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A coisa julgada nos dissídios individuais homogêneos

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13/09/2003 às 00:00
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7.DA IDENTIDADE ENTRE AÇÕES INDIVIDUAIS E COLETIVAS INDIVIDUAIS HOMOGÊNEAS

Uma vez já fixada a premissa da possibilidade de utilização do CPC como fonte de normas para a regulação do sistema das ações coletivas, note-se o que dita expressamente o diploma em seu artigo 301, § 2º:

"Uma ação é idêntica à outra, quando tem as mesmas partes, a mesma causa de pedir e o mesmo pedido."

Assim, a partir da leitura do texto legal há de se compreender, sem margem a distintas interpretações, que, para que se concebam iguais duas ações é essencial que exista a chamada tríplice identificação de partes, pedido e causa de pedir.

Assim, para apenas cogitarmos a possibilidade de identidade entre ações individuais e coletivas é necessário que sejam iguais as partes em ambas as ações, portanto, o pólo ativo deve ser ocupado pelo mesmo sujeito em ambos os casos.

Dessa forma, é desde início limitada esta possibilidade, pois é bastante rara a situação em que o pólo ativo pode ser ocupado pelo mesmo sujeito em ações coletivas e individuais. Isto porque o artigo 82 do CDC restringe aqueles que podem ocupar o pólo ativo de uma demanda coletiva, elencando certos e específicos entes legítimos para o ajuizamento de ações civis públicas.

Portanto, para que exista uma identidade de partes é necessário que um daqueles entes citados no artigo 82 do CDC seja parte ou tenha sido parte na ação coletiva e na ação individual.

Mas, não obstante a possibilidade de o mesmo sujeito ajuizar demandas individuais e coletivas, não é possível que este mesmo co-legitimado ajuíze estas ações com o igual pedido e causa de pedir, isto porque, primeiramente, não há como se falar em pretensões idênticas que motivam o ajuizamento das distintas espécies de ações.

Vicente Greco Filho [13] define a causa de pedir como a junção da causa de pedir próxima e remota, aquela, segundo o autor, é justamente o fundamento jurídico que justifica o pedido. Portanto, a partir destas afirmações, pode-se perceber a íntima relação da causa de pedir com o pedido, pois esta fundamenta a existência do pedido, ela é exatamente o motivo pelo qual se pede algo.

Portanto, há de se admitir, a priori, que não é possível a identidade de pedidos entre ações individuais e coletivas, primeiro, porque nestas o pedido – quando de condenação - será sempre um pedido genérico, mas principalmente porque, as causas de pedir terão naturezas distintas, pois em ações individuais – via de regra - se defende direito próprio e, nas ações coletivas se defende direito de outrem, que não é parte.

Dessa forma, os fundamentos jurídicos que motivam a propositura das ações serão sempre diferentes, o que leva a conclusão de que, visto a impossibilidade de uma ação coletiva ser repetida em uma ação individual e uma individual em coletiva, é impossível a formação de coisa julgada e litispendência em relação a estas duas sortes de ações.


8.DA COISA JULGADA COLETIVA COMO PRESSUPOSTO PROCESSUAL

"Há coisa julgada, quando se repete ação que já foi decidida por sentença, de que não caiba recurso". É a redação da segunda parte do § 3º do artigo 301 do CPC.

Não há norma no ordenamento jurídico brasileiro que defina especificamente a coisa julgada proveniente de ações coletivas, portanto, de acordo com o próprio artigo 21 da lei 7347/85, o CPC deve ser utilizado como norma subsidiária e, conseqüentemente, sua definição de coisa julgada como regra para definição da coisa julgada no sistema das ações coletivas.

Dessa forma, identifica-se primeiramente que, para que exista a coisa julgada como pressuposto processual negativo é necessária a repetição de uma ação que já teria transitado em julgado, portanto, deve haver uma sentença passada em julgado proveniente de uma ação idêntica a que se pretende propor para que essa seja dada como dotada do pressuposto processual negativo, e, portanto, extinta sem julgamento de mérito.

Assim, recaímos na questão do tópico anterior, onde foi necessário estabelecer os elementos da ação e exigir a sua identidade para que sejam concebidas como idênticas duas ações, pois a identidade é um requisito para a determinação da coisa julgada, como previsto na norma supramencionada.

