Da qualificação e do conflito de qualificações no Direito Internacional Privado

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Uma breve análise da questão da qualificação e conflito de qualificações no Direito Internacional privado.

A questão da qualificação e do conflito de classificações constitui ponto fundamental do direito internacional privado.

A título de introdução, o direito internacional privado classifica, em um primeiro momento de análise, a situação ou a relação jurídica a partir de uma gama de possibilidades de qualificação, ou seja, de enquadramentos jurídicos. Após a realização desta qualificação, a disciplina trata de identificar onde se encontra a sede da situação ou relação jurídica e, finalmente, estabelece qual o direito que deve ser aplicado.

Neste primeiro momento, em que a questão jurídica é objeto deste enquadramento, identifica-se sobre qual matéria versa. Assim, examina-se o problema subjacente que originou a controvérsia e determina-se a sua natureza jurídica. Por exemplo, poderá versar sobre o estado ou a capacidade de uma pessoa. A categoria escolhida deverá ter uma sede jurídica a ser localizada. No exemplo acima, caso se trate da capacidade de uma pessoa, a sede estará no país da sua nacionalidade, do seu domicílio, de sua residência, do seu centro de negócios etc. Quando a sede jurídica é localizada, encontramos o elemento de conexão, por meio do qual chegamos à regra de conexão do direito internacional privado, indicadora do direito vigente.

Ou seja, o direito internacional privado leva a um processo de qualificação, localização da sede e determinação do direito aplicável.

O processo de qualificação levará em conta somente um aspecto da questão - dentre o seu sujeito, o seu objeto e o ato jurídico em tela. Assim, remetendo-nos à Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, de acordo com o artigo 7º, para o estatuto pessoal e a capacidade, a sede da relação jurídica concentra-se no sujeito do direito (lex domicilii). Por sua vez, o artigo 8º, ao tratar do estatuto real, localiza-a na situação do objeto (lex rei sitae). Por fim, a sede dos atos jurídicos localiza-se, de acordo com o artigo 9º, no local de constituição da obrigação (lex loci contractus).

Tendo feito esta breve introdução, passamos a enfocar propriamente o conceito de qualificação e a hipótese de conflito de qualificações.

Conforme indicado acima, a classificação é um processo de enquadramento. Este enquadramento é essencialmente técnico-jurídico e objetiva relacionar fatos da vida a institutos jurídicos que requerem clareza e definição na sua qualificação.

A doutrina equaciona o processo de qualificar como a soma de conceituar e classificar, sendo certo que a consequência da qualificação será a descoberta da lei a ser utilizada para reger a relação jurídica em apreço.

É possível, no entanto, que, considerando os diversos sistemas jurídicos potencialmente aplicáveis à questão controvertida, haja divergência com relação à qualificação do elemento em questão. Assim, pode ocorrer, por exemplo, de uma jurisdição considerar que determinada questão diz respeito ao estatuto pessoal ao passo que outra jurisdição a qualifique como matéria de direito sucessório. A esta divergência a doutrina se refere como conflito ou concorrência de qualificações.

Por conseguinte, conclui-se que, além de qualificar, é necessário que se saiba qual qualificação deverá prevalecer em caso de conflito, sendo, assim, aplicada pelo juiz. Afinal, o juiz se vê diante da necessidade de minimizar conflitos, devendo buscar com coerência as soluções mais harmônicas, recorrendo, para tanto, à lei nacional ou à lei estrangeira, conforme determinar a lex fori.

Três casos da jurisprudência francesa são tradicionalmente utilizados para exemplificar a questão de conflito de classificações e sua solução: o caso Bartholo (sucessão do maltês), o caso do testamento ológrafo do holandês e o caso do casamento do grego ortodoxo. Haja vista a limitação de espaço deste breve exame, trataremos de um único exemplo, qual seja, o caso Bartholo.

Neste caso, um casal proveniente de Malta se casou sem pacto antenupcial e estabeleceu o primeiro domicílio conjugal nesta ilha. Posteriormente, o casal emigrou para a Argélia, onde o marido faleceu sem filhos, mas deixando bens imóveis e outros herdeiros. De acordo com o direito então vigente na Argélia, a viúva não fazia jus a herdar. No entanto, de acordo com o direito vigente em Malta, o cônjuge sobrevivente pobre faria jus a um quarto dos bens deixados pelo de cujus. Assim, no caso Bartholo, o potencial conflito girou em torno da seguinte questão: trata-se de matéria atinente ao regime matrimonial ou trata-se de matéria atinente ao direito sucessório? Se a qualificação prevalente fosse de regime matrimonial, como os bens se regem pela lei do primeiro domicílio conjugal (lei maltesa), a viúva faria jus a um quarto dos bens. Se a qualificação apontasse questão de direito sucessório, aplicar-se-iam as normas de direito internacional privado da Argélia, que previa que a sucessão de bens imóveis deveria ser regida pela lei de situação dos bens (lei argelina) e, portanto, a viúva não herdaria nada. Note-se neste caso com clareza como a existência de diversidade na qualificação faz com que a mesma questão seja encaminhada a regras de conexão distintas, com a consequente aplicação de regimes jurídicos distintos. No caso Bartholo, o Tribunal de Argel qualificou a questão como atinente ao regime de bens, com a aplicação da lei maltesa.

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Como se depreende do caso Bartholo acima discutido, é essencial que se compreenda por qual mecanismo a lei qualificadora será definida. A doutrina do direito internacional privado discutiu três possibilidades sobre a escolha da lei qualificadora, a saber: (i) qualificação pela lex fori (o juiz do foro qualifica, escolhe o ordenamento aplicável e aplica a norma deste ordenamento, nesta ordem); (ii) qualificação pela lex causae (o juiz do foro remete a qualificação ao direito estrangeiro potencialmente aplicável) e (iii) qualificação por referência a conceitos autônomos e universais (um sistema tido como utópico, que espera que o juiz encontre um denominador comum entre sistemas em que ocorre justamente divergência na qualificação).

Conforme já indicado acima, o entendimento da doutrina pátria é primordialmente no sentido de que, como regra geral, o Brasil adota o critério da lex fori para a realização da qualificação. Trata-se de regra geral que comporta duas exceções, em matéria de bens (lei da situação) e contratos (constituição na residência do proponente na hipótese do artigo 9º, parágrafo 2º, da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro).

A partir daí, conforme indicado pela regra de conexão, aplicar-se-á a lei do foro ou a lei estrangeira, sendo relevante que se note que, se a lei estrangeira for aplicável, deverá ser aplicada com o sentido próprio que lhe é atribuído pela própria lex causae e não pela lex fori. Note-se ademais que o direito internacional privado brasileiro veda expressamente qualquer reenvio indicado pela lei estrangeira.

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Sobre o autor
Geraldo Luiz dos Santos Lima Filho

Árbitro e Advogado. <br>Atuação em Arbitragem, Direito do Comércio Internacional e Direito Internacional Privado (forma, fundo e arbitragem), Direito Empresarial (comercial e societário), Direito Bancário e Mercado de Capitais, Direito Civil e Direito do Consumidor. <br>Formado pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, mestre em direito comercial e societário pela The London School of Economics and Political Science, e doutorando na Faculdade de Direito da Universiteit Leiden. <br>Para consultas, palestras e entrevistas: [email protected]

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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