normas de forma que se observe o princípio do devido processo legal em toda sua amplitude.

Os princípios da ampla defesa e do contraditório são corolários do princípio do devido processo legal. Neste aspecto, a Carta Magna de 1988, em seu art. 5º, inciso LV, consagra que, aos litigantes em processo judicial ou administrativo, bem como aos acusados em geral, são assegurados o contraditório e a ampla defesa.

Destarte, havendo processo litigioso, seja em âmbito administrativo ou judicial, a constituição garante a ampla defesa e o contraditório aos litigantes. Desse raciocínio, conclui-se que em processos que não sejam litigiosos, tais como o inquérito policial, fiscalização, por exemplo, não incidem os princípios aludidos.

Entende-se por ampla defesa o “asseguramento que é dado ao réu de condições que lhe possibilitem trazer ao processo todos os elementos tendentes a esclarecer a verdade ou mesmo de omitir-se ou calar-se, se assim entender necessário” (MORAES, Alexandre de. op. cit. p.113). Percebe-se então que a Constituição, ao consagrar o princípio em seu texto, garantiu aos litigantes todos os “meios necessários à articulação de suas pretensões, à comprovação dos fatos sobre os quais estas se fundam e à reforma de decisões eventualmente equivocadas.” (MACHADO SEGUNDO, Hugo de Brito. op. cit. p. 36)

O contraditório por sua vez é desdobramento da ampla defesa. De fato, é a forma com a qual esta se exterioriza. Determina o princípio que deve ser dado às partes o devido conhecimento do teor daquilo que se faz no processo, do que se pretende obter com o mesmo, bem como a possibilidade de cooperar e/ou contrariar.

CONSTITUIÇÃO DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO

As relações jurídicas tributárias derivam do poder tributar da Administração Pública. De fato, o Estado detém soberania. Externamente, essa soberania é a manifestação independente do poder do Estado perante outros Estados. Internamente, significa o “imperium que Estado sobre o território e a população, bem como superioridade do poder político frente aos demais poderes sociais, que lhe ficam sujeitos, de forma mediata ou imediata”. (BONAVIDES, Paulo. op. cit. p. 112)

Este poder, como vimos, no Estado de Direito, está expresso todo no ordenamento criado pelo próprio Estado. No exercício de sua soberania, o Estado, para sobreviver, exige dos administrados o fornecimento de recursos para o funcionamento da Administração Pública.

É neste sentido que o Estado cria, através de leis, o tributo, e deste é que deriva a relação tributária. É por isso que, tendo em conta o princípio da legalidade, sua relação com o Estado de Direito, e o poder de tributar, que a doutora Maria Rita Ferragut afirma que a base de todo o estudo de constituição do crédito tributário se dá através de uma profunda análise da norma jurídica. Declara com rara felicidade a mestre que “crédito é norma. Obrigação é norma. Lançamento é norma. Regra-matriz de incidência tributária é norma. Decadência é norma, e assim por diante”.(FERRAGUT, Maria Rita. Crédito Tributário, Lançamento e Espécies de Lançamento Tributário. In: SANTI, Eurico Marcos Diniz de. (Org) Curso de Espcialização em Direito Tributário. Estudos Analíticos em homenagem a Paulo de Barros Carvalho. Rio de Janeiro: Forense: 2007, p. 307)

Segundo a teoria adotada pelo Código Tributário Nacional, o crédito tributário deriva da ocorrência no mundo dos fatos da hipotése de incidência descrita na norma.

A lei tributária define uma situação hipotética que, uma vez verificada no mundo fático, gera uma obrigação entre o Estado e administrado, consistente no dever de pagar determinado tributo, ou determinada multa. O Código Tributário Nacional, em seu artigo 113, regula esta obrigação, denominando-a de obrigação tributária.

A obrigação tributária e o crédito tributário são dois aspectos distintos da relação jurídica tributária. Com efeito, a obrigação tributária é um primeiro momento desta relação. Esta, entretanto, deve se aperfeiçoar no sentido de formalizar seus aspectos materiais. Logo, obrigação tributária não é exigível, necessitando de ato administrativo, o lançamento, para que a torne líquida e certa. Neste segundo momento, nasce o crédito tributário.

Neste sentido, uma vez verificada a hipótese de incidência e nascida a obrigação tributária, cabe à Administração torná-la líquida, certa e exigível. Logo, deverá o Estado, conforme determina o artigo 142 do CTN, verificar a ocorrência da hipótese de incidência, determinar a matéria tributável, calcular o montante do tributo devido, identificar o sujeito passivo e, sendo o caso, propor a aplicação de penalidade cabível. O CTN chama tal procedimento de Lançamento Tributário, e é através deste que a obrigação tributária se torna crédito tributário.

Neste viés, explica com rara felicidade o mestre Hugo de Brito Machado:

“o crédito tributário, portanto, é o vínculo jurídico, de natureza obrigacional, por força do qual o Estado (sujeito ativo) pode exigir do particular, o contribuinte ou o responsável (sujeito passivo), o pagamento do tributo ou da penalidade pecuniária (objeto da relação obrigacional).” (MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 27. ed. São Paulo: Editora Malheiros, 2006, p. 190.)

Sabe-se que existem discussões na doutrina sobre a configuração do Lançamento Tributário como procedimento ou ato administrativo. De fato, alguns teóricos defendem que o lançamento seria um procedimento, outros doutrinam que seria, em verdade, um ato administrativo.

Conforme explicado, o procedimento é composto de atos administrativos. Os que entendem que o lançamento é um procedimento defendem que todos os atos que precedem o ato de lançar formam, junto com este último, o procedimento denominado lançamento tributário. Já a outra parte da doutrina entende que o lançamento é um ato, que pode ser sucedido de um procedimento preparatório. Seria o lançamento, nesta segunda tese, à qual nos filiamos, o ato administrativo de constituição do crédito tributário. Sobre o tema, ensina o mestre Hugo de Brito Machado Segundo:

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Realmente, o lançamento tributário é, a rigor, um ato adminstrativo. Entretanto, esse ato é sempre praticado ao cabo de um procedimento preparatório, que pode ter complexidade e extensão maior ou menor. Pode o referido ato, eventualmente, ser ainda sucedido por um porcesso administrativo de controle de sua legalidade, processo este chamado por alguns doutrinadores de fase conteciosa do lançamento. Em vista disso, parece-nos que podemos empregar a expressão lançamento de modo mais riforoso, a significar apenar o ato administrativo de constituição do crédito tributário; ou de modo mais amplo, a englobar, também, o mero procedimento que antecede a prática desse ato, ou, com extensão ainda maior, o processo administrativo de controle de sua legalidade.(MACHADO SEGUNDO, Hugo de Brito. op. cit. p. 56)

Outra discussão doutrinária sobre lançamento tributário refere-se à natureza declaratória ou constitutiva do ato.

Vimos que ocorrida a hipótese de incidência no mundo fático, nasce uma obrigação tributária, e desta decorre o crédito tributário, o qual terá a mesma natureza da obrigação que o fundamentou. Deste modo, um crédito tributário não fundamentado em uma obrigação só existe formalmente, sendo o lançamento que o constituiu totalmente indevido, devendo ser extinto na esfera administrativa ou judicial. Neste sentido, vejamos o que estabelece o artigo 142 do CTN:

Art. 142. Compete privativamente à autoridade administrativa constituir o crédito tributário pelo lançamento, assim entendido o procedimento administrativo tendente a verificar a ocorrência do fato gerador da obrigação correspondente, determinar a matéria tributável, calcular o montante do tributo devido, identificar o sujeito passivo e, sendo caso, propor a aplicação da penalidade cabível.

Parágrafo único. A atividade administrativa de lançamento é vinculada e obrigatória, sob pena de responsabilidade funcional.

Percebe-se que o legislador, ao dispor no texto normativo que “compete privativamente à autoridade administrativa constituir o crédito tributário pelo lançamento”, utilizou literalmente a tese de que o lançamento tem natureza constitutiva no que diz respeito ao crédito tributário, determinando, desta forma, que não há crédito sem lançamento que o constitua.

