Histórico
Considerações iniciais
No início da civilização dos povos, não existia um Estado forte e soberano capaz de impor o direito acima dos interesses individuais. Dessa forma, cada um defendia seu interesse da maneira que dispunha sem que houvesse interferência estatal.
Assim, a reação do lesado a um ato ilícito cometido era a vingança privada, ou seja, aquele que pretendesse alguma coisa haveria de conseguir a satisfação de sua pretensão com sua própria força. Posteriormente, a restituição e a reparação vieram a substituí-la. Nelas
“o pagamento de uma determinada quantia ou a entrega de bens (por exemplo, gado) à vítima ou a sua família era a conseqüência legal do dano punível, e liquidava o assunto, restabelecendo desse modo, a paz na comunidade”. (MADLENER, 1996, p. 83).
A sociedade evoluiu, o Estado se fortaleceu e se aperfeiçoou, surgindo o Estado de Direito que passou a ditar regras de convivência social e a interferir na solução dos litígios. Junto à evolução da sociedade e do Estado ocorreu o crescimento da criminalidade.
Assim, como não raramente os delitos penais causam prejuízos, não só psico-sociais, como também patrimoniais às vítimas, criaram-se providências legais de modo a tentar evitar que os prejuízos experimentados pelo ofendido ficassem sem reparação. No Brasil, essas providências foram denominadas medidas assecuratórias. As medidas assecuratórias são providências cautelares e foram instituídas no Direito Processual Penal brasileiro pelo Decreto-Lei 3.689, de 03 de outubro de 1942, tendo como finalidade assegurar a efetividade de eventual reparação civil dos danos causados pelo ilícito penal.
O citado diploma legal, atual Código de Processo Penal, prevê as medidas assecuratórias nos artigos 125 a 144. São elas: o seqüestro, o arresto (inadvertidamente denominado seqüestro) e a hipoteca legal. Por se tratarem de medida cautelar, ensina José Frederico Marques:
[...] tem sempre caráter provisório e interino, uma vez que é de duração limitada: os efeitos da medida cautelar persistem enquanto não emana do Judiciário a providência jurisdicional que ela procura garantir e tutelar. (MARQUES, 1965, p. 14).
A cautelar possui como elementos essenciais o periculum in mora - fundado temor da existência de um dano jurídico irreparável ou de difícil reparação durante o curso da ação principal – e o fumus boni juris – probabilidade de existência do direito invocado pelo autor. A respeito do risco das dilações processuais, Jaime Guasp expõe a lição abaixo:
[...] entre o nascer de um processo e a obtenção do ato decisório que a ele põe termo e a que estão vinculados seus efeitos básicos, esse constante periculum in mora, que semelhante dilação supõe, deve ser eliminado através de medidas de precaução, cautela ou garantia que diretamente facilitem os efeitos da sentença definitiva afetada por semelhante risco dilatório. (GUASP apud MARQUES, 1965, p. 15).
Dessa forma, ante o avanço da criminalidade que causam danos às vítimas, à sociedade e ao Estado, o processo reparatório penal ganha relevância ao assegurar o ressarcimento civil ao ofendido e o enfraquecimento de organizações criminosas com o bloqueio de bens e dinheiro dos membros desses grupos.
DAS MEDIDAS ASSECURATÓRIAS
Conceito
Uma das principais funções do processo penal – que deixou de ser um simples meio de satisfazer a pretensão punitiva do Estado juiz – segundo Fernando Capez (2003, p. 356) “é a de assegurar uma proteção a todos os direitos da vítima, dentre os quais o de ver realizada a justiça penal e o de ter reparados todos os seus prejuízos decorrentes da infração penal.”. Com efeito, em determinados crimes há escassa gravidade onde o interesse em restabelecer o dano patrimonial é muito superior à pretensão punitiva do Poder Público. Como, por exemplo, “em um acidente de carro com lesões leves, o sujeito passivo está muito mais preocupado em receber a reparação do dano patrimonial sofrido do que em ver o agente condenado criminalmente.” (CAPEZ, 2003, p. 356).
No intuito de propiciar uma maior segurança à vítima quanto ao ressarcimento do dano resultante do delito, o legislador processual penal, por meio da guarda judicial da coisa, possibilitou a ela um mecanismo denominado medida assecuratória.
As medidas assecuratórias, portanto:
[...] são providências cautelares de natureza processual, urgentes e provisórias, determinadas com o fim de assegurar a eficácia de uma futura decisão judicial, seja quanto à reparação do dano decorrente do crime, seja para a efetiva execução da pena a ser imposta. (CAPEZ, 2003, p. 357).
Paulo Lucio Nogueira introduzindo o tema a sua obra diz:
“As medidas assecuratórias ou cautelares visam assegurar direitos do ofendido ou dos lesados pelo crime. Essas medidas destinam-se a prevenir possível dano ou prejuízo que, certamente, poderão advir com a demora da solução definitiva da causa ou litígio. Como se destinam a evitar o dano que a morosidade processual possa causar são, por conseguinte, de natureza preventiva.”
Após esse breve conceito examinar-se-á cada uma das medidas estabelecidas no Código de Processo Penal.
Do seqüestro
O seqüestro consiste na apropriação judicial de bem certo e determinado (específico), objeto do litígio em que se discute a posse ou a propriedade, para assegurar sua entrega ao vencedor da causa principal. O Estatuto Processual Penal possibilita tanto o seqüestro de bens imóveis como o de bens móveis e estão previstos, respectivamente, nos artigos 125 e 132.
O legislador processual penal usa a palavra seqüestro em sentido
impróprio. Hélio Tornaghi (1959, p.119) diz:
“O Código de Processo Penal não empregou a palavra seqüestro em seu sentido estrito e técnico; deu-lhe compreensão demasiadamente grande, fazendo entrar nela não apenas o que tradicionalmente se costuma denominar seqüestro, mas também outros institutos afins e, especialmente, o arresto. Isto se deve, talvez, ao fato de que o Código italiano, um dos modelos seguidos nesta matéria, de acordo com a linguagem jurídica peninsular, usa a palavra seqüestro tanto para designar o que entre nós sempre se chamou seqüestro, quanto o que denominamos arresto.”
E continua:
“O seqüestro do art. 125 do Código de Processo Penal é um misto de seqüestro e arresto. Tal como o primeiro, recai sobre determinados bens, isto é, sobre os adquiridos com os proventos da infração, e não sobre qualquer bem do indiciado. Mas aqui a propriedade não é controvertida. Os bens são ou foram do indiciado, mas adquiridos e pagos com algo obtido criminosamente. De sorte que a propriedade das coisas (ou dinheiro) dadas em pagamento é que pode ser contestada.” (TORNAGHI, 1959, p. 121).
Portanto, como não existe litígio sobre a posse ou a propriedade da coisa, seria cabível o arresto. No entanto, por ser a coisa específica (adquirida pelo indiciado com os proventos da infração), cabível o seqüestro, sendo um misto de seqüestro e arresto.
Características
O Código de Processo Penal dispõe que para a concessão do seqüestro são necessários alguns requisitos além daqueles essenciais a qualquer medida cautelar. Assim, somente o bem adquirido pelo indiciado com os proventos da infração pode ser seqüestrado e segundo Eduardo Espínola Filho (2000) uma vez decretado, será entregue à justiça ou à pessoa por esta designada a fim de serem guardadas até terem o destino definitivo.
Para tanto, devem existir indícios veementes de sua proveniência ilícita. Indício é a circunstância conhecida e provada que se relacionando com um fato leva a um outro fato ou circunstância que não era conhecido. Tornaghi (1959, p. 126), ensina: “indícios veementes são os que levam a grave suspeita, os que eloqüentemente apontam um fato, gerando uma suposição bem vizinha da certeza”. Para ele não se deve confundir indício com presunção, pois, esta seria uma conclusão lógica daquilo que normalmente acontece e aquele seria um fato.
A lei permite a cautelar tanto dos bens adquiridos com os proventos da infração constantes do patrimônio do acusado quanto daqueles cujo domínio ou posse já tenha sido transferido a terceiro, salvo, como bem leciona Tornaghi (1959), o bem desapropriado (forma de transferência a terceiro que dada sua natureza permite o ato expropriatório qualquer que seja o proprietário e eventual seqüestro com posterior venda em leilão público frustraria o instituto). Saliente-se que apenas o juiz pode ordenar o seqüestro, de ofício; ou a requerimento do representante do Ministério Público; ou da vítima, seus representantes legais ou seus herdeiros.
A autoridade policial pode representar, ao magistrado, pela conveniência da concessão da medida. Diz, ainda, Mirabete (2003) ser a competência para julgá-lo do juiz competente para o processo criminal, não havendo falar-se em litispendência quando for requerido e já estiver em curso ação civil para reparação do dano. Dada a sua natureza eminentemente preventiva, tal providência cautelar pode ser proposta, inclusive, durante o inquérito policial e até o julgamento definitivo da demanda penal pelo juízo de primeiro grau.
Por se tratar de processo incidente, o seqüestro será autuado em apartado devendo, segundo Espínola Filho (2000), seguir o procedimento previsto para a penhora ante o silêncio do Código de Processo Penal.
Decretado o seqüestro, incumbe ao juiz ordenar a sua inscrição no Registro de Imóveis e segundo Tourinho Filho (2002) se dará após a juntada do competente mandado (que deve ser subscrito pelos executores – Oficiais de Justiça – e por duas testemunhas que assistiram à diligência) aos autos do processo incidente.
