1. INTRODUÇÃO
O presente trabalho acadêmico tem como objetivo abordar a interpretação da parte final do parágrafo 5º do Artigo 37 da Constituição Federal “A lei estabelecerá os prazos de prescrição para ilícitos praticados por qualquer agente, servidor ou não, que causem prejuízos ao erário, ressalvadas as respectivas ações de ressarcimento”, que emana uma grande discussão doutrinária e jurisprudencial no Brasil, conferindo-lhe importância para que seja feita uma análise crítica do nosso sistema administrativo. E, com isso, possam ser levantados os pontos positivos e negativos da imprescritibilidade da ação de ressarcimento ao erário. A pesquisa foi pautada na obra “Curso de Direito Administrativo” de autoria de Celso Antônio Bandeira de Mello, visto que esta apresenta uma ampla abordagem sobre a prescrição no direito público.
Fora abordado ainda, no presente artigo, a “Lei de Improbidade Administrativa”, qual seja a Lei nº 8.429, de 2 de junho de 1992, vez que há correntes doutrinárias que entendem que a mesma aduz que a reparação do dano ao erário é imprescritível.
A pesquisa foi elaborada por meio de métodos históricos e analíticos, enfatizando o entendimento controvertido de que ação promovida pelo Estado com o objetivo ressarcir os cofres públicos pelos prejuízos decorrentes de atos ilícitos não possui prazo prescricional, ou seja, pode ser ajuizada a qualquer tempo para reaver o prejuízo dos cofres públicos. Foi abordada a influência que a doutrina e a jurisprudência pátrias exercem sobre a hermenêutica das normas jurídicas que tratam da prescrição no direito administrativo.
Apesar de nossa Constituição não ser o padrão ideal, muitos avanços quanto às garantias constitucionais, no que tange ao princípio da segurança jurídica e do devido processo legal foram obtidos. Todavia, prevalece o interesse público sobre o particular, sendo a imprescritibilidade garantia de proteção face a hipótese de prejuízo ao erário público. São necessárias, ainda, muitas mudanças para que a nossa administração pública possa corresponder aos anseios sociais e jurídicos. Mas tais mudanças, para serem eficazes, devem ser adequadas à nova realidade jurídica e estarem em consonância com o contexto político-administrativo global.
2. O CONCEITO DE PRESCRIÇÃO
O conceito de prescrição, na acepção do Mestre Celso Antônio Bandeira de Mello (2004)[1], pode assim ser entendido:
1. A prescrição, instituto concebido em favor da estabilidade e segurança jurídicas (...), é, segundo entendimento que acolhemos, arrimados em lição de Câmara Leal[2], a perda da ação judicial, vale dizer, do meio de defesa de uma pretensão jurídica, pela exaustão do prazo legalmente previsto para utilizá-la[3].
A discussão sobre o instituto da prescrição teve sua origem no direito romano, onde inicialmente era possível pleitear-se um direito a qualquer tempo, sendo as ações, por consequência, consideradas perpétuas. No artigo intitulado Uma nova concepção acerca do conceito de prescrição na legislação civil brasileira[4] o autor Luciano Souto Dias discorre que “no direito pretoriano surgiu a idéia de prescrição, já considerando seus dois requisitos básicos: a inércia do titular do direito e o lapso temporal que, naquela época, era de apenas um ano (annus utilis). Após esse prazo, o réu poderia alegar a chamada exceção de praescriptio temporis, considerada hipótese de carência de ação por parte do autor por não ter ajuizado em tempo hábil a demanda”.
Atualmente, para os operadores do Direito, a prescrição das ações consiste na previsão de um prazo factível durante o qual uma pessoa física ou jurídica poderá chamar outra ao Judiciário a fim de provocá-lo a julgar uma pretensão. Esta última consiste em um compilado de argumentações interpostas por uma das partes, de cunho parcial.
Nesse sentido, o advogado Fábio Barbalho Leite (2008)[5], publicou artigo intitulado Ação de ressarcimento do erário prescreve em cinco anos, onde trata do conceito de prescrição, e observa:
(...) Quando se diz, pois, que a ação prescreve, está-se dizendo que, de um lado, certas partes interessadas não mais podem provocar o Judiciário a se manifestar sobre um punhado de meras alegações (pretensão) suas, e, de outro, que aquele sujeito de direito contra quem seriam feitas essas alegações está livre de ter que manter um aparato documental eterno e recursos financeiros hábeis para se defender a qualquer momento que o conforto da Administração ou do Ministério Público ou o bel prazer do autor popular achem por bem convocá-lo perante o Judiciário.