Entretanto, há de se observar que a natureza do lançamento quanto à obrigação tributária tem natureza diversa. De fato, conforme explicitado, a obrigação nasce com a ocorrência no mundo fático da hipótese de incidência descrita na norma. Desta forma, o lançamento não a constitui. De acordo com o texto normativo do artigo 142 do CTN, compete à autoridade tributária “verificar a ocorrência do fato gerador da obrigação correspondente”. Assim, o lançamento tributário declara que ocorreu, de fato, a situação hipotética prevista, motivo pelo qual, existe a obrigação tributária. Logo, quanto a esta, o lançamento tem natureza declaratória.

Conclui-se então que o lançamento tributário tem natureza jurídica mista, sendo constitutiva quanto ao credito tributário e declaratória quanto à obrigação tributária.

Outro ponto importante a se discutir neste trabalho refere-se à competência para lançar estabelecida pelo ordenamento jurídico brasileiro.

O CTN, em seu artigo 7º, assim estabelece:

Art. 7º A competência tributária é indelegável, salvo atribuição das funções de arrecadar ou fiscalizar tributos, ou de executar leis, serviços, atos ou decisões administrativas em matéria tributária, conferida por uma pessoa jurídica de direito público a outra, nos termos do § 3º do artigo 18 da Constituição.

Faz-se essencial ressaltar que a doutrina difere os conceitos de competência tributária e de competência tributária ativa.

A competência tributária, se encarada em sentido amplo, refere-se às funções políticas e administrativas tributárias. Neste sentido, além da competência de instituir o tributo, editar leis definindo os critérios materias, espaciais e temporais tributários, há também a competência de caráter administrativo, referentes às funções de arrecadar, fiscalizar, executar leis, serviços, atos ou decisões administrativas em matéria tributária.

A competência tributária de caráter político é indelegável, conforme inteligência do artigo supracitado, já a capacidade tributária ativa, referente às funções meramente administrativas, é delegável.

O CTN estabelece que a competência para lançar determinado tributo é da autoridade administrativa, não determinando a qual autoridade faz alusão. Assim, o código deixa para que cada ente político institua a devida legislação determinando qual será a autoridade administrativa responsável pelo lançamento27. Ressalte-se que o ato de lançar está dentro do conceito de capacidade tributária ativa, podendo ser delegável a pessoa jurídica de direito público diversa daquela que detém a competência tributária de instituir o tributo. Uma vez estabelecida, torna-se esta competência de lançar indelegável pela pessoa responsável.

O CTN determina que o lançamento pode ocorrer em três modalidades distintas, variando conforme a intensidade de participação do sujeito passivo no procedimento que antecede o ato de lançar.

Neste viés, o CTN estabelece a modalidade de lançamento por ofício, na qual praticamente não ocorre participação do contribuinte; a modalidade por declaração, em que há um certo equilíbrio entre participação do sujeito passivo e atividade do sujeito ativo; e, por fim, o lançamento por homologação, na qual o sujeito passivo é responsável por praticamente quase toda a atividade que compõe o procedimento que antecede o ato de lançar.

No lançamento por homologação, conforme já dito, há uma importante participação do sujeito passivo no procedimento preparatório do lançamento. Vejamos o que estabelece o artigo 150 do CTN:

Art. 150. O lançamento por homologação, que ocorre quanto aos tributos cuja legislação atribua ao sujeito passivo o dever de antecipar o pagamento sem prévio exame da autoridade administrativa, opera-se pelo ato em que a referida autoridade, tomando conhecimento da atividade assim exercida pelo obrigado, expressamente a homologa.

Logo, de acordo com a norma, o contribuinte é mero preparador, pois lhe é atribuído o dever de apurar todos os dados necessários, calcular o montante devido e antecipar o pagamento relativo ao tributo antes de qualquer manifestação da autoridade fiscal. É esta a atividade a que se refere o código, que será objeto da homologação do fisco.

Faz-se essencial, para os objetivos desse estudo, estabelecer em que consiste este ato homologatório.

