O homicídio culposo e a lesão corporal seguida de morte

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07/09/2015 às 11:13
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6. A LESÃO CORPORAL SEGUIDA DE MORTE

O crime de lesão corporal tem sua objetividade jurídica em ofender a integridade corporal ou a saúde de outrem (artigo 129).

O dano à integridade física trazido pelo crime deve ser juridicamente apreciável. Como dano à integridade corporal entende-se a alteração anatômica ou funcional, interna ou externa que lese o corpo, como ferimentos, cortes, luxações, fraturas, etc. O dano à saúde compreende a alteração seja fisiológica ou ainda a psíquica. Assim a dor física ou a crise nervosa, sem comprometimento físico ou mental, não configura lesão corporal, podendo caracterizar um crime de tortura, como bem disseram Celso Delmanto, Roberto Delmanto, Roberto Delmanto Junior, Fábio M. de Almeida Delmanto.18

É crime comum quanto ao sujeito, doloso, culposo (artigo 129, § 8º do Anteprojeto) ou preterdoloso (nas suas diversas figuras), comissivo ou omissivo, material, instantâneo e de resultado, sendo necessário o exame de corpo delito (artigo 158 do CPP).

Está a lesão corporal, na redação do Anteprojeto do Código Penal, na seguinte forma:

-lesão corporal grave em primeiro grau, se resulta (parágrafo primeiro):

a) incapacidade para as ocupações habituais por mais de quinze dias;

b) dano estético ou

c) enfermidade grave.

- lesão corporal grave em segundo grau, se resulta (parágrafo segundo):

a) perigo de vida;

b) enfermidade grave e incurável;

c) incapacidade permanente para o trabalho que a vítima exercia;

d) debilidade permanente de membro, sentido ou função ou

e) aceleração do parto.

-lesão corporal grave em terceiro grau, se resulta (parágrafo terceiro):

a) perda ou inutilização do membro;

b) aborto, desconhecendo o agente a gravidez da vítima;

c) incapacidade para qualquer trabalho ou

d) deformidade permanente.

Há a hipótese da lesão corporal culposa e ainda da culpa gravíssima, podendo o juiz conceder o perdão judicial, § 10º, nas hipóteses de lesões corporais culposas em que: a vítima for ascendente ou descendente, irmão, cônjuge ou companheiro do agente ou pessoa com quem tinha laços estreitos de afeição ou o próprio agente for atingido física ou psiquicamente de forma comprovadamente grave pela infração ou suas consequências.

A ação penal é pública incondicionada se a lesão corporal é dolosa ou preterdolosa.

Correta a opção do Anteprojeto, no § 11 do artigo 129, ao prescrever que, nos casos de lesão corporal leve19 ou culposa, somente se procede mediante representação, exceto se se tratar de violência doméstica contra a mulher, caso em que a ação penal será pública incondicionada.

Da mesma forma, merecedor de aplausos o anteprojeto, no artigo 129, §7º, ao determinar o agravamento da pena, de um terço até dois terços, se: a vítima for criança ou adolescente, pessoa com deficiência física ou mental, idoso ou mulher grávida ou por preconceito de raça, etnia, identidade ou orientação sexual, condição de vulnerabilidade social, religião, procedência regional ou nacional ou em contexto de violência doméstica ou familiar.

Mas poderá ocorrer lesão corporal seguida de morte (artigo 129, parágrafo quarto), isso se resulta morte e as circunstâncias evidenciam que o agente não quis o resultado, nem assumiu o risco de produzi-lo. A pena é de prisão de quatro a doze anos.

Recorre-se a Aníbal Bruno20 para quem tem-se o crime preterintencional quando o resultado ocorrido é mais grave do que o querido pelo agente, e por esse mais em que o resultado excede o contido no seu dolo responde ainda o agente, agravando-se- lhe a pena.

Temos que, a partir de Binding, vincula-se o segundo resultado mais grave à responsabilidade do agente á título de culpa.

Afaste-se da ideia trazida por Ranieri21 que admite que o resultado se prende ao comportamento do agente pelo simples nexo de causalidade o que torna possível a responsabilidade somente através de um processo causal típico.

Há nesse processo dolo em relação ao resultado antecedente e culpa no resultado conseqüente.

Em verdade, o crime preterdoloso é um crime misto, em que há uma conduta que é dolosa, por dirigir-se a um fim típico, e que é culposa por causação de outro resultado que não era objeto do crime fundamental pela inobservância do cuidado objetivo. São crimes qualificados pelo resultado.


Notas

1 FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições de direito penal, Rio de Janeiro, Forense, Rio de Janeiro, parte especial (artigos 121 a 212), 7ª edição, pág. 62.

2 BRUNO, Aníbal. Direito penal, parte geral, Tomo II, 1967, pág. 83.

3 HUNGRIA, Nelson. Comentários ao Código Penal, volume V/186.

4 O artigo 19, II, do Anteprojeto prevê que o tipo é culposo, quando o agente, em razão da inobservância de deveres de cuidado exigíveis nas circunstâncias, realizou o fato típico.

5 CHAMOUN, Ebert Viana. Instituições de direito romano, Rio de janeiro, Forense, 5ª edição, pág. 109.

6 GARCIA, Basileu. Instituições de direito penal, 5ª edição, São Paulo, Max Limonad, 1980, vol. I, t.I, pág. 297.

7 BRUNO, Aníbal. Direito penal, Rio de Janeiro, Forense, 1959, v. II, pág. 94.

8 BRUNO, Aníbal. Obra citada, pág. 94.

9 ASSIS TOLEDO, Francisco. Princípios básicos de direito penal, São Paulo, RT, 4º edição, pág. 303.

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10 FRAGOSO, Heleno Cláudio. Obra citada, pág. 66.

11 GOMES, Luiz Flávio.Culpabilidade, gradualidade da culpa e culpa temerária.

12 SANTANA, Selma Pereira. A culpa temerária, São Paulo, RT, 2005.

13 CAVALIERI FILHO, Sérgio, Programa de responsabilidade civil, São Paulo, Atlas, 9ª edição, pág. 37.

14 Na vigência do Código Penal de 1940, o parágrafo quarto do artigo 121, prevê causa especial de aumento de pena de um terço.

15 Tal disposição assim como no caso da lesão corporal apenas se aplica quando se trata de um profissional, pois apenas nesse caso se acresce a medida do dever de cuidado exigido, a desprezar as regras do seu ofício.

16 MIRABETE, Júlio Fabbrini. Manual de direito penal, São Paulo, Atlas, 25ª edição, pág. 49.

17 FRAGOSO, Heleno Cláudio. Obra citada, pág.70.

18 DELMANTO, Celso; DELMANTO, Roberto; DELMANTO JUNIOR, Roberto; DELMANTO, Fábio M. de Almeida. Código penal comentado, São Paulo, Renovar, 6ª edição, pág. 272.

19 A teor do artigo 129, § 6º, do Anteprojeto, o juiz poderá, não sendo graves as lesões, aplicar apenas pena de multa.

20 BRUNO, Aníbal. Obra citada, pág. 76.

21 BRUNO, Aníbal, obra citada.

Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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