RESUMO
O presente artigo de pesquisa tem como tema central os meios de reprodução assistida Post Mortem e o Direito Sucessório, a sucessão é a transmissão dos bens e das obrigações do falecido para os seus descendentes, o direito sucessório sempre acompanhou a ideia de continuar a família e a evolução da sociedade e as inovações tecnológicas que tratam das técnicas de reprodução assistida, como a inseminação artificial e a fertilização in vitro, trouxeram muitas modificações frente aos modelos familiares e a sua concepção sobre eles. O problema que deu norte a esta pesquisa tem como questão a ser discutida: quais os direitos sucessórios do concebido post mortem previstos na legislação brasileira? Partindo do problema proposto definiu-se como objetivo verificar quais são os efeitos jurídicos da inseminação póstuma frente à sucessão do concebido post mortem. A metodologia utilizada neste trabalho foi a pesquisa bibliográfica numa abordagem qualitativa, sendo que o método utilizado foi o dedutivo. Após uma breve análise acerca do direito sucessório brasileiro do concebido post mortem, constatou-se que a mesma ainda é um instituto muito vago no Brasil, tendo em vista não estar previsto em lei. A inseminação post mortem é uma prática que visa garantir o direito a descendência, e evitar que o direito a procriação seja violado quando por força maior o pai vier a falecer interrompendo os planos de constituir família. Os meios de reprodução post mortem devem ser analisados com bastante cuidado tendo em vista os direitos que estão inclusos nestes procedimentos, ocorre que no âmbito jurídico brasileiro a inseminação post mortem resta esquecida.
Palavras-chave: Inseminação Post Mortem. Sucessão. Reconhecimento juridico.
ABSTRACT
This research paper is focused on the means of reproduction assisted Post Mortem and the Law of Succession, the succession is the transmission of property and obligations of the deceased to his descendants, the inheritance law has always followed the idea of continuing the family and the evolution of society and technological innovations dealing with assisted reproductive techniques such as artificial insemination and in vitro fertilization, brought many changes facing the family models and its design on them. The problem that gave north to this research was: What are the inheritance rights of the conceived post mortem under Brazilian law? It was defined as objective to verify which are the legal consequences of insemination posthumous front of the succession of post mortem designed. The proposed methodology for this study was the bibliographical research a qualitative approach, and the method used was deductive. After a brief analysis on the Brazilian inheritance law designed the post mortem, it appears that it is still a very vague Institute in Brazil, with a view not be provided by law. A post-mortem insemination is a practice which aims to ensure the right to descent, and prevent the procreation right is violated when force majeure father dies interrupting plans to found a family. The post mortem means of reproduction should be analyzed very carefully in view of the rights that are included in these procedures is that the Brazilian legal framework insemination post mortem remains forgotten.
Keywords: Insemination Post Mortem. Succession. Legal recognition.
INTRODUÇÃO
A ciência e a biomedicina avançam de forma constante e com elas todas as áreas do conhecimento vêm sofrendo evoluções, principalmente com relação às novas e recentes descobertas tecnológicas, desta forma se torna necessário a evolução do direito com o fito de acompanhar as relações novas que se estabelecem em decorrência destas mudanças e avanços.
O tema central deste consiste na abordagem dos meios de reprodução assistida post mortem e à luz do direito sucessório, tendo como problema de pesquisa proposto analisar quais os direitos sucessórios do concebido post mortem são previstos na legislação brasileira? A partir do problema apresentado, definiu-se como objetivo verificar os efeitos jurídicos da inseminação póstuma frente à sucessão do concebido post mortem.
A metodologia proposta para a elaboração do presente estudo teve por base a pesquisa teórica da reprodução médica assistida, mais especificamente a implantação póstuma do embrião obtido a partir da utilização de tais técnicas e os direitos dele provenientes, como a concepção do direito de suceder frente a estes novos meios de reprodução assistida.
Com este trabalho busca-se frente à doutrina e legislação vigente um esclarecimento sobre a problemática da existência ou inexistência do direito sucessório decorrente do inseminado post mortem.
No âmbito do Direito de Família e Sucessões aconteceram profundas mudanças no decorrer dos últimos tempos, o que não poderia ser diferente tendo em vista os ideais e valores que sustentam a nova ordem jurídica vigente a partir da Constituição Federal de 1988,as mudanças foram trazidas em parte pela Constituição Federal de 1988 que representou uma ruptura ao modelo de Estado vigente até então, inserindo no ordenamento jurídico pátrio, sensíveis alterações buscando salvaguardar direitos individuais que já se faziam necessários.
Desta forma o Direito de Família e Sucessões é um ramo do direito onde podem ser observadas profundas mudanças nos últimos tempos, tendo em vista que de alguns anos para cá os meios de concepção e da construção da família sofreram grandes avanços, especialmente no que tange a reprodução assistida, inclusive permitindo que o filho seja concebido após a morte do seu progenitor.
Os princípios gerais, abarcados pela Constituição Federal de 1988 como o princípio da dignidade da pessoa humana (art.1º, III)e o princípio da isonomia entre os filhos (art. 227, § 6º); dentre outras disposições, denotam a preocupação existente com a entidade familiar, o princípio da dignidade humana encontra na família lugar propício ao seu desenvolvimento, daí porque o Estado lhe dá especial e efetiva proteção, independente de sua espécie.
A percepção da mudança ocorrida no conceito de família na atualidade é de grande valia ao presente estudo, ampliado pelas mudanças constitucionais que trouxe valores e princípios diversos daqueles que antes eram elencados na família tradicional, essas garantias não surgem do direito, mas decorrem dos costumes, práticas adotadas pela própria sociedade cabendo a nossa legislação protegê-las quando não colidem com a moral, com a ética ou com o próprio direito.