Neste sentido, leciona com perfeição o mestre Alberto Xavier que o conceito de homologação é o seguinte:

[…] ato administrativo pelo qual um órgão deliberativo aceita a sugestão proposta por um órgão consultivo e a converte em decisão sua, de tal modo que o conteúdo da homologação é a proposta homologada. Esta última tem a natureza de parecer e só a homologação lhe confere caráter definitivo ou executório. É certo que em certos casos as leis administrativoas usam ainda a expressão homologação no sentido impróprio de 'ratificação' de um ato de competência própria de superior hierárquico, praticado, por motivo de urgência, por subalterno. Mas a verdade é que nem numa nem noutra destas acepcções se pode enquadrar a aberrante figura do 'lançamento por homologação'. É que a estas é comum a idéia de que objeto de homologação é um aato administrativo, a que aquela imprime uma eficácia específica, de que o ato homologado se encontrava privado. Ora, no 'lançamento por homologação' não existe qualquer ato administrativo suscetível de um controle, mas sim um ato jurídico, praticado por particular, em que se traduz o pagamento da obrigação tributária, ato esse insuscetível de homologação, ao menos à luz do conceito técnico jurídico deste instituto.”(XAVIER, Alberto. Do Lançamento, Teoria Geral do Ato, do Procedimento e do Processo Tributário. 2 ed. Rio de Janeiro: Forense: 1997, p. 322)

Concordamos perfeitamente com o que leciona Alberto Xavier. De fato, há erro técnico no que tange ao termo homologação empregado. Hugo de Brito Machado Segundo explica que a homologação tributária é ato administrativo que aprova, ratifica ou confirma a atividade do sujeito passivo, referentes aos atos necessários a constituição do crédito tributário (SEGUNDO, Hugo. op. cit. p. 58). Hugo de Brito Machado, na mesma linha, afirma que o objeto da homologação não é o pagamento, e sim a apuração do montante possível (SEGUNDO, Hugo. op. cit. p.195).

SÚMULA 436 E SUA INCONSTITUCIONALIDADE

Surge então uma problemática não solucionada pelo código. Considerando, conforme acima demonstrado, que a atividade do contribuinte se resume na apuração e no pagamento do montante devido, assim como que a atividade da autoridade fiscal é a homologação, sendo esta a ratificação, aprovação ou confirmação da atividade desenvolvida pelo sujeito passivo, há de se cogitar a possibilidade de o contribuinte declarar e não pagar o tributo, situação esta que não encontra respostas em nosso ordenamento.

Neste sentido, o STJ sumulou esta tese:

Súmula 436

Ementa

A entrega de declaração pelo contribuinte reconhecendo débito fiscal constitui o crédito tributário, dispensada qualquer outra providência por parte do fisco.

Esta súmula é fruto de reiterado entendimento adotado por nossos tribunais pátrios, porém conforme demonstraremos, apesar de ampla aceitação dentro da magistratura, não devemos nos dobrar para o que acreditamos ser uma afronta aos direitos do contribuinte garantidos em nossa ordem constitucional.

O entendimento do STJ se baseia na seguinte ideia: em se tratando de tributo sujeito a lançamento por homologação, a simples prestação de declaração do montante devido constitui o crédito tributário. Ou seja, apesar de grande parte da doutrina refutar o conceito de autolançamento, os magistrados parecem adotá-la nesta situação, equiparando a declaração prestada a uma confissão de dívida, o que dispensaria a implementação de um posterior processo administrativo que discutisse o tributo, bem como notificação prévia. Vejamos alguns julgados:

"TRIBUTÁRIO – EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL – DÉBITO DECLARADO PELO CONTRIBUINTE E NÃO PAGO NO VENCIMENTO – DCTF – PRESCRIÇÃO – TERMO INICIAL.

1. Em se tratando de tributo lançado por homologação, tendo o contribuinte declarado o débito através de Declaração de Contribuições de Tributos Federais (DCTF) e não pago no vencimento, considera-se desde logo constituído o crédito tributário, tornando-se dispensável a instauração de procedimento administrativo e respectiva notificação prévia.

2. Divergências nas Turmas que compõem a Primeira Seção no tocante ao termo a quo do prazo prescricional: a) Primeira Turma: a partir da entrega da DCTF; b) Segunda Turma: da data do vencimento da obrigação. 3. Hipótese dos autos que, por qualquer dos entendimentos está prescrito o direito da Fazenda Nacional cobrar seu crédito.

