Palavras-chave: Breve história do registro civil das pessoas naturais no mundo antigo. Código Hammurabi. Mundo romano. Reformas de Augusto e Marco Aurélio. Casamento romano. Controle dos óbitos em Roma. Início da registração do estado civil.
Sumário: 1. Introdução - História do Registro da Vida das Pessoas. 2. Uma Breve História do Registro Civil na Antiguidade: 2.1. O Famoso Código de Hammurabi; 2.2. O Mundo Romano; 2.2.1. A Fase de Sérvio Túlio - Início da Contagem Populacional; 2.2.2. A Fase de Augusto - Controle da Procriação ; 2.2.3. A Fase de Marco Aurélio - Universalização do Registro de Nascimento; 2.2.4. O Controle dos Óbitos; 2.2.5. O Casamento Romano; 2.2.6. A probatio per vocem et famam. 3. Conclusão. 4. Referências bibliográficas.
1. Introdução - História do Registro da Vida das Pessoas
Desde que surgiu, o ser humano vem fazendo questão de registrar sua existência, ou seja, de marcar sua passagem pelo universo. De uma forma ou de outra, as pessoas sempre valorizaram o resguardo da memória, fosse desenhando nas cavernas, fosse contando histórias em torno de fogueiras.
Mas, se, por um lado, essa memória buscava manter lendas e tradições de um grupo humano, por outro, relacionava-se ela, também, à vida das pessoas. Pelos registros encontrados pelos arqueólogos, é possível observar que as inscrições não tinham somente a função de controle das tradições, coesão social e polícia estatal, visavam elas, em última análise, marcar a existência da pessoa e suas nuances, como o nascimento e a morte, além de acontecimentos outros da vida.
Muitos exemplos podem ser colhidos. As pirâmides: são formas de registrar a vida do faraó. Nelas, estão escritos feitos, acontecimentos e sua morte, ou seja, a vida desse homem que era visto como uma encarnação divina.
Porém, o que queria essa pessoa? Ser lembrada pelas gerações futuras. Quis o faraó, apenas, registrar sua existência; pretendeu fazer que notassem que nasceu, viveu, foi um grande homem e que morreu. Nada mais.
O que se buscou afirmar até aqui, de forma ampla, não apenas jurídica, é que o registro do curso da humanidade faz parte da natureza do homem. Por onde passa, a humanidade faz questão de marcar sua existência. Sendo assim, é possível dizer que onde há o ser humano, há seu registro.
Entretanto, juridicamente, a importância dos dados sociais só ganhou relevância com o nascimento dos primeiros aglomerados humanos - o que não permite dizer que desde sempre existiu um sistema registros públicos. Houve, sim, momentos de gerenciamento dessas informações, mas não como nos moldes atuais.
É bom lembrar que as primeiras pessoas viviam em pequenos grupos, em que todos os seus membros, ou quase todos, eram conhecidos. Nessas situações, as relações jurídicas são simples e de fácil prova. Aqui, a demonstração do estado civil das pessoas é facilmente feita por meio de testemunhas - afinal, a vida dos indivíduos é, de certa forma, de conhecimento da coletividade.
Entretanto, em grandes ajuntamentos, nos quais há grande trânsito de pessoas, e onde os indivíduos, raramente, se conhecem, as relações sociais exigem um sistema de segurança jurídica mais aperfeiçoado, no qual a prova testemunhal passa a perder um pouco de sua aura.
Se, nos primórdios da humanidade, os registros tinham apenas fins de controle numérico da população, com o reconhecimento de seu papel estratégico nas funções estatais, as inscrições públicas passaram a ser política de Estado.
Dessa forma, o Registro Civil é instituição jurídica que vem se transformando ao longo da humanidade.
Se, por um lado, é matéria ainda não consolidada pela doutrina brasileira, por outro, essa área do Direito vem ganhando muito destaque atualmente, em virtude do seu reconhecimento social - a corroborar tal tendência, podem ser citados o fenômeno da desjudicialização, que delega ao Registro Civil novas atribuições, e a ideia de descodificação da disciplina, que induz à criação de legislação específica sobre o tema.
