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Sobre a prevalência do tratado internacional na sistemática jurídica do Estado do Brasil

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26/10/2003 às 00:00
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Notas

1 José Francisco Rezek, Direito internacional público: curso elementar, prefácio de José Sette Câmara, 6 ed., ver. e atual., São Paulo : Saraiva, 1996, p. 03, nota que o consentimento apesar de fundamental na formação do tratados em geral "não é necessariamente criativo (como quando se trata de estabelecer uma norma sobre a exata extensão do mar territorial, ou de especificar o aspecto fiscal dos privilégios diplomáticos). Ele pode ser apenas perceptivo, qual se dá quando os Estados consentem em torno de normas que fluem inevitavelmente da pura razão humana, ou que se apóiam, em maior ou menor medida, num imperativo ético, parecendo imunes à prerrogativa estatal de manipulação."

2 José Francisco Rezek, op. cit.,pp. 01. a 03, que define:

Descentralização : "A sociedade internacional, ao contrário do que sucede com as comunidades nacionais organizadas sob a forma de Estados, é ainda hoje descentralizada, e o será provavelmente por muito tempo adiante de nossa época" (p. 01).

Horizontalidade e consentimento : "No plano internacional não existe autoridade superior nem milícia permanente. Os Estados se organizam horizontalmente, e prontificam-se a proceder de acordo com normas jurídicas na exata medida em que estas tenham constituído objeto de seu consentimento. A criação de normas é, assim, obra direta de seus destinatários. Não há representação, como no caso dos parlamentos nacionais que se propõem exprimir a vós dos povos, nem prevalece o princípio majoritário. A vontade singular de um Estado soberano somente sucumbe para dar lugar ao primado de outras vontades reunidas quando aquele mesmo Estado tenha, antes, abonado a adoção de semelhante regra, qual sucede no quadro das organizações internacionais, a propósito de questões de importância secundária".

Coordenação : "As relações entre o Estado e os indivíduos ou empresas fazem com que toda ordem jurídica interna seja marcada pela idéia de subordinação. Esse quadro não encontra paralelo na ordem internacional, onde a coordenação é o princípio que preside a convivência organizada de tantas soberanias".

Pacta sunt servanda: "o princípio segundo o qual o que foi pactuado deve ser cumprido – é um modelo de norma fundada no consentimento perceptivo. Regras resultantes do consentimento criativo são aquelas das quais a comunidade internacional poderia prescindir. São aquelas que evoluíram em determinado sentido, quando perfeitamente poderiam ter assumido sentido diverso, ou mesmo contrário. E é impossível, em absoluto, conceber que a mais rudimentar das comunidades sobreviva sem que seus integrantes se subordinem, quando menos, ao dever de honrar as obrigações livremente assumidas".

3 Soberania é conceito que em Ciência Política pode muito bem significar sinonímia de estado de natureza, e que fundamenta a existência de uma sociedade internacional das nações, tal se dá somente pelo mecanismo em que cada pessoa de direito internacional renuncia a parcelas não essenciais de seu estado de natureza, colacionamos o ensinamento de Richard Tuck, Hobbes, coleção mestres do pensar, trad. Ubirajara Sobral e Maria Stela Gonçalves, São Paulo : Edições Loyola, 2001, p. 85, que explana a gênese do contrato social conforme a doutrina de Thomas Hobbes: "os homens em estado de natureza iriam perceber, em seus momentos de reflexão, que a lei da natureza os obriga a renunciar a seu direito de julgamento privado do que é perigoso em casos dúbios, e a aceitar por si mesmos o julgamento de uma autoridade comum", ora, basta trocar o termo homem por Estado que então teremos a beleza e a precariedade da Ordem Pública Internacional.

4 Heber Arbuet Vignali, O atributo da soberania, col. Estudos da Integração, v. 9, Brasília : Senado Federal, Subsecretaria de Edições Técnicas; Porto Alegre : Associação Brasileira de Estudos da Integração, 1995, p. 20: "[...]; no campo internacional, coexistem muitos soberanos, os quais, ao ter que se relacionarem, criam um sistema de coordenação, desenvolvido a partir da idéia de compromissos mútuos e obrigação de cumpri-los de boa-fé."