Da decisão que concede ou não esta cautelar cabe o recurso de apelação. Podem, ainda, serem opostos embargos nos termos do artigo 129 do Estatuto Processual Penal. É um meio de defesa e como bem ilustra Capez (2003, p. 359):
“Trata-se, tecnicamente, de contestação, pois, sendo em relação à medida cautelar, não há que se falar em embargo. Será somente embargo quando o seqüestro se der sobre bens de terceiro absolutamente estranho ao delito (embargos de terceiro).”
O artigo 132 do Código de Processo Penal possibilita, ainda, o seqüestro de bens móveis quando houver indícios veementes da proveniência ilícita deles e não couber a busca e apreensão. Hélio Tornaghi (1959, p. 134) diferencia as duas medidas constritivas com o exemplo abaixo:
Se Tício furta um relógio, poderá esse objeto ser apreendido, porque foi obtido por meios criminosos (art. 240, § 1º, letra b, segunda parte). Se, porém, Tício compra normalmente um relógio pagando-o com dinheiro furtado, não se pode dizer que o relógio foi obtido por meios criminosos. O dinheiro, sim. O relógio foi licitamente comprado com o provento da infração. O que cumpre, então, é seqüestrar o relógio e submete-lo ao regime e ao destino ordenados pela lei para os objetos seqüestrados.
Aqui, é aplicável todo o disposto para o seqüestro de bens imóveis, exceto a necessidade de inscrição no Registro de Imóveis.
Da hipoteca legal
A hipoteca legal é um direito real de garantia que recai sobre bens imóveis do autor do ilícito penal, bem como sobre seus acessórios e, aqui, tem como finalidade assegurar os efeitos da sentença penal condenatória transitada em julgado que torna inequívoco o dever do réu em reparar o dano causado à vítima do crime. Assim como o seqüestro, destina-se também a garantir o pagamento das custas processuais e da pena pecuniária.
Características
A hipoteca legal, diferentemente da espécie cautelar anterior, atinge qualquer imóvel do autor da infração independentemente de ter sido adquirido com o produto do crime ou com proventos da infração sem, no entanto, retira-lo de sua posse. Para tanto, é necessária a coexistência de dois pressupostos: prova inequívoca da materialidade do crime, ou seja, certeza da infração e indícios suficientes de autoria. Segundo Mirabete (2006, p. 235), o disposto no artigo 134 do Código de Processo Penal também pode ser objeto de dois reparos decorrentes de imprecisão terminológica:
“O primeiro deles é a menção ao “indiciado” que é denominação técnica daquele que é apontado no “inquérito policial” como autor do crime, quando a medida só pode ser proposta no decorrer do processo. Em segundo, tratando-se de hipoteca legal, não há que se falar em “requerimento de hipoteca legal” e sim de requerimento para “registro” e “especialização” (art. 1.497 do CC) sobre os bens em que recai. E quanto ao momento a ser formulado o pedido prossegue: DIVERGÊNCIA Tourinho (p. 40).’
A hipoteca legal, ao contrário do seqüestro previsto no artigo 125, só pode ser promovida depois da instauração da ação penal, já que a lei se refere a “qualquer fase do processo” (inquérito é mero procedimento) e não faz alusão expressa ao inquérito policial. Perfilhando o mesmo entendimento, Paulo Lúcio Nogueira (1996, p. 175) diz que
“a hipoteca legal pode ser requerida em qualquer fase do processo, exceto na fase de inquérito, ao contrário do seqüestro ou do arresto, que podem ser requeridos na fase de inquérito”.
Portanto, a especialização e o registro da cautelar em tela só podem ser requeridos ao juiz criminal competente após a instauração da ação penal, apesar da respeitável posição de Tourinho (2002) que entende ser cabível o pedido de especialização da hipoteca legal até mesmo na fase de inquérito. Segundo MOSSIN (1998, p. 141),
“a especialização [...] consiste na indicação do total da dívida, ou sua estimação e da coisa dada em garantia, com suas especificações”.
Tem legitimidade para formular tais pedidos: a vítima, seu representante legal, seus herdeiros e o representante do Ministério Público, este somente na hipótese de o ofendido ser pobre e o requerer ou se for interesse da Fazenda Pública.
Do sequestro (arresto) de bens móveis
A cautelar aqui tratada cuida da apreensão judicial de quaisquer bens móveis do autor da conduta delituosa com a finalidade de assegurar a reparação civil dos prejuízos decorrentes de tal conduta além do pagamento das custas processuais e da pena pecuniária.