4. Recurso especial provido" (REsp 644.802/PR, Rel. Ministra Eliana Calmon, DJU de 13.04.07);

TRIBUTÁRIO. EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL. DÉBITO DE FINSOCIAL DECLARADO PELO CONTRIBUINTE E NÃO PAGO NO VENCIMENTO. DCTF. DECADÊNCIA AFASTADA. PRAZO PRESCRICIONAL CONSUMADO. ART. 174 DO CTN.

1. A constituição do crédito tributário, na hipótese de tributos sujeitos a lançamento por homologação ocorre quando da entrega da Declaração de Contribuições e Tributos Federais (DCTF) ou de Guia de Informação e Apuração do ICMS (GIA), ou de outro documento equivalente, determinada por lei, o que elide a necessidade de qualquer outro tipo de procedimento a ser executado pelo Fisco, não havendo, portanto, que se falar em decadência. A partir desse momento, em que constituído definitivamente o crédito, inicia-se o prazo prescricional de cinco anos para a cobrança da exação, consoante o disposto no art. 174 do CTN.

2. Recurso especial não provido. (RECURSO ESPECIAL Nº 1.090.248 – SP – 2008/0198248-7)

TRIBUTÁRIO. DÉBITO DECLARADO E NÃO PAGO. LANÇAMENTO PELO FISCO. DESNECESSIDADE. CERTIDÃO NEGATIVA DE DÉBITO. LEGALIDADE DA RECUSA. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL. SÚMULA N. 83/STJ.

1. Tratando-se de débito declarado e não-pago (art. 150 do CTN), caso típico de autolançamento, não tem lugar a homologação formal, passando o débito a ser exigível independentemente de prévia notificação ou da instauração de procedimento administrativo fiscal.

2. Se constituído o crédito tributário por meio da declaração do contribuinte, sendo dispensável o lançamento, é legítimo o Fisco recusar-se a expedir certidão negativa de débito.

3. "Não se conhece do recurso especial pela divergência, quando a orientação do Tribunal se firmou no mesmo sentido da decisão recorrida" -Súmula n. 83 do STJ.

4. Recurso especial conhecido pela alínea "a" e improvido. (REspL Nº 603.448 - PE - 2003/0194605-3)

O ato de lançar, como vimos, é ato privativo da autoridade administrativa. O ordenamento tributário não define que autoridade seria esta, ficando a cargo de cada ente político a incumbência de determiná-la. Esta competência é exclusiva da autoridade fiscal, sendo, assim, indelegável.

Dessa forma, a constituição do crédito tributário, que somente pode ser estabelecido com o lançamento, é tarefa exclusiva da autoridade, não sendo possível outra forma de constituição do crédito senão por ato de autoridade competente para tal.

Neste sentido, no que tange ao lançamento por homologação, a denominação “autolançamento”, por alguns adotada, é completamente inequívoca, pois dá ensejo à interpretação de que o sujeito passivo lança tributo contra ele mesmo. Ora, como vimos, nesta modalidade, o contribuinte apura as informações e paga o montante que entende devido, limitando-se a autoridade a homologar esta atividade. Logo, por ser o ato de lançar exclusivo do fisco, o lançamento resume-se à homologação da atividade. Entender de forma diversa é admitir que a competência de lançar o tributo é delegável, e mais, no caso, está sendo atribuída a um particular ausente do funcionamento da máquina estatal.

No caso de o contribuinte declarar e não pagar o tributo, entende a jurisprudência que já está formado o crédito tributário e que não houve o devido pagamento, podendo o débito ser inscrito na dívida ativa e ser passível de execução. Tal situação é absurda e não observa os preceitos legais do CTN.