3. DO DEVER DE PROBIDADE
As leis, os princípios administrativos e a exigência da coletividade são as fontes de onde são extraídos os poderes e deveres do administrador público. A doutrina entende que, fora dessa generalidade, não é possível apontar o que é dever ou poder do gestor público, uma vez que este está sujeito tão somente ao ordenamento jurídico geral e às leis administrativas especiais.
Discorre o autor José Wilson Granjeiro (2007)[6], ao tratar do direito administrativo moderno, sobre o dever de probidade do administrador público, como se lê:
O dever de probidade está constitucionalmente integrado na conduta do administrador público como elemento necessário à legitimidade de seus atos. Este conceito está presente na Constituição da República, que pune a improbidade na Administração com sanções políticas, administrativas e penais, nos seguintes termos: ‘Os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao Erário, na forma e gradação prevista em lei, sem prejuízo da ação penal cabível’ (art 37, § 4º).
No que tange a legislação administrativa, vale mencionar a chamada “Lei de Improbidade Administrativa”, qual seja a Lei nº 8.429, de 2 de junho de 1992, que dispõe expressamente quem são os agentes que possuem o dever de probidade e quais são as penas e sanções aplicáveis a estes, bem como quais são os entes contra quais estes atos serão cometidos, senão vejamos:
Art. 1° Os atos de improbidade praticados por qualquer agente público, servidor ou não, contra a administração direta, indireta ou fundacional de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios, de Território, de empresa incorporada ao patrimônio público ou de entidade para cuja criação ou custeio o erário haja concorrido ou concorra com mais de cinqüenta por cento do patrimônio ou da receita anual, serão punidos na forma desta lei.
Parágrafo único. Estão também sujeitos às penalidades desta lei os atos de improbidade praticados contra o patrimônio de entidade que receba subvenção, benefício ou incentivo, fiscal ou creditício, de órgão público bem como daquelas para cuja criação ou custeio o erário haja concorrido ou concorra com menos de cinqüenta por cento do patrimônio ou da receita anual, limitando-se, nestes casos, a sanção patrimonial à repercussão do ilícito sobre a contribuição dos cofres públicos.
Art. 2° Reputa-se agente público, para os efeitos desta lei, todo aquele que exerce, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, por eleição, nomeação, designação, contratação ou qualquer outra forma de investidura ou vínculo, mandato, cargo, emprego ou função nas entidades mencionadas no artigo anterior.
Art. 3° As disposições desta lei são aplicáveis, no que couber, àquele que, mesmo não sendo agente público, induza ou concorra para a prática do ato de improbidade ou dele se beneficie sob qualquer forma direta ou indireta.
O Capítulo II, da Lei nº 8.429/92, conceitua e traz em cada uma de suas seções um rol taxativo dos atos de improbidade administrativa, divididos em: aqueles que importam enriquecimento ilícito; que causam prejuízo ao erário; e que atentam contra os princípios da administração pública:
Seção I
Dos Atos de Improbidade Administrativa que Importam Enriquecimento Ilícito
Art. 9° Constitui ato de improbidade administrativa importando enriquecimento ilícito auferir qualquer tipo de vantagem patrimonial indevida em razão do exercício de cargo, mandato, função, emprego ou atividade nas entidades mencionadas no art. 1° desta lei, e notadamente:
I - receber, para si ou para outrem, dinheiro, bem móvel ou imóvel, ou qualquer outra vantagem econômica, direta ou indireta, a título de comissão, percentagem, gratificação ou presente de quem tenha interesse, direto ou indireto, que possa ser atingido ou amparado por ação ou omissão decorrente das atribuições do agente público;
II - perceber vantagem econômica, direta ou indireta, para facilitar a aquisição, permuta ou locação de bem móvel ou imóvel, ou a contratação de serviços pelas entidades referidas no art. 1° por preço superior ao valor de mercado;
III - perceber vantagem econômica, direta ou indireta, para facilitar a alienação, permuta ou locação de bem público ou o fornecimento de serviço por ente estatal por preço inferior ao valor de mercado;