5 Cf. Hildebrando Accioly e Geraldo Eulálio do Nascimento e Silva, Manual de direito internacional público, 12 ed., São Paulo : Saraiva, 1996, p. 20.

6 Cf. José Francisco Rezek, Direito dos tratados, Rio de Janeiro : Forense, 1984, p. 21.

7 Hildebrando Accioly e Geraldo Eulálio do Nascimento e Silva, Manual..., p. 20, ministram que:

"[...]a melhor classificação é a que tem em vista a natureza jurídica do ato. Sob este aspecto, podem ser divididos em tratados-contratos e tratados-leis ou tratados-normativos. Os tratados-leis são geralmente celebrados entre muitos Estados com o objetivo de fixar normas de DIP; as convenções multilaterais com as de Viena são um exemplo perfeito deste tipo de tratado. Os tratados-contratos procuram regular interesses recíprocos e são geralmente de natureza bilateral, mas existem diversos exemplos de tratados multilaterais ou de tratados multilaterais restritos. Nada impede que um tratado reúna as duas qualidades, com pode suceder nos tratados de paz ou de fronteiras."

8 Cf. José Francisco Rezek, Direito dos tratados, p. 72.

9 José Francisco Rezek, Direito Internacional Público, p. 02, aduz que: "A igualdade soberana entre todos os Estados é um postulado jurídico que ombreia, segundo notória reflexão de Paul Reuter, com sua desigualdade de fato: dificilmente se poderiam aplicar, hoje, sanções a qualquer daqueles cinco Estados que detêm o poder de veto no Conselho de Segurança da ONU." (grifos do original)

10 O princípio pacta sunt servanda, não obstante sua primazia, encontra limites no princípio da imprevisão, ou rebus sic stantibus, reconhecida pelo Direito Internacional, e que José Francisco Rezek, Direito dos tratados, p. 515, nota de rodapé n. 843, contextualiza e conceitua:

"A máxima conventio omnis intelligitur rebus sic stantibus foi encontrada por Alberico Gentili na obra de Tomás de Aquino, e analisada em De jure belli, seu livro de 1598. Significa que toda convenção deve ser entendida sobre a premissa de que as coisas permanecem no estado em que se achavam quando da assunção do compromisso".

Logo após, na mesma obra referenciado Rezek cita as disposições respeitantes à força maior e/ou caso fortuito ensejador de aplicação da cláusula da imprevisão, respectivamente nos arts. 61. e 62 da Convenção de Viena:

"Este o texto do artigo 61 da Convenção de Viena:

"Impossibilidade superveniente de cumprimento

1. Uma parte pode invocar a impossibilidade de cumprir um tratado como causa de extinção ou de retirada, se esta impossibilidade resultar da destruição ou do desaparecimento definitivo de um objeto indispensável à execução do tratado. Se a impossibilidade for temporária, pode ser invocada somente como motivo para suspender a execução do tratado.

2. A impossibilidade de cumprimento não pode ser invocada por uma das partes como causa de extinção, de retirada ou de suspensão da execução do tratado, se essa impossibilidade resulta de uma violação pela parte que invoca, de uma obrigação do tratado, ou de qualquer outra obrigação internacional em relação a qualquer outra parte do tratado" (p. 517)

[...]

"No artigo seguinte a Convenção de Viena estabelece:

"Mudança fundamental de circunstâncias

1. Uma mudança fundamental de circunstâncias, ocorrida em relação àquelas existentes no momento da conclusão do tratado e não prevista pelas partes, não pode ser invocada como causa para a extinção ou retirada do tratado, salvo se:

a) a existência dessas circunstâncias tiver constituído uma condição essencial do consentimento das partes em obrigarem-se pelo tratado; e

b) essa mudança tiver por efeito a transformação radical da natureza das obrigações ainda pendentes de cumprimento em virtude do tratado

2. Uma mudança fundamental de circunstâncias não pode ser invocada como causa para a extinção ou retirada do tratado:

a) se o tratado for de limites; ou

b) se a mudança fundamental resultar de violação, pela parte que a invoca, seja de um tratado seja de qualquer outra obrigação internacional em relação às outras partes no tratado.

