A aplicação da teoria da asserção no julgamento de improcedência liminar de demandas repetitivas

08/10/2015 às 09:59
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Trata da possibilidade de utilização da teoria da asserção nos casos de improcedência liminar de demandas repetitivas.

RESUMO

O presente artigo tem por escopo precípuo apresentar ao leitor, à luz da teoria da asserção, as características da improcedência liminar do pedido em demandas repetitivas. Também conhecida como improcedência de plano ou improcedência inaudita altera parte ou, ainda, improcedência prima facie do pedido, referido instituto traz repercussões práticas extremamente relevantes, cujo estudo mais aprofundado é imprescindível para os operadores do Direito. Nesse contexto, este trabalho abordará as características do referido instituto, à luz da teoria da asserção, com foco nos casos envolvendo o julgamento de demandas repetitivas (art. 285-A do CPC de 1973 e art. 332, caput, do CPC de 2015).

Palavras-chave: improcedência de plano, improcedência liminar do pedido, demandas repetitivas, teoria da asserção.

ABSTRACT

This present article has as first scope to present for the reader, according to the assertion theory, the characteristics of preliminary rejection of the request on repetitive demands. Also known as instant rejection or inaudita altera parte rejection, or even prima facie rejection of the request, the institute brings extremely relevant practical repercussions, whose deeper study is essential for the administration of justice. In this context, this article will address the characteristics of the aforesaid institute, according to the assertion theory, focusing on cases involving the judgement of repetitive demands (art. 285-A of CPC 1973 and art. 332, caput, of CPC 2015).

Keywords: preliminary rejection of the request, repetitive demands, assertion theory.

I - INTRODUÇÃO

Com o advento da lei 11.277/2006, introduziu-se no Código de Processo Civil de 1973 o artigo 285-A, o qual criou para o juiz a possibilidade de conhecer diretamente do pedido, proferindo sentença, antes mesmo de realizar a citação do réu. Prevê o caput do art. 285-A: “Quando a matéria controvertida for unicamente de direito e no juízo já houver sido proferida sentença de total improcedência em outros casos idênticos, poderá ser dispensada a citação e proferida sentença, reproduzindo-se o teor da anteriormente prolatada”.

Apesar de aparentemente ter surgido com a edição da lei 11.277/2006, a improcedência inaudita altera parte já existia, indiretamente, em nosso ordenamento jurídico, uma vez que, mesmo antes da criação do art. 285-A, o Código de Processo Civil já previa hipóteses em que o mérito da demanda é atingido por julgamento inaudita altera parte desfavorável ao autor. Assim, corroborando com tal entendimento, Didier Jr. (2013) aduz que há três hipóteses de improcedência prima facie: o indeferimento da inicial em razão do reconhecimento de prescrição ou decadência (art. 295, IV, 269, IV e 267, I do CPC/73), o julgamento imediato de causas repetitivas (art. 285-A, CPC/73) e a rejeição liminar dos embargos à execução meramente protelatórios (art. 739, III, CPC/73)[2].

Desse modo, percebe-se que a novidade trazida pela lei 11.277/2006 foi a possibilidade do julgamento imediato de demandas repetitivas e não o instituto da improcedência prima facie em si.

Nesse contexto, o presente trabalho focar-se-á nas características da improcedência prima facie prevista no art. 285-A do CPC de 1973 e no art. 332, caput, do CPC de 2015 (julgamento imediato de causas repetitivas), tratando da possibilidade e dos benefícios da aplicação da teoria da asserção a tais casos. Salienta-se que, apesar de este artigo ater-se ao julgamento imediato de demandas repetitivas, grande parte do que será exposto também é aplicável aos outros casos de improcedência liminar do pedido.