IV - utilizar, em obra ou serviço particular, veículos, máquinas, equipamentos ou material de qualquer natureza, de propriedade ou à disposição de qualquer das entidades mencionadas no art. 1° desta lei, bem como o trabalho de servidores públicos, empregados ou terceiros contratados por essas entidades;
V - receber vantagem econômica de qualquer natureza, direta ou indireta, para tolerar a exploração ou a prática de jogos de azar, de lenocínio, de narcotráfico, de contrabando, de usura ou de qualquer outra atividade ilícita, ou aceitar promessa de tal vantagem;
VI - receber vantagem econômica de qualquer natureza, direta ou indireta, para fazer declaração falsa sobre medição ou avaliação em obras públicas ou qualquer outro serviço, ou sobre quantidade, peso, medida, qualidade ou característica de mercadorias ou bens fornecidos a qualquer das entidades mencionadas no art. 1º desta lei;
VII - adquirir, para si ou para outrem, no exercício de mandato, cargo, emprego ou função pública, bens de qualquer natureza cujo valor seja desproporcional à evolução do patrimônio ou à renda do agente público;
VIII - aceitar emprego, comissão ou exercer atividade de consultoria ou assessoramento para pessoa física ou jurídica que tenha interesse suscetível de ser atingido ou amparado por ação ou omissão decorrente das atribuições do agente público, durante a atividade;
IX - perceber vantagem econômica para intermediar a liberação ou aplicação de verba pública de qualquer natureza;
X - receber vantagem econômica de qualquer natureza, direta ou indiretamente, para omitir ato de ofício, providência ou declaração a que esteja obrigado;
XI - incorporar, por qualquer forma, ao seu patrimônio bens, rendas, verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial das entidades mencionadas no art. 1° desta lei;
XII - usar, em proveito próprio, bens, rendas, verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial das entidades mencionadas no art. 1° desta lei.
Seção II
Dos Atos de Improbidade Administrativa que Causam Prejuízo ao Erário
Art. 10. Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que enseje perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º desta lei, e notadamente:
I - facilitar ou concorrer por qualquer forma para a incorporação ao patrimônio particular, de pessoa física ou jurídica, de bens, rendas, verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial das entidades mencionadas no art. 1º desta lei;
II - permitir ou concorrer para que pessoa física ou jurídica privada utilize bens, rendas, verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial das entidades mencionadas no art. 1º desta lei, sem a observância das formalidades legais ou regulamentares aplicáveis à espécie;
III - doar à pessoa física ou jurídica bem como ao ente despersonalizado, ainda que de fins educativos ou assistências, bens, rendas, verbas ou valores do patrimônio de qualquer das entidades mencionadas no art. 1º desta lei, sem observância das formalidades legais e regulamentares aplicáveis à espécie;
IV - permitir ou facilitar a alienação, permuta ou locação de bem integrante do patrimônio de qualquer das entidades referidas no art. 1º desta lei, ou ainda a prestação de serviço por parte delas, por preço inferior ao de mercado;
V - permitir ou facilitar a aquisição, permuta ou locação de bem ou serviço por preço superior ao de mercado;
VI - realizar operação financeira sem observância das normas legais e regulamentares ou aceitar garantia insuficiente ou inidônea;
VII - conceder benefício administrativo ou fiscal sem a observância das formalidades legais ou regulamentares aplicáveis à espécie;
VIII - frustrar a licitude de processo licitatório ou dispensá-lo indevidamente;
IX - ordenar ou permitir a realização de despesas não autorizadas em lei ou regulamento;
X - agir negligentemente na arrecadação de tributo ou renda, bem como no que diz respeito à conservação do patrimônio público;
XI - liberar verba pública sem a estrita observância das normas pertinentes ou influir de qualquer forma para a sua aplicação irregular;
XII - permitir, facilitar ou concorrer para que terceiro se enriqueça ilicitamente;
XIII - permitir que se utilize, em obra ou serviço particular, veículos, máquinas, equipamentos ou material de qualquer natureza, de propriedade ou à disposição de qualquer das entidades mencionadas no art. 1° desta lei, bem como o trabalho de servidor público, empregados ou terceiros contratados por essas entidades.