3. Se, nos termos dos parágrafos anteriores, uma parte pode invocar uma mudança fundamental de circunstâncias como causa para extinção ou retirada do tratado, pode também invocá-lo para para suspender a execução do tratado." (p. 519)

11 A Constituição Federal determina expressamente:

"Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

[...]

§ 1º As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata.

§ 2º Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte."

12 Carlos Eduardo Caputo Bastos, O processo de integração do mercosul e a questão da hierarquia constitucional dos tratados, col. Estudos da Integração, v. 12, Brasília : Senado Federal, Subsecretaria de Edições Técnicas; Porto Alegre : Associação Brasileira de Estudos da Integração, 1997, p. 10. e ss., referido autor ao ferir o tema da hierarquia dos tratados em nosso sistema jurídico parte de premissas outras, pois primeiramente considera que não existe "norma de conflito que discipline o conflito entre a lei federal e o tratado (antecedente e/ou superveniente)(pp. 10-12), e, secundariamente alega que além de suposta anomia o "texto constitucional brasileiro revela que os tratados possuem hierarquia equiparada à lei (alínea ‘a’ do inciso III do artigo 105), sujeitos, portanto, ao controle de constitucionalidade (alínea ‘b’ do inciso III do artigo 102). Pode-se observar, ainda, que os tratados não merecem qualquer referencia no contexto do processo legislativo (artigo 59). Não se disciplinou, por exemplo, sobre o procedimento de sua votação, revisão e emenda, embora o Congresso Nacional tenha-se atribuído competência exclusiva para resolver sobre eles definitivamente (inciso I do artigo 49). Afora a competência privativa do Presidente da República para celebrá-los (inciso VIII do artigo 84), verifica-se que aos tratados foi designado caráter complementar aos direitos e garantias expressos na Constituição (§ 2º do artigo 5º), bem como as causas neles fundadas estão submetidas à competência da Justiça Federal (inciso III e V do artigo 109)"(pp. 12. a 16).

Ora, diante de tais considerações citado Autor comete claro equívoco ao não perceber que quando refere expressamente ao caráter complementar dos tratados respeitantes às garantias e direitos fundamentais, na verdade, implicitamente desqualifica a primeira premissa, pois é clara norma de conflito, e, igualmente, resta prejudicada a segunda premissa, pois o tratado, dependendo do contexto pode ser considerado equiparável à lei complementar bem como à lei ordinária, basta que venha dispondo sobre direitos e garantias fundamentais para ter caráter complementar e nos demais casos será de dotado do atributo da lei comum. Mas, se o método adotado pelo mencionado Autor foi o de considerar o Direito como sinônimo de Expressão Literal da Norma Positiva, suas conclusões, não obstantes coerentes com tal método, são insuficientes para abranger todo o fenômeno do Direito, particularmente quando travam contato suas dimensões de Soberania Interna e Externa.

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13 Pinto Ferreira, Comentários à constituição brasileira, v. 1: arts. 1º a 21, São Paulo : Saraiva, 1989, p. 218-220, ainda no mesmo passo, nosso constitucionalista historia a regra referida neste termos:

"A origem deste parágrafo no direito constitucional pátrio remonta à Constituição Federal de 1891, art. 78: ‘A especificação das garantias e direitos expressos na Constituição não exclui outras garantias e direitos não enumerados, mas resultantes da forma de governo que ela estabelece e dos princípios que consigna’. A Lei Magna de 1934, art. 114, determina: ‘A especificação dos direitos e garantias expressos nesta Constituição não exclui outros, resultantes do regime e dos princípios que ela adota’. A Carta Política de 1937 (art. 123) desfigurou a natureza do preceito, pretendendo que o ‘uso desses direitos e garantias terá por limite o bem público, as necessidades de defesa, do bem-estar, da paz e da ordem coletiva, bem como as exigências da segurança da Nação e do Estado em nome dela constituído e organizado nesta Constituição’. O preceito deixou ‘de ser anteparo eficaz contra o arbítrio executivo, judiciário e legislativo’, argumenta Alcino Pinto Falcão (Constituição anotada, cit., v. 2, p. 253).

As Constituições de 1946 (art. 144) e de 1967 (art. 153, § 35) se orientam em termos análogos, embora nesta última o preceito pouco valesse, pois a Lei Magna estava praticamente suspensa pelos Atos Institucionais.

