Você já recebeu um e-mail, contando uma estória comovente sobre uma criança que se encontra doente ou desaparecida e que pedia o repasse imediato da mensagem para todos os seus conhecidos? Na carta eletrônica havia menção sobre uma forma de pagamento à família da tal infante, algo em torno de cinqüenta centavos, que seria feito por uma grande empresa, por cada e-mail presente na lista de pessoas que recebeu e repassou a mensagem?
Se você reenviou esta mensagem ou outras similares a esta, há uma grande possibilidade de que seu e-mail esteja presente nos inúmeros cadastros que atualmente se vendem pela Internet, visando ao envio de mensagens não solicitadas, geralmente de cunho comercial, o famoso SPAM. Caso, dentro de alguns dias, passe a receber vários e-mails de remetentes que você certamente não conhece, não se assuste, você foi vítima de spammers (como são conhecidos os que enviam spam).
A primeira consideração a ser feita é que não se conhece, até a presente data, nenhuma forma de remuneração por quantidade de cartas eletrônicas enviadas. Em segundo plano, ao se deparar com algum tipo de pedido de ajuda no mundo virtual, procure o <i>site</i> institucional da empresa referida na mensagem que estaria financiando a assistência. Se a campanha de solidariedade não for um boato, muito provavelmente será encontrado algum anúncio sobre ela.
A verdade é que essa corrente, aparentemente inofensiva, pode ser uma tentativa fraudulenta de se tentar obter contas ativas de correio eletrônico para confecção de cadastros gigantescos, com endereços eletrônicos de usuários de Internet. Esses cadastros, geralmente, são elaborados por empresas que têm o intuito de vendê-los para outras empresas, ou pessoas físicas, constituindo-se uma espécie de mala direta eletrônica.
Na esfera cível, essa conduta de se constituir cadastros fere o Código de Defesa do Consumidor, que em seu artigo 43, parágrafo 2º, estipula a proibição de inserção de pessoas, ou de seus dados, em listas cadastrais, sem que haja sido conferida sua prévia anuência, podendo ensejar, àqueles que se sentirem lesados, a devida reparação pelos danos sofridos. Além disso, no âmbito penal, tal atitude pode configurar crimes de fraude e se enquadrar em delitos graves, como os de falsa identidade ou estelionato, ou até mesmo formação de quadrilha para prática de crime.
Estas listas de e-mails, uma vez compradas por terceiros, muito provavelmente servirão para o envio de mensagens eletrônicas não solicitadas, chamadas de spam ou junk mail. A maioria das mensagens veiculadas por esse tipo de marketing cibernético advém de administradores de sites pouco conhecidos, que procuram sua rápida e barata divulgação, ou de empresas prestadoras de serviço, que acabam obtendo pouca credibilidade no mercado por adotarem tal atitude, considerada antiética pela maioria internauta.
O spam consiste em uma atitude condenável, em que se obriga o destinatário da mensagem a despender tempo e dinheiro em energia elétrica, telefone, provedor de Internet, etc., para baixar uma informação não solicitada e que, na maioria das vezes, não tinha interesse algum em receber. Por isso, aquele que adota esse péssimo tipo de "marketing", ao invés de fazer com que "milhares de usuários tenham acesso ao seu produto", vincula sua empresa a uma imagem antiética e a uma prática que muitos advogados especializados consideram invasão de privacidade, nos termos do artigo 5º, inciso X, de nossa Constituição da República.
Nos Estados Unidos, onde o fluxo de informações pela Internet é bem maior, foi baixado em 2001 o Anti-Spamming Act (Lei Contra o Spam), segundo o qual se procura coibir, por todo o Estado norte-americano, essa indesejável prática que, como uma peste, vem tomando conta do ambiente cibernético. Entretanto, antes desse diploma legal regular a matéria no nível federal, muitos estados-membros norte-americanos já a disciplinavam de alguma forma, prevendo até penas para aqueles que descumprissem a norma.
A prática de spam per se, no Brasil, não tem amparo legal específico e por isso não é prevista punição, penal ou civil, específica para ela. Para tentar suprir esta lacuna do ordenamento jurídico, o Projeto de Lei nº 6.210/02, que se encontrava em tramitação na Câmara dos Deputados, procurava limitar o envio de mensagem eletrônica não solicitada. Entretanto, este PL foi arquivado em 31 de janeiro de 2003, por força do artigo 105 do Regimento Interno da Câmara dos Deputados (Resolução nº 17, de 1989). Apesar disso, antes de seu arquivamento, em 6 de agosto de 2002 já havia sido apresentado um projeto renovado sobre spam: o PL nº 7.093/02.
Causa-nos surpresa constatarmos que tanto no texto do PL nº 6.210/02 quanto no do PL nº 7.093/02, vê-se a adoção do sistema opt-out, pelo qual o destinatário tem que expressar a vontade de não mais receber spams, posicionamento que vai diametralmente de encontro ao disposto no artigo 43, parágrafo 2º do Código de Defesa do Consumidor (CDC) . O CDC, apesar de ser lei ordinária, visa à manutenção das boas relações de consumo e, no que for mais benéfico ao consumidor – parte mais fraca da relação jurídica, deve-se buscar sua preservação e não-colisão com futuras leis ordinárias, que o poderiam abrogar.
Ao contrário disso, deve-se enveredar pelo sistema do opt-in, segundo o qual deve o consumidor previamente expressar sua vontade de receber informativos ou propagandas – condição esta sine qua non para o envio da mala direta eletrônica. Este sistema, sim, atende ao finalismo buscado pela mens legis quando da elaboração do nosso CDC.
Face às possibilidades de regulamentação do spam e à falta de congruência dessas com a legislação de proteção ao consumidor vigente, parece-nos que o Brasil ainda se encontra longe de trilhar um caminho sensato e que procure proteger a privacidade dos usuários de Internet.