XIV – celebrar contrato ou outro instrumento que tenha por objeto a prestação de serviços públicos por meio da gestão associada sem observar as formalidades previstas na lei; (Incluído pela Lei nº 11.107, de 2005)
XV – celebrar contrato de rateio de consórcio público sem suficiente e prévia dotação orçamentária, ou sem observar as formalidades previstas na lei. (Incluído pela Lei nº 11.107, de 2005)
Seção III
Dos Atos de Improbidade Administrativa que Atentam Contra os Princípios da Administração Pública
Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições, e notadamente:
I - praticar ato visando fim proibido em lei ou regulamento ou diverso daquele previsto, na regra de competência;
II - retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício;
III - revelar fato ou circunstância de que tem ciência em razão das atribuições e que deva permanecer em segredo;
IV - negar publicidade aos atos oficiais;
V - frustrar a licitude de concurso público;
VI - deixar de prestar contas quando esteja obrigado a fazê-lo;
VII - revelar ou permitir que chegue ao conhecimento de terceiro, antes da respectiva divulgação oficial, teor de medida política ou econômica capaz de afetar o preço de mercadoria, bem ou serviço.
O ilustre Professor Ivan Lucas, pontuou em seu blog[7] recente julgado do Superior Tribunal de Justiça que tratada da tipificação dos atos de improbidade administrativa, senão vejamos:
Segundo iterativa jurisprudência desta Corte, para que seja reconhecida a tipificação da conduta do agente como incurso nas previsões da LIA é necessária a demonstração do elemento subjetivo, consubstanciado pelo dolo para os tipos previstos nos arts. 9º (enriquecimento ilícito) e 11 (violação dos princípios da Administração Pública) e, ao menos, pela culpa nas hipóteses do art. 10º (prejuízo ao erário).
4. A PRESCRIÇÃO DA AÇÃO DE RESSARCIMENTO AO ERÁRIO
No âmbito do direito administrativo, existe acalorado debate doutrinário e jurisprudencial quanto à prescrição da ação de ressarcimento ao erário, em especial com relação a interpretação da parte final do parágrafo 5º, do Artigo 37, da Constituição Federal de 1988[8] dispõe que:
A lei estabelecerá os prazos de prescrição para ilícitos praticados por qualquer agente, servidor ou não, que causem prejuízos ao erário, ressalvadas as respectivas ações de ressarcimento.
O ordenamento jurídico pátrio, à luz da Lei nº 8.429/1992, denominada “Lei de Improbidade Administrativa”, dispõe que as ações destinadas a levar a efeitos as sanções previstas nesta lei, constantes do artigo 12, se submetem ao prazo prescricional de cinco anos, litteris:
CAPÍTULO VII
Da Prescrição
Art. 23. As ações destinadas a levar a efeitos as sanções previstas nesta lei podem ser propostas:
I - até cinco anos após o término do exercício de mandato, de cargo em comissão ou de função de confiança;
II - dentro do prazo prescricional previsto em lei específica para faltas disciplinares puníveis com demissão a bem do serviço público, nos casos de exercício de cargo efetivo ou emprego.
Nesse ínterim, surge a divergência: a Lei nº 8.429/1992 regulou o parágrafo 5º do artigo 37 da Constituição, estabelecendo o prazo prescricional quinquenal, todavia não fez qualquer distinção quanto às sanções por ele abrangidas.
Ocorre que a Carta Magna de 1988 positivou vários princípios constitucionais e trouxe à tona uma crescente preocupação do legislador com a proteção do erário público. Para alguns autores, o problema é o fato de o próprio Estado legislador ser o detentor do privilégio da imprescritibilidade.
Vale colacionar que o Estado é legitimado para legislar em seu proveito próprio, vez que possui prerrogativas, em especial porque representa o interesse da coletividade sobre o individual.
4.1 O Debate Doutrinário
A doutrina majoritária acompanha a autora Maria Sylvia Zanella Di Pietro (2007)[9] na interpretação da parte final do parágrafo 5º do Artigo 37 da Constituição Federal, e defende a imprescritibilidade da ação de ressarcimento ao erário por danos causados por agentes públicos:
São, contudo, imprescritíveis, as ações de ressarcimento por danos causados por agente público, seja ele servidor público ou não, conforme estabelece o art. 37, § 5º, da Constituição. Assim, ainda que para outros fins a ação de improbidade esteja prescrita, o mesmo não ocorrerá quanto ao ressarcimento dos danos.