A Constituição Federal de 1891, em seu art. 78, a que se vincula o texto atual, inspirou-se na Emanda IX à Constituição norte-americana de 1787: ‘A enumeração de certos direitos na Constituição não poderá ser interpretada como negando outros direitos inerentes ao povo’. Tal preceito foi adotado para contrapor-se à objeção de James Wilson e outros que se opunham energicamente à adoção da declaração de direitos no pressuposto de que tal declaração fosse interpretada como uma carta branca para que o Legislativo negasse tudo o que estava expressamente consignado na lei fundamental.

Por isso, afirma Rafael Bielsa que o artigo tem uma função integradora do conjunto de regras relativas aos direitos individuais, como uma norma básica e obrigatória de interpretação.

O enunciado dos direitos e garantias constitucionais não é um catálogo completo, nem se apresenta como um numerus clausus. O parágrafo em estudo refere-se aos direitos e garantias individuais expressos na Constituição, o que não exclui outros decorrentes dos princípios e do regime pó ela adotado. Além dos princípios expressos há também princípios implícitos. Na Argentina, por exemplo, como a Constituição não menciona o direito de reunião, foi contudo tal direito considerado como válido e existente, por força de outros princípios expressos, nos quais ele se inclui implicitamente."

14 O Código Tributário Nacional (LEI Nº 5.172, DE 25 DE OUTUBRO DE 1966) em seu Art. 98. dispõe: "Os tratados e as convenções internacionais revogam ou modificam a legislação tributária interna, e serão observados pela que lhes sobrevenha."

15 Carlos Eduardo Caputo Bastos, op. cit., p. 42, referindo sobre o tratamento jurisprudencial frente ao tema da hierarquia dos tratados cita o Recurso Extraordinário n. 80.004, publicado na Revista Trimestral de Jurisprudência n. 83/809, de que foi relator para o acórdão o Ministro Cunha Peixoto, em que "prevaleceu, por maioria, o entendimento de que a lei posterior – em conflito com o tratado – sobre este prevalece, uma vez que não há no plano constitucional preceito que afirme grau de hierarquia entre o tratado", mas, na mesma decisão o STF adotou o "entendimento de que a prevalência do tratado ante a lei posterior só se dá no campo tributário, por força do artigo 98 do Código Tributário Nacional – trata-se de norma específica e jamais de um princípio de ordem geral -, até porque ‘Se a lei ordinária não pudesse, pela Constituição, revogar a que advém de um tratado, não seria necessário dispositivo expresso de ordem tributária’ (voto do Relator)" (pp. 42-3).

Apesar do entendimento exarado pelo Excelso Pretório não devemos esquecer que tal decisum foi prolatado na Ordem Constitucional anterior a atual, ou seja, não vigiam os atuais parâmetros relativo à matéria.

16 Paulo de Barros Carvalho, Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidência, 2.ª ed., Saraiva, São Paulo, 1999, p. 36, seguindo a doutrina de Bobbio, perora: "São normas de conduta, entre outras, as regras-matrizes de incidência dos tributos e todas aquelas atinentes ao cumprimento dos deveres instrumentais ou formais, também chamados de "obrigações acessórias. E são tipicamente regras de estrutura aquelas que outorgam competências, isenções, procedimentos administrativos e judiciais, as que prescrevem pressupostos etc. Entre as normas que estipulam competência, incluamos as regras de imunidade tributária".

17 Carlos Alberto Bronzatto e Márcia Noll Barboza, Os efeitos do artigo 98 do código tributário nacional e o processo de integração do mercosul, col. Estudos da Integração, v. 6, Brasília : Senado Federal, Subsecretaria de Edições Técnicas; Porto Alegre : Associação Brasileira de Estudos da Integração, 1996, p. 60. e 64-5: "[...] nossa opinião quanto ao sentido atual do artigo 98 do Código Tributário Nacional, qual seja, o de garantir, no campo tributário, a eficácia dos compromissos internacionalmente assumidos pelo Brasil, os quais deverão ser respeitados pelo legislador ordinário federal, estadual e municipal.

Verificadas as hipóteses enquadráveis no pressuposto de fato da norma[...]

[...]