Neste sentido, leciona o professor Hugo de Brito Machado Segundo:

[…] o que importa é que seria indefensável a atuação do Fisco ao exigir crédito com base nas declarações do contribuinte, se não a presidisse a homologação expressa de tais declarações. A não ser assim, teria o Fisco de valer-se ou do lançamento de ofício ou do lançamento por declaração, aplicando as normas dos artigos 147 e 149 do CTN, o que na verdade não ocorre.(SEGUNDO, Hugo. op. cit. p.59)

Conforme explicitado no início deste trabalho, deriva do Estado de Direito adotado em nossa Constituição, bem como da possibilidade de autocontrole da própria Administração Pública, quando provocada através do efetivo exercício do direito de petição dos indivíduos, com observância dos princípios do devido processo legal, da ampla defesa e do contraditório, consagrados nos incisos LIV e LV da Carta Magna, o direito de o contribuinte exercer, em âmbito administrativo, o seu direito de defesa contra atos administrativos que ferem a ordem legal.

O lançamento, como vimos, constitui o crédito tributário. Ao notificar o sujeito passivo, o crédito se presume definitivo, somente admitindo alteração em hipóteses excepcionais, estabelecidas pelo artigo 145 do CTN. Uma dessas hipóteses é a impugnação do lançamento.

A impugnação, logo, constitui-se em uma forma legal de contestar a pretensão do Fisco de receber o que lhe entende devido, instaurando um litígio, em sede administrativa. Esse litígio é o que se denomina de fase contenciosa do lançamento.

O direito de exercer esta impugnação tem sede constitucional e não pode ser afastada pelos magistrados, como de fato ocorre com o entendimento sumulado. Sobre o direito de defesa do contribuinte, ensina Alberto Xavier:

“Mas não poderá dizer-se que o direito de audiência foi exercido efetiva, embora antecipadamente, através das próprias declarações do contribuinte sobre os elementos de fato relevantes para tributação? Redondamente não. Desde logo por que a idéia de defesa pressupõe antecipada é uma 'contradictio in terminis', pois a defesa pressupõe logicamente uma prévia manifestação da autoridade administrativa, em relação à qual o particular manifesta as razões de fato e de direito em defesa de seus interesses. Em segundo lugar, porque é inadmissível confundir com o direito de defesa o cumprimento de um dever dos particulares de colaboração instrutória para a descoberta da verdade material. Ao prestar declarações, o particular não está a defender-se, nem a confessar: está, isso sim, a informar elementos instrutórios relevantes para o procedimento de um lançamento. Uma coisa é o exercício de um dever de colaboração, outra coisa, totalmente distinta, o exercício do direito de defesa.” (Xavier, Alberto, Do Lançamento – Teoria Geral do Ato, Do Procedimento e do Processo Tributário, 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1997, p. 413)

Entendemos que o correto procedimento a ser tomado, respeitando os direitos dos contribuintes garantidos constitucionalmente, era o adotado na legislação do Estado do Ceará. Conforme a Lei 12.732 de 1997, o contribuinte que, em relação a tributo sujeito a lançamento por homologação, declara e não paga, submete-se a processo administrativo sumário, desta forma, não seria necessário um processo de maior complexidade, pois há de se levar em conta que, havendo a declaração do próprio contribuinte, os pontos de divergência tendem a ser menores, o que diminui a complexidade processual. Há de se ressaltar, entretanto, que a lei citada foi modificada para adaptação ao entendimento sumulado no STJ.

Corroborando com esta tese, leciona o professor Hugo de Brito Machado:

“Entretanto, se o contribuinte praticou a atividade de apuração, prestou à autoridade administrativa as informações realtivas aos valores a serem pagos (DCTF, GIA etc.), e não efetuou o pagamento, pode a autoridade homologar a apuração de tais valores e intimar o contribuinte a fazer o pagamento, com a multa decorrente do inadimplemento do dever de pagar antecipadamente, sob pnea de imediata inscrição do crédito tributário então constituído como Dívida Ativa. Ter-se-á um lançamento por homologação sem antecipação do pagamento correspondente. O que caracteriza essa modalidade de lançamento é a exigência legal de pagamento antecipado. Não o efetivo pagamento antecipado. (MACHADO, Hugo de Brito. op. cit. p. 195)

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Sobre o autor
Pedro Henrique Gomes Ribeiro

Formado na Faculdade de Direito da Universidade Federal do Ceará<br><br>Analista da Receita Federal do Brasil

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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