A problemática doutrinária acerca da bipartição existente em relação a aplicação da Lei nº 11.232/05 à execução de alimentos

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A nova técnica de cumprimento de sentença da Lei n. 11.232/05 não deve ser aplicada nas execuções das prestações de alimentos, vez que o Legislador da reforma não modificou a estrutura da execução dos alimentos, nem tampouco alterou um único artigo.

INTRODUÇÃO:

A doutrina, diante da problemática surgida diante da aplicabilidade da Lei n. 11.232/05 à execução de alimentos face a uma outra corrente que defende a inaplicabilidade de tal instituto, agora se vê dividida.

Os argumentos utilizados para os defensores da aplicabilidade da Lei n. 11.232/05 são, em linhas gerais, os seguintes:

a) unificação dos atos cognitivos e executórios em um único processo;

b) necessidade de acabar com uma nova citação do devedor;

c) otimização do processo judicial; d) a defesa do devedor será realizada por um meio mais simples, que é a impugnação.

De outro vértice, os que se alinham no sentido da inaplicabilidade da Lei n. 11.232/05 defendem que o art. 732 do CPC, que versa sobre a execução dos alimentos sob pena de penhora, não fora objeto de qualquer alteração, mantendo-se inalterado de maneira que inexistiu intenção por parte do legislador modificar a execução dos alimentos, devendo esta ser realizada por meio de processo autônomo. Com efeito, o art. 732 do CPC reporta-se ao Capítulo IV do Título II do Livro II, ou seja, aos arts. 646-724 do CPC, e não ao Livro I do Código.

Segundo a orientação de Alexandre F. Câmara e Luiz Guilherme Marinoni, associado ao professor Alexandre Câmara, defensores da aplicação da Lei n. 11.232/05 à execução dos alimentos, ao defenderem, assim o fazem ante a necessidade de ser feita uma releitura do CPC, no que tange à execução dos alimentos, considerando-se a estrutura sincretizada para cumprimento de sentença, manifestando-se:

"(...) É interessante notar, porém, que o legislador da Lei n. 11.232/05 ''esqueceu-se'' de tratar da execução de alimentos, o que pode levar à impressão de que esta continua submetida ao regime antigo, tratando-se tal módulo processual executivo como um processo autônomo em relação ao módulo processual de conhecimento. Assim, porém, não nos parece. Não seria razoável supor que se tivesse feito uma reforma do Código de Processo Civil destinada a acelerar o andamento da execução de títulos judiciais e que tal reforma não seria capaz de afetar aquela execução do credor que mais precisa de celeridade: a execução de alimentos. Afinal, como se disse em célebre frase de um saudoso intelectual brasileiro, Hebert de Souza (o Betinho), ''quem tem fome tem pressa''. Assim sendo, nos parece inegável que a Lei n. 11.232/05 deve ser interpretada no sentido de que é capaz de alcançar os dispositivos que tratam da execução de prestação alimentícia [07]".

Os professores Luiz Guilherme Marinoni e Arenhart também defendem a aplicação da nova lei de cumprimento de sentença à execução da prestação de alimentos, destacando que:

"execução é iniciada mediante requerimento simples (art. 475-J) - que não exige o preenchimento integral dos requisitos do art. 282 do CPC (...)" [08].

Na oposição, os professores Luiz Rodrigues Wambier e Misael Montenegro Filho [09] sustentam a inaplicabilidade das alterações da forma de cumprimento da sentença em sede de execução de alimentos. É que o art. 732 do CPC faz remissão ao capítulo IV, do Livro II do Código, isto é, aos artigos 646-724, não se aplicando, portanto, a nova estrutura de cumprimento da sentença, delineada nos arts. 475-I e 475-J do CPC.

Essa mesma tese acima aduzida, também é a sustentada por Theodoro Júnior que assim consignou:

"Na hipótese do art. 732 a execução de sentença deve processar-se nos moldes do disposto no Capítulo IV do Título II do Livro II do Código de Processo Civil, onde se acha disciplinada a ''execução por quantia certa contra devedor solvente'' (arts. 646 a 724), cuja instauração se dá por meio de citação do devedor para pagar em 3 dias (art. 652, caput), sob pena de sofrer penhora. Como a Lei n. 11.232/05 não alterou o art. 732 do CPC, continua prevalecendo nas ações de alimentos o primitivo sistema dual, em que acertamento e execução forçada reclamam o sucessivo manejo de duas ações separadas e autônomas: uma para condenar o devedor a prestar alimentos e outra para forçá-lo a cumprir a condenação [10]".

De qualquer forma, parece-me que não foi o propósito do legislador da Lei n. 11.232/05 impor a sua aplicação à execução da prestação de alimentos, caso o tivesse sido, este teria modificado a redação do art. 732 do CPC, que faz remissão às regras da execução por quantia certa dos arts. 646-724 do CPC, todavia, não o fez.

Ante a inexistência de qualquer alteração legislativa em sede de execução de alimentos, conclui-se que a nova estrutura de cumprimento de sentença não deve ser aplicada nesse particular.

Entender de forma diversa, implica na necessidade de aplicar a nova estrutura de cumprimento também à execução contra a Fazenda Pública, quando pautada em título judicial. A doutrina, contudo, não se reporta a essa aplicação, discutindo apenas a aplicação ou não das regras de cumprimento de sentença à execução dos alimentos.

De mais a mais, o procedimento da execução da prestação de alimentos, com a aplicação da técnica de cumprimento de sentença, quedaria muito confuso e daria ensejo, na prática, à utilização de procedimentos diferentes entre os magistrados para o mesmo fim.

imento seria iniciado por ação ou simples petição?

