O Mandado de Segurança trata-se de um remédio constitucional, de natureza mandamental e de rito especial, previsto expressamente no artigo art. 5º, incisos LXIX e LXX, da Constituição Federal:
LXIX - conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público;
A referida ação mandamental encontra-se atualmente regulamentada pela Lei Federal nº 12.016, de 07 de Agosto de 2009, que revogou expressamente a antiga Lei n° 1.533, de 31 de dezembro de 1951, que disciplinava a matéria.
A Lei n° 12.016/2009 prevê, dentre outros, os requisitos legais para a impetração do mandamus, sendo que, em seu artigo 6°, determina que o impetrante, em sua petição inicial, deverá indicar, “além da autoridade coatora, a pessoa jurídica que esta integra, à qual se acha vinculada ou da qual exerce atribuições.”
Nesta particularidade, revela-se a dificuldade fática acerca da determinação da legitimidade do polo passivo no Mandado de Segurança e, para solucionar tal questão, há o entendimento da necessidade da aplicação da Teoria da Encampação.
Nesta esteira, colaciona-se trecho da obra do doutrinador Guilherme Freire de Melo Barros:
Ao nosso sentir, o polo passivo no mandado de segurança é ocupado pela pessoa jurídica, e não pela autoridade coatora. Afinal, é a entidade, e não o servidor, que responde ao comando judicial emanado da sentença do mandado de segurança, ou seja, as conseqüências jurídicas (e financeiras) da demanda são suportadas pela pessoa jurídica a que pertence a autoridade. De igual modo, a coisa julgada se forma entre o impetrante e a pessoa jurídica. (BARROS, Guilherme Freire de Melo. Poder público em juízo para concursos. Mandado de Segurança. 3ª Edição. 2013. Pág. 245).
Em alguns casos, há muitos embaraços no tocante à identificação da autoridade coatora em face de quem será impetrado o respectivo Mandado de Segurança, principalmente, quando se tratam de órgãos públicos que possuem uma estrutura organizacional complexa.
Consigna-se que a indicação equivocada da autoridade coatora no Mandado de Segurança implicaria, em tese, a extinção do processo sem a análise do mérito. Como forma de se solucionar tal questão, há entendimentos doutrinários e jurisprudenciais que defendem a aplicação da Teoria da Encampação.
Nestes casos, aplicando-se a supramencionada teoria, mesmo com a indicação equivocada da autoridade coatora pelo impetrante, desde que preenchidos determinados requisitos, a ilegitimidade passiva originária seria suprimida, dando prosseguimento regular ao feito, visando à celeridade e à economia processual.
Assim, verifica-se que a teoria da encampação é um instrumento utilizado para se evitar o cerceamento da busca pelo direito líquido e certo do impetrante ocasionado por uma imprecisão técnica-processual.
Em breve síntese, conforme o entendimento jurisprudencial, se a autoridade indicada erroneamente no writ, mesmo argüindo sua ilegitimidade, for hierarquicamente superior àquela que praticou o ato efetivamente e, ainda, prestar informações meritórias acerca daquele ato, é cabível a aplicação da Teoria da Encampação.
O Superior Tribunal de Justiça, visando sanar os obstáculos à finalidade precípua do Mandado de Segurança, firmou o entendimento da Teoria da Encampação:
AGRAVO REGIMENTAL. ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. MANDADO DE SEGURANÇA. AUTORIDADE COATORA. TEORIA DA ENCAMPAÇÃO. APLICAÇÃO. (...) 2. A despeito da indicação errônea da autoridade apontada como coatora, se esta, sendo hierarquicamente superior, não se limitar a alegar sua ilegitimidade, ao prestar informações, mas também defender o mérito do ato impugnado, encampa referido ato, tornando-se legitimada para figurar no pólo passivo da ação mandamental. Precedentes. 3. Agravo regimental desprovido. (AgRg no REsp 697.931/MT, Rel. Ministra LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, julgado em 28.02.2008, DJ 07.04.2008 p. 1).
PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. NEGATIVA DE AUTORIZAÇÃO QUE OBJETIVA REGISTRO PARA EFEITO DE INSCRIÇÃO ESTADUAL.EMPRESA IMPEDIDA PELA ADMINISTRAÇÃO ANTE O SUPOSTO DÉBITO QUE A SUA SÓCIA POSSUI COM O FISCO ESTADUAL. ILEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM. TEORIA DA ENCAMPAÇÃO. INAPLICABILIDADE. EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM JULGAMENTO DE MÉRITO.
1. A teoria da encampação é aplicável ao mandado de segurança tão-somente quando preenchidos os seguintes requisitos: (1) existência de vínculo hierárquico entre a autoridade que prestou informações e a que ordenou a prática do ato impugnado; (2) ausência de modificação de competência estabelecida na Constituição Federal; e (3) manifestação a respeito do mérito nas informações prestadas. Precedentes: MS 12.149/DF, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 27/08/2008, DJe 15/09/2008; RMS 21.809/DF, Rel. Ministra DENISE ARRUDA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 11/11/2008, DJe 15/12/2008; RMS 24.927/RR, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA TURMA, julgado em 02/12/2008, DJe 11/12/2008; RMS 22.383/DF, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, SEGUNDA TURMA, julgado em 09/09/2008, DJe 29/10/2008.