Assim, o que se pretende, com esse pequeno trabalho, é tentar trazer um pouco de história dessa registração do estado civil das pessoas na antiguidade.
2. Uma Breve História do Registro Civil na Antiguidade
2.1. O Famoso Código de Hammurabi
Como já mencionado, a ideia de manter a memória dos acontecimentos que sucedem na vida de uma pessoa é antiga, vem dos primórdios da humanidade.
Não obstante, a noção jurídica de registro público, ou seja, a importância coletiva, não só individual, dos fatos que atingem a pessoa é, de certa forma, recente, nasceu com o início das grandes civilizações.
Antes disso, havia uma variada forma de publicização da existência do ser humano. Em tal época, a publicidade ocorria segundo os costumes locais, geralmente por meio de cerimônias, públicas ou privadas, na presença de parentes ou de pessoas pertencentes ao grupo social - clã, gens, tribo - por ocasião do nascimento, do nome, da puberdade, das núpcias e da morte, sendo que cada um desses acontecimentos exigia um ritual próprio, segundo a tradição.
Ocorre que esse sistema da "fama pública", que se utiliza de testemunhos para a comprovação da situação jurídica da pessoa humana, só funciona em aglomerados singelos. Trata-se, em verdade, de ideia que vai bem em pequenos grupos humanos, em que quase todos se conhecem, mas que não traz a necessária segurança que grandes sociedades exigem.
Por tal razão, talvez seja no Código de Hammurabi que se possa ver o início de certo interesse jurídico estatal na inscrição dos acontecimentos que dizem respeito à existência da pessoa humana. É nesse diploma legal que se observa o início de alguma forma de registro dos atos do estado civil. Nessa época, o casamento era visto como um contrato. Sem tal solenidade, a mulher não era considerada esposa[2].
De fato, o enfoque dado pelo Código de Hammurabi é a natureza contratual do casamento. A lei não se interessa, na essência, com o registro do ato em si. Mas, ao exigir uma documentação[3] do matrimônio, acabou por criar uma forma de registração civil.
2.2. O Mundo Romano
2.2.1. Fase de Sérvio Túlio - Início da Contagem Populacional
Para o mundo itálico, por sua vez, foi em Roma que se viu a primeira centelha do registro civil, que parece retroceder ao rei Sérvio Túlio[4].
Segundo relatos do historiador Dionísio de Hallicarnasso, o referido rei impôs um censo à população. Por tal mecanismo, a cada 5 anos, o pater elaborava um documento chamado tabulae census, no qual declarava o patrimônio familiar, a situação pessoal do declarante - nome dos pais, idade e domicílio - e dos membros da família - esposa e número de filhos.
Além da obrigatoriedade da declaração do censo pelo chefe familiar, o mesmo rei, e sempre com o mesmo fim de recenseamento, criou um interessante sistema de contagem populacional. Ele obrigou a população a jogar uma moeda nos templos religiosos, quando ocorria um nascimento ou óbito, de tal modo que, através de sua contagem, era possível conhecer a quantidade da população e, principalmente, quantos homens estavam aptos a pegar em armas.
No caso do nascimento, atirava-se uma moeda junto ao templo da deusa Lucina, filha de Juno com Júpiter, já que protetora dos partos e das gestantes. Para a ocasião do falecimento, jogava-se no de Venus Libitina, pois era ela a deusa da morte, dos cadáveres e dos funerais. Quando da puberdade masculina, ato que representava a entrada de um homem na vida adulta, a moeda era para o templo de Juventas, divindade protetora dos adolescentes no momento de deixar a infância.
É possível perceber, então, que os romanos, já nos primórdios de seus dias, demonstravam o interesse na contagem da situação de seu povo. De forma criativa e ao mesmo tempo prática, o sistema de contagem de moedas redundava em arrecadação tributária e facilidade de aferição.
Assim, fica claro, que a ideia inicial, na cabeça dos romanos, era apenas arrecadatória e militar. Não havia preocupação, nesse período, de registrar o fato, controlando sua legalidade, mas apenas a preocupação em conhecer o efetivo bélico disponível - quando se fala da puberdade masculina - ou meramente arrecadatória, quando se fala das outras situações - nascimento e morte.
