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Responsabilidade do Estado brasileiro pela concretização da razoável duração do processo

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05/10/2015 às 15:37
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O presente trabalho possui como objetivo analisar do ponto de vista estritamente acadêmico e doutrinário a responsabilidade do Estado brasileiro na concretização da razoável duração do processo postulado na Constituição Federal de 1988.

Resumo: O presente trabalho possui como objetivo analisar do ponto de vista estritamente acadêmico e doutrinário a responsabilidade do Estado brasileiro na concretização da razoável duração do processo civil, postulado processual tipificado na constituição federal através da emenda nº 45, criando um novo inciso em seu art. 5º que dispõe sobre os direitos e garantias fundamentais do homem. O embasamento teórico deste trabalho se manifesta através de consiste pesquisa doutrinária, em livros e periódicos da área jurídica, realizando um cotejo das opiniões de estudiosos nacionais e estrangeiros, da área do direito público. Desenvolve-se, por fim, a noção de dupla responsabilidade do Estado, sendo a primeira, a responsabilidade do Estado como norma definidora de tarefas a serem perseguidas, e a segunda a responsabilidade civil, devida por possíveis danos gerados em processos excessivamente lentos que violam o postulado da razoável duração do processo.

Palavras-chave: Teoria do Estado. Responsabilidade do Estado. Poder Judiciário. Razoável Duração do Processo.

Sumário: INTRODUÇÃO. 1. A REFORMA DO JUDICIÁRIO E UM PROBLEMA HERMENÊUTICO. 1.1. A explosão da litigiosidade no Brasil. 2. A ERA DOS DIREITOS NA SOCIEDADE DE RISCO. 2.1. Acesso à justiça e jurisdição constitucional. 3. A DIFÍCIL CONCILIAÇÃO DO ACESSO À JUSTIÇA COM A RAZOÁVEL DURAÇÃO DO O PROCESSO. 3.1. A difícil conciliação dos institutos processuais com a razoável duração do processo . 3.2. Reformas Legislativas Ineficazes. 4. RESPONSABILIDADE COMO NORMA DEFINIDORA DE TAREFA DO ESTADO . 4.1. Providências constitucionais que impactam na responsabilidade do estado como normas tarefa. 5. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO E A EVOLUÇÃO DO DIREITO DE REPARAÇÃO . 5.1. Teorias da responsabilidade do estado. 5.2. Teoria da irresponsabilidade. 5.3. Teoria civilista. 5.4. Teorias publicistas. 5.5. Teoria da culpa administrativa. 5.6. Teoria do risco administrativo. 6. A RESPONSABILIDADE OBJETIVA E NEXO DE CAUSALIDADE PARA COM O ESTADO . 6.1. A responsabilidade do estado pela razoável duração processual. 6.2. A experiência da responsabilidade civil na Itália e na Alemanha. 6.3. Critério metodológico de análise de violação à razoável duração do processo civil. CONCLUSÕES. BIBLIOGRAFIA.


INTRODUÇÃO

“O Estado não pode permanecer impune pela demora injusta no cumprimento da tutela efetiva a que faz jus o titular do direito subjetivo [...]; a ineficiência do serviço judiciário descumpre os princípios da legalidade e eficiência impostos à Administração Pública, violando gravemente o direito fundamental da parte a um processo justo e de duração razoável [...]”

Humberto Theodoro Júnior 1

Hodiernamente, vivemos um período de grandes avanços no tocante a consolidação dos direitos fundamentais positivados na Constituição Federal do Brasil, direitos estes, que são garantidos pelo Poder Judiciário ao conceder a proteção e gozo dos mesmos aos cidadãos brasileiros. É inegável, que após o regime da ditadura, em que diversos direitos dos cidadãos foram violados de forma sistemática, como o da liberdade de expressão e o da integridade psico-física, a sociedade brasileira voltou a ser livre após o marco constitucional de 1988. Livres socialmente e processualmente.

