INTRODUÇÃO:
A penhora que recai sobre o bem de família não pode prosperar uma vez que este é legalmente excluído da constrição proveniente de dívidas, ou seja, poderá livrá-los de futura constrição. Tais benesses se encontram nos artigos 648 e 649 do Código de Processo Civil, que tratam da impenhorabilidade absoluta e relativa; artigos 1.711 a 1.722 do Código Civil, que trata da impenhorabilidade e inalienabilidade do bem de família e a Lei n° 8.009/90, que trata da impenhorabilidade do bem de família.
DESENVOLVIMENTO:
O Bem de Família Legal é um tipo de impenhorabilidade que independe o ato de vontade do seu instituidor, pois, basta que se preencha os requisitos da lei para ser alcançado pelas benesses da lei.
Têm-se, pois, que as exceções à regra da impenhorabilidade, contidas no estatuto legal acima, tratam-se de hipóteses taxativamente descritas no artigo 3º e seus incisos, e uma vez que a dívida não se imiscua nestas hipóteses, não é lícita a expropriação do bem de família.
Desta forma então, o ato ou negócio que não preencha os requisitos de validade, trazidos pelo ordenamento jurídico, acha-se eivado de defeito grave, o que acarreta, consequentemente, o comprometimento de sua eficácia e reconhecimento. Trata-se, pois, o negócio contaminado de grave defeito, de negócio jurídico absolutamente nulo.
O Artigo 166 do CC/02 é expresso ao determinar que:
"É nulo o negócio jurídico quando:
II – for ilícito, impossível ou indeterminável o seu objeto;
VII – a lei taxativamente o declarar nulo, ou proibir-lhe a prática, sem cominar sanção."
Nota-se que a Lei 8.009/90 veda expressamente a penhora de bem de família, portanto, o negócio jurídico, viola expressa disposição legal, subsumindo-se a hipótese do inciso II do artigo supra citado, posto que teve como fundamento objeto ilícito, ou seja, contrário à lei, e, ainda, o inciso VII, já que há expressa proibição da prática da penhora do bem de família.
Na visão de Credie, sobre o bem de família:
"[...] se o negócio for ilícito, descamba para o terreno daqueles fatos humanos insuscetíveis de criar direitos para o agente, sujeitando-o, porém, conforme a profundidade do ilícito, a ver apenas desfeito o negócio, ou ainda a reparar o dano que venha a atingir a esfera jurídica alheia. Quer isto dizer que a iliceidade do objeto ora conduz à invalidade do negócio, ora vai além, e impõe ao agente uma penalidade maior [...][1]".
Sabe-se, portanto, que é nulo o ato jurídico, quando em razão do defeito grave que o atinge, não pode produzir o efeito almejado. A nulidade se apresenta, portanto, como sanção para a ofensa à predeterminação legal.
A nulidade, será insuprível pelo juiz, seja de ofício ou a requerimento do interessado, não podendo, também, ser o ato ratificado, posto que jamais convalescerá.
Determinam os artigos 168, parágrafo único, e 169 do Código Civil, respectivamente, que:
Art. 168, § único – As nulidades devem ser pronunciadas pelo juiz, quando conhecer do negócio jurídico ou dos seus efeitos e as encontrar provadas, não lhe sendo permitido supri-las, ainda que a requerimento das partes.
Art. 169 – O negócio jurídico nulo não é suscetível de confirmação, nem convalesce pelo decurso do tempo."
Humberto Theodoro Júnior, ao descrever os princípios informativos do processo de execução, elucida de maneira brilhante a matéria:
"É aceito pela melhor doutrina e prevalece na jurisprudência o entendimento de que a execução não deve levar o executado a uma situação incompatível com a dignidade humana. Não pode a execução ser utilizada como instrumento para causar a ruína, a fome e o desabrigo do devedor e sua família, gerando situações incompatíveis com a dignidade da pessoa humana. Nesse sentido, institui o código a impenhorabilidade de certos bens como provisões de alimentos, salários, instrumentos de trabalho, pensões, seguros de vida, etc.” [2]
"[...] a execução deve ser útil ao credor, e, por isso, não se permite sua transformação em instrumento de simples castigo ou sacrifício do devedor [...].” [3]
Ainda segundo Theodoro[4], "a proteção dos direitos humanos, nos dias de hoje, reclama análise interdisciplinar, concita o intérprete a harmonizar fontes nacionais e supranacionais, reformula, em definitivo, o conceito de ordem pública, que se expande para os domínios da atividade econômica privada."