Em suma, o sistema inicial de resguardo dos dados das pessoas, nos primórdios de Roma, tinha natureza de mero censo.
2.2.2. A Fase de Augusto - Controle da Procriação
Entretanto, com o aumento de sua potência e as consequentes guerras e conquistas que acompanham tais transformações, Roma viu-se obrigada a interferir, diretamente, na procriação de sua elite, principalmente através do casamento. A ideia era aumentar a população, já que a filiação numerosa sempre foi um elemento essencial para o crescimento da civitas e da força politico-militar romana.
Assim, a expansão romana exigia cada vez mais pessoas nas fileiras militares, fazendo com que fosse uma dever do cidadão romano promover o aumento demográfico de Roma.
Ocorre que, com as conquistas, novos povos passaram a ter contato com os romanos, inclusive misturando-se a eles. Em tais situações, espera-se que haja, e de fato houve, uma miscigenação de culturas, com gentis casando-se com livres, escravos sendo libertos ou procriando com outros.
Com efeito, se, por um lado, a expansão romana trouxe riquezas e prestígio a seu povo, por outro, essa diversidade levou a um declínio de sua população livre - o chamado Populus Romanus -, fazendo com que o Imperador Otaviano Augusto, por meios de várias leis, especialmente de índole matrimonial, visando a estabilidade do Império, levasse a cabo uma reforma ético-matrimonial dos costumes romanos.
Os exemplos mais conhecidos e citados são as denominadas lex Iulia de Maritandis Ordinibus, lex Papia Poppaea e, finalmente, a lex Aelia Sentia. Todas essas leis regularam, de certa forma, o casamento, visando, em última análise, o controle populacional de Roma.
A primeira norma - lex Iulia de Maritandis Ordinibus - estabeleceu, basicamente, que estavam obrigados a contrair um iustum matrimonium os homens entre os 25 e os 60 anos e as mulheres entre os 20 e os 50 anos, sob pena de sanções, como as de limitação à ascensão a cargos públicos.
A lex Aelia Sentia, de 4 d.C., visou controlar a manumissão, ou seja, a libertação de escravos pelos seus senhores. Por esta norma, um escravo só poderia ser liberto quando tivesse, pelo menos, 20 anos de idade.
A seu turno, a lex Papia Poppea, de 9 d.C, regulava questões de ordem sucessória, além de atribuir recompensas às famílias com prole numerosa, decorrente do ius liberorum.
Porém, tais leis não tratavam, especificamente, do registro civil das pessoas naturais; visavam, apenas, a pureza racial da elite romana. Como ensina Juan Iglesias, não há em Roma registros do estado civil[5].
Não obstante, indiretamente, pode-se dizer que tais leis criaram um sistema de registros públicos sobre o estado civil da pessoa natural. Afinal, foi necessário comprovar, perante os órgãos de Estado, o cumprimento das obrigações criadas por tais normas.
Como dito acima, a lei Aelia Sentia consentia benefícios ao romano de prole numerosa e, em contrapartida, impunha sanções ao cidadão sem descendência.
Assim, para a demonstração do adimplemento da procriação, ou seja, para fins de recebimento de benefícios estatais, ou até mesmo para evitar imposição de sanções, no mundo grego-egípcio[6], mas já sob domínio romano[7], foi criada a praxe de se declarar, perante autoridade pública, o nascimento de cidadão livre.
Com efeito, para a aplicação dessa normativa, foi necessário criar um sistema de registros de nascimento[8], constituído das declarações dos interessados perante a autoridade pública. Aqui começa a existir o interesse no registro civil da pessoa natural.
Logo, apesar de não serem regras específicas de registros públicos, indiretamente o nascimento - talvez o ato mais importantes da vida das pessoas - passou a ser registrado por órgão públicos especialmente designados para tanto, através de uma declaração - professio liberorum [9] - feita perante autoridade competente.