Após a análise das mudanças ocorridas no atual conceito de família, da valorização do afeto nas relações paternais se torna possível o estudo das implicações trazidas pelo uso das técnicas de reprodução assistida e sua repercussão no direito de sucessão.
O estudo do presente tema relativo ao Direito Sucessório do concebido post mortem, tem como preceito colocar em discussão a adaptação da legislação a esse novo modelo de filiação e sucessão e a sua concepção frente aos olhos dos doutrinadores. Para isso, o trabalho foi estruturado da seguinte maneira: no primeiro capítulo será abordado algumas considerações sobre direito sucessório e filiação. Após, em um segundo momento, será abordada a Reprodução Assistida e seus reflexos no âmbito jurídico, e por fim considerações sobre o direito sucessório do concebido post mortem em caso de Reprodução Assistida.
1 CONSIDERAÇÕES SOBRE DIREITOS SUCESSÓRIOS E FILIAÇÃO
O Direito Sucessório preceitua as relações familiares, a palavra Sucessão, se considerada em um sentido mais amplo, segundo Carlos Roberto Gonçalves, significa o ato pelo qual uma pessoa assume o lugar de outra, substituindo-a na titularidade de determinados bens, desta maneira, a expressão Sucessão, no tocante ao direito sucessório é no sentido estrito, a que remete aquela que é decorrente da morte de outro (causa mortis), disciplinando a transmissão do patrimônio do de cujus aos seus sucessores. (GONÇALVES, 2012, p. 19).
A sucessão em um sentido objetivo é a transmissão dos bens e das obrigações de quem deixou de existir, destinando-as para os seus sucessores, estes que no sentido subjetivo tem o direito de suceder, ou seja, de receber do de cujus.
Segundo Gonçalves,
[...] a ideia de sucessão, que se revela na permanência de uma relação de direito que perdura e subsiste a despeito da mudança dos respectivos titulares, não ocorre somente no direito das obrigações, encontrando-se frequente no direito das coisas, em que a tradição a opera, e no direito de família, quando os pais decaem do poder familiar e são substituídos pelo tutor, nomeado pelo juiz, quanto ao exercício dos deveres elencados nos arts. 1740 e 1741, do Código Civil.
O direito sucessório, sempre acompanhou a ideia de continuar a família e a religião, na Roma, Grécia e Índia a religião desempenhava grande importância para o vinculo familiar, de forma que era considerado um castigo para uma pessoa falecer, sem ter com que cultuasse sua memória, cabendo assim ao seu herdeiro realizar esse culto, sendo essa a explicação para que o sucessor fosse sempre o filho do sexo masculino, de forma que este o fizesse, existindo também na doutrina a explicação de que se a responsabilidade em suceder ficasse para a filha mulher, essa iria se casar e passaria a integrar a família do marido, perdendo os laços com a de seu progenitor, o que acarretaria num culto aos Deuses da nova família .(GONÇALVES, 2012, p. 21)
A lei das XII Tábuas concedeu liberdade ao pai da família de dispor os seus bens para depois da morte, porém se falecesse sem o devido testamento, a sucessão era devolvida as classes de herdeiros sui, agnati e gentiles, respectivamente obedecendo a esta ordem, sendo considerados para tal os sui como os filhos, netos, e até mesmo a esposa, os agnati, eram os parentes maios próximos do de cujus, e os gentiles, aqueles parentes em sentido lato. Justiniano foi quem em seu código, fundou a sucessão legitima unicamente no parentesco natural, trazendo a seguinte ordem de vocação hereditária: a) descendentes; b)ascendentes, em concurso com irmão(a) bilaterais; C)irmãos e irmãs consanguíneos ou uterinos; d)e outros parentes colaterais. (GONÇALVES, 2012, p.21-22)
Os Romanos ainda reconheceram a sucessão testamentária por inúmeras formas, e compreendendo todo o patrimônio do testador, tendo em vista que para eles a morte sem testamento, ab intestato, era um verdadeiro horror. Cumpre salientar, que o Direito germânico desconhecia a sucessão testamentária, preceituando que só os do vínculo sanguíneo eram os verdadeiros e únicos herdeiros. (GONÇALVES, 2012, p. 22)
Desde o século XIII, na França foi fixado o princípio de Saisine, pelo qual a propriedade e posse da herança passam aos herdeiros com a morte do de cujus, recebendo de pleno direito os herdeiros legítimos, os naturais, e o cônjuge, respondendo pela obrigação de cumprir com os encargos da sucessão. Em contraponto o Código Civil Alemão, afirma igualmente que o patrimônio do de cujus passa por efeito direto da lei ao herdeiro, o encontro entre essas duas concepções resultou no direito sucessório contemporâneo em uma fusão de direitos, desse modo os parentes, herdeiros de sangue, são os sucessores legítimos se não houver testamento ou se ele não prevalecer. (GONÇALVES, 2012, p. 22-23)
Sendo assim, a vontade do de cujus é acatada em seu testamento, porém se ele tiver herdeiros necessários só poderá dispor da metade dos seus bens, a quota disponível, tendo em vista que a legitima é direito destes herdeiros.
