STF e o julgamento da Lei da TV por assinatura

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26/10/2015 às 12:55
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Este julgamento do STF sobre a Lei da TV por assinatura repercute nas empresas de TV por assinatura, TV por radiodifusão, produtoras de programação televisiva e os consumidores.

1. Apresentação do Caso

Na pauta de julgamento do STF estão as Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs), de Relatoria do Exmo. Min. Luiz Fux, propostas contra a Lei n. 12.485/2011 – Lei da TV por assinatura. Esta Lei trata dos serviços de comunicação social de acesso condicionado (SEAC).[1]  

Este julgamento do STF sobre a Lei da TV por assinatura repercute nas empresas de TV por assinatura, TV por radiodifusão, produtoras de programação televisiva e os consumidores.  De fato, o serviço de TV por assinatura é importante fonte para o acesso dos consumidores e cidadãos à informação, à cultura, à educação e ao entretenimento. Daí a importância da análise dos temas sobre a constitucionalidade ou inconstitucionalidade da referida lei.

Previamente, importante destacar que a Lei da TV por assinatura aprova novo regime jurídico[2], com a regulação em camadas econômicas distintas. O modelo legal contém a definição de regras diferentes para as atividades de produção, programação, empacotamento e distribuição de canais de televisão por assinatura.[3] Adota um regime privado de  outorga do serviço de TV por assinatura, mediante autorização administrativa, expedida pela Anatel. Trata-se de um regime jurídico totalmente distinto do modelo legal dos serviços de TV por radiodifusão do setor privado, aqueles gratuitos e destinados ao público em geral.[4]

O serviço de TV por assinatura é qualificado pelo legislador como espécie de serviço de telecomunicações de interesse coletivo, sob o regime privado[5].  Por sua vez, o serviço de TV por radiodifusão é objeto do regime de concessão especial, em lei específica.[6]

Os serviços de TV por assinatura são prestados por empresas privadas, que utilizam uma infraestrutura de redes de telecomunicações (por cabo/fibra ótica ou por satélite), estas distribuídas nas cidades em seus diferentes bairros, para transmitir a programação televisiva aos domicílios dos consumidores dos respectivos serviços.[7]

2. Questões Constitucionais

Com brevidade, a seguir são apresentadas as principais questões constitucionais em destaque no julgamento do STF sobre a Lei da TV por assinatura.

2.1. Restrições legislativas à propriedade cruzada e à propriedade vertical das empresas de telecomunicações e empresas concessionárias e permissionárias de radiodifusão sonora e de sons e imagens

Discute-se a inconstitucionalidade da regra da Lei da TV por assinatura que estabelece restrições à participação e controle societário por empresas de telecomunicações de interesse coletivo nas empresas de radiodifusão; e, reciprocamente, proíbe o controle societário por empresas de radiodifusão em relação às empresas de telecomunicações.[8] Sustenta-se que a regra da Lei n. 12.485/2011 é ofensiva aos princípios constitucionais da livre iniciativa e da livre concorrência e o da proporcionalidade. A norma setorial contém limites à propriedade cruzada e à propriedade vertical entre as empresas de telecomunicações e de radiodifusão, para estabelecer o controle prévio das estruturas deste dois mercados.  Daí a análise pelo STF a respeito da constitucionalidade desta regra  legal sobre a propriedade cruzada e à propriedade vertical, das empresas nos setores de telecomunicações e radiodifusão, bem como se os eventuais limites constitucionais à atuação do legislador foram obedecidos.

2.2. Distribuição obrigatória dos Canais de TV comercial por radiodifusão (TV aberta)

Apresenta-se o argumento da inconstitucionalidade da regra  que trata da distribuição obrigatória, pelas prestadoras do serviço de Lei da TV por assinatura, dos canais de televisão por radiodifusão (regras must-carry).[9] Sustenta-se que esta regra viola o direito fundamental de propriedade e livre iniciativa de titularidade das empresas de televisão por radiodifusão. Se procedente este argumento, como conseqüência prática, as empresas de TV por assinatura ficam desobrigadas de carregar na programação os canais obrigatórios, entre os quais: os canais das estações de TV por radiodifusão comercial (TV aberta). 

2.3. Cotas de conteúdo brasileiro na programação da TV por assinatura

Outro fundamento da ADI é a inconstitucionalidade da norma legal que determina as cotas de conteúdo brasileiro na programação dos serviços de TV por assinatura.[10] Argumenta-se que esta regra é ofensiva aos princípios constitucionais da livre iniciativa, livre concorrência, ao direito do consumidor e  direito de propriedade intelectual.

Por outro lado, a defesa do regime de cotas de conteúdo brasileiro na programação de TV paga (no mínimo, de três horas e trinta minutos semanais, dos conteúdos veiculados no horário nobre), tem como fundamentos o direito constitucional de acesso à cultura brasileira, como também do princípio constitucional da produção e programação da televisão, da promoção da cultura nacional e estímulo à produção independente.[11] Além desta perspectiva, a questão é saber se o regime de cotas de conteúdo brasileiro na programação da TV paga traz benefