Direito de recorrer em liberdade

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O presente artigo terá por objetivo abordar um tema muito delicado na matéria processual penal, o direito de aguardar em liberdade o trânsito em julgado de sentença penal condenatória foi tema de debate no plenário do STF.

Introdução

O presente artigo terá por objetivo abordar um tema muito delicado na matéria processual penal. A celeuma concernente ao direito de aguardar em liberdade o trânsito em julgado de sentença penal condenatória foi tema de debate no plenário do STF, que ao julgar o HC 84.078/MG (Rel. Min. EROS GRAU, em 05/02/2009) aquela Corte Suprema firmou que a execução provisória da pena não condiz com o disposto no art. 5º, incs. LIV e LVII, da Constituição Federal de 1988, e que entendimento contrário estaria a violar a presunção constitucional de inocência.

Urge enaltecer que, apesar do Supremo Tribunal Federal não reconhecer a possibilidade constitucional de execução provisória da pena, não ficou vedada a segregação cautelar, contudo, esta ficou condicionada à extrema necessidade da medida constritiva do “status libertatis” do indiciado/Réu, mesmo em sede de sentença penal condenatória recorrível, e, neste caso, o Juiz deverá fundamentar esta necessidade consoante determina o parágrafo único do artigo 387 do CPP.

Do direito de apelar x direito de recorrer em liberdade

O Direito de apelar em liberdade (esse é o título de um livro da nossa autoria - São Paulo, RT, 1994) não se confunde com o direito de recorrer extraordinariamente em liberdade. O primeiro pressupõe uma sentença condenatória de primeiro grau (contra a qual se insurge o réu); o segundo só pode ter existência após a decisão de um tribunal (ou seja: depois de um acórdão de um tribunal).

No que diz respeito ao primeiro, a jurisprudência construiu as premissas básicas: (a) se o réu respondeu ao processo em liberdade, apela em liberdade, salvo que presentes motivos concretos que justifiquem a decretação da prisão preventiva (CPP, art. 312); (b) se o réu respondeu ao processo preso, vai apelar preso, salvo se desapareceram os motivos da prisão cautelar.

Quanto ao segundo a questão é a seguinte: o réu tem direito de recorrer extraordinariamente em liberdade? Tem direito de ingressar com Recurso Extraordinário (ao STF) ou Especial (ao STJ) e permanecer em liberdade? O acórdão confirmatório de uma condenação ou acórdão condenatório, antes do trânsito em julgado, pode ser executado provisoriamente? O efeito só devolutivo do RE ou REsp autoriza a execução imediata de eventual mandado de prisão?

Todas essas questões foram devida e excelsamente enfrentadas pelo Min. Celso de Mello, no HC 89.754 MC-BA, j. 06.12.06, impetrado contra decisão do STJ que, dirimindo a celeuma de acordo com o padrão positivista-legalista clássico, sublinhou a possibilidade de execução provisória do julgado, mesmo porque se sabe que o RE ou o REsp não possui efeito suspensivo. Esses recursos (por terem caráter extraordinário) não impedem a imediata expedição de eventual mandado de prisão. O art. 675 do CPP (que impede a expedição imediata de mandado de prisão) só tem aplicação quando se trata de recurso com efeito suspensivo. A prisão, como efeito da condenação, não viola a presunção de inocência. O acórdão do TJ da Bahia que determinou a prisão fundamentou-se no seguinte: (a) inexistência de efeito suspensivo do RE ou REsp; (b) art. 27, § 2º, da Lei 8.038/1990; (c) art. 637 do CPP; (d) Súmula 267 do STJ; (e) a execução provisória do julgado não ofende o princípio da presunção de inocência.

O que acaba de ser afirmado conflita com a atual jurisprudência do STF, que vem afirmando a imprescindibilidade de se demonstrar, em cada caso concreto, a necessidade da prisão cautelar, que possui caráter excepcional (RTJ 180/262-264, rel. Min. Celso de Mello). Mesmo que se trate de prisão decorrente de condenação recorrível (emanada de primeira ou de segunda instância), a prisão só se justifica quando há motivo concreto que revele sua absoluta necessidade (HC 71.644-MG, rel. Min. Celso de Mello; RTJ 195/603, rel. Min. Gilmar Mendes; HC 84.434-SP, rel. Min. Gilmar Mendes; HC 86.164-RO, rel. Min. Carlos Britto; RTJ 193/936).

De acordo com a visão constitucionalista do STF, a prisão, mesmo que fundada em acórdão condenatório ou confirmatório de condenação precedente e tendo como base só o fato de o RE ou o REsp possuir efeito devolutivo, significa execução provisória indevida da pena.

Em situações como a que ora se registra, "o Supremo Tribunal Federal tem garantido, ao condenado, ainda que em sede cautelar, o direito de aguardar em liberdade o julgamento dos recursos interpostos, mesmo que destituídos de eficácia suspensiva (HC 85.710/RJ, Rel. Min. CEZAR PELUSO – HC 88.276/RS, Rel. Min. MARCO AURÉLIO - HC 88.460/SP, Rel. Min. MARCO AURÉLIO, v.g.), valendo referir, por relevante, que ambas as Turmas desta Suprema Corte (HC 85.877/PE, Rel. Min. GILMAR MENDES, e HC 86.328/RS, Rel. Min. EROS GRAU) já asseguraram, até mesmo de ofício, ao paciente, o direito de recorrer em liberdade" (HC 89.754 MC-BA, rel. Min. Celso de Mello).

A prisão fundada não em fatos concretos, justificadores da medida extremada da prisão cautelar, sim, exclusivamente "na lei" (que não confere efeito suspensivo ao RE ou ao REsp), viola patentemente a presunção de inocência.

Conclusão

Diante o exposto, com a realização do presente trabalho, verifica-se que se o réu respondeu ao processo em liberdade, a prisão contra ele decretada – embora fundada em condenação penal recorrível (o que lhe atribui índole eminentemente cautelar) – somente se justifica se motivada por fato posterior, que se ajuste, concretamente, em uma das hipóteses referidas no art. 312 do CPP. Fora disso estamos diante de uma execução provisória indevida da prisão, verdadeira antecipação de pena, que conflita flagrantemente com o princípio da presunção de inocência emanado do art. 8º da CADH assim como do art. 5º, inc. LVII, da CF.

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Referências Bibliográficas

  1. BRASIL, Código de Processo Penal. 36 ed. São Paulo: Saraiva, 1996;
  2. GOMES FILHO, Antônio Magalhães. Grinover, Ada Pellegrini. Fernandes; Antônio Scarance. Recurso no Processo Penal; São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1996;
  3. GRECO FILHO, Vicente. Manual de Processo Penal; São Paulo: Saraiva, 1995. 3. ed. Atual;
  4. http://www.stf.gov.br; e
  5. http://www.stj.gov.br
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