A Revolução Francesa aboliu o direito de primogenitura e o privilégio do homem, e o Código de Napoleão manteve a unidade sucessória e a igualdade dos herdeiros do mesmo grau, distinguindo-os apenas entre herdeiros (parentes) e sucessíveis. No Brasil, o diploma civil em vigor sofreu inúmeras modificações tanto no que tange aos padrões culturais, éticos e das escalas de valores que norteiam a nova sociedade brasileira. (GONÇALVES, 2012, p. 23)
Juntamente com a Constituição Federal, vieram duas significativas imposições ao direito sucessório, sendo a primeira no art. 5º, XXX, que incluiu o direito de herança entre as garantias fundamentais, e outra no seu art. 227, §6º, assegurando a igualdade de direitos entre todos os filhos, sendo ou não da relação do casamento, bem como os por adoção. Outras significativas mudanças vieram das leis 8.971/1994 e 9.278/1996, que regulam o direito da sucessão entre os companheiros, bem como o §3º do art. 1.611 do Código Civil, que atribuiu ao filho deficiente e incapaz para o trabalho, o mesmo direito de habitação concedido no §2º ao cônjuge pelo regime da comunhão universal. A Lei 10.406/2002 que instituiu o atual Código Civil, como já destacado, trouxe inúmeras inovações ao direito sucessório, cumprindo salientar a inclusão do cônjuge como um herdeiro necessário, concorrente com descendentes e ascendentes. (GONÇALVES, 2012, p. 24)
O Código Civil de 2002, em seu art. 6º, determina que a existência da pessoa natural termina com a morte natural, bem como a presumida nos casos em que a lei autoriza. Neste sentido, Gonçalves (2012, p 33) salienta que:
[...] como não se concebe direito subjetivo sem titular, no mesmo instante em que aquela acontece abre-se a sucessão, transmitindo-se automaticamente a herança aos herdeiros legítimos e testamentários do de cujus, sem solução de continuidade e ainda que estes ignorem o fato.
Dessa forma, não se admite que um patrimônio fique sem titular, impondo ao direito sucessório a necessidade da transmissão da herança como garantia da continuidade na titularidade dos bens.
As inovações tecnológicas que tratam das técnicas de reprodução, como por exemplo, a inseminação artificial, fertilização in vitro, entre outros, trouxeram muitas modificações frente aos modelos familiares e a sua nova estrutura.
Esta evolução da sociedade decorre da industrialização e da urbanização, que no âmbito familiar resultou em novos tipos de filiação, sendo este novo modelo familiar adequado às novas realidades da sociedade, eis que possui um caráter menos formal e menos opressor, sendo mais autêntico e com um teor de igualdade entre as diferentes maneiras de se constituir família, e estabelecê-las através da filiação. (Silveira; Neto, 2013, p. 67)
As técnicas de reprodução humana assistida estão preceituadas no art. 1.597, incisos III, IV e V, do Código Civil de 2002, destacando os filhos advindos de fecundação artificial homóloga, mesmo que falecido o marido; os havidos em qualquer tempo, falando-se dos embriões excedentários em concepção artificial homologa; e de inseminação heteróloga, com a autorização do marido. Assim dispõe o referido artigo:
Art. 1.597. Presumem-se concebidos na constância do casamento os filhos:
I - nascidos cento e oitenta dias, pelo menos, depois de estabelecida a convivência conjugal;
II - nascidos nos trezentos dias subsequentes à dissolução da sociedade conjugal, por morte, separação judicial, nulidade e anulação do casamento;
III - havidos por fecundação artificial homóloga, mesmo que falecido o marido;
IV - havidos, a qualquer tempo, quando se tratar de embriões excedentários, decorrentes de concepção artificial homóloga;
V - havidos por inseminação artificial heteróloga, desde que tenha prévia autorização do marido.
A concepção do filho por via não natural faz com que estes tenham direito a herança, no entanto, frente à possibilidade de gerar um filho post mortem os doutrinadores divergem. Leite, citado por Prado (2013, p. 9) refere que,
[...] vale lembrar que tal pedido sai do plano ético reconhecido à inseminação homóloga; ou seja, se não há mais um casal solicitando um filho, nada mais há que se justifique a inseminação. Num segundo momento, tal solicitação provoca perturbações psicológicas com relação à criança e em relação à mãe. Nada impede que nos questionemos se esta criança desejada pela mãe viúva não o é, antes de tudo, para preencher o vazio deixado pelo marido. Além disso, a viuvez e a sensação de solidão vividas pela mulher podem hipotecar pesadamente o desenvolvimento psicoafetivo da criança.
A maioria dos doutrinadores que são contrários a reprodução post mortem, tem como ponto principal o fato de que a viúva pode estar desejando conceber este filho quer seja visando uma vantagem financeira, no tocante a herança do de cujus ou apenas como um meio de suprir a sua carência após a morte do companheiro ou cônjuge.
Em contraponto, segundo Neiva Maira do Prado (2013, p. 9)
[...] há doutrinadores que não aceitam a concepção após a morte do doador de material genético, por acreditarem que assim a criança estaria condenada a nascer sem a figura paterna. Com todo respeito à doutrina divergente, entende-se que tal argumentação não deve prosperar, sendo que para o art. 42 do Estatuto da Criança e Adolescente (ECA) não é relevante o estado civil do adotante, desde que ele tenha acima de 21 anos de idade. Assim, conclui-se que , se é possível a adoção por uma pessoa solteira, divorciada ou viúva, também tem que ser possível a concepção de um filho somente pela mãe após a morte do genitor.
Assim, em contraposição à doutrina divergente, pode-se concluir que sendo possível a inseminação heteróloga, onde o semem é de um homem desconhecido, não deve haver óbice para que haja a inseminação homóloga, pressupondo-se que ter o material genético guardado e passível de uso deve-se considerar que o homem tinha a presunção de ser pai e o casal tinha a formação de uma família como um plano a ser concebido, interferido neste caso pelo falecimento deste, uma condição que não teria como ser analisada pelo casal previamente.
Considerando a condição de filiação, a Constituição extingue de qualquer maneira a possibilidade de discriminação entre os filhos, dispondo em seu art. 277, §6º que “os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação”.
Sendo assim é possível afirmar que atualmente já não existem mais diferenças e discriminações entre os filhos legítimos, ilegítimos, biológicos e adotados, não existindo mais hierarquia para a sociedade e para a ordem jurídica entre estes, sendo eles merecedores igualmente dos cuidados, pois também detentores de direitos econômicos e patrimoniais, sem nenhuma distinção.