De fato, pela interpretação literal da norma se extrai o entendimento de que a ação que promovida pelo Estado com o objetivo ressarcir os cofres públicos pelos prejuízos decorrentes de atos ilícitos não possui prazo prescricional, ou seja, pode ser ajuizada a qualquer tempo para reaver o prejuízo dos cofres públicos.
Todavia, há entendimento contrário que aduz que nas ações de ressarcimento do erário há prescrição quinquenal:
O reconhecimento da prescrição qüinqüenal das ações de ressarcimento do erário funda-se em duas premissas normativas um tanto claras. A primeira, que, assentada no princípio da segurança jurídica e do devido processo legal substantivo, reconhece um princípio geral da prescritibilidade das ações, construído a partir do texto constitucional. Reforça essa leitura, a constatação de que, quando a Constituição (clique aqui) ressalva o princípio da prescritibilidade das ações, instituindo a imprescritibilidade (i.é., a possibilidade de a qualquer tempo apresentar uma ação), o faz explícita e especificamente, conforme se dá nos casos do art. 5º, incisos XLII ("a prática de racismo constitui crime inafiançável e imprescritível...") e XLIV ("constitui crime inafiançável e imprescritível a ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático"). Já o texto da CF, art. 37, Parágrafo 5° ("A lei estabelecerá os prazos de prescrição para ilícitos praticados por qualquer agente, servidor ou não, que causem prejuízos ao erário, ressalvadas as respectivas ações de ressarcimento.") é ambíguo, pois sua parte final pode ensejar pelo menos três leituras: ações de ressarcimento observariam prazo prescricional já definido na legislação vigente no momento da promulgação da Constituição; ações de ressarcimento observariam um outro prazo, definido em nova lei, mas distinto, maior ou menor, do prazo previsto para o sancionamento do ilícito que causou prejuízo ao erário; ações de ressarcimento seriam imprescritíveis. Ora, teria sido muito fácil, se assim o quisesse, que a Constituição explicitasse uma hipotética regra da imprescritibilidade das ações de ressarcimento do erário, bastando, p. ex., terminar o referido CF, art. 37, Parágrafo 5° com a proclamação "sendo imprescritíveis as respectivas ações de ressarcimento". Não estando entre as ressalvas explícitas e específicas que a Constituição faz ao princípio geral da prescritibilidade das ações, as pretensões de ressarcimento do erário por ilícitos devem encontrar um prazo prescricional, questão que leva à interpretação da legislação infraconstitucional e à segunda premissa. (Leite, 2008)[10]
No artigo transcrito acima, o autor defende que a posição do TCU é correta ao determinar que a pretensão de ressarcimento é regulada pelo direito civil, mas questiona a interpretação que fixa em 10 anos o prazo prescricional, na medida em que o novo Código Civil reduziu drasticamente o prazo prescricional das ações de reparação, que caiu de 20 para 3 anos.
Aduz que essa mudança fez com que o prazo prescricional da pretensão reparatória passasse a ser normalmente inferior ao prazo prescricional da pretensão punitiva típica das infrações disciplinares e dos atos de improbidade, fato que exige uma série de esclarecimentos quanto às relações entre condenação e ressarcimento, bem como o desenvolvimento de uma interpretação capaz de oferecer um sentido sistemático à atual regulação dessa matéria no direito administrativo, que aponta para uma prescrição qüinqüenal das pretensões punitivas.
4.2 O Entendimento Jurisprudencial
A jurisprudência pátria também diverge quanto à imprescritibilidade da ação de ressarcimento ao erário público, e até mesmo quanto à legitimidade de propositura da mesma. Há controvérsia quanto a se compete ao Ministério Público propor ação civil pública ou se a ação que deve ser proposta visando tal ressarcimento é a popular.
Todavia é entendimento do Superior Tribunal de Justiça é pacificado no sentido de que a pretensão de ressarcimento por prejuízo causado ao erário é imprescritível e que o Ministério Público tem de fato legitimidade para propor ação civil pública por improbidade administrativa visando o ressarcimento de danos ao erário, como se lê dos extraídos dos recentes julgados, senão vejamos:
Ementa
PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE RESSARCIMENTO AO ERÁRIO.
IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO.