Portanto, evidenciamos que se formará a coisa julgada no âmbito das ações coletivas apenas na situação em que existirem duas ações coletivas idênticas.

Observemos, porém, que, como já frisado, só existirá a identidade entre as ações coletivas e, portanto a coisa julgada, quando o pedido, a causa de pedir e as partes de duas ou mais ações forem idênticas. Assim, resta evidente que, só existirá coisa julgada nas ações coletivas quando um mesmo co-legitimado ajuizá-las.

Tal situação fica muito bem caracterizada quando um co-legitimado ajuíza uma segunda ação coletiva com o mesmo pedido e causa de pedir de outra ação coletiva já transitada em julgado que ele mesmo propôs. Dessa forma, a segunda ação proposta deverá ser extinta sem julgamento de mérito com base no artigo 267, V do CPC.


9. DA IMPOSSIBILIDADE DA FORMAÇÃO DE COISA JULGADA ENTRE AÇÕES AJUIZADAS POR DIFERENTES CO-LEGITIMADOS.

Pelas razões já expostas, fica bem claro que, pois necessariamente ser distinta a ocupação do pólo ativo, é impossível a existência de coisa julgada entre demandas propostas por diferentes co-legitimados, pois a existência deste pressuposto processual depende da verificação de ações idênticas, que, para assim serem tachadas, necessitam de partes iguais, portanto, que seus autores não sejam distintos.

Entretanto, situação inusitada ocorre entre ações civis públicas, pois o mesmo objeto cognoscitivo pode ser exposto ao judiciário por meio de ações distintas.

Ora, isto só ocorre porque a legitimação extraordinária, por permitir a tutela de interesse de terceiros, pode permitir que iguais interesses substanciais de pessoas idênticas sejam tutelados em ações diferentes, quando diferentes co-legitimados ajuízam diferentes ações civis públicas expondo a mesma situação fático-jurídica e pedindo o mesmo.

Neste caso, o que se evidencia é uma semelhança entre as ações que vai além da igualdade do pedido e da causa de pedir, pois os efeitos principais de ambas as coisas julgadas se estenderão ao mesmo grupo de pessoas.

Não obstante, apesar de em ambos os casos a coisa julgada se estender ao mesmo grupo de pessoas, esta, via de regra, não se estende aos autores das ações civis públicas, pois eles são entes dissociados da relação fática deduzida em juízo, sendo permitido a eles o ajuizamento das ações civis públicas por força direta de lei.

Portanto, detectada a presença de coisa julgada em processo semelhante - no grau anteriormente mencionado - ao que virá a se formar, é evidente que aquela não deverá operar como pressuposto processual negativo para o processo a ser proposto, visto a distinção das partes, mas, antes mesmo de se verificar pressupostos processuais, poderá ser percebida da carência de condição da ação.

Isto porque, o co-legitimado que intentar propor a segunda ação semelhante não possuirá interesse de agir, devido a, data vênia, evidente falta de utilidade de um novo provimento jurisdicional a respeito daquela mesma situação jurídica, outrora deduzida em juízo por meio de ação coletiva distinta.

O fato daquele conflito de interesses já ter sido deduzido em juízo uma vez e, conseqüentemente, atingido o seu fim normal, com a produção de um provimento meritório, já é suficiente para tornar completamente inútil um novo provimento a respeito daquela mesma lide, não importando, portanto, que o conflito de interesses tenha sido deduzido em juízo por meio de ações distintas, vez que estas são caracterizadas formalmente pelas partes que as compõem.

Ora, a utilidade que se refere a doutrina como requisito do interesse de agir "é uma utilidade que se passa no plano do direito processual, utilidade do provimento e não do bem pretendido [14]."

Assim, questiono: qual é a utilidade de um provimento em uma ação civil pública ajuizada por um diferente co-legitimado, que se funde nos mesmos fundamentos de fato e de direito de outra ação civil pública que já transitou em julgado, possuindo, também, pedidos iguais?

A mera existência da coisa julgada referente a primeira ação torna desnecessária e inútil a existência da segunda ação, pois o pedido imediato da segunda ação será exatamente a concessão de um provimento igual ao que foi concedido no trâmite da primeira ação.

Não há utilidade em se manifestar o judiciário a respeito de um conflito para qual este já se pronunciou, pois a coisa julgada existente, embora diferente da que se formaria na nova ação, supre a necessidade de um novo pronunciamento, pois gerará efeitos às mesmas pessoas que gerou a coisa julgada existente, em função da mesma relação material.