Socialmente, pois vivemos em um Estado Democrático de Direito regido por uma constituição outorgada após intenso debate de representantes do povo. Processualmente, pois, como leciona José Ignácio Botelho de Mesquita, após décadas sem a quem recorrer, principalmente no regime militar2, os cidadãos, fossem ricos ou pobres, foram contemplados na Carta Cidadã com o princípio do acesso à justiça, podendo levar as suas lides a quem originariamente as deve julgar, o juiz de direito imparcial e independente, que utilizará um procedimento previsto legalmente respeitando o princípio do devido processo legal, para se chegar a uma solução justa.

Como apontam os estudiosos de direito constitucional e de processo civil, infelizmente, alguns dos direitos e garantias fundamentais positivados no art. 5º da Constituição Federal ainda carecem de efetividade. E nesta seara de inefetividade, o escopo do presente estudo, é debater o Inciso LVXXIII do retromencionado artigo, que dispõe: “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação.“

Uma das consequências que esta inefetividade possa acarretar, além da violação do postulado do devido processo legal, seria também a responsabilização civil do Estado em valores pecuniários indenizatórios ou reparatórios aos jurisdicionados que tiveram esse direito violado.

Antes do advento emenda constitucional nº 45, o direito a processo com duração razoável era interpretado de forma direta do princípio do devido processo legal (due process of law), expressamente previsto no art. 5º, LIV, da Carta Magna brasileira.

Vejamos também o art. 8º, Seção 1, da Convenção Americana de Direitos Humanos ou também chamado Pacto de São José da Costa Rica, do qual o Brasil é signatário3:

“Artigo 8º. Garantias Judiciais. Toda pessoa tem o direito a ser ouvida com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido com antecedência pela lei, na apuração de qualquer acusação penal formulada contra ela, ou na determinação de seus direitos e obrigações”

Entretanto, muitos desses direitos fundamentais positivados no art. 5º da Constituição Federal ainda carecem de estudos aprofundados e dados empíricos, em grande parte, pela difícil conceituação e uniformização jurisprudencial dos mesmos. Vemos tal situação como um perigo, corroborado, ainda mais, pela falta de acesso às leituras e debates jurídicos democráticos, ou como leciona José Carlos Barbosa Moreira, pela criação de mitos4 pelos operadores do Direito no Brasil, como por exemplo, os quatro mitos que o insigne jurista comenta como os mais enraizados na mentalidade dos brasileiros: “a rapidez acima de tudo”; “fórmula mágica” legislativa; “supervalorização de modelos estrangeiros” e a “onipotência da norma”.

Nas linhas desta tese, um dos temas que também procuramos abordar é o do o do acesso à justiça, principalmente, por entendermos, que este foi, de modo legítimo, já que previsto constitucionalmente, o principal causador da enxurrada de processos que invadiu o Poder Judiciário. Ocorrendo, deste modo, uma relação de causa e efeito.

O Estado pouco organizado e pouco aparelhado não conseguiu de forma eficiente, gerir todos esses processos. Deste modo, acreditamos que havendo um dano causado pelo Estado na administração da Justiça, haveria um correlato dever de indenizar.


1. A REFORMA DO JUDICIÁRIO E UM PROBLEMA HERMENÊUTICO.

A emenda constitucional nº 45 de 2005, é conhecida como a da “Reforma do Judiciário”, e uma de suas maiores inovações foi a positivação constitucional da razoável duração do processo, judicial e administrativo, no corpo das garantias fundamentais do indivíduo da Constituição Federal de 1988. Neste estudo, concentrar-se-á na implicação estritamente teórica deste no processo judicial, abordando-o principalmente sob o ponto de vista da doutrina do direito constitucional e do direito processual civil.

