1. INTRODUÇÃO
O Estado Moderno pós-revolucionário, cultivado pelas ideias iluministas de liberdade, ganhou contornos que romperam com o absolutismo do Príncipe suplantando a insegurança que era produzida no seio desta sociedade em nome da estrita legalidade e da segurança jurídica. Em termos históricos, não podemos dizer que esse processo se deu de forma abrupta, mas foi fruto de inúmeras ideias. O contratualismo de Thomas Hobbes, a exemplo, pregava um pacto social em que toda a comunidade de homens cedia ao Estado parte de sua liberdade em nome da manutenção de sua existência.
Concebia-se, e ainda hoje se sustenta, que a vida fora da sociedade resultaria em colapso das condições mínimas da existência humana, como bem assevera Del Vecchio (1959), ao dispor que o homem alheio às regras civilizatórias se torna selvagem. Diante disso, surgem normas e regras a partir de convenções pactuadas pelos homens com o objetivo de controle social impostas coativamente pelo Estado. Essas normas cumprem uma segunda função, qual seja, ser o limiar e termo da atuação do Estado frente à sociedade. Como já dissemos é a consagração da segurança jurídica, princípio basilar dos Estados Democráticos de Direito. (REALE, 2002).
Segundo Fernanda Marinela (2014), o surgimento de uma ordem jurídica, o Direito, é a sistematização das normas de conduta estabelecidas por um Estado politicamente organizado. Essa ordem jurídica ainda tem natureza organicista, uma vez que garante a existência desse Estado e sua forma de atuação. Dentro dessa perspectiva, o ordenamento jurídico se especializa em diversos ramos, essa especialização dá origem a microssistemas que disciplinam distintas relações jurídicas. Na lição da renomada autora, o Estado, também denominado Administração Pública é regido pelo ramo do direito público, mais especificamente pelo Direito Administrativo, que possui como uma das formas de controle social o Poder de Polícia.
O Estado democrático de direito reza viabilizar a coexistência entre interesses conflitante. Tiramos dessa proposição a ideia de ausência de absolutismos nesse tipo de sociedade. O poder de polícia administrativo, nesse entendimento, colima remediar uma situação em que o direito a liberdade ou propriedade cause um mal social, ou seja, colida com o interesse coletivo. Assim, o Poder Público tem o poder-dever de salvaguardar o interesse coletivo em face das liberdades individuais. Dessa forma, o risco de lesão ou a lesão a direito e interesse da coletividade durante o exercício de direito individual deve gerar uma reação do Estado e este poderá agir coibindo preventiva ou repressivamente o abuso de direito praticado pelo particular. (CARVALHO FILHO, 2009).
O que se tem que ter em mente é que este poder não pode ser exercido de modo absoluto, ou seja, à vontade pela administração pública, sob pena de incorrer em arbitrariedade, o que é rechaçado pelas sociedades democráticas. O poder de polícia deverá ser exercido dentro e jamais fora dos limites da lei e em cumprimento ao fim colimado por esta, que será o bem estar coletivo. (MELO, 2015).
2. DO CONCEITO LEGAL E DOUTRINÁRIO E PRINCÍPIO VINCULANTE
O conceito de poder de polícia exarado no art. 78 do Código Tributário Nacional, ipis litteris:
Art. 78. Considera-se poder de polícia atividade da administração pública que, limitando ou disciplinando direito, interesse ou liberdade, regula a prática de ato ou abstenção de fato, em razão do interesse público concernente à segurança, à higiene, à ordem, aos costumes, à disciplina da produção e do mercado, ao exercício de atividades econômicas dependentes de concessão ou autorização do Poder Público, à tranquilidade pública ou ao respeito a propriedade e aos direitos individuais e coletivos.
Apesar do conceito legal supra, a doutrina tem construído diferentes definições para o Poder de Polícia. Para Fernanda Marinela, “o Poder de Polícia é um instrumento conferido ao administrador que lhe permite condicionar, restringir, frenar o exercício de atividade, uso e gozo de bens e direitos pelos particulares, em nome do interesse da coletividade”.
