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Utilização do subsolo e do espaço aéreo municipal.

Inconstitucionalidade da cobrança de "retribuição mensal"

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11/10/2003 às 00:00

Resumo:


  • Críticas à legislação municipal complexa e confusa, com leis de baixa qualidade que dificultam o entendimento e a aplicação pelos cidadãos e profissionais do direito.

  • Lei nº 13.614/2003, que estabelece diretrizes para a utilização de vias públicas e espaços aéreos para infraestrutura urbana, é considerada ambígua e gera dúvidas sobre sua natureza jurídica.

  • A "retribuição mensal estipulada" imposta pela lei é vista como um tributo inconstitucional, pois não se enquadra nas categorias tributárias permitidas e interfere no equilíbrio econômico-financeiro dos contratos de concessão de serviços públicos.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

Natureza jurídica da retribuição mensal estipulada

Conforme assinalamos, não se trata de taxa essa nova exação instituída pela lei sob exame. Não sendo receita derivada só poderia ter enquadramento na receita originária, na categoria de preço público, pela utilização de bem público, sob o regime jurídico da permissão de uso, que pode recair sobre qualquer bem municipal, conforme § 4º do art. 114. da LOMSP.

Só que preço público pressupõe autonomia de vontade, que não existe na relação entre concessionárias e Prefeitura. As concessionárias não têm liberdade de escolha do local das obras. Devem implantar os equipamentos e executar as obras em locais determinados pelo poder concedente, normalmente, ao longo das vias públicas, por razões óbvias.

Outrossim, em se tratando de bens de uso comum do povo, como as vias públicas (art. 99, I do CC) não será passível de permissão de uso que, por definição, consiste em atribuir ao particular o uso privativo de um bem público 1.

Dispõe, também, o art. 103. do CC que "o uso comum dos bens públicos pode ser gratuito ou retribuído, conforme for estabelecido legalmente pela entidade a cuja administração pertencerem".

O texto é claro em não permitir o uso privativo de um bem de uso comum do povo, ainda que, mediante remuneração. O que se permite é a cobrança de preço público ou tarifa pelo uso comum de um determinado bem público ( balneário público, parque público etc.).

As vias públicas, com o espaço aéreo e subsolo respectivos, não são passíveis de uso privativo pelo particular, o que afasta a outorga de permissão de uso a título oneroso, com vistas à receita pública originária. Aliás, bens de uso comum do povo não se prestam à exploração econômica como os bens de natureza dominical. Poder-se-ia argumentar que o espaço aéreo e o subsolo não são passíveis de utilização comum pelo povo, como os são as superfícies de vias públicas. Afinal, povo não se confunde com pica-pau, nem com tatu! Logo, o espaço aéreo e o subsolo correspondentes às vias públicas teriam natureza de bem público dominical, passíveis de exploração. Ressalva-se a hipótese, por exemplo, de obra executada no subsolo, quando passa a ter natureza de bem público de uso especial, como acontece no caso de uma galeria de arte subterrânea.

E mais, prescreve o art. 1229. do CC que "a propriedade do solo abrange a do espaço aéreo e o subsolo correspondentes, em altura e profundidade úteis ao seu exercício".

A utilidade a que se refere o texto normativo retro transcrito, em se tratando de bem público, depende da categoria a que pertence esse bem. Se é bem de natureza dominical, pressupõe a utilidade do subsolo e do espaço aéreo em profundidade e altura adequadas a suportar construção de um prédio, dentro das possibilidades previstas na legislação própria. Porém, em se tratando de bens de uso comum do povo, como as vias públicas, não é razoável entender que devam ser incorporados ao direito de superfície o espaço aéreo e o subsolo nas mesmas extensões de um bem público de natureza dominical. De fato, nunca se viu o povo voando sobre o leito das vias públicas, nem caminhando debaixo dele, por força própria com fazem as aves e os tatus.

Quer nos parecer, portanto, que o Município não tem o poder de condicionar a instalação de equipamentos, nos espaços aéreos adjacentes ao leito das vias públicas, à prévia obtenção de permissão de uso, a título oneroso, pelas concessionárias de serviços públicos, sob pena de sanções pecuniárias e apreensão, destruição ou remoção de equipamentos como retro verificados. O mesmo acontece em relação às obras que essas concessionárias executam no subsolo. Afinal, essas obras e equipamentos aéreos fazem parte integrante da infra-estrutura da cidade. São essenciais em termos de qualidade de vida.

Outrossim, a cobrança dessa "retribuição mensal", fixada unilateralmente pela Prefeitura e periodicamente atualizada, iria onerar os custos dos serviços prestados pelas concessionárias, acarretando o desequilíbrio econômico-financeiro dos contratos de concessão, firmados com a União e o Estado membro. Ela iria interferir na concessão de serviços público federal ou estadual.

A autonomia municipal, assegurada no art. 18. da CF, não pode ir ao ponto de conflitar com o princípio do federalismo cooperativo, nem implicar embaraço à livre execução dos serviços públicos dos demais entes políticos. A Carta Política outorgou, por exemplo, aos Estados a exploração direta ou por concessão, dos serviços locais de gás canalizado (art. 25, § 2º). Não pode, nesse caso, o Município condicionar a colocação de tubos de gás à outorga de permissão de uso mediante retribuição pecuniária mensal, fixada unilateralmente pelo pode público municipal, causando um impacto não previsto no contrato de concessão. Muito menos, pode fazer esse condicionamento em relação às obras da SABESP, que fornece água potável à população, reputada essencial à vida na metrópole.

O que o Município poderia instituir, validamente, é a taxa de fiscalização de obras e serviços executados pelas concessionárias, exigindo reposição, ao seu estado original, da via pública, da obra de arte, da sinalização viária e do mobiliário eventualmente danificados. Essa taxa de polícia teria fundamento na primeira parte do inciso II, do art. 145. 2 da CF, por competir ao Município a fiscalização do uso das vias públicas municipais, inclusive dos respectivos subsolo e espaço aéreo.

Concluindo, a "retribuição mensal estipulada", instituída pela lei sob análise tem natureza nitidamente tributária, porém, não se subsumindo a quaisquer das espécies tributárias de competência impositiva municipal. Trata-se, por exclusão, de um imposto novo, isto é, não previsto na Constituição Federal, e como tal, "n" vezes inconstitucional, por desrespeitar em bloco todos os princípios tributários esculpidos na Carta Política a começar pelo princípio discriminador de impostos.

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Notas

1 Conforme nosso Dicionáruio de direito público. São Paulo : Atlas, 1999, p. 160.

2 Art. 145. - A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir os seguintes tributos: .....................................

II - taxas, em razão do exercício do poder de polícia ou pela utilização, efetiva ou potencial, de serviços públicos específicos e divisíveis, prestados ao contribuinte ou postos a sua disposição.

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Sobre o autor
Kiyoshi Harada

Jurista, com 26 obras publicadas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 20 (Ruy Barbosa Nogueira) da Academia Paulista de Letras Jurídicas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 7 (Bernardo Ribeiro de Moraes) da Academia Brasileira de Direito Tributário. Acadêmico, Titular da cadeira nº 59 (Antonio de Sampaio Dória) da Academia Paulista de Direito. Sócio fundador do escritório Harada Advogados Associados. Ex-Procurador Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

HARADA, Kiyoshi. Utilização do subsolo e do espaço aéreo municipal.: Inconstitucionalidade da cobrança de "retribuição mensal". Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 8, n. 101, 11 out. 2003. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/4396. Acesso em: 22 dez. 2024.

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