Justiça de loteria

21/09/2015 às 00:49
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O artigo tem por objetivo abordar o tema do aponte do nome do devedor nos cadastros restritivos de crédito sob a ótica do exercício regular do direito e abuso do direito do consumidor.

É dever de todo credor adimplir a obrigação assumida no vencimento contudo, o consumidor inadimplente não poderá ser exposto a ridículo nem mesmo submetido a qualquer tipo de constrangimento ou ameaça. O credor possui o direito de cobrar as dívidas existentes e vencidas, nos limites do exercício regular do direito e não de forma abusiva.
 É certo que o ato de cobrança, por si só, importa um mínimo de constrangimento até mesmo pelo estado de sujeição que se encontra aquele que deve, no entanto apenas os atos desproporcionais serão ilegítimos. 
Bancos e cadastros de dados, pela troca de informações coletadas passaram a traçar o perfil dos consumidores, pessoas físicas ou jurídicas, quando na concessão do crédito, tornando-se medidas preventivas de realização de maus negócios. Os bancos de dados são os denominados serviços de proteção ao crédito, em que o destinatário é o fornecedor. A entidade realiza o cadastro, mas não o faz em interesse próprio. Já nos cadastros os próprios consumidores fornecem os dados, geralmente no momento da aquisição do produto ou serviço.                   
                              O Código de Defesa do Consumidor dispõe sobre práticas abusivas relacionadas aos cadastros, tais como a vedação do repasse de informações depreciativas sobre o consumidor quando este age no exercício dos seus direitos, bem como prevê sanções de caráter administrativo (art. 56) e penal, no que diz respeito a coação ou constrangimento por afirmações falsas, incorretas ou enganosas na cobrança de dívidas (art. 71).
 Os bancos de dados que prestam serviços a terceiros, como por exemplo, SPC e SERASA têm caráter público, assim como os próprios cadastros internos das empresas, mesmo que passíveis somente de uso pelo próprio detentor. Neste passo, garante-se o direito de defesa para serem questionados seus conteúdos através da garantia constitucional habeas data. A comunicação da inscrição do devedor em cadastro de inadimplentes deve ser imediata, seja positiva ou negativa, sendo obrigação exclusiva da entidade responsável pela manutenção do cadastro, cuja falta poderá acarretar compensação por danos morais (verbete n° 359 da Súmula do STJ).                                                    
   
As entidades credoras que utilizam os serviços de cadastro de proteção ao crédito devem mantê-los atualizados, de sorte que uma vez recebido o pagamento da dívida, devem providenciar de imediato o cancelamento do registro negativo do devedor, sob pena de a omissão ensejar prejuízos de ordem material e ou moral ao consumidor. Ressalte-se que a informação negativa não poderá ser mantida por prazo superior a 5 anos, contados da data do vencimento da dívida inadimplida ou após consumada a prescrição da pretensão da ação de cobrança.                  
    O STJ vem firmando posição no sentido de não admitir ou reduzir o valor do dano moral na hipótese de devedor contumaz, ou seja, quando da reiteração da conduta do consumidor em não cumprir com o pactuado. Não é possível presumir que o consumidor experimente com mais uma inscrição qualquer sentimento vexatório ou humilhante anormal, porque a situação não lhe seria incomum. Portanto, se a inscrição se der sem a respectiva notificação, ou seja, irregularmente, terá o consumidor apenas o direito de vê-la cancelada.


Diz a Súmula n°385 do STJ:

 "Da anotação irregular em cadastro de proteção ao crédito, não cabe indenização por dano moral, quando preexistente legítima inscrição, ressalvado o direito ao cancelamento."

No que tange a fixação do quantum a ser indenizado, a Jurisprudência do STJ é no sentido de que o valor da condenação deve ser fixado em termos razoáveis, não se justificando que a reparação venha a constituir-se em punição excessiva à parte que indeniza nem o enriquecimento indevido da parte lesada.  A valoração deve se dar com moderação, proporcionalmente ao grau de culpa, a capacidade econômica das partes e, ainda, ao valor do negócio, orientando-se o Juiz pelos critérios sugeridos pela doutrina e pela jurisprudência, com razoabilidade, valendo-se de sua experiência e do bom senso, atento à realidade da vida e às peculiaridades do caso.  O Prof.  Sérgio Cavalieri Filho, que muito bem expõe: "Se o juiz não fixar com prudência e bom senso o dano moral, vamos torná-lo injusto e insuportável, o que de resto, já vem .ocorrendo em alguns países, comprometendo a imagem da justiça (...) na fixação do quantum debeatur , da indenização, mormente tratando-se de lucro cessante e dano moral, deve o juiz ter em mente o princípio de que o dano não pode ser fonte de lucro (...) qualquer quantia maior importará , enriquecimento sem causa, ensejador de novo dano." (Programa de Responsabilidade Civil. P ed.,2" Tiragem. Pág. 78).

Como bem observa Carlos Roberto Gonçalves:


“Não tem aplicação, em nosso país, o critério da tarifação, pelo qual o quantum das indenizações é prefixado. O inconveniente desse critério é que, conhecendo antecipadamente o valor a ser pago, as pessoas podem avaliar as consequências da prática do ato ilícito e confrontá-las com as vantagens que, em contrapartida, poderão obter, como no caso do dano à imagem, e concluir que vale a pena, no caso, infringir a lei“. (GONÇALVES, 2011, p. 397)

Outro não é posicionamento do STJ:
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“... não havendo critérios determinados e fixos para a quantificação do dano moral, sendo, portanto, recomendável que o arbitramento seja feito com moderação e atendendo às peculiaridades do caso concreto. ”
(in RESP 435119; Relator Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira; DJ 29/10/2002).


"AGRAVO REGIMENTAL. ACÃO DE INDENIZACÃO POR DANOS MORAIS. INCLUSÃO INDEVIDA DO NOME DO AUTOR NOS CADASTROS DE RESTRICÃO AO CRÉDITO. ACÓRDÃO RECORRIDO. PECULIARIDADES DO CASO QUE AUTORIZAM ENQUADRAR O FATO COMO MERO DISSABOR. RECURSO ESPECIAL. REEXAME DE PROVA. DESCABIMENTO. SÚMULA STJ/7."(AgRg no - AREsp 222185 / SP AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL 2012/0176812-6. Rei: Min. Sidnei Beneti. Órgão Julgador: Terceira Turma. Data da Publicação: 30.10,2012.STJ)

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Tolerar o mau pagador é uma coisa. Admitir que ele utilize o Judiciário como loteria é outra!
                                                          

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Sobre a autora
Monica Gusmão

Professora de Direito Civil, Empresarial e Trabalho de várias instituições, entre elas a FGV; membro do Fórum Permanente em Direito Empresarial da Escola da Magistratura do Rio de Janeiro; autora de várias obras; articulista...

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