Reduzir ou não reduzir a maioridade penal? Eis a questão!

19/09/2015 às 17:29
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O sistema prisional brasileiro hoje não atende plenamente às finalidades da teoria da pena. Consagrada no direito penal brasileiro, esta significa a reprovação e a prevenção do crime. O índice de reincidência em nossas prisões é de 70%

Reduzir ou não reduzir a Maioridade Penal? Eis a questão! Não é de hoje que as soluções para os problemas relacionados à segurança pública no Brasil são discutidas. Roberto Lyra, Promotor de justiça, um dos autores do Código Penal de 1940, ao lado de Alcântara Machado e Nelson Hungria, recomendava aos colegas de Ministério Público que “antes de se pedir a prisão de alguém deveria se passar um dia na cadeia”. Gênio, visionário e à frente do seu tempo, há muito Lyra já instruía que “apenas a experiência viva permite compreender bem uma situação”. É importante lembrar de seus ensinamentos ainda mais agora, tempo no qual a Redução da Maioridade Penal (RMP), no Brasil, através da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) de número 171, motiva diversas opiniões e comentários cheios de paixões, mas muitos ainda propondo, apenas, soluções imediatistas. Contudo, se a base para pensar for a ação social racional, em relação a fins, na qual a ação é estritamente racional para realizar escolhas, não é possível conceber o pensamento simplista e irracional através do qual a RMP solucionaria o problema da criminalidade nesse país.

Essa é uma solução bastante cômoda para o Estado, afinal, a discussão não toca em proporcionar uma condição de vida menos miserável às famílias de baixa renda, ou em diminuir as diferenças sociais existentes entre os que nada possuem e os que esbanjam fortunas. Tampouco envolve dar-se ao trabalho de reformar o sistema carcerário – para que este cumpra sua função de restabelecer o recluso à sociedade, ao invés de transformá-lo em um experto em violência. É preciso confessar que o Brasil é referência mundial em violação dos direitos humanos – não é essa uma novidade para o leitor. O sistema prisional brasileiro, como hoje é estruturado, não atende plenamente às finalidades da teoria da pena. Consagrada no direito penal brasileiro, esta significa a reprovação e a prevenção do crime. O índice de reincidência em nossas prisões é de 70%. Não existe, no Brasil, política penitenciária, nem intenção do Estado em recuperar os detentos. Uma reforma prisional é tão necessária e urgente quanto uma reforma política. Nos 54 países que reduziram a maioridade penal não se registrou redução da violência. A Espanha e a Alemanha voltaram atrás na decisão de criminalizar menores de 18 anos. Hoje, 70% dos países estabelecem 18 anos como idade penal mínima. Ainda assim, no Brasil, apesar de a Defensoria Pública não deixar dúvida quanto à ineficácia e a inconstitucionalidade do Projeto de Lei tendente a reduzir a maioridade penal, o Congresso Nacional, pelo visto, está atendendo à “justiça” imediata e ao senso comum, através do clamor inflamado da população, sem sequer considerar as injustiças que estão no plano mediato.

Enquanto outras nações avançam nesse quesito, o Brasil está retrocedendo. Não basta prender, é preciso refletir sobre as desigualdades sociais e sobre a perpetuação desse Estado, onde alguns poucos detêm o poder do capital enquanto outros vivem fadados à exclusão social. Se a esse quadro somarmos a precarização da educação, teremos o ambiente perfeito para que haja violência. Só para exemplificar como essa nossa organização social excludente influencia enormemente a vida das pessoas, lembremos que em nosso país a média salarial de um trabalhador, em um centro urbano, é de 800 reais mensais enquanto Neymar, jogador de futebol, ganha mais de 4,3 milhões de reais por mês. Para uma criança – nascida em uma favela (comunidade), maltratada pelos pais, sem escolaridade, que sofre cotidianamente a violência da periferia, sem possibilidade de se inserir, de modo honesto, na sociedade através do aprendizado e do trabalho – não há boa perspectiva de modo geral. Essa criança se questiona por que sua vida deve ser assim, enquanto vê, na televisão, o filho de Eike Batista, o Thor Batista, bater contra um poste sua terceira Ferrari.

John Rawls (1921-2002), filósofo político norte americano, em uma passagem emocionante, mostra uma verdade simples da qual costumamos nos esquecer: a distribuição natural não é justa nem injusta; tampouco é injusto que as pessoas nasçam em uma determinada posição na sociedade. Esses fatos são simplesmente naturais. O que é justo ou injusto é a maneira como as instituições lidam com esses fatos. Nesta direção, para começar a tratar essa chaga, que é a violência praticada por menores, partimos de um princípio que envolve educação com qualidade ao alcance de todos; incentivo ao esporte desde a infância para todas as classes sociais; a criação de oficinas de formação – onde os jovens passariam o dia, intercalando o estudo com a prática nas oficinas e sendo remunerados por isso. Garante-se, assim, ao jovem, uma formação intelectual e laboral. Não poderíamos deixar de lado políticas de planejamento familiar e paternidade responsável. Contudo, no atual estado de coisas, se transformássemos essa ânsia pela redução da maioridade penal em solução da violência, no máximo estaríamos criando um mito para educar as gerações futuras, que se dá nos seguintes termos: o “Herói” (Estado), ao cortar a cabeça da “Hidra” (monstro mitológico, neste caso o menor que comete crime), traz a ideia de paz à “Aldeia” (sociedade). No entanto, o Herói nada fez a não ser enfurecer as outras cabeças, além de surgirem mais duas cabeças no lugar de cada cabeça cortada, ainda mais enfurecidas. Embaixo dos palacetes dos abastados, no mundo real, ao reduzir de 18 para 16 anos a idade penal e ao trancar o menor em uma jaula, é importante lembrar que ele, mais cedo ou mais tarde, sairá de lá. E, quando assim acontecer, estará mais enfurecido e cheio de ódio pela sociedade.

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Desta forma, impossibilitado de readaptar-se ao meio social, acabará cometendo mais crimes e com maior violência. Infelizmente, com um poder legislativo que não cuida dos problemas mediatos, e busca apenas medidas políticas para satisfazer o senso comum, tendo assim a violência estimulada cada vez mais cedo, o Estado acaba dificultando a possibilidade de o jovem marginalizado reinserir-se na sociedade de maneira legal. Não é difícil observar que o espetáculo do mundo oferece frequentemente cenas de violência e intolerância, nascidas de preconceitos que querem se impor pela força, valendo-se da ausência de questionamentos e, sobretudo, da falta do exercício da razão. Se o povo – no caso nós – não se valer da razão, e deixar que alguns maus intencionados manipulem suas paixões, visando interesses políticos particulares, o final do século XXI não será conhecido por reduzir a violência e ter construído uma sociedade mais justa, mas sim por ter levado a termo a construção de berçários e creches de segurança máxima. A ‘Pátria Educadora’ – lema do atual governo federal – precisa ir além dos rótulos e não cometer mais esse estelionato contra o povo brasileiro. Essa PEC 171 remete mais a duas outras questões: o artigo de mesmo número do código penal brasileiro e à música de Bezerra da Silva, “Pai Véio 171”

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Sobre o autor
Nicolás Érico Gristelli

Graduando em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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Texto desenvolvido para ajudar a desinflamar a discussão sobre a pseudo eficácia da PEC 171.

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