Matheus de Carvalho (2014) acrescenta que o poder de polícia é uma prerrogativa da Administração Pública para efetivar o princípio da supremacia do interesse público sobre o privado quando o Estado acaba por restringir os direitos inerentes à propriedade. Para Maria Sylvia Zanella Di Pietro (2006) existe um confronto inevitável entre o interesse do particular que anseia por exercer seu direito sem limitação enquanto que o exercício deste direito jamais poderá violar o bem-estar coletivo, devendo assim a Administração impor limites ao direito individual visando o interesse da coletividade. Assim, entendemos que o princípio da supremacia do interesse público é a força motriz do exercício administrativo do poder de polícia. Ora, o Estado lança mão do poder de polícia com o fim de evitar um dano e o faz em razão da coletividade.
Antes de declinarmos sobre as definições doutrinárias, cumpre esclarecer que o poder de polícia é dividido em administrativo e judiciário. Interessa-nos o poder de polícia administrativo, uma vez que é sobre este que se debruça o direito administrativo, sendo disciplinado pelo direito processual penal o poder de polícia judiciária. O poder de polícia judiciária tem um caráter eminentemente repressivo, é o caso da ação policial propriamente dita, aquela que visa repreender a violação da lei penal, exercida pelas polícias militar e civil. A finalidade aqui é específica e suas consequências também são específicas. A finalidade será sempre repreender o ato atentatório a um bem, juridicamente, tutelado pela lei penal e suas consequências têm uma natureza mais gravosa, por exemplo, a restrição da liberdade de locomoção como produto de um processo judicial, em sua maioria, promovido pelo Ministério Público, ente legitimado a provocar a ação penal pública incondicionada (CARVALHO FILHO, 2015).
5. DISCRICIONARIEDADE NA ATUAÇÃO DA POLICIA ADMINISTRATIVA
Discricionariedade, quanto à atuação do Poder Público, jamais pode ser traduzida por atuação que perpasse os limites legais. E nesse sentido, a legalidade no âmbito do direito administrativo tem de ser vista de ângulo oposto ao que se revela aos administrados. Lá, o individuo tem a liberdade de agir até que esbarre em uma imposição proibitiva. Aqui, a lei estabelece os limites de atuação do Estado, e este atuará estritamente dentro das margens da lei (MEIRELLES, 2006).
Para demonstrar o exposto, cito um exemplo para elucidar a questão, que diz respeito as autorizações e as licenças, as primeiras são atos típicos da polícia administrativa, e expedidas no uso de competência exercitável discricionariamente, já as licenças, igualmente expressões típicas dela, são atos vinculados consoante pacífico entendimento da doutrina. (MELLO, 2006)
Cabe deixar nota de que os atos de polícia que a pretexto de se dirigir ao interesse social exceda as margens de discricionariedade permitidas pela lei se revelarão abusivas, nascendo o direito para o prejudicado de perseguir judicialmente a invalidade desse ato.
3. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ressaltamos que o Estado deve assegurar a todos os seus administrados a paz social almejada na vida em sociedade, usando de suas prerrogativas para fazer valer o interesse da coletividade, mesmo que isso se traduza em limitação ao direito de propriedade, também constitucionalmente assegurado.
REFERÊNCIAS
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 21 ed. – Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009.
CARVALHO, Matheus. Direito Administrativo: OAB 1ª e 2ª fases. 3. Ed – Salvador: JusPodium, 2014.
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 19. Ed – São Paulo: Atlas, 2006.
DEL VECHIO, Giorgio. Lições de Filosofia do Direito. Trad. 10 ed. Original, Arménio Amado, Editor, Suc., Coimbra, 1959, vol. II, p. 219
MARINELA, Fernanda. Direito Administrativo. 8. Ed. – Niterói: Impetus, 2014.
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 35ª ed. São Paulo: Malheiros Editores,2009,
MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 26. Ed. São Paulo:
Malheiros Editores, 2008.
REALE, Miguel. Lições Preliminares de Direito. 27. Ed. – São Paulo: Saraiva 2002