1. Trata-se de recurso especial interposto pelo Ministério Público Federal contra acórdão do Tribunal Regional Federal da 1ª Região que deu provimento ao agravo de instrumento para declarar a ilegitimidade ativa do Ministério Público para propor Ação de Improbidade Administrativa visando o ressarcimento dos danos ao erário decorrente de ato de improbidade administrativa, no caso, concessão irregular de benefícios previdenciários.
2. É pacífico o entendimento desta Corte Superior no sentido de que a pretensão de ressarcimento por prejuízo causado ao erário, manifestada na via da ação civil pública por improbidade administrativa, é imprescritível. Daí porque o art. 23 da Lei n. 8.429/92 tem âmbito de aplicação restrito às demais sanções prevista no corpo do art. 12 do mesmo diploma normativo.
3. O Ministério Público tem legitimidade ad causam para a propositura de ação objetivando o ressarcimento de danos ao erário, decorrentes de atos de improbidade administrativa, no caso, a alegada concessão irregular de benefícios previdenciários. .
4. Recurso especial provido para reconhecer a legitimidade do Ministério Público e determinar o retorno dos autos ao Tribunal a quo para que sejam analisadas as questões apresentadas no agravo de instrumento dos ora recorridos. (REsp 1292699 / MG RECURSO ESPECIAL 2011/0278017-6, Relator(a) Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, Órgão Julgador T2 - SEGUNDA TURMA, Data do Julgamento 04/10/2012, Data da Publicação/Fonte: DJe 11/10/2012) – grifou-se
EMENTA
ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. ANULAÇÃO DE ATO
ADMINISTRATIVO. PRESCRIÇÃO. EMPREGO ANALÓGICO DO PRAZO APLICÁVEL À AÇÃO POPULAR (ART. 21 DA LEI N. 4.717/65).
1. Cuida-se, na origem, de ação civil pública movida pelo Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul pleiteando a anulação de venda de imóvel efetuada por município a particular, sem licitação. Julgada procedente a ação, o Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul declarou de ofício a prescrição, aplicando, por analogia, o prazo prescricional de que trata o art. 21 da Lei n. 4.717/65, que regula a Ação Popular.
2. É iterativo o entendimento desta Corte no sentido de que é aplicável à ação civil pública, por analogia, o prazo prescricional de cinco anos previsto no art. 21 da Lei n. 4.717/65.
3. Se o objetivo da ação civil pública era tão somente a anulação da venda, não há que se falar em imprescritibilidade da ação, pois isso somente ocorre nas ações de ressarcimento ao erário, nos termos do art. 37, § 5º, da Constituição Federal, o que não é o caso presente.
Agravo regimental improvido. (AgRg no RECURSO ESPECIAL Nº 1.185.347 - RS 2010/0048188-9 RELATOR : MINISTRO HUMBERTO MARTINS) – grifou-se
EMENTA
ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. IMPRESCRITIBILIDADE. ART. 37, § 5º, DA CF. APLICAÇÃO DAS PENALIDADES. PRAZO
QUINQUENAL. DIES A QUO. TÉRMINO DO MANDATO DE PREFEITO. RECURSO PROVIDO.
1. "As ações destinadas a levar a efeitos as sanções previstas nesta lei podem ser propostas: I - até cinco anos após o término do exercício de mandato, de cargo em comissão ou de função de confiança" (art. 23 da Lei 8.429/92).
2. "...se o ato ímprobo for imputado a agente público no exercício de mandato, de cargo em comissão ou de função de confiança, o prazo prescricional é de cinco anos, com termo a quo no primeiro dia após a cessação do vínculo" (REsp 1.060.529/MG).
3. In casu, não há falar em prescrição, de forma que subsiste para o ora recorrente o interesse em ter o mérito da ação civil pública analisado.
4. O art. 37, § 5º, da CF estabelece a imprescritibilidade das ações visando ao ressarcimento ao erário em decorrência de ilícitos praticados.
5. O comando constitucional não condicionou o exercício da ação à prévia declaração de nulidade do ato de improbidade administrativa.
6. Certamente, só há falar em ressarcimento se reconhecida, concretamente, a ilicitude do ato praticado. Entretanto, esse reconhecimento não prescinde de declaração de nulidade, conforme entendeu o Tribunal a quo. Assim fosse, tornar-se-ia letra morta o conteúdo normativo do art. 37, § 5º, da CF se não ajuizada no prazo legal a ação.