2 REPRODUÇÃO ASSISTIDA E SEUS REFLEXOS NO ÂMBITO JURÍDICO
A medicina evolui a todo o momento, e na área reprodutiva foram criadas diversas técnicas conceptivas, desta forma a reprodução assistida é um conjunto destas técnicas empregadas por médicos especialistas, visando à reprodução humana nos casos de infertilidade. As principais técnicas utilizadas são a inseminação artificial, homóloga ou heteróloga, a fecundação in vitro e as “mães de substituição”.
Atualmente, levando em consideração os avanços biotecnológicos a concepção dos filhos se torna possível com o uso das técnicas de reprodução medicamente assistida, o que acaba acarretando diversas controvérsias no tocante a filiação e parentesco, sendo este um assunto de grande valia e que gera inúmeras discussões.
Por meio destas técnicas de reprodução é possível, para aqueles que têm o sonho de ter filhos e que por causas alheias a sua vontade não o concretizam de forma natural, o façam por métodos alternativos, sendo que atualmente é possível armazenar óvulos, sêmens, e até mesmo embriões excedentários por muito tempo, através das modernas técnicas de reprodução artificial. (CABRAL; ALVES, 2012, p. 97)
Os gametas femininos são os óvulos maduros retirados do ovário, enquanto que os gametas masculinos são espermatozoides retirados do sêmen, atualmente os avanços da medicina possibilitaram que o óvulo e o embrião sejam criopreservados, ou seja, sejam congelados, possibilitando que ainda após a morte do doador o material possa ser utilizado na reprodução assistida. Nos casos de inseminação artificial existe diferença do local onde serão fecundados os gametas, no procedimento in vivo o sêmen do genitor é colocado dentro do útero da mulher para que haja a fecundação, enquanto que na inseminação artificial in vitro a fecundação ocorre fora do útero materno. (CABRAL; ALVES, 2012, p. 97-98)
Segundo Silvia Fernandes, citada por Hildeliza Cabral (2012, p. 97), a técnica de criopreservação consiste:
[...] na retirada de quase toda a água das células, substituindo-a por uma substância crioprotetora que não cria cristais quando ocorre o congelamento. Em contato com a substância crioprotetora, os gametas ou embriões se retraem, diminuindo de tamanho; todavia, assim que essa substância penetra nas células, os gametas ou embriões voltam a seu estado normal, estando prontos para o congelamento. São, então, aspirados por um capilar o qual será devidamente vedado e identificado. Os capilares cheios são colocados em uma máquina, composta por um computador e uma câmara de resfriamento, que reduzirá sua temperatura a menos de 196 graus Celsius. Após o congelamento, os capilares serão colocados em um recipiente grande, imersos em azoto líquido, onde poderão permanecer por vários anos. O descongelamento ocorre com o reaquecimento brusco do capilar, deixado em temperatura ambiente por alguns segundos ou com a retirada do crioprotetor através da lavagem cultural.
Desta forma, levando em conta os avanços da biotecnologia, é possível observar que o material pode ser armazenado e guardado por muitos anos, tendo o casal a possibilidade de utiliza-lo a qualquer tempo.
Cumpre salientar ainda que existem dois tipos de técnicas de reprodução, quais sejam, a fertilização in vivo e a fertilização in vitro. Enquanto a primeira se trata de um método de fecundação no próprio corpo da mulher, a qual possui como exemplo mais conhecido a inseminação artificial, a segunda trata-se de fecundação fora do organismo feminino, mais precisamente em laboratório, em sendo a fertilização in vivo ou in vitro, poderá ser utilizado o material genético de ambos os genitores ou de apenas um deles. (CABRAL; ALVES, 2012, p. 97-98)
Em relação à inseminação artificial, poderá haver a inseminação homóloga ou heteróloga. No primeiro caso o procedimento é praticado na esposa com o sêmen do marido em vida ou após a morte dele, enquanto que no segundo caso a inseminação é realizada durante o casamento ou união estável com esperma de terceiro.
Segundo Diniz,
[..] estas técnicas de reprodução assistida têm o papel de auxiliar na resolução dos problemas de infertilidade humana, facilitando o processo de procriação, quando outras terapêuticas tenham sido ineficazes para a solução da situação atual de infertilidade (Res. n. 1358/92 do CFM, art. 1º, Seção 1), devolvendo ao homem e à mulher o direito à descendência.” (2002, p. 476)
Desta forma, tem-se que a inseminação artificial é uma alternativa ao casal quando este não pode o fazer pelos meios tradicionais, sem o auxilio das técnicas médicas, tendo em vista que a infertilidade humana não pode privar o direito de constituir família, devendo-se, no entanto, levar em conta os limites éticos e jurídicos para assegurar estas técnicas de reprodução humana.
As técnicas de reprodução assistida devem ser vistas como um meio pelo qual os casais inférteis ou com dificuldades para gerar filhos recorrem para realizar o seu desejo, de maneira que o fato da disposição dos casais a se submeter ou o gesto de guardar o material para posterior reprodução, já caracterizam a vontade que ambos têm de gerar este filho. (SILVEIRA; NETO, 32, p. 65)
Segundo Hildeliza Cabral (2012, p. 95),
[...] as técnicas de Reprodução Humana Assistida vieram com a finalidade de revolucionar os métodos de procriação, inclusive solucionando problemas de infertilidade entre os casais, e até mesmo proporcionando a possibilidade de uma fecundação após a morte do doador do sêmen, tendo em vista a ausência efetiva da relação sexual, e os modernos métodos de criopreservação dos gametas.”