Portanto, não há como se conceber a existência de interesse processual para o ajuizamento da segunda ação, que deverá inexistir por falta de sua condição essencial.


10. DOS CASOS DE IMPROCEDÊNCIA POR INSUFICIÊNCIA DE PROVAS

O CDC, em seu artigo 103 incisos I e II, prevê que "não farão coisa julgada" as ações cujos pedidos forem julgados improcedentes por insuficiência de provas.

Não obstante, no inciso III do mesmo artigo a mesma expressão não é utilizada, o que, a priori, permite concluir que nos casos de ação civil pública que represente interesses individuais homogêneos, as ações julgadas improcedentes por insuficiência de provas não impedirão a "formação da coisa julgada".

Ora, tal diferenciação é bastante lógica, pois no caso da tutela dos interesses individuais homogêneos restará ainda a possibilidade do ajuizamento de ação individual no caso de improcedência da ação coletiva, por isso, se, hipoteticamente, foram mal substituídos os indivíduos na ação coletiva, posto não terem sido apresentadas as provas necessárias ao convencimento do juiz, e, conseqüentemente a ação vir a ser julgada improcedente, os prejuízos sofridos pelos substituídos serão mínimos, pois eles ainda poderão ajuizar ação individual, expondo as provas e argumentos que entenderem de direito.

Entretanto, quanto à tutela dos direitos difusos e coletivos o mesmo não poderá ser afirmado, pois os indivíduos não poderão ajuizar ação individual posterior buscando a tutela destes interesses, ou, pelo menos, da parte deles relacionada a cada indivíduo, posto serem os indivíduos ilegítimos e serem os interesses indivisíveis, o que acarreta em uma impossibilidade lógica. [15]

Portanto, a estes interesses, a norma jurídica traz uma diferenciação no que se refere aos efeitos da sentença, quando esta julgar a lide improcedente por insuficiência de provas, permitindo, assim, que, mediante apresentação de prova nova, a mesma demanda seja novamente ajuizada. [16]

Ora, tal tratamento particular se faz necessário visto a extensão e importância dos interesses inerentes a estas lides, uma vez que os direitos difusos e coletivos possuem relevância para toda a humanidade.

É possível afirmar que uma decisão infeliz, nesses casos, pode causar danos irreparáveis ou de reparação extremamente paulatina e dispendiosa que gerem efeitos, simultaneamente, a todos os habitantes do Planeta Terra, daí o imensurável risco de lidar com estes interesses e a justificativa de não se permitir a formação da coisa julgada quando insuficientes as provas, pois tal fato, invariavelmente, prejudica o juízo de certeza do magistrado.

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Por conseguinte, visto a importância dos interesses tutelados, não pode ser razoavelmente concebível que exista uma decisão judicial a respeito de lides referentes a interesses difusos e coletivos sem que haja o máximo possível de convencimento do julgador.


NOTAS

01. Silva, Ovídio A. Baptista da e Gomes, Flávio Luiz. Teoria Geral do Processo Civil – São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1997. p. 318.

02. LIBMAN, Enrico Túlio. Eficácia e Autoridade da Sentença, trad. bras., 2. ed.,1981. p.54.

03. O Ministério Público é um dos co-legitimados a propor a ação civil pública (art.5º da lei 7347/85) e responsável pelo ajuizamento da imensa maioria das ACPs.

04. Vale ressaltar que o inciso III do parágrafo único do artigo 81, a que se refere o trecho transcrito, trata da definição dos interesses ou direitos individuais homogêneos, daí, a certeza que o dispositivo trata da coisa julgada a que nos propomos a falar.

05. Os direitos individuais homogêneos são de fato direitos individuais, acrescidos, apenas, da característica de terem pontos comuns a demais direitos individuais.

6. Trattato, p. 175. Citado por Liebman em Eficácia e Autoridade da Sentença. 3ª Ed. Rio de Janeiro: Forense 1984. p. 92. "terceiros juridicamente indiferentes, estranhos à relação e sujeitos de relação compatível com a decisão; para estes logram aplicação combinada e atenuada ambos princípios, de tal modo que é a sentença juridicamente irrelevante para eles, mas vale como coisa julgada para outrem, e pode produzir mero prejuízo de fato;" Betti admite a possibilidade de existir prejuízo de fato pois, um terceiro poderá ser afetado indiretamente no mundo material por mudanças nele ocorridas em função de nova coisa julgada.