O art. 5º, em seu inciso XXXV, declara que a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão de direito. Por consequência a esta regra, segundo o eminente constitucionalista José Afonso da Silva5, temos o conhecido monopólio da jurisdição estatal. Assim, devido a este monopólio, e rezando por uma tutela legal eficiente aos cidadãos, houve principalmente nas últimas três décadas, o debate do acesso à justiça, rogando a todos os cidadãos, principalmente os hipossuficientes, de levarem suas lides particulares ou até mesmo contra o Estado ao Poder Judiciário.

Deste modo, salienta a doutrina que, é pacífico que se deve recrudescer as possibilidades de os jurisdicionados levarem a contenda à apreciação judicial, seja individualmente, seja coletivamente. Se não, abre-se espaço para a autotela6, e isto, em um Estado de Direito é algo inaceitável, pois voltaríamos à época da justiça com as próprias mãos.

O que é interessante, conforme expõe a doutrina, é que o direito ao acesso, já possuía ínsito em seu significado, uma prestação jurisdicional em tempo hábil para garantir o gozo do direito pleiteado. Porém criou-se expressamente mais uma garantia constitucional via emenda, positivando-se a duração razoável “sem se definir o que é razoável”7, como bem destaca a Ministra do STJ Maria Thereza de Assis Moura. Propõe ainda a ilustre Ministra, a criação de prazos globais de duração do processo pelo Poder Legislativo, para a sociedade definir o que é razoável para cada procedimento. Diferentemente dos Estados Unidos da América, na área jurídica brasileira carece-se de estudos sobre o tema.

Como salienta Karl Larenz, a principal problemática que irá permear o presente estudo é a amplitude semântica de “razoável”, e a dificuldade em operacionalizar este conceito8. Outros verbetes indeterminados corriqueiramente utilizados no Direito, dentre eles: “razoável”; “proporcional”; “verdade” e “justiça”, são de difícil conceituação tanto a níveis práticos, como de modo uníssono pelos operadores do Direito.

Esta “inovação constitucional”, na visão de Araken de Assis9, limitou-se em declarar um “princípio implícito”, que já compunha o corolário do devido processo legal, assim como o contraditório. Para ele, pode-se gerar risco de padecer por total ineficácia se outras medidas futuras que visem a efetivar a norma escrita não forem tomadas.

Convém citarmos ainda, a colação doutrinária de Gustavo Tepedino, que assinala dois fatores exógenos10 a dificultarem a operosidade11 da máquina judicial:

“Primeiro, a complexidade e a morosidade do processo legislativo atual (além das assoberbantes medidas provisórias); Segundo, a redefinição do papel do Estado, que abdicou os serviços do welfare state, para ter ares de Estado Regulador, cabendo-lhe agir de forma sistemática no controle da economia e do mercado.”

Destacamos, a grande importância que a doutrina processual moderna dá à chamada organização necessária dos meios que garantam a celeridade da tramitação dos processos, cabendo ao Poder Legislativo, que representa o povo, em iniciar as alterações que conciliem o acesso à justiça com a célere prestação judicial, pois passados cinco anos da emenda constitucional nº 45, ainda há uma indesejável distância entre as previsões normativas, no campo do direito substantivo, e o resultado alcançado nos casos concretos.

1.1. A explosão da litigiosidade no Brasil

A expressão supra, foi criada pelo jurista italiano Mauro Cappelletti, um dos maiores processualistas e pesquisadores do mundo e grande pesquisador do acesso à justiça em sua obra coordenada com outros estudiosos entitulada “Access to Justice: The Newest Wave in the Worldwide Movement to Make Rights Effective” (Acesso à Justiça: A Nova Onda no Movimento Mundial de se Dar Efetividade aos Direitos), também denominado de Projeto Florença, que culminou com a tradução do livreto “Acesso à Justiça” no Brasil pela Ministra Ellen Gracie, debatendo as ondas renovatórias do processo civil e de seus respectivos impactos na sociedade, dentre eles, o da litigância em massa e dos conflitos coletivos.

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Assim, embasado nesta doutrina, assinalamos que o Brasil viveu um grande período de explosão da litigiosidade, com o crescente ajuizamento de demandas em todos os seus tribunais.