II - DESENVOLVIMENTO

1 – A Teoria da Asserção

Também conhecida como teoria della prospettazione, a teoria da asserção, no Processo Civil Brasileiro, é aplicada, eminentemente, à forma de exame das condições da ação. Em síntese, essa teoria apregoa que a análise das condições da ação deve ser feita de modo abstrato (in status assertionis), levando-se em consideração as alegações trazidas pelo autor da demanda. Assim, segundo a teoria da asserção, o juiz, com base exclusivamente nos fatos narrados na petição inicial, irá analisar se estão ou não preenchidas as condições da ação. Exemplificando, caso a história contada pelo autor na inicial confira às partes legitimidade para a causa, esta condição da ação estará presente ainda que, posteriormente, constate-se que tal história era falsa.

Nesse sentido, afirma Marinoni (2008, p. 173)[3]:

 “[...] propõe-se que a análise das condições da ação, como questões estranhas ao mérito da causa, fique restrita ao momento de prolação do juízo de admissibilidade inicial do procedimento. Essa análise, então, seria feita á luz das afirmações do demandante contidas em sua petição inicial (in statu assertionis). ‘Deve o juiz raciocinar admitindo, provisoriamente, e por hipótese, que todas as afirmações do autor são verdadeiras, para que se possa verificar se estão presentes as condições da ação’. ‘O que importa é a afirmação do autor, e não a correspondência entre a afirmação e a realidade, que já seria problema de mérito’.” (destaques inseridos)

Essa teoria, conforme será demonstrado a seguir, pode ser extremamente útil não só no exame das condições da ação, como também no julgamento de improcedência liminar do pedido em demandas repetitivas.

1.1 – A Teoria da Asserção e o art. 285-A do CPC de 1973

Conforme citado alhures, a lei 11.277/2006 introduziu no CPC de 1973 o art. 285-A, estabelecendo:

Art. 285-A. Quando a matéria controvertida for unicamente de direito e no juízo já houver sido proferida sentença de total improcedência em outros casos idênticos, poderá ser dispensada a citação e proferida sentença, reproduzindo-se o teor da anteriormente prolatada. 

 § 1º Se o autor apelar, é facultado ao juiz decidir, no prazo de 5 (cinco) dias, não manter a sentença e determinar o prosseguimento da ação. 

 § 2º Caso seja mantida a sentença, será ordenada a citação do réu para responder ao recurso. 

À luz da redação do dispositivo legal acima, pode-se perceber, claramente, que a intensão do legislador ordinário foi atribuir maior celeridade ao processo, possibilitando que juiz conheça diretamente do pedido antes mesmo de determinar a citação do réu.

Entretanto, o art. 285-A do CPC de 1973 exige expressamente que, para que seja possível a aplicação da improcedência liminar do pedido, a matéria controvertida deve ser exclusivamente de direito.

Tal requisito é extremamente equivocado.

Primeiramente, cabe ressaltar que, antes do oferecimento da contestação (ou antes da aplicação do efeito da revelia ao réu), não há que falar em matéria controvertida e tampouco em matéria incontroversa. Isso ocorre porque o próprio termo “controvérsia” (seja fática ou jurídica) pressupõe que houve manifestação da parte contrária.

Nesse contexto, pode-se afirmar, ainda, que a matéria fática alegada pelo autor na inicial, por mais verossímil que seja, sempre será passível de refutação. Ilustrando, imagine-se um fato que pode ser comprovado por simples prova documental juntada à inicial. Mesmo tal fato é passível de refutação por meio de incidente de falsidade. Assim, é inapropriado afirmar, antes da manifestação da outra parte, que os fatos narrados na inicial são incontroversos.

Dessa forma, percebe-se que, na prática, o art. 285-A é aplicado não quando a matéria controvertida é exclusivamente de direito, mas sim quando o fato em que se funda a pretensão do autor é extremamente verossímil (“matéria predominantemente de direito”), uma vez que não há, antes da manifestação do réu, fato incontroverso.