07. Instituições de Direito Processual Civil, vol. I. São Paulo: Saraiva, 1965. (trad. port., p. 571).

08. Posteriormente, maiores comentários serão tecidos sobre o tema quando analisado o § 2º do art. 103 do CDC.

09. Liebman, Enrico Túlio. Eficácia e Autoridade da Sentença. 3ª Ed. Rio de Janeiro: Forense 1984. p. 84.

10. O mesmo não pode se afirmar da sua utilização no inciso III.

11. Devido à coisa julgada secundum eventum litis.

12. Digo substituídos pois acredito que, excepcionalmente, no caso dos interesses individuais homogêneos ocorre o fenômeno da substituição processual (legitimação extraordinária), pois na verdade são interesses individuais completamente determináveis que são tutelados. A única diferença dos demais casos de substituição é que, neste específico, a substituição é limitada quanto ao pedido, pois ao legitimado extraordinário nos casos do inc. III do art. 103 do CDC é permitida apenas a formulação de pedido de condenação genérica, não sendo possível que o representante promova a liquidação individual, apenas pela dificuldade prática de se liquidarem milhares de possíveis condenações individuais dentro de um mesmo processo. Não obstante, nos casos dos incs. I e II do art. 103 do CDC não se pode falar em substituição processual, pois os interesses tutelados não são individuais ou plurindividuais, mas sim transindividuais. Ou seja, nos casos de interesses transindividuais inexiste a presença de interesses de diferentes indivíduos somados, mas sim um único interesse que é plenamente indivisível e transcendental, paradoxalmente não pertencente a ninguém e a todos ao mesmo tempo, uma vez que sua tutela individual é impossível.

13. Greco Filho, Vicente. Direito Processual Civil Brasileiro v.1. – São Paulo: Editora Saraiva, 1999. p. 91.

14. DINAMARCO, Candido Rangel. Execução Civil. 8ª ed. São Paulo: Malheiros Editores. 2002.

15. Refiro-me a uma impossibilidade lógica, pois, uma vez serem indivisíveis os interesses coletivos e difusos não se pode conceber a divisão destes interesses a parte que, hipoteticamente, cada indivíduo viria a possuir, para que estes individualmente busquem a sua tutela individual.

16. Conclui-se assim que, para as ações coletivas que tratam de interesses coletivos e difusos, a coisa julgada improcedente por insuficiência de prova não é pressuposto processual negativo de validade.


BIBLIOGRAFIA

AGUIAR, Leandro Katscharowski. Tutela coletiva dos direitos individuais homogêneos e sua execução. São Paulo: Dialética, 2002.

CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições de Direito Processual Civil, vol. I. São Paulo: Saraiva, 1965.

DINAMARCO, Pedro da Silva. Ação Civil Pública.São Paulo: Saraiva, 2001.

DINAMARCO, Candido Rangel. Execução Civil. 8ª ed. São Paulo: Malheiros Editores. 2002.

GRECO FILHO, Vicente. Direito Processual Civil Brasileiro v.1. – São Paulo: Editora Saraiva, 1999.

GRINOVER, Ada Pellegrini...[et al.]. Código brasileiro de defesa do consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto /– 7.ed. – Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2001.

LIBMAN, Enrico Túlio. Eficácia e Autoridade da Sentença, trad. bras., 2. ed.,1981.

----------------------------- Manuale di diritto processuale civile. Milano, 1973.

MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Ação Civil Pública. 5 ed. São Paulo, Revista dos Tribunais.

MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juízo. 10 ed. São Paulo, Saraiva : 1998, p. 125.

RODRIGUES, Marcelo Abelha. Elementos de Direito Processual Civil. – 2. ed. rev., atual. e ampl. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2000, v. 1.

SILVA, Ovídio A. Baptista da e GOMES, Flávio Luiz. Teoria Geral do Processo Civil – São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1997.

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Sobre o autor
Marcelo Pacheco Machado

acadêmico de Direito na Universidade Federal do Espírito Santo

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MACHADO, Marcelo Pacheco. A coisa julgada nos dissídios individuais homogêneos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 8, n. 72, 13 set. 2003. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/4287. Acesso em: 5 nov. 2024.

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