Fabio Lanfranchi[10], examinando alguns papiros egípcios sobre as declarações de nascimento no Direito Romano, traz o seguinte exemplo de professio, retirado do Papiro de Michigan 766, de 128 d.C:
L. Nonio Torquato Asprenate II M. Annio Libione co(nis(ulibus) Idib(us) April(ibus)
anno XII Imperatoris Caesaris Traiani Hadriani Aug(usti)mense
Pharmuthi die XVII Alex(andreae) ad Aeg(yptum)
descriptum et recogntium ex tabula profe-
sionum quibus liberi nati sunt
quae tabula proposita erat in foro Aug(usti)
in qua scripitum fuid id quod infra scri-
ptum est M. Claudio Squilla Gallicano
T. Atilio Rufo Titiano co(n)s(ulibus) anno XII Imp(eratoris)
Caesaris Traiani Hadriani Aug(usti) T. Flavio
Titiano praef(ecto) Aeg(ypti) professiones liberorum
acceptae citra causarum cognitionem.
O que se percebe, nessa época, é que a captação das declarações era facultativa e sempre citra causarum cognitionem, ou seja, sem qualquer constatação ou exame preventivo dos fatos narrados.
Não existia, nessa fase, um sistema direto de aceitação do nascimento, senão indireto, cuja verdadeira finalidade era demonstrar que a pessoa estava cumprindo com suas obrigações como cidadão romano. Tanto assim era, que a declaração era recebida sem análise de sua veracidade.
2.2.3. A Fase de Marco Aurélio - Universalização do Registro de Nascimento
Tal sistema vigorou até a chamada Reforma de Marco Aurélio. Foi ele quem impôs a obrigatoriedade de registro dos nascimentos de todos os cidadãos romanos, legítimos ou ilegítimos, razão pela qual lhe é atribuída a origem do estado civil.
Os historiadores[11] dizem que, depois de ter estado no Egito, onde já se praticava o registro dos nascimentos por funcionários do Estado, Marco Aurélio introduziu, então, pela primeira vez, por decreto[12], a obrigação de registração dos nascimentos.
Dessa forma, todo cidadão, dentro de trinta dias do dies nominum, ou seja, do dia em que o infante recebia o nome - que para as mulheres ocorria no oitavo dia e para os homens no nono dia do nascimento - tinha a obrigação de registrar os próprios filhos, de modo que cada romano nascido pudesse produzir prova documental de sua origem territorial, parental e temporal.
Com base nessa reforma, ocorrida entre os anos de 174/6 d.C., foram extintas as antigas professiones e testationes e estabelecida uma só forma de declaração - profiteri - para todos, eliminado as restritivas disposições das leis Sentia e Poppaea.
Como o sistema de Augusto, sob Marco Aurélio, o registro dos nascimentos continuou sendo feito com base nas meras declarações recepcionadas por funcionários, que apenas anotavam o dito, sem, porém, qualquer verificação, ou seja, sem adentrar em sua legalidade. A novidade dessa reforma consistiu no fato de que o imperador impôs a obrigatoriedade de se fazer a declaração do nascimento, o que era até então facultativo, além de tê-la estendido para os nascidos fora do casamento, anteriormente reservada somente aos filhos legítimos.
Percebe-se, com efeito, que o nascimento recebeu, em Roma, bastante interesse estatal. Sendo certo que tal interesse era eminentemente militar - a ideia era a formação da força bélica romana - acabou ele por criar, mesmo que indiretamente, um sistema de coleta desses acontecimentos.
2.2.4. O Controle dos Óbitos
Porém, quanto aos demais atos e fatos do estado civil, mais especificamente o casamento e a morte, não chamavam eles tanto a atenção de Roma. Ao que tudo indica, tais acontecimentos eram mais vistos como de interesse privado.
Como dito, concernente ao óbito, infelizmente, não se pode dizer que houve legislação obrigando sua declaração. No mundo romano, diferentemente do nascimento, a morte não recebeu normatização para seu registro. Nesse campo, o interesse sempre foi mais censitário ou militar.
Não obstante, não se pode dizer que não havia em Roma uma sistemática de controle das mortes ali ocorridas. Como exemplo, pode ser relembrada a obrigação imposta pelo rei Sérvio Tullio de se lançar uma moeda no templo de Venus Libitina, quando da ocasião de um falecimento. Esses sistemas, é certo, tinham por finalidade primária a contagem do número de homens em condições de combater e não o registro do fato em si mesmo.