Nesse ínterim, como não se pode falar em matéria exclusivamente de direito no momento processual da aplicação do art. 285-A (antes da citação), deve o juiz aplicar a improcedência de plano se, considerando os fatos narrados, verificar que, ao final do processo, ainda que todos os fatos alegados sejam provados, a demanda será julgada improcedente, assim como o foi em outros casos idênticos no mesmo juízo.

Assim, este autor defende a aplicação da teoria da asserção à improcedência prima facie, devendo o juiz, ao receber a petição inicial, considerar (a priori) como verdadeiros os fatos alegados, apenas para o fim de julgar improcedentes os pedidos, sendo irrelevante e incabível analisar se a matéria controvertida é ou não exclusivamente de direito. De igual modo, é irrelevante avaliar se há verossimilhança nas alegações, porquanto o julgamento será de total improcedência.

Ilustrando, imagine-se uma demanda judicial em que a pretensão do autor é fundada em fato que pode ser comprovado por simples prova documental, a qual é devidamente juntada à petição inicial. Ainda assim, não haverá controvérsia exclusivamente de direito, pois o réu, ao ser citado, pode alegar que o documento é falso. Por conseguinte, se, no caso em tela, o juiz verificar que, ao final do processo, mesmo que o fato em que se funda a pretensão do autor seja provado (reitera-se: não há fato incontroverso antes da manifestação do réu) a demanda será julgada improcedente, deverá aplicar o art. 285-A.

Portanto, parece que a aplicação, in status assertionis, da improcedência prima facie, atende melhor aos anseios do legislador por maior celeridade e eficiência no processo, uma vez que se estenderia a aplicação do art. 285-A a outras demandas, cujo desenvolvimento é inútil, porque fadadas à improcedência.

Nesse contexto, há demandas em que o autor traz diversas alegações fáticas, pretendendo comprová-las por intermédio de provas testemunhais, periciais e documentais, e que, mesmo que ele consiga comprová-las, o julgamento final será de improcedência. É para esses casos que a teoria da asserção será extremamente útil, possibilitando ao juiz julgá-los improcedentes de plano.

1.2 - A Teoria da Asserção e o art. 332 do CPC de 2015

Além de alterar outros aspectos relevantes do julgamento liminar de causas repetitivas, o novo Código de Processo Civil substituiu o requisito de que a matéria controvertida deve ser exclusivamente de direito, dispondo:

Art. 332.  Nas causas que dispensem a fase instrutória, o juiz, independentemente da citação do réu, julgará liminarmente improcedente o pedido que contrariar:

I - enunciado de súmula do Supremo Tribunal Federal ou do Superior Tribunal de Justiça;

II - acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo Superior Tribunal de Justiça em julgamento de recursos repetitivos;

III - entendimento firmado em incidente de resolução de demandas repetitivas ou de assunção de competência;

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IV - enunciado de súmula de tribunal de justiça sobre direito local.

Como se pode perceber, o CPC de 2015 alterou o primeiro requisito para aplicação da improcedência liminar do pedido (matéria controvertida exclusivamente de direito), dispondo que o instituto incidirá nas causa que dispensem a fase instrutória.

Ao dispor dessa forma, parece que o novo CPC pretendeu limitar a aplicação da improcedência liminar apenas aos casos nos quais os fatos em que se funda a pretensão do autor podem ser comprovados por prova pré-constituída.

Contudo, tal limitação é deficiente e desnecessária.

Isso porque, na verdade, como foi dito anteriormente, mesmo que o fato em que se funda a pretensão do autor possa ser comprovado por simples prova documental, ainda assim tal fato poderá ser provado falso, por meio de outras provas trazidas ao processo pelo réu (pericial, testemunhal, etc.).

Ademais, o juiz dificilmente saberá, apenas à luz dos fatos narrados na exordial, se o caso dispensa a fase instrutória, sendo possível que o réu alegue novos fatos que demandem dilação probatória. Assim, a existência de prova pré-constituída nunca demonstra, de forma inequívoca, que os fatos alegados pelo autor são verdadeiros, havendo apenas verossimilhança das alegações, o que, reitera-se, é irrelevante já que o julgamento será de total improcedência.