Considerando a inseminação artificial post mortem, que na forma homóloga se utiliza do material do marido ou companheiro falecido que estava devidamente guardado para um futuro aproveitamento, tornando real a utilização do material de um indivíduo já falecido em momento posterior, acaba por constituir-se em problema em razão da condição para a aplicação destas técnicas, como se verá adiante. (PISETTA, 2014, p.29)
Se de um lado os grandes avanços da medicina possibilitam a realização do sonho da maternidade e paternidade de forma alternativa a convencional, de outro criam grandes dúvidas no âmbito jurídico que tem dificuldades em acompanhar a evolução dos novos meios de constituir família.
2.1 A Vocação Hereditária à luz do Código Civil Brasileiro nas situações de Reprodução Assistida
A palavra vocação vem do latim vocare que significa chamar. Portanto quando falece alguém deixando bens, direitos, encargos e obrigações, necessita que alguém seja chamado para que assuma este acervo, que segundo a legislação brasileira deve respeitar uma determinada ordem de vocação hereditária, descrita no art.1.829 e incisos do Código Civil.
Assim, a herança será designada nas linhas de parentesco reta e colateral, sendo que na linha reta primeiramente tem-se os descendentes e após os ascendentes, pertencendo os filhos à primeira classe na ordem de vocação hereditária, bem como o cônjuge e todos os descendentes em linha reta do autor da herança, sendo convocados primeiramente os mais próximos que excluirão os mais remotos, salvo o direito de representação, nos termos do art. 1.833 do Código Civil. (GONÇALVES, 2012, p. 161)
Atualmente todos os filhos, independente de serem havidos ou não na constância do casamento, herdam em igualdade de condições face à atual previsão da Constituição Federal, do Código Civil de 2002 e do Estatuto da Criança e Adolescente, não viabilizando quaisquer desigualdades dentre os filhos legítimos e ilegítimos, consanguíneos e adotivos, da mesma forma que os havidos fora do casamento desde que reconhecidos. (GONÇALVES, 2012, p. 166)
Tendo em vista a evolução dos direitos dos descendentes, cumpre relembrar que a capacidade para suceder conforme expresso no art. 1.787, do Código Civil de 2002, é a do tempo da abertura da sucessão.
O Código Civil brasileiro vigente, em seu art. 1.798 diz que “legitimam-se a suceder as pessoas nascidas ou já concebidas no momento da abertura da sucessão”. Considerando este artigo, em tese, o filho nascido depois da morte do de cujus, via fecundação artificial homóloga post mortem, seria excluído da sucessão.
Em uma ressalva, o art. 1.799 do Código Civil preceitua que “na sucessão testamentária podem ainda ser chamados a suceder: I – os filhos ainda não concebidos, de pessoas indicadas pelo testador, desde que vivas estas ao abrir-se a sucessão”.
Este dispositivo abre precedentes para outras pessoas sucederem, além das nascidas no momento da sucessão, porém, aceitando apenas as elencadas em testamento, sendo que ainda no art. 1.799, inciso III, é considerado pressuposto que as pessoas indicadas pelo testador estejam vivas no momento da abertura da sucessão. Sendo assim, a herança só é transmitida se o filho da pessoa indicada nascer vivo e se esta estiver viva no momento da morte do testador.
Nos tempos atuais, no ordenamento jurídico pátrio não mais existe a possibilidade do não reconhecimento da filiação, seja ela presumida ou reconhecida, no tocante a filiação não pairam muitas dúvidas, a problemática maior envolve o direito sucessório. (NÓBREGA, 2011 p. 48)
2.2 O Biodireito como ramo da ciência jurídica
A Constituição Federal busca preservar a instituição da família, preceituando que ela é “a base da sociedade brasileira, tendo especial proteção do Estado”, reservando um capítulo para esta disciplina. Desta forma, os princípios do Direito de Família são cedidos ao biodireito, novo ramo do Direito, ainda em construção, pois ambos protegem uma das bases da família, qual seja, a procriação, e este tem a vida como o objetivo principal.
Segundo Diniz, “a verdade cientifica não poderá sobrepor-se à ética e ao direito, assim como o progresso cientifico não poderá acobertar crimes contra a dignidade humana, nem traçar, sem limites jurídicos, os destinos da humanidade.” (2002, p. 8)
Desta forma, o Biodireito deve seguir alguns princípios, tendo como base a humanização e o vinculo com a justiça, sendo destacados alguns, tais como o princípio da Beneficência, que diz respeito ao auxilio ao paciente, onde o médico só deve intervir quando for para o bem; o princípio da Autonomia, que preceitua que o profissional médico deve atentar-se a vontade do paciente, “respeitando os seus valores morais e religiosos” (SILVEIRA; NETO, 2013, p. 66).
Cumpre observar, também, o Princípio da Dignidade que tem como característica a sua universalidade, tratando da igualdade e dignidade, conforme previsão expressa no art. 226, §7º da Constituição Federal, que assim dispõe:
Art. 226, §7º- Fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável, o planejamento familiar é livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito, vedada qualquer forma coercitiva por parte de instituições oficiais ou privadas.
Segundo Maria Berenice Dias (apud Cabral e Alves, 2012, p. 112)
O uso das técnicas de reprodução assistida é um direito fundamental, consequência do direito ao planejamento familiar, que decorre do princípio da liberdade. Impensável cecear este direito pelo advento da morte de quem manifestou vontade de ter filhos ao se submeter às técnicas de reprodução assistida. Na concepção homóloga, não se pode simplesmente reconhecer que a morte opere a revogação do consentimento e impõe a destruição do material genético que se encontra armazenado. O projeto parental iniciou-se durante a vida, o que legaliza e legitima a inseminação post mortem.
Neste sentido, considera-se o planejamento familiar feito quando vivos os pais, podendo produzir seus efeitos após a morte, levando em conta que a pessoa é livre para fazer escolhas e manifestar sua vontade, devendo ser respeitada, sendo inadmissível a desigualdade de filiação nos dias atuais, pressupondo-se assim que considerando o prévio planejamento familiar, o filho tem legitimidade para suceder mesmo tendo nascido após a morte do sucessor, pois era um plano a ser concretizado que foi interrompido por um dissabor do destino.