7. O prazo estabelecido no art. 23 da Lei 8.429/92 se refere à aplicação das sanções, e não ao ressarcimento ao erário.
8. O ressarcimento não constitui penalidade; é consequência lógica do ato ilícito praticado e consagração dos princípios gerais de todo ordenamento jurídico: suum cuique tribuere (dar a cada um o que é seu), honeste vivere (viver honestamente) e neminem laedere (não causar dano a ninguém).
9. Recurso especial provido para determinar o retorno dos autos à primeira instância para análise do mérito. (RECURSO ESPECIAL Nº 1.028.330 - SP (2008/0019175-7) RELATOR : MINISTRO ARNALDO ESTEVES LIMA) – grifou-se.
Neste mesmo sentido é o entendimento pacificado pela Corte Maior, qual seja o Supremo Tribunal Federal, que já manifestou-se diversas vezes favorável à imprescritibilidade da pretensão de ressarcimento ao erário público, como se lê dos julgados:
Ementa
CONSTITUCIONAL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. CONCESSIONÁRIA DE SERVIÇO PÚBLICO. CONTRATO. SERVIÇOS DE MÃO-DE-OBRA SEM LICITAÇÃO. RESSARCIMENTO DE DANOS AO ERÁRIO. ART. 37, § 5º, DA CF. PRESCRIÇÃO. INOCORRÊNCIA. 1. As ações que visam ao ressarcimento do erário são imprescritíveis (artigo 37, parágrafo 5º, in fine, da CF). Precedentes. 2. Agravo regimental a que se nega provimento.(AI 712435 AgR / SP - SÃO PAULO, AG.REG. NO AGRAVO DE INSTRUMENTO, Relator(a): Min. ROSA WEBER, Julgamento: 13/03/2012, Órgão Julgador: Primeira Turma) – grifou-se
EMENTA
MANDADO DE SEGURANÇA. TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO. BOLSISTA DO CNPq. DESCUMPRIMENTO DA OBRIGAÇÃO DE RETORNAR AO PAÍS APÓS TÉRMINO DA CONCESSÃO DE BOLSA PARA ESTUDO NO EXTERIOR. RESSARCIMENTO AO ERÁRIO. INOCORRÊNCIA DE PRESCRIÇÃO. DENEGAÇÃO DA SEGURANÇA. I - O beneficiário de bolsa de estudos no exterior patrocinada pelo Poder Público, não pode alegar desconhecimento de obrigação constante no contrato por ele subscrito e nas normas do órgão provedor. II - Precedente: MS 24.519, Rel. Min. Eros Grau. III - Incidência, na espécie, do disposto no art. 37, § 5º, da Constituição Federal, no tocante à alegada prescrição. IV - Segurança denegada. (MS 26210 / DF - DISTRITO FEDERAL MANDADO DE SEGURANÇA Relator(a): Min. RICARDO LEWANDOWSKI Julgamento: 04/09/2008, Órgão Julgador: Tribunal Pleno) – grifou-se
Ementa
PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AÇÃO DE RESSARCIMENTO DE DANO AO ERÁRIO. PRESCRIÇÃO. NÃO-OCORRÊNCIA. INÉPCIA DA INICIAL NÃO CONFIGURADA. LEGITIMIDADE DO MUNICÍPIO PARA A PROPOSITURA DE AÇÃO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA. NÃO-CABIMENTO.
1. A empresa recorrente busca, com base no art. 17, § 8º, da Lei 8.429/1992, a suspensão do prosseguimento de ação ordinária, na qual se apuram irregularidades na celebração e na execução do contrato para construção de unidades habitacionais.
2. O art. 23 da Lei 8.429/1992, que prevê o prazo prescricional de cinco anos para a aplicação das sanções, disciplina apenas a primeira parte do § 5º do art. 37 da Constituição Federal, já que in fine esse mesmo dispositivo teve o cuidado de deixar "ressalvadas as respectivas ações de ressarcimento", o que é o mesmo que declarar a sua imprescritibilidade.
3. A pretensão de ressarcimento pelo prejuízo causado ao Erário é imprescritível.
(...) (REsp 1069779 / SP, RECURSO ESPECIAL 2008/0137963-1, Relator(a) Ministro HERMAN BENJAMIN, Órgão Julgador: T2 - SEGUNDA TURMA, Data do Julgamento: 18/09/2008) – grifou-se.