Assim sendo, uma vez incorparadas ao direito tributário interno no Brasil, revogarão, automaticamente, os dispositivos da legislação tributária interna no que estes lhe forem contrários.

[...]

A norma tributária de produção interna não tem força para modificar normas internacionais sobre a matéria."

18 José Francisco Rezek, Direito dos tratados, p. 474, teceu as seguintes considerações d’antes da promulgação da atual Carta Magna:

"O dispositivo de lei ordinária que, no Brasil, pretendesse, dentro de certo domínio temático, determinar a prevalência hierárquica do trabalho sobre o direito internacional seria irrazoável e ocioso. Sobre o direito interno infralegal – decretos, portarias, instruções – o tratado prima em razão de sua própria estatura, indiscutivelmente não inferior às das leis ordinárias. O aventado dispositivo não poderia, de outro lado, limitar ou condicionar a produção legislativa de nível igual ao seu próprio: a lei, ulterior, hostil ao tratado, sobrepor-se-ia – em razão da norma lex posterior derogat priori – àquela anterior, e não menos ordinária, em que inscrita a insólita pretensão hierárquica entre o tratado e a lei, e vice-versa":

[...]

"Em tal quadro, a lei ordinária conflitante com o tratado há de sucumbir, mas em razão de outro conflito: o que a contrapõe à lei complementar. Esta não se confunde com a própria carta constitucional, mas subjuga a lei ordinária inscrita em seu âmbito temático."

19 José Francisco Rezek, Direito dos tratados, ainda testemunha com grande profundidade a respeito do tema em comento, pp. 461. a 474:

"Recorde-se, de início, que o primado do Direito das Gentes sobre o direito nacional do Estado soberano é, ainda hoje, uma proposição doutrinária. Não há, em direito internacional positivo, norma assecuratória de tal primado. Descentralizada, a sociedade internacional contemporânea vê cada um de seus integrantes ditar, no que lhe concerne, as regras de composição entre o direito internacional e o de produção doméstica."

Resulta que, para o Estado soberano, a constituição nacional, vértice do ordenamento jurídico, é a sede de determinação da estatura da norma jurídica convencional. Dificilmente uma dessas leis fundamentais desprezaria, neste momento histórico, o ideal de segurança e estabilidade da ordem jurídica a ponto de subpor-se, a si mesma, ao produto normativo dos compromissos exteriores do Estado. Assim, posto o primado da constituição em confronto com a norma pacta sunt servanda, é corrente que se preserve a autoridade da lei fundamental do Estado, ainda que isto signifique a prática de um ilícito pelo qual, no plano externo, deve aquele responder"

"Abstraída a constituição do Estado, sobrevive o problema da concorrência entre tratados e leis internas de estatura infraconstitucional. A solução, em países diversos, consiste em garantir a prevalência dos tratados. Noutros, entre os quais o Brasil contemporâneo, garante-se-lhes apenas um tratamento paritário, tomadas como paradigma as leis nacionais e diplomas de grau equivalente."

"Não se coloca em dúvida, em parte alguma, a prevalência dos tratados sobre leis internas anteriores à sua promulgação. Para primar, em tal contexto, não seria preciso que o tratado recolhesse da ordem constitucional o benefício hierárquico. Sua simples introdução no complexo normativo estatal faria operar, em favor dele, a regra lex posterior derogat priori."

"A prevalência de que fala este parágrafo é a que tem indisfarçado valor hierárquico, garantindo ao compromisso internacional plena vigência sem embargo de leis posteriores que o contradigam. A França, a Grécia e o Peru oferecem, neste momento, exemplos de semelhante sistema."

[...]