Destacamos, que, necessariamente, um trabalho realmente completo sobre a relação de causa e feito gerada pelo acesso à justiça, somada a problematização teórica e empírica da razoável duração do processo, à semelhança como fez o mestre Mauro Cappelletti, seria no mínimo tão vasta como a obra supramencioada, que possui uma dezena de tomos e foi traduzida em cinco línguas.

Como mencionado anteriormente, no presente trabalho daremos principalmente um foco teórico a discussão da violação da razoável duração do processo, apesar de entendermos ser importantíssimo o escopo de pesquisa empírica que se deve ter ao tratar do assunto.

Para exemplificarmos ao leitor uma imagem perfunctória da situação atual, como expõe Maria Tereza Sadek12, em um período de 9 anos, de 1990 a 1998, entraram em média na justiça comum do Brasil, segundo o IBGE, 4.985.664 processos por ano.

Mesmo com essa demanda assustadora, que teoricamente demonstraria o engajamento social do povo brasileiro em levar suas lides ao judiciário, Maria Tereza Sadek, analisando a reforma do Judiciário, afirma que a população brasileira está afastada dos tribunais, mas não juridicamente, e sim sentimentalmente. Segundo ela, existe, uma utilização "oportunista", gerando um efeito negativo, pois infelizmente algumas pessoas utilizam o Judiciário quando pretendem postergar o cumprimento de obrigações, uma vez que a decisão não será obtida em intervalo de tempo razoável.

Como salienta o Professor da Universidade de Yale, Owen Fiss, nos Estados Unidos da América, e em diversos outros países, a situação não se mostra diferente13.

Para bem entender as principais causas do aumento da demanda, calha de razão a observação de José Roberto dos Santos Bedaque14, que denota que grande parte do aumento, ocorreu da adoção de técnicas destinadas a facilitar o já comentado acesso à Justiça. Ressalta o eminente processualista, a assistência judiciária gratuita, juizados especiais cíveis e criminais e a ampliação da legitimidade do Ministério Público. Incluímos ainda, data venia, a ampliação da legitimidade de tutela coletiva dada à Defensoria Pública para ajuizar ações civil públicas pela Lei Lei nº 11.448/2007. Bedaque destaca ainda que o acesso à justiça e a celeridade processual não podem se tornar uma obsessão ao ponto de cegar a segurança jurídica, principal objeto a que um processo justo visa garantir.


2. A ERA DOS DIREITOS NA SOCIEDADE DE RISCO

O Brasil tenderá a ter uma população de quase duzentos milhões de cidadãos na próxima década, em sua grande maioria vivendo nas áreas urbanas, e desfrutando dos serviços públicos e privados que tais áreas oferecem. Como é cediço, e sobre fatos notórios iremos brevemente comentar, é mais do que corriqueiro a ocorrência da falta ou má prestação desses serviços, que independentemente da identificação do irresponsável, enseja inúmeros processos com objetos semelhantes.

O Ministro do STF Enrique Ricardo Lewandowski, lastreado nos ensinamentos de Norberto Bobbio, salienta de que viveríamos a era dos direitos, e que dos três poderes, atualmente, o mais importante e hipertrofiado seria o Poder Judiciário, que adentra cada vez mais em matérias anteriormente estranhas ao seu seio originário de decisões, como meio ambiente, direito à saúde, tutela coletiva, proteção de menores e de absolutamente incapazes, denotando, que viveríamos, portanto, “um protagonismo do poder judiciário”15.