Assim, seguindo o raciocínio do art. 332 do CPC de 2015, quando os fatos alegados pelo autor não puderem ser comprovados por prova pré-constituída, mesmo que o pedido contrarie enunciado de súmula do STF ou do STJ, por exemplo, não seria possível julgar liminarmente improcedente a demanda, uma vez que referido dispositivo restringe a incidência do instituto aos casos que dispensem instrução. Ou seja, nesse caso, o processo desenvolver-se-á regularmente para que o autor comprove, por meio de provas documentais, periciais e testemunhais, os fatos que fundamentam sua pretensão, a qual, no fim do processo, será, inevitavelmente, julgada improcedente por contrariar enunciado de súmula do STF ou do STJ.

Nesse caso, está claro que, desde o princípio, era sabido que o desenvolvimento do processo seria inútil, mas, devido à limitação trazida pelo caput do art. 332 do CPC de 2015, não foi possível julgar a demanda liminarmente improcedente, pois os fatos alegados na inicial não dispensavam a fase instrutória.

III - CONCLUSÃO

Ante o exposto, conclui-se que a aplicação da teoria da asserção à improcedência liminar de demandas repetitivas pode ser extremamente útil, porquanto impede o deslinde de demandas fadadas ao insucesso, desafogando o poder judiciário e aumentando a celeridade e a eficiência do processo.

Ademais, constata-se que, apesar de o novo CPC ter aperfeiçoado o instituto da improcedência liminar do pedido, algumas deficiências, infelizmente, ainda subsistem.

Por fim, sintetizando o pensamento aqui exposto, pode-se afirmar que este autor defende a desnecessidade de haver prova pré-constituída para que a demanda seja julgada nos moldes do art. 285-A do CPC/73 ou do art. 332 do CPC de 2015, uma vez que qualquer prova pré-constituída, por mais forte que seja, não comprovará o fato alegado antes da manifestação do réu (ou antes da aplicação do efeito da revelia), trazendo apenas verossimilhança para a alegação, o que é irrelevante já que o julgamento será de total improcedência.

A contrario sensu, a verossimilhança das alegações é imprescindível para que seja concedida, por exemplo, a antecipação de tutela, pois se trata de decisão favorável ao autor. Contudo, tal decisão favorável ao autor deverá ser , necessariamente, não definitiva, afinal não há fato provado antes que haja manifestação do réu ou antes que lhe seja aplicado o efeito da revelia.

Ademais, como consequência lógica desse pensamento, pode-se afirmar, ainda, que qualquer decisão definitiva, tomada inaudita altera parte (sem ouvir a outra parte), que seja favorável ao autor violará, inevitavelmente, a garantia da ampla defesa e do contraditório.

REFERÊNCIAS

DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil: introdução ao direito processual civil e processo de conhecimento. 15ª edição. Salvador-BA: jusPodivm, 2013. P. 507.

MARINONI, Luiz Guilherme. Teoria geral do processo. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. P.173.

BRASIL. Código de Processo Civil. Lei 5.869, de 11 de janeiro de 1973. Institui o Código de Processo Civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L5869compilada.htm>. Acesso em 30 de setembro de 2015.

BRASIL. Lei 13.105, de 16 de março de 2015. Código de Processo Civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Ato2015-2018/2015/Lei/L13105.htm>. Acesso em 30 de setembro de 2015.


[1] 

[2] DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil: introdução ao direito processual civil e processo de conhecimento. 15ª edição. Salvador-BA: jusPodivm, 2013. P. 507.

[3] MARINONI, Luiz Guilherme. Teoria geral do processo. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. P.173

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Sobre o autor
Wesley Roberto Queiroz Costa

Graduando do Curso de Direito (6º semestre) – UniCEUB – Brasília/DF. Estagiário na Procuradoria Regional da República da 1ª Região – PRR1 (MPF).

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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