É preciso que seja feita essa relação da lei com a bioética e o biodireito evitando desta forma que o direito se afaste da ciência da vida, de maneira que ambos caminham para a defesa do bem comum e do uso das técnicas avançadas de biomedicina como forma de não agredir os princípios e direitos básicos de uma sociedade. Neste sentido, o Direito acompanha a evolução social e abarca as novas relações que se estabelecem em decorrência do surgimento destes novos procedimentos.
3 O DIREITO SUCESSÓRIO DO CONCEBIDO POST MORTEM EM CASO DE REPRODUÇÃO ASSISTIDA
As técnicas de reprodução assistida estão disciplinadas no Código Civil Brasileiro quando se estabelece a presunção de filiação, não havendo, no entanto, previsão dos seus reflexos no âmbito do direito sucessório.
Sabe-se que a personalidade civil começa com o nascimento com vida, mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro nos termos do art. 2º do Código Civil, pois, desde o momento da sua concepção já começa a formação de um novo ser, desta forma os nascituros podem ser chamados a suceder na sucessão legítima e também na testamentária, dependendo nestes casos do seu nascimento para que a vocação tenha eficácia. (GONÇALVES, 2012, p. 69)
Segundo Nestor Duarte, “nascituro é o ser concebido. Mas não nascido, que ainda se acha nas entranhas maternas”. (2012, p. 16)
Existem enunciados referentes ao tema debatido no âmbito do Conselho de Justiça Federal (CJF), que foram aprovados na I Jornada de Direito Civil. Dentre eles cumpre destacar, o Enunciado nº 105, que dispõe:
[...] as expressões “fecundação artificial”, “concepção artificial” e “inseminação artificial” constantes, respectivamente, dos incs. III, IV e V do art. 1.597 deverão ser interpretadas como “técnica de reprodução assistida.
O Enunciado nº106, ao tratar sobre o art. 1597, em seu inciso III, faz a seguinte referência:
[..] para que seja presumida a paternidade do marido falecido, será obrigatório que a mulher, ao se submeter a uma das técnicas de reprodução assistida com o material genético do falecido, esteja na condição de viúva, sendo obrigatório, ainda, que haja autorização escrita do marido para que se utilize seu material genético após sua morte.
Conforme pode ser observado, o primeiro faz uma tomada dos meios de reprodução humana de uma maneira mais generalizada, e o segundo traz como uma constante a obrigatoriedade da condição de viúva e a autorização expressa do marido para a utilização do material depois de sua morte.
O enunciado 127 trata da mudança no inciso III do art. 1597, para que conste apenas “havidos por fecundação artificial homóloga”, com o objetivo de anular a segunda parte deste inciso, que permite a possibilidade desta técnica ocorrer após o falecimento do marido, buscando observar os princípios da paternidade responsável e da dignidade humana, se tratando de ser inaceitável o nascimento já sem o pai. (CABRAL; ALVES, 2012, p. 116)
O Brasil não possui legislação específica sobre o assunto em tela, razão porque os enunciados tentam, então, amenizar a omissão do legislador, existindo ainda, embora essa não tenha força de Lei, a Resolução 1.957/2010, do Conselho Federal de Medicina, que dentre seus princípios gerais expressa:
O consentimento informado será obrigatório a todos os pacientes submetidos às técnicas de reprodução assistida, inclusive aos doadores. Os aspectos médicos envolvendo as circunstâncias da aplicação de uma técnica de RA serão detalhadamente expostos, assim como os resultados obtidos naquela unidade de tratamento com a técnica proposta. As informações devem também atingir dados de caráter biológico, jurídico, ético e econômico. O documento de consentimento informado será expresso em formulário especial e estará completo com a concordância, por escrito, das pessoas submetidas às técnicas de reprodução assistida.
Na mesma Resolução tem-se ainda que: “Não constitui ilícito ético a reprodução assistida post mortem desde que haja autorização prévia específica do(a) falecido(a) para o uso do material biológico criopreservado, de acordo com a legislação vigente.” (Resolução nº 1.957/2010 CFM)
Com relação ao momento da criopreservação, a norma em comento refere:
No momento da criopreservação, os cônjuges ou companheiros devem expressar sua vontade, por escrito, quanto ao destino que será dado aos pré-embriões criopreservados, em caso de divórcio, doenças graves ou de falecimento de um deles ou de ambos, e quando desejam doá-los.” (Resolução nº 1.957/2010 CFM)
Como pode ser observado a Resolução do Conselho Federal de Medicina, traz como importante ponto o consentimento dos envolvidos na Reprodução Assistida, bem como a autorização prévia e especifica do doador falecido quando do uso para Reprodução Assistida post mortem, e ainda a expressa vontade do destino que será dado ao material genético criopreservado.