Ainda, como outro exemplo de inscrição de óbitos, podem ser citadas as chamadas "listas de frumentationes". Tais listas traziam em seu bojo os nomes das pessoas que podiam receber água e víveres das autoridades romanas. Como elas eram atualizadas a cada ano, os nomes dos beneficiários falecidos eram substituídos por outros de pessoas vivas. Assim, nesse atualizar da lista, podia-se saber os casos de óbitos ocorridos.
Em suma, um sistema generalizado de registro de óbitos somente ocorria nas ocasiões de epidemia ou de outras catástrofes e não que se tratasse de uma prática generalizada.
Dessa forma, é possível afirmar que, independentemente do escopo perseguido pelo registro das mortes em Roma, tal forma de publicidade pessoal, assim como o ocorrido com os nascimentos, passou, de situações ocasionais e circunscritas a cidadãos homens e livres, a uma tendência geral e contínua.
2.2.5. O Casamento Romano
Quanto ao matrimônio em Roma, era ele privado, religioso e, ainda, não solene. Como leciona Juan Iglesias, diferentemente do matrimônio moderno, o romano não surge pelo consentimento inicial senão que é preciso o contínuo ou duradouro. Ademais, não está sujeito a formalidades de nenhuma espécie, que seriam a celebração perante autoridade ou redação de um documento[13].
Concernente à conclusão do casamento, não havia necessidade que qualquer forma jurídica, se bem que, naturalmente, festas e cerimônias, que variavam com o tempo e os costumes, acostumassem acompanhar esse importante acontecimento. Logo, não havia normativa específica para o registro e a publicidade do matrimônio romano, senão, aqui também, de forma oblíqua, através dos contratos de dote ou pactos nupciais (pacta nuptialia).
Ensina José Cretella Júnior que a cerimônia de casamento, quando as havia, consistia na oferenda a Júpiter, pelos noivos, de um bolo fabricado com espelta, espécie de trigo (farreum libum) que era repartido entre o casal. A cerimônia, que era realizada na presença de 10 testemunhas, do grande pontífice e do "flamen" de Júpiter, exigia uma série de palavras solenes e de diversos atos[14].
Ainda, segundo o mesmo autor, havia, nesse complexo ritual do casamento romano, uma cerimônia simbólica, a condução da mulher para a casa do marido (deductio uxoris in domum mariti), o que parece uma evocação à lenda do rapto das sabinas pelos romanos, como também, na maioria dos casos, a constituição de um dote, garantido por escrito (instrumentum dotale)[15].
Não havia, assim, uma forma de recepção por autoridades públicas das declarações de casamento. Existia, sim, o testemunho dos presentes à celebração, mas, não, um registro do ato.
Com efeito, é possível perceber que o romano teve pouco interesse no registro do casamento como forma de sua publicidade. Para ele, o matrimônio era assunto doméstico, tratado sob o mando das normas da família, salvo os contratos de dote ou pactos nupciais, que eram escritos e deram algum suporte material para os estudos atuais sobre o tema.
2.2.6. A probatio per vocem et famam
Por tudo o que foi escrito até aqui sobre o assentamento dos atos do estado civil pelo romanos, é possível observar que faltavam, em Roma, instituições, como as hodiernas, para a recepção dessas informações.
Pelo pouco que deles chegou aos dias de hoje, percebe-se que os registros públicos romanos visavam somente dados estatísticos da população, para fins fiscais e militares.
Consequentemente, por não existir um sistema de provas pré-constituídas e seguras para determinar com exatidão a idade, o casamento e a morte de alguém, além de suas relações de parentesco, nessa época, sempre que era necessário demonstrar o estado civil de um pessoa, voltava-se ao recurso da "fama pública".
A probatio per vocem et famam se fazia por meio de testemunhos de parentes ou vizinhos, ou pela análise de algum juiz sobre os dados perquiridos.
A demonstração do estado civil da pessoa natural por meio da "fama pública", ou seja, através de testemunhos, dava pouca segurança jurídica ao ato, mas, até certo ponto, era razoável para os costumes da época. Apesar de pragmáticos, os romanos também eram muito apegados a suas tradições. As relações de família, nesse período, eram vistas como de índole privada. Poucas vezes se notava a interferência estatal em sua organização.