Ao se tratar de sociedade atual e da relação desta com o poder judiciário, cada vez mais salienta a doutrina, que atualmente a sociedade pode ser considerada uma “Sociedade de Risco”. Ao tratar deste tema, cabe sempre trazer a colação teórica criada pelo sociológo alemão Ulrich Beck, em sua obra de mesmo nome16, que possui como argumento central que a sociedade industrial, caracterizada pela produção e distribuição de bens, foi deslocada pela “Sociedade de Risco”, na qual a distribuição dos riscos não corresponde às diferenças sociais, econômicas e geográficas da típica primeira modernidade. O desenvolvimento da ciência não poderia mais dar conta do controle dos riscos que contribuiu decisivamente para criar, gerando consequências de alta gravidade para o meio ambiente e para a saúde do homem.

Tais novos riscos, são desconhecidos a longo prazo, e que por vezes, quando descobertos, tendem a ser irreversíveis. Assim, mesmo com as recentes inovações tecnológicas, o mundo se encontra cada vez mais suscetível a catástrofes artificiais (causadas pelo homem) e naturais, verdadeiros acidentes em massa, que terão por derradeiro a sua análise em ações de responsabilização ou indenização pelo Poder Judiciário.

Dentre os diversos “riscos” atuais que Beck cita, estão os riscos ecológicos, químicos, nucleares e genéticos, industriais e até mesmo econômicos gerados pelas crises financeiras das bolsas de valores. Deste modo, o novo conceito de “Sociedade de Risco” se cruza diretamente com o de globalização. Os riscos são democráticos e nacionais, afetando classes sociais sem respeitar fronteiras de nenhum tipo.

Um outro fator, que denota a grandiosidade de número de processos, em todo o mundo, é o paralelo que se traça sobre a supracomenteda sociedade de risco; hipertrofia do Judiciário; aumento do número de advogados; e de grandes firmas de advocacia.

Isto é bem demonstrado pelo jurista norte-americano Marc Galanter em sua obra “Tournament of Lawyers: The Transformation of the Big Law Firm” (Torneio de Advogados: A Transformação da Grande Banca de Advocacia) que traça um panorama da justiça e do direito com base na ascensão dos cem maiores escritórios de advocacia dos Estados Unidos17. Ele utiliza o termo “law factory18 para demonstrar o tamanho das firmas, que cresceram em excesso e são verdadeiras fábricas de processos, com alta especialização em diversas matérias jurídicas, dispondo do chamado “full legal assistance”, no qual prestam um serviço integral ás empresas que são as repetidoras do uso do Poder Judiciário de forma maciça.

No Brasil, os bancos e as companhias de telecomunicação situadas nas capitais, apresentam sistemática semelhante. Um outro constante usuário é o próprio Estado, notadamente em demandas na seara tributária, financeira e administrativa.

2.1. Acesso à justiça e jurisdição constitucional

A explosão da litigiosidade também repercutiu na mais alta corte do país. O Supremo Tribunal Federal se viu em um mar de processos na última década e teve como ponto culminante a adoção no processo civil da Repercussão Geral, na qual este conheceria e julgaria apenas ações de grande relevância jurídica e social.19 O referido instituto ajudaria a “frear” a enxurrada de recursos extraordinários em um Tribunal, que na verdade, possui papel de Corte, qual seja garantir, definir, operacionalizar direitos constitucionais abstratos para todos os jurisdicionados brasileiros.

Oscar Vilhena Vieira, comentando a explosão da litigiosidade constitucional20, sugere que a sociedade tem se defendido, e que o acesso à justiça não pode ser visto como um ponto negativo, pois as pessoas precisam se defender e terem seus direitos fundamentais efetivamente aplicados, tanto em sede de controle de constitucionalidade difuso ou concentrado.

Para Oscar Vilhena Vieira, isto é uma demonstração da ampliação da legitimidade e da popularidade do Poder Judiciário. Citando o professor norte- americano Lawrence Friedman21, ele argumenta que o excesso de demanda em um sistema judicial, em vez de sinalizar uma crise, demonstra a grande vitaliciedade da sociedade e do próprio judiciário, ampliando sua legitimidade como órgão voltado à interpretação e solução de conflitos de massa e com grande relevância social. Lembrando sempre que, como lapidou Karl Larenz, deve-se buscar nas normas constitucionais, sempre, uma interpretação que vá de acordo com a própria constituição, notadamente a chamada interpretação conforme, que possui um de seus elementos de concretização o primado pelo legislador.22 Se o intuito da Reforma do Poder Judiciário pela Emenda nº 45 foi de dar maior celeridade e respeito à duração dos processos, o Supremo necessita balizar a interpretação constitucional das ações que questionem tal direito gerando segurança jurídica.