Conforme entendimento e decisões dos nossos tribunais pátrios no que concerne a vedação da prática da penhora do bem de família. Nesse sentido:
AGRAVO DE INSTRUMENTO – EXECUÇÃO – BEM DE FAMÍLIA – RENÚNCIA – BEM OFERECIDO A PENHORA PELO DEVEDOR – IMPENHORABILIDADE – DIREITO À MORADIA E PROTEÇÃO DA FAMÍLIA – DIREITO CONSTITUCIONAL – NORMA DE ORDEM PÚBLICA – NULIDADE DA PENHORA DECRETADA – PROVIDO – O direito à impenhorabilidade do bem de família é irrenunciável, ainda que o devedor ofereça esse bem à penhora. A moradia e a proteção à família são direitos assegurados constitucionalmente e constituem normas de ordem pública, cogentes e irrenunciáveis, devendo ser declarada nula a penhora incidente sobre esses bens. (TJMS – AG 2002.009947-3 – 4ª T.Cív. – Rel. Des. Rêmolo Letteriello – J. 03.12.2002)
BEM DE FAMÍLIA – IMPENHORABILIDADE – LEI FEDERAL Nº 8009/90 – PROTEÇÃO À FAMÍLIA DO DEVEDOR E MEIO DE EVITAR SITUAÇÕES CONSTRANGEDORAS – Por ser de ordem pública, a impenhorabilidade do bem de família é norma inderrogável,oponível em processo de execução civil, previdenciária, trabalhista ou de qualquer outra natureza, e não se inclui entre as exceções a que se refere o art. 3º, inciso I a VII, da Lei Federal nº 8009/90. Esta, ao proteger a família do devedor, tem o condão de evitar que ela (família) não só se coloque numa situação de penúria decorrente da dívida, mas também numa posição constrangedora, ou seja, a de perder o seu único imóvel e ficar sem onde morar. (TJMG – AC 000.236.277-0/00 – 4ª C.Cív. – Rel. Des. Hyparco Immesi – J. 19.09.2002)
LEI Nº 8.009/90 – MATÉRIA ARGÜIDA EM EMBARGOS À EXECUÇÃO REJEITADOS, COM TRÂNSITO EM JULGADO – PRECEDENTES DA CORTE – 1. Posto que a proteção do bem de família prevista na Lei nº 8.009/90 não pode ser objeto de renúncia, o fato é que argüida a matéria em embargos à execução, que foram rejeitados, transitando em julgado a sentença, não pode ser novamente apreciada quando da realização da praça. Ademais, no caso, é insuficiente a fundamentação do especial para desarmar o Acórdão recorrido quanto ao art. 471 do Código de Processo Civil. 2. Recurso Especial não conhecido. (STJ – RESP 451204 – SP – Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito – DJU 25.08.2003 – p. 00298)
AGRAVO DE INSTRUMENTO – PRELIMINAR – NÃO ATENDIMENTO AO DISPOSTO NO ART. 526 DO CPC – RECURSO CONHECIDO – PRELIMINAR REJEITADA – MÉRITO – PENHORA – BEM DE FAMÍLIA – MATÉRIA DE ORDEM PÚBLICA – PRECLUSÃO – NÃO INCIDÊNCIA – RECURSO PROVIDO – 1. Consoante entendimento consolidado de nossa jurisprudência, o descumprimento do disposto no artigo 526, do CPC, não constitui causa para o não conhecimento do agravo. 2. Tratando de matéria de ordem pública, a impenhorabilidade do bem de família pode ser alegada em qualquer tempo e grau de jurisdição, não se submetendo à preclusão. (TJRR – AI 0010.03.000297-5 – T.Cív. – Rel. p/o Ac. Des. Cristóvão Suter – DJRR 29.05.2003 – p. 05)
CONCLUSÃO:
Conclui-se, portanto, que o processo de execução deverá ser declarado nulo de pleno direito, determinando-se a baixa na averbação realizada no imóvel, caso tenha ocorrido, pois além de contrariar Lei Federal, não observou os procedimentos processuais, pois tal execução não pode e nem deve servir como instrumento de flagelo o devedor. Posto que lhe são assegurados, os direitos básicos outorgados por lei, como o direito a ter moradia e, principalmente, o direito a ter uma vida digna, o que se restabelecerá, desconstituindo-se o ato pelo qual foi transacionado o bem de família, na medida em que se figura direito indisponível, insuscetível de renúncia por parte de seu titular.
[1] CREDIE, Ricardo Arcoverde. Bem de Família: Teoria e Prática. São Paulo: Malheiros Editores, 2000.
[2] THEODORO, Junior Humberto. Processo de Execução . São Paulo: Cultura, 2002.
[3] Idem.
[4] Idem.