Sabendo-se que este é um tema complexo e de grande relevância no mundo jurídico, diversos projetos de Lei foram propostos e arquivados, sobrevivendo apenas o Projeto de Lei nº 1.184, que tramita desde 2003 na Câmara dos Deputados, e que dispõe sobre a Reprodução Humana Assistida, trazendo normas para a realização de inseminação artificial e fertilização in vitro, proibindo ainda a gestação em substituição e a clonagem radical. (CABRAL; ALVES, 2012, p. 117)
O Projeto de Lei nº 1.184/03 foi apresentando ao Plenário do Congresso Nacional em junho de 2003, o qual dispõe sobre a Reprodução Assistida, com normas preestabelecidas para a realização de inseminação artificial e fertilização in vitro, proibindo a gestação em substituição e clonagem radical. (CABRAL; ALVES, 2012, p. 118)
Este Projeto de Lei traz a previsão do uso da técnica de Reprodução Assistida post mortem, dispondo em seu art. 4º, sobre a obrigatoriedade do consentimento livre e esclarecido para o uso das técnicas de Reprodução Assistida. Ainda no inciso VII do mesmo artigo, refere que este será formalizado por instrumento particular contendo “condições a que o doador ou depositante autoriza a utilização de seus gametas, inclusive postumamente”. Também dispõe que no caso de falecimento do depositante será obrigatório o descarte dos gametas, o que não ocorrerá apenas se “houver manifestação de sua vontade, expressa em documento de consentimento livre e esclarecido ou em testamento, permitindo a utilização póstuma de seus gametas”, caracterizando ainda no capítulo em que trata de infrações e penalidades que constituirá crime a utilização dos gametas de doadores ou depositantes falecidos sem autorização em documento de consentimento livre e esclarecido ou em testamento. (CABRAL; ALVES, 2012, p. 119)
O art. 1.784 do Código Civil de 2002 consagra a sucessão dizendo “aberta a sucessão, a herança transmite-se, desde logo, aos herdeiros legítimos e testamentários”. Segundo o princípio de saisine a sucessão não ocorre inter vivos, mas no momento da morte é que o testador transfere seu patrimônio. Desta forma, no momento da abertura da sucessão a herança é transmitida aos herdeiros legítimos e testamentários de forma imediata e automática. (2013, p.74)
Conforme o art. 1.798 “legitimam-se a suceder as pessoas nascidas ou já concebidas no momento da abertura da sucessão”. Segundo SILVEIRA e NETO (2013, p. 74), tal dispositivo,
[...] afastaria a criança nascida após a morte do autor da herança por meio de inseminação artificial, da participação na sucessão, tendo em vista que, teoricamente, apenas as pessoas físicas, mesmo não nascidas, mas já concebidas, teriam capacidade para suceder como herdeiros legítimos.
A problemática envolve justamente o fato de a criança ainda não ter nascido no momento do falecimento do de cujus, sendo que estar vivo é uma das condições para o sucessor herdar. Considerando o já mencionado art. 2º do Código Civil, “a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro”.
Neste sentido, Venosa, citado por Pisetta (2014, p.121), destaca:
[...] embora antes do nascimento com vida o nascituro ainda não seja considerado pessoa para o ordenamento jurídico, ele tem expectativa de direito em relação à herança. Isso significa que, sendo ele um futuro herdeiro, havendo um inventário no qual ele possa ser incluído como herdeiro, esperar-se-á até o seu nascimento, para constatar-se se ele é ou não sucessor do de cujus.
Porém ainda há a problemática do filho que ainda não estava concebido quando do falecimento do homem, sendo que na inseminação artificial homóloga post mortem, não se visualiza a hipótese de concepção no tempo do óbito do homem, pois apenas existem espermatozoides e óvulos criopreservados.
No caso da fertilização in vitro homóloga póstuma, segundo PISETTA:
[...] podem se verificar duas situações: a)a clínica se utiliza dos espermatozoides congelados do então falecido e, com os óvulos da mulher, efetua a fecundação; b) a clínica possui os embriões já criopreservados, uma vez que a coleta das células germinativas e a fecundação ocorreu antes da morte do homem. No primeiro caso, a morte do homem precede à formação dos embriões, ou seja, não há que se falar em concebidos antes ou ao tempo do óbito. Em contrapartida, na segunda situação, há concebidos após este momento temporal. (2014, p. 122)
Analisando os artigos supracitados, resta evidente que não há uma previsão legal da técnica de reprodução post mortem, tendo em vista essa utilizar o material genético para uma futura fertilização, porém o art. 1799 do Código Civil, ao prever a sucessão testamentária, como já observado, aumenta esse rol de legitimados, de forma que a pessoa ainda não concebida pode estar apta a ser herdeira testamentária, se tratando de prole ou filiação eventual, sendo que esta denominação só atingirá os filhos e não netos da pessoa indicada pelo testador. (SILVEIRA; NETO, 2013, p. 74)
Neste caso a sucessão somente ocorrerá com o nascimento dos filhos da pessoa designada, sendo então uma transmissão hereditária condicional, estando subordinada a evento futuro e incerto. Ocorrendo o nascimento do herdeiro com vida, a sucessão é deferida com os seus frutos e rendimentos. (PISETTA, p. 127)
Neste sentido, preceitua o art. 1.800, parágrafo 4º do Código Civil, que “se, decorridos dois anos após a abertura da sucessão, não for concebido o herdeiro esperado, os bens reservados, salvo disposição em contrário, caberão aos herdeiros legítimos”.
Desta forma, foi fixado pelo legislador um limite de tempo para que ocorra a concepção referida, com o fito de evitar a espera de forma indeterminada.
Há a possibilidade de realização da inseminação post mortem sem causar reflexos quanto à filiação, se esta ocorrer no momento da morte do genitor ou posteriormente, desde que a criança nasça nos 300 dias após a morte, conforme art. 1.597, inciso II do Código Civil.
Conforme Silveira e Neto (2013, p. 74),
[...] sendo o filho gerado post mortem por inseminação homóloga, a não consideração do mesmo como herdeiro contemplaria a violação de direitos inerentes e fundamentados na Constituição Federal, como o princípio da isonomia, entre outros elencados na legislação pátria.
Albuquerque Filho (apud NÓBREGA, 2011, p. 53), refere que existem três posições acerca deste tema, que podem ser divididas entre três correntes: a excludente, a relativamente excludente e a inclusiva. A primeira não admite direito algum ao filho concebido depois da morte do genitor, pois a morte funcionária como uma revogação do consentimento dado pelo falecido no emprego do seu material genético. A segunda corrente admite que o concebido post mortem tenha os diretos relativos à Família, porém não admite os referentes a Sucessões, admitindo, porém, que seja incluído através do testamento na condição de prole eventual.