(...) 3. A doutrina abalizada nos revela que: "Coator é a autoridade superior que pratica ou ordena concretamente e especificamente a execução ou inexecução do ato impugnado e responde pelas suas consequências administrativas; executor é o agente subordinado que cumpre a ordem por dever hierárquico, sem se responsabilizar por ela. Exemplificando: numa imposição fiscal ilegal, atacável por mandado de segurança, o coator não é nem o Ministro ou o Secretário da Fazenda que expede instruções para a arrecadação de tributos, nem o funcionário subalterno que cientifica o contribuinte da exigência tributária; o coator é o chefe do serviço que arrecada o tributo e impõe sanções fiscais respectivas, usando o seu poder de decisão" (Hely Lopes Meirelles, in "Mandado de Segurança, Ação Popular, ...", 28ª ed., atualizada por Arnoldo Wald e Gilmar Ferreira Mendes, Malheiros Editores, São Paulo, 2005, pág.63). 4. A teoria da encampação é inaplicável no caso concreto, porquanto o Secretário de Fazenda do Estado de Mato Grosso não defendeu o mérito do ato, limitando-se a declarar sua ilegitimidade passiva ad causam (fls. 103/109). Ademais, a correção do pólo passivo enseja mudança na competência jurisdicional, uma vez que compete originariamente ao TJ/MT o julgamento do mandado de segurança contra Secretário de Estado (art. 96, inciso I, alínea g, da Constituição Estadual), prerrogativa não extensível ao servidor responsável pela fiscalização fazendária. 3. Recurso especial provido, determinando-se a extinção do Mandado de Segurança sem resolução do mérito. (REsp 997.623/MT, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA, julgado em 02/06/2009, DJe 01/07/2009) - grifos nossos.
No mesmo sentido foi o teor do Informativo n° 397, do Superior Tribunal de Justiça:
MS. TEORIA DA ENCAMPAÇÃO. INAPLICABILIDADE
(...) Segundo a jurisprudência da Primeira Seção, para se aplicar a teoria de encampação em mandado de segurança, é necessário que sejam preenchidos os seguintes requisitos: existência de vínculo hierárquico entre a autoridade que prestou as informações e a que ordenou a prática do ato impugnado, ausência de modificação de competência estabelecida na Constituição Federal e manifestação a respeito do mérito nas informações prestadas. Desse modo, a Turma deu provimento ao recurso para extinguir o mandado de segurança sem resolução do mérito (art. 267, VI, do CPC). REsp 997.623-MT, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 2/6/2009.
A partir da análise dos referidos julgados, constata-se que a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça pacificou o entendimento da possibilidade da aplicação da Teoria da Encampação em sede de Mandado de Segurança, desde que se observem três requisitos: 1) a existência de um vínculo hierárquico entre a autoridade que prestou as informações e aquela que ordenou a prática do ato impugnado; 2) a ausência da modificação da competência estabelecida na Constituição Federal; e 3) a autoridade apontada como coatora deverá se manifestar acerca do mérito do ato impugnado, ao apresentar as suas informações, mesmo se alegar sua ilegitimidade na oportunidade.
A Teoria da Encampação no Mandado de Segurança surge, então, como forma de superar possíveis vícios formais na indicação da autoridade coatora, que não ensejariam prejuízos ao feito ou à prestação jurisdicional, viabilizando, assim, a proteção do direito líquido e certo do impetrante e da sua garantia individual perante o Estado, evitando que o processamento de sua pretensão seja obstaculizada por entraves meramente formais.
Ressalte-se que tal instituto não se confunde com a Teoria da Encampação do Direito Administrativo, que é a forma de extinção do contrato de concessão de serviço público, consistindo na retomada coercitiva do serviço pelo poder concedente, durante o prazo da concessão, por motivo de interesse público.
Por fim, a Teoria da Encampação aplicada em sede de Mandado de Segurança, tendo como base fundamental os princípios da celeridade e da economia processual, propicia a maximização e a instrumentalização do acesso à Justiça, proporcionando ao mandamus uma maior efetividade e o alcance de sua finalidade.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BARROS, Guilherme Freire de Melo. Poder público em juízo para concursos. Mandado de Segurança. 3ª Edição. Editora Juspodivm, 2013.
BRASIL. STJ – Superior Tribunal de Justiça. Disponível em: <http://www.stj.jus.br/portal/site/STJ>. Acesso em 07 de setembro de 2015.
GONÇALVES, Iuri Ribeiro. Teoria da encampação no Mandado de Segurança. Conteúdo Juridico, Brasilia-DF: 07 jun. 2014. Disponivel em: <http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.48457&seo=1>. Acesso em 07 setembro de 2015.
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo brasileiro. 33ª ed. São Paulo: Malheiros. 2007.
NOVELINO, Marcelo. Direito Constitucional. 4ª edição. Editora Método, 2010.
SODRÉ, Eduardo. Mandado de segurança individual. In: DIDIER JR., Fredie (Org.). Ações constitucionais. Salvador: ed. Juspodivm, 2011.