Enfim, inúmeros seriam os problemas na aplicação da nova estrutura de cumprimento de sentença à execução da prestação de alimentos de forma que a solução para todos os futuros problemas teria que ser dada pelos Tribunais e daí, certamente, resultariam inúmeros recursos especiais.

Assim, os defensores da corrente doutrinária que primam pela inaplicabilidade da Lei n. 11.232/05 à execução da prestação de alimentos assim o fazem sob a alegação de primazia da segurança jurídica e observância ao princípio do devido processo legal, de forma que procedimento verdadeiramente não pode ser flexibilizado de tal maneira que crie insegurança para o jurisdicionado. Ademais, como já registrado, o art. 732 do CPC não foi alterado e continua fazendo remissão ao disposto no Capítulo IV do Título II do Livro II do CPC [11].

CONCLUSÃO:

Diante de todas as considerações elencadas acima expendidas verifica-se que a nova técnica de cumprimento de sentença, implementada pela Lei n. 11.232/05, não deve ser aplicada nas execuções das prestações de alimentos, vez que o Legislador da mencionada reforma não modificou a estrutura da execução dos alimentos, nem tampouco alterou sequer um único artigo do Capítulo V do Título II do CPC.

Na prática forense, as modificações têm desencadeado verdadeira confusão entre os operadores do Direito, havendo magistrados que vem aplicando as alterações da Lei 11.232/05 à execução da prestação de alimentos, ao passo que outros, deixam de aplicá-las e muitos outros, que tem mesclado a nova estrutura de cumprimento de sentença com o sistema autônomo de execução.

Essa verdadeira confusão acaba por causar  instabilidade entre os advogados que ficam se saber qual procedimento será o adotado pelo magistrado quando do ajuizamento de uma execução de alimentos, sem nos esquecermos do maior prejudicado nessa situação ser o próprio credor dos alimentos, vez que no procedimento executivo as discussões que versam sobre a aplicação ou não da Lei n. 11.232/05 alongar-se no tempo sem solução efetiva e eficaz!

De qualquer modo, ao Magistrado alinhando à função social do processo e ao moderno instrumentalismo substancial [12] caberá, até que o Superior Tribunal de Justiça solucione de uma vez por todas a questão, deferir o processamento da execução na forma requerida pelo autor. Por outras palavras: seja requerida como ação ou como mero pedido de cumprimento de sentença, a execução dos alimentos deverá ser normalmente processada. É que somente dessa forma serão tutelados os direitos do alimentante, regra geral, a parte mais vulnerável e fraca na relação processual.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

CAHALI, Yussef Said. Dos alimentos. 3. ed. rev. ampl. e atual. São Paulo: Revista dos tribunais, 1999.

CÂMARA, Alexandre Freitas. A nova execução de sentença. Rio de Janeiro: Lúmen juris, 2006.

Lições de direito processual civil. 14. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Lumen juris, 2007. v. 2.

DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. São Paulo: Malheiros, 2004. v. 4.

DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2002. v. 5.

HERTEL, Daniel Roberto. A nova execução de sentença: a consolidação do processo sincrético. Revista dialética de direito processual - RDDP, São Paulo, n. 43, out., 2006.

Técnica processual e tutela jurisdicional: a instrumentalidade substancial das formas. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris Editor, 2006.

MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Execução. São Paulo: Revista dos tribunais, 2007.

MONTENEGRO FILHO, Misael. Cumprimento da sentença e outras reformas processuais. São Paulo: Atlas, 2006.

THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil. 41. ed. atual. Rio de Janeiro: Forense, 2007. v. 2.

WAMBIER, Luiz Rodrigues; ALMEIDA, Flávio Renato Correia de; TALAMINI, Eduardo. Curso avançado de processo civil. 9. ed. rev. ampl. e atual. São Paulo: Revista dos tribunais, 2007. v. 2.

NOTAS:

07 CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de direito processual civil. 14. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Lumen juris, 2007. v. 2. p. 367. Este mesmo autor defendeu essa tese em outra obra, cf.: CÂMARA, Alexandre Freitas. A nova execução de sentença. Rio de Janeiro: Lumen juris, 2006. p. 149. Consignou, desta feita, a importância de ser realizada uma nova leitura dos arts. 732 e 733 do CPC, principalmente para que sejam utilizadas as inovações referentes à intimação do executado e à impugnação, em substituição aos embargos do devedor.

08 MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Execução. São Paulo: Revista dos tribunais, 2007. p. 375. Também defende a aplicação do art. 475-J do CPC à execução da prestação de alimentos: ABELHA, Marcelo. Manual de execução civil. 2. ed. São Paulo: Forense universitária, 2007. p. 423.

09 WAMBIER, Luiz Rodrigues, ALMEIDA, Flávio Renato Correia de, TALAMINI, Eduardo. Curso avançado de direito processual civil. 8. ed. rev. atual e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. v. 2. p. 378. No mesmo sentido, cf.: MONTENEGRO FILHO, Misael. Cumprimento da sentença e outras reformas processuais. São Paulo: Atlas, 2006. p. 6.

10 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil. 41. ed. atual. Rio de Janeiro: Forense, 2007. v. 2. p. 416.

11 Essa mesma conclusão eu defendi em outro ensejo. Cf.: HERTEL, Daniel Roberto. A nova execução de sentença: a consolidação do processo sincrético. Revista dialética de direito processual - RDDP, São Paulo, n. 43, out., 2006. 

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Sobre a autora
Lorena Carneiro Vaz de Carvalho Albuquerque

Advogada formada pela PUC/GO, inscrita na OAB/GO desde 2009, especialista pela UNIDERP/LFG em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho, especializanda pela Estácio em Direito Civil e Processual Civil, autora do livro: "Manual da Justa Causa Trabalhista - Teoria e Prática".

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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