No último julgado colacionado acima, o Ministro Herman Benjamin, aduz que o artigo 23 da “Lei de Improbidade”, que prevê prazo prescricional quinquenal, é aplicável apenas à primeira parte do parágrafo 5º do artigo 37 da Constituição federal, ou seja, a prescrição seria cabível apenas quanto a aplicação das penalidades, não cabendo nas hipóteses em que haja a pretensão de pleitear o ressarcimento dos danos causados ao erário público.
Vale frisar que o Ministro pontuou a importância de se garantir a efetividade do princípio da moralidade administrativa, vez que a não fixação de prescrição nas ações de ressarcimento por atos de improbidade administrativa assegura que o interesse público não sucumba na lógica da "vala comum" dos prazos prescricionais, que têm por base lides de natureza privada.
5. CONCLUSÃO
Nosso ordenamento jurídico, representa um avanço à proteção ao patrimônio público. Muitas conquistas no que tange à primazia do interesse público sobre o particular foram adquiridas ao longo do século.
Há forte divergência doutrinária e jurisprudencial na hermenêutica do parágrafo 5º do artigo 37 da Constituição Federal, e da Lei nº 8.429, de 2 de junho de 1992, denominada “Lei de Improbidade Administrativa”; todavia resta pacificado pelas Cortes maiores, qual sejam o Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça, que a ação de ressarcimento ao erário é imprescritível.
A doutrina majoritária corrobora o entendimento favorável à imprescritibilidade de tal pretensão, vez que visa proteger o interesse da coletividade e garantir a efetividade do princípio da moralidade administrativa.
Assim, fica demonstrado que a aplicação da prescrição quinquenal ou decimal à ação de ressarcimento ao erário pode causar prejuízos irreparáveis ao erário, o que fere a primazia do interesse público sobre o particular. Nesse diapasão, conclui-se que as correntes doutrinárias minoritárias devem convergir no sentido de acompanhar o entendimento majoritário, assim como o judiciário deve uniformizar suas decisões a fim de acompanhar a jurisprudência dos Tribunais Superiores e resguardar os princípios constitucionais da primazia do interesse público e da moralidade administrativa.
7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. São Paulo: 20 ed. Atlas, 2007.
DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. São Paulo: 12 ed. Saraiva, 1996, pp. 245 a 265.
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LEAL, Câmara. Da Prescrição e da Decadência. Rio de Janeiro: 2 ed. Forense, 1959.
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: 18 ed. Malheiros Editores, 2004.
DIAS, Luciano Souto. Uma nova concepção acerca do conceito de prescrição na legislação civil brasileira. Disponível em: < http://jus.com.br >. Acesso em: 17/01/2013.
LEITE, Fábio Barbalho. Ação de ressarcimento do erário prescreve em cinco anos. Disponível em: < http://www.migalhas.com.br >. Acesso em: 17/01/2013.
JÚNIOR, Ivan Lucas De Souza. Improbidade Administrativa segundo o STJ. Disponível em: < http://ivanlucas.grancursos.com.br >. Acesso em: 17/01/2013.
[1] MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: 18 ed. Malheiros, 2004.
[2] LEAL, Câmara. Da Prescrição e da Decadência. Rio de Janeiro: 2 ed. Forense, 1959.
[3] DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. São Paulo: 12 ed. Saraiva, 1996, pp. 245 a 265.
[4] http://jus.com.br/revista/texto/9352/uma-nova-concepcao-acerca-do-conceito-de-prescricao-na-legislacao-civil-brasileira
[5] Fonte:http://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI72257,31047-Acao+de+ressarcimento+do+erario+prescreve+em+cinco+anos
[6] GRANJEIRO, José Wilson. Manual de Direito Administrativo Moderno. Brasília: 28 ed. Vesticon, 2007.
[7] http://ivanlucas.grancursos.com.br/search?updated-max=2012-05-02T14:12:00-07:00&max-results=7&start=14&by-date=false
[8] BRASIL, CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO. DO de 5 de outubro de 1988. Diário Oficial [da República Federativa do Brasil], Brasília n.º 191- A, p. 1-32, 5.10.1988, Seção 1.
[9] DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. São Paulo: 20 ed. Atlas, 2007.
[10]Fonte:http://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI72257,31047Acao+de+ressarcimento+do+erario+prescreve+em+cinco+anos