Para exemplificar a importância do Supremo Tribunal e o impacto de suas decisões na sociedade, Dalmo de Abreu Dallari, salienta que assim como nos Estados Unidos, o Brasil necessita de um uma Suprema Corte aparelhada, que acompanhe os desafios jurídicos e numéricos de se julgarem processos de todo um Estado23.

Legalmente, um exemplo a alimentar a tese, é a ampliação dos agentes24 legitimados a propor a ação direta de inconstitucionalidade no Supremo Tribunal Federal, que se reflete ainda nas outra ações de controle concentrado e na proposta de edição e revisão de súmulas vinculantes. O que antigamente era um palco de reclamações individuais, a mando do Presidente que indicava o cargo de Procurador da República, hoje é uma ribalta de diversos setores políticos e sociais na busca de uma resposta final, legítima e justa, aos seus conflitos.

Como expõem Gilmar Mendes e Ives Gandra Martins, cabe comentarmos ainda a previsão do “amicus curiae” (amigo da Corte) na Lei 9.869 de 1999, que é instrumento de grande viés democrático no controle concentrado de constitucionalidade. O retromencionado instituto, possibilita a participação de um número maior de intérpretes com diversos argumentos, alimentando o contraditório, e fornecendo subsídios para o julgamento constitucional que deve ser de interpretação aberta.

A teoria da interpretação material aberta, em grande parte, vem da doutrina professada pelo alemão Peter Häberle, que como lecionam Mendes e Martins, faz com que o “reconhecimento da pluralidade e da complexidade da interpretação constitucional traduz não apenas uma concretização do princípio democrático, mas também uma consequência metodológica da abertura material da Constituição”25.

Do ponto de vista da definição e da efetividade dos direitos fundamentais, tal concepção é importantíssima no Brasil, principalmente por possuirmos uma constituição analítica e que possui normas programáticas ou carecedoras de aplicabilidade, permitindo que conforme esta teoria, setores interessados da sociedade mediante a representação por amicus curiae possam participar neste desafio que é a interpretação constitucional, que no caso do presente estudo, seria a de definir o que vem a ser um processo de razoável duração.

Acreditamos que o Supremo Tribunal Federal não pode ser órgão judicante comum, resolvendo milhares de controvérsias ordinárias, mas sim dar conferência de significado aos valores públicos por meio da interpretação e implementação das normas constitucionais. Como expõe Owen Fiss, desde o século XVII, a função das cortes federais não era solução de controvérsias, mas de conferência de significado de valores públicos, de definição de direitos, dentre eles cita o ilustre professor, o da responsabilidade por danos, matéria que vinha sendo sedimentada pela common law à época.26

Como salienta Enrique Ricardo Lewandowski, o Supremo Tribunal Federal, extraiu conceitos, princípios, que talvez no passado pudessem “ser considerados meras elucubrações de caráter abstrato [...], mas deu-lhes, efetividade, deu lhes concreção”27.

O Supremo Tribunal Federal deve ser o primeiro, e grande incentivador em definir e em se garantir a razoável duração do processo. Possui um papel social disciplinar que se faz iluminar nos outros poderes28, educa os jurisdicionados, criando um paradigma de segurança jurídica a ser repetido nos tribunais inferiores como salienta Karl Larenz.29

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Trabalho de Conclusão de Curso sob a orientação do professor Gustavo Kloh Muller Neves apresentado em novembro de 2010 à FGV DIREITO RIO como requisito parcial para obtenção do grau de bacharel em Direito.

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