"Não obstante a diversidade enfoques com a que a doutrina, em cada um desses países, há de enfrentar a sistemática da prevalência do tratado sobre a lei interna, parece válido afirmar que a lei posterior ao compromisso, e com ele inconciliável, não padece, em princípio, de nulidade congênita por força de prescrição constitucional. Tudo quanto é seguro é que, ante a pretendida incidência simultânea da norma interna e da norma convencional sobre certa situação concreta, a primeira cederá lugar à segunda. Não custa lembrar que, diante de outras situações concretas, é possível que norma interna, por não enfrentar a concorrência do tratado, opere sem entraves"

"O dispositivo de lei ordinária que, no Brasil, pretendesse, dentro de certo domínio temático, determinar a prevalência hierárquica do trabalho sobre o direito internacional seria irrazoável e ocioso. Sobre o direito interno infralegal – decretos, portarias, instruções – o tratado prima em razão de sua própria estatura, indiscutivelmente não inferior às das leis ordinárias. O aventado dispositivo não poderia, de outro lado, limitar ou condicionar a produção legislativa de nível igual ao seu próprio: a lei, ulterior, hostil ao tratado, sobrepor-se-ia – em razão da norma lex posterior derogat priori – àquela anterior, e não menos ordinária, em que inscrita a insólita pretensão hierárquica."

"Já uma lei complementar à Constituição, disciplinando quanto por esta tenha sido entregue ao seu domínio, pode, sem dúvida, vincular a produção legislativa ordinária ao respeito pelos tratados em vigor. Leia-se o artigo 98 do Código Tributário Nacional." (destacamos)

20 Mario Pereira Neto, Direito – política – economia das comunidades européias, São Paulo : Aduaneiras, 1994, p. 83, trata daquilo que identificamos como natureza constitucional do tratado em Direito Comunitário, no capítulo 3.1.4., cujo título é O Primado do Direito Comunitário sobre o Nacional, nos termos a seguir:

"A aplicabilidade direta de uma norma comunitária coloca em evidência uma outra questão fundamental, ou seja, o que acontece quando uma norma comunitária, que estabelece muitos direitos e/ou obrigações diretamente para os cidadãos europeus, for totalmente incompatível com uma norma de direito interno.

Tal conflito somente é resolvido na prática se uma das normas ceder a outra, pois de fato o direito comunitário escrito não contém qualquer disposição expressa nesta matéria. Assim, em nenhum dos Tratados existe uma regra clara que determine qual deve ceder, se o direito comunitário ou o direito nacional.

Entretanto, se prevalecesse este último quase nada restaria do direito comunitário, pois todas as disposições comunitárias poderiam ser anuladas por uma lei nacional qualquer. Com isto estaria igualmente excluída a sua fundamental aplicação uniforme nos vários países-membros das Comunidades Européias.

Certamente acarretaria consigo também a impossibilidade para estas CE de cumprir todas as tarefas que lhe foram conferidas pelos Estados-membros; dessa maneira, o seu funcionamento seria posto em dúvida e a construção de uma Europa unida, portadora de grandes esperanças, estaria definitivamente comprometida.

Prevendo estas conseqüências, a Corte de Justiça Comunitária reconheceu expressamente o princípio do primado do direito comunitário sobre o direito nacional, fazendo-o, no entanto, contra o parecer de alguns Estados-membros. Assim, a Corte dotou esta ordem jurídica comunitária de uma segunda trave-mestra, depois daquela da sua aplicabilidade direta, transformando-a definitivamente num edifício sólido.

A Corte de Justiça de Luxemburgo,[...], formulou a propósito duas considerações muito significativas no tocante às relações entre o direito comunitário e os direitos nacionais.

Em primeiro lugar, reconheceu que todos os países-membros transfeririam de forma definitiva, para as Comunidades Européias por eles mesmos criadas, certos direitos até então soberanos; depois disto, estes referidos Estados não poderiam desistir repentinamente desta importante limitação, fazendo prevalecer um ato unilateral ulterior incompatível com a noção de Comunidade.

Em segundo lugar, existe um princípio fundamental estabelecido nos Tratados de Paris e de Roma, pela qual "um dos Estados-membros não pode prejudicar uma particularidade que tem o direito comunitário de se fazer valer uniforme e completamente no conjunto do território comunitário".

Portanto, tal direito comunitário, criado por força dos poderes previstos nos Tratados, tem total primado sobre qualquer eventual norma jurídica de direito nacional ao mesmo tempo contrária, prevalecendo não só sobre o direito nacional anterior, mas também sobre o direito posterior à regra comunitária.

Apesar disto, o primado do direito comunitário sobre o direito constitucional nacional, e mormente sobre as garantias em matéria de vários direitos fundamentais foi numa primeira fase contestado amplamente por diversos tribunais constitucionais dos Estados-membros.