Com relação à prole eventual, Nestor Duarte refere que:
[...] a prole eventual não passa de mera expectativa; contudo, a lei permite que lhe sejam atribuídos bens na sucessão e que ficará sob a guarda de curador nomeado pelo juiz, pelo prazo de dois anos, dentro do qual, salvo disposição em contrário do testador, deverá ser concebido o herdeiro esperado, e, tal não ocorrendo, os bens serão deferidos aos herdeiros legítimos. (2012 p.17)
A última corrente entende que o concebido post mortem possui todos os direitos que lhe cabem em decorrência de sua filiação, sendo titular de direitos tanto no âmbito do Direito de Família quanto do Direito de Sucessões, essa corrente tem como fundamento o art. 227, §6º da Constituição Federal, onde fica determinado o tratamento igualitário nos direitos e qualificações entre os filhos, sem importar a origem da filiação. (NÓBREGA, 2011, p. 54)
No que tange a concepção preceituada no art. 1.798 do Código Civil, Coelho refere ainda que,
[...] a lei não distingue, no tocante à concepção, se ela é natural (proveniente de relações sexuais) ou artificial (fecundação in vitro ou inseminação). Desse modo, não há como discriminar as hipóteses. Tanto a pessoa que, na data do falecimento do autor da herança, já se encontrava concebida naturalmente, como a que se concebera por processo de fertilização assistida têm capacidade para suceder. (2006, p. 279)
No âmbito da concepção artificial, segundo Coelho, existem duas situações diferentes. No primeiro caso, quando do momento do falecimento do autor da herança, já existia sob crioconservação, o embrião concebido com o material genético que fora fornecido pelo falecido, neste caso, embora o decurso do tempo, se o embrião vir a ser implantado em um útero, o nascimento com vida confere capacidade sucessória ao ser nascido, podendo este por meio de petição de herança demandar a sua parte aos demais sucessores. O mencionado autor refere ainda que a fecundação assistida post mortem só ira gerar o vínculo de filiação se ocorrer da forma homóloga, ou seja, quando o microgameta de onde proveio o embrião for de quem era casado ou mantinha união estável com a fornecedora do macrogameta. (2006, p. 279)
Neste ponto, Coelho sobre os embriões e material genético crioconservado:
Se o embrião já existia na data da abertura da sucessão, mesmo que estivesse crioconservado, o ser dele resultante terá capacidade sucessória se um dia vier a ser implantado num útero e, depois da gestação, nascer com vida. Esse ser terá até os 28 anos para exercer contra os demais sucessores seu direito à petição de herança. (2006, p. 279)
No segundo caso, no momento da abertura da sucessão, ainda não há embrião, mas simplesmente gametas crioconservardos que pertenciam ao autor da herança, que poderá vir a ser utilizado para gerar uma nova vida, neste caso, porém Coelho refere que esta não terá direitos sucessórios sobre o patrimônio do provedor do gameta crioconservado, considerando o fato de que a pessoa não estava concebida quando do seu falecimento. (2006, p. 280)
Essa posição defende que, em virtude do filho concebido post mortem não existir na data da abertura da sucessão, este não integra o rol de herdeiros, afastando o direito de suceder em tais situações.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O direito é um reflexo das necessidades da sociedade e não uma ciência exata, está diretamente ligado aos fatores sociais, econômicos e políticos de onde emerge, desta forma o direito deve acompanhar a evolução da sociedade e deve proteger as relações novas que se estabelecem com o surgimento dos novos ramos do direito como, por exemplo, o biodireito.
A infertilidade é um problema de saúde onde a medicina encontrou soluções na utilização das técnicas de Reprodução Assistida, de forma que este avanço exige uma postura positiva do legislador, com o intuito de introduzir normas que venham regular essas novas relações.
Considerando a existência de algumas disposições legais que tratam acerca da presunção de paternidade das proles geradas pelos métodos de reprodução assistida, a legislação vigente no país não garante de forma clara os direitos dos filhos gerados por essas técnicas no que diz respeito ao direito sucessório.
Essa lacuna deixada na lei em torno desta matéria gera preocupação e controvérsias entre os doutrinadores, que estabelecem embates jurídicos e filosóficos buscando a solução para a problemática apresentada, dessa maneira, enquanto inexistem disposições legais acerca do assunto, a base acaba por ser o suporte doutrinário e a analogia, que por ora se apresentam como a melhor solução para a questão em tela.
Após analisar as correntes doutrinárias que tratam do assunto, percebe-se que há quem defenda a existência do direito sucessório do filho havido por fecundação post mortem, assegurando que reconhecer a existência dos direitos do nascituro, seria agir consoante o estatuído na Constituição Federal, como forma a garantir a efetividade do princípio da dignidade da pessoa humana.
Em contraponto há também quem entenda que o princípio de saisine não comporta a sucessão daquele que ao tempo da morte se quer existia, não abarcando, desta forma, no direito sucessório como herdeiro legítimo aquele filho concebido após a morte de seu genitor através das técnicas de inseminação artificial.
Corroborando o princípio de saisine os doutrinadores majoritariamente entendem que só existe o direito sucessório no caso dos embriões excedentários, que quando aberta a sucessão já se encontravam concebidos e criopreservados.
Pelo que se percebe, no âmbito de Família e Sucessões há um vazio legal o qual somente pode ser suprido atualmente através de uma interpretação sistemática da lei, utilizando-se, para tanto, dos princípios gerais de direito.
A legislação atual precisa enfrentar a problemática que envolve as técnicas de reprodução assistida, nos casos em que o embrião e o material genético do autor da herança estejam criopreservados quando da sua morte, não sendo possível a distinção entre os filhos pré-existentes e um filho concebido post mortem, pois este tem o direito de ser protegido por princípios contempladores da igualdade de filiação e do direito sucessório.
REFERÊNCIAS
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