O artigo 137 do citado diploma legal dispõe: “se o responsável não possuir bens imóveis ou os possuir de valor insuficiente, poderão ser seqüestrados bens móveis suscetíveis de penhora, nos termos em que é facultada a hipoteca legal dos móveis”.
O presente seqüestro de bens móveis, denominado por Mirabete (2006) como seqüestro definitivo, é, na verdade, um típico arresto. Portanto, não se confunde o seqüestro previsto no artigo 125 (consiste na apropriação judicial dos bens imóveis adquiridos pelo infrator com os proventos da infração), com o disposto no artigo 132 (consiste na apropriação judicial dos bens móveis adquiridos pelo infrator com os proventos da infração), nem com o seqüestro ora estudado.
Houve, portanto, nova impropriedade técnica do legislador. Como o seqüestro visa assegurar um bem específico, o termo mais apropriado a ser empregado é o arresto, uma vez que este consiste na apreensão judicial de quaisquer bens móveis do presumível devedor (nesse caso do autor do ilícito penal) para assegurar os interesses civis do ofendido. Desse modo, essa providência acautelatória será tratada como arresto para uma melhor diferenciação.
Características
O arresto, assim como a hipoteca legal, atinge qualquer imóvel do autor da infração independentemente de ter sido adquirido com o produto do crime ou com proventos da infração, exceto aqueles insuscetíveis de penhora. A cautelar em tela é permitida nos termos em que é facultada a hipoteca legal e segundo Tourinho (2002, p. 46):
[...] como não se admite a hipoteca de móveis, a não ser nas excepcionais hipóteses de navios e aeronaves, permitiu o legislador às pessoas legitimadas a requerer a hipoteca legal a faculdade de, na ausência de bens imóveis em nome do réu ou, se existentes, forem insuficientes para cobrir a responsabilidade civil, despesas processuais e penas pecuniárias, solicitarem o arresto de bens móveis. Portanto, essa providência acautelatória tem como requisitos a prova da materialidade do crime e indícios suficientes de autoria.”
Assim, o interessado deve, como na hipoteca, estimar a responsabilidade e o valor dos bens móveis objeto do arresto. O juiz ordenará o arbitramento do valor e a avaliação dos móveis que serão feitos pelo avaliador judicial ou pelo perito. Em seguida, no prazo de dois dias, ouvirá as partes podendo proceder a correção do laudo. Aqui, o arresto também está limitado aos móveis indispensáveis à garantia da responsabilidade civil, sendo facultado ao réu oferecer caução.
Os bens fungíveis e facilmente deterioráveis podem ser avaliados e levados a leilão público antecipadamente, ficando depositado o dinheiro apurado. Como os bens arrestados são retirados da posse do acusado, o legislador permitiu ao juiz arbitrar que depositário entregue os recursos provenientes desses móveis ao réu e seus familiares. Saliente-se que o juiz deve arbitrar somente o indispensável à manutenção do réu e sua família.
Conclusão
Conclui-se, assim, que diante dos princípios constitucionais do acesso à ordem jurídica justa, da efetividade e da celeridade processual as providências cautelares são imprescindíveis à plena satisfação dos interesses do ofendido, pois visam à realização do direito material, qual seja a reparação dos prejuízos patrimoniais.
Dessa forma, ante o relevante interesse da vítima em ter reparado os danos civis decorrentes da conduta delituosa, independentemente da condenação do indiciado ou do réu, a aplicação das medidas assecuratórias é elementar a todo e qualquer processo em que estejam presentes os seus pressupostos, tanto os comuns como os específicos a cada espécie.
O seqüestro – consiste na apropriação judicial do bem, móvel ou imóvel, adquirido pelo indiciado com os proventos da infração –, o arresto – consiste na apropriação judicial de quaisquer bens móveis do autor da conduta delituosa – e a hipoteca legal – direito real de garantia que recai sobre quaisquer bens imóveis do autor do ilícito penal – são as medidas cautelares previstas no Código de Processo Penal que possuem essa finalidade de assegurar os prejuízos patrimoniais advindos da conduta delituosa, sendo estudadas suas características e requisitos necessários à consecução dessa tutela jurisdicional.
Verificou-se também, nos últimos anos, a crescente importância dada às providências acautelatórias pela elaboração de diversas leis que criminalizam condutas e buscam, além de satisfazer a pretensão punitiva do Estado-juiz, assegurar a reparação do dano sofrido pela vitima, ou seja, valorizam as medidas assecuratórias. Sucintamente, explanou-se que o sistema de práticas restaurativas deve ser estudado para implementação no ordenamento jurídico brasileiro, pois apesar de ainda vigorar no nosso direito processual penal o princípio da indisponibilidade e da obrigatoriedade da ação penal pública, a própria Constituição da República Federativa do Brasil e algumas leis permitem a adaptação desse modelo restaurativo.