Estes renunciaram a tal contestação quando verificaram que uma real proteção em matéria de direitos fundamentais tinha atingido, ao nível comunitário, um grau no mínimo comparável, pelo menos quando ao essencial, ao das constituições nacionais. A partir de então é amplamente reconhecido por todos o primado do direito comunitário também sobre os direitos constitucionais de cada país."

21 Luizella Giardino B. Branco, Sistema de solução de controvérsias no mercosul – perspectivas para a criação de um modelo institucional permanente. São Paulo : LTR, 1997, p. 27; referida autora trata da relação contemporânea da idéia de soberania e sua relação com a Comunidade internacional de forma brilhante, de onde destacamos:

"A noção de soberania, em termos atuais, é oposta à clássica visão de indivisibilidade e inalienabilidade do poder definitivo da soberania. A integração internacional, limitando a esfera da jurisdição doméstica de cada Estado, amplia as possibilidades de colaboração intergovernamental, fortificada por um processo decisório coletivo. Reduzindo conflitos regionais, os agrupamentos de Estados associados permitam avaliar a soberania, em termos contemporâneos, não mais como a própria onipotência estatal, mas como um poder limitado por uma acentuada interdependência, levando à formação de blocos políticos e econômicos ditados pelas grandes mutações do cenário internacional atual, deve-se analisar com cuidado o conceito de soberania ilimitada, ou seja, sem restrições."

[...]

"À luz desse novo conceito, pode-se concluir que a soberania pode ser exercida coletivamente. Assim, os Estados-membros limitam seus próprios direitos soberanos, transferindo-os para instituições sobre as quais não detêm controle direto. Dessa forma, a transferência de soberania realmente significa uma transferência de poder decisório para instituições comunitárias, e a correspondente limitação de áreas de tomada de decisão do Estado permanece com o Estado-membro. Considera-se que o Estado-membro cede parte de sua soberania e liberdade de ação nessas áreas. A expressão ‘limitação de soberania’ é utilizada para designar que nestas áreas especificas os Estados-membros não podem tomar decisões livremente, pois investiram seus direitos soberanos na Comunidade."

22 Ora, o equívoco conceitual resultante de tal falseamento da função dos tratados tem motivado entendimentos jurisprudenciais equivocados, que ao adotar tal distinção que a lei não efetua, acaba por determinar-se a decidir sem fundamentação legal e constitucional adequadas, como se pode observar da letra do Recurso Especial n. 37.065-PR, relativo à isenção do Adicional de Frete para Marinha Mercante – AFRMM, do STJ, Relator Ministro Demócrito Reinaldo, cuja ementa diz: "Tributário. Isenção do AFRMM em relação a mercadorias importadas sob a égide do Gatt. Impossibilidade. 1. O mandamento condito no artigo 98 do CTN não atribui ascendência às normas de direito internacional em detrimento do direito positivo interno, mas, ao revés, posiciona-se em nível idêntico, conferindo-lhes efeitos semelhantes. 2. O artigo 98 do CTN, ao preceituar que tratado ou convenção não são revogados por lei tributária interna, refere-se aos acordos firmados pelo Brasil a propósitos de assuntos específicos e só é aplicável aos tratados de natureza contratual. 3. Se o ato internacional não estabelecer, de forma expressa, a desobrigação de contribuições para a intervenção no domínio econômico, inexiste isenção pertinente ao AFRMM. 4. Recurso a que se nega provimento. 5. Decisão indiscrepante" (apud Carlos Eduardo Caputo Bastos, op. cit., p. 48)

23 O quadro hierárquico das normas brasileiras, incluindo-se os tratados pode ser descrito assim:

Hierarquia Das Normas no Brasil Com Enfoque Em Matéria Tributária

- Constituição

- Cláusulas Pétreas

- Emendas Constitucionais

- Lei Complementar

- Tratado sobre direitos e garantias fundamentais (art. 5º, § 2º da CF)

- Lei Ordinária

- Tratado em matéria tributária insuscetível de ser afetado pelas normas ordinárias (art 98 do CTN)

- Demais Tratados passíveis de revogação por lei posterior

- Demais Normas Legais (p. ex.: Resoluções do Senado) e Infralegais (v. g.: Decretos e demais atos administrativos)

24 A classificação ora expendida vai no sentido daquela defendida por Alberto Xavier (in Direito tributário internacional do Brasil, p. 106, apud Paulo Ayres Barreto, in Imposto sobre a renda e preços de transferência, São Paulo : Dialética, 2001, p. 163) em "que os tratados internacionais têm caráter supralegislativo mas infraconstitucional, exceto em matéria de direitos e garantias, em que têm caráter supraconstitucional" (grifos no original), entretanto, não adotamos a terminologia supraconstitucional em razão de conferir a falsa idéia de que as garantias e direitos individuais previstas em tratados estariam para além da ordem constitucional quando na verdade tudo o que diz respeito ao direito internacional e aos direitos e garantias individuais são plenamente constitucionais na sistemática jurídica brasileira, daí preferirmos adotar a idéia de que o tratado ratificado nos termos do art. 5º e parágrafos, da CF, será quando muito veículo introdutor de cláusulas pétreas inominadas.

25 Celso Duvivier de Albuquerque Mello, Curso de direito internacional público, vo. 1, 8 ed. rev. e aum., Rio de Janeiro : Freitas Bastos, 1986, p. 77, descreve tal hipótese com a clareza habitual: "O conflito entre o Direito Interno e o Direito Internacional não quebra a unidade do sistema jurídico, como um conflito entre a lei e a Constituição não quebra a unidade do direito estatal. O importante é a predominância do DI, que ocorre na prática internacional, como se pode demonstrar com duas hipóteses: a) uma lei contrária ao DI dá ao Estado prejudicado o direito de iniciar um "processo" de responsabilidade internacional; b) uma norma internacional contrária à lei interna não dá ao Estado direito análogo ao da hipóteses anterior."

26 Sahid Maluf, Teoria geral do estado, ed. rev. e atual. pelo Prof. Miguel Alfredo Malufe Neto, 23. ed., São Paulo : Saraiva, 1995, p. 242-4 nos ensina que tais atos podem ser considerados puramente discricionários, e, pautados no princípio da irresponsabilidade política do Primeiro Mandatário, ressalvando-se as cláusulas pétreas, quando nos lembramos do seguinte: "Os conflitos entre os poderes estatais e as crises de governo são fatos comuns e previsíveis em todas as formas de organização política, e, por isso mesmo, deveriam encontrar remédio imediato na Constituição. No sistema parlamentarista tais fatos se resolvem primeiramente na câmara representativa da soberania nacional, e em última instância pelo supremo árbitro, que é o corpo eleitoral. No sistema presidencialista não há solução constitucional, porque nem a própria nação se sobrepõe ao arbítrio do Chefe do Poder Executivo. Daí porque as crises governamentais, no sistema presidencial, são sempre prelúdios de revolução ou ditadura. E o povo é mero expectador; sua soberania só se manifesta em dia de eleição[...] O chefe do Executivo não depende do voto de confiança do Congresso, nem pode ser destituído pela cassação do mandato. Uma vez eleito é empossado na forma legal, passa a governar com autoridade própria, por todo o período previsto na Constituição, semelhante a um Rei eletivo e temporário. Todo o governo será o reflexo da sua individualidade. Se o povo tiver errado na sua escolha, sofrerá por todo o período as conseqüências do seu erro, que é normalmente irreparável. Nisto consiste o princípio da irresponsabilidade política, característico do presidencialismo: por erros, desmandos ou incompetência (que não configurem crimes no conceito especifico da lei penal) não se dará a perda ou cassação do mandato."

27 Ora, tais prerrogativas são inerentes ao nosso sistema de governo, pois: "O sistema presidencial consiste, em última análise, numa transferência do poder de soberania ao governo. E quando isso ocorre, o sistema de governo é democrático no tocante à sua origem, mas não o é na sua realização." (apud Sahid Maluf, op. cit., p. 243)

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Sobre o autor
Werner Nabiça Coêlho

Advogado, especialista em direito tributário pela UNAMA/IBET

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

COÊLHO, Werner Nabiça. Sobre a prevalência do tratado internacional na sistemática jurídica do Estado do Brasil. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 8, n. 116, 26 out. 2003. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/4360. Acesso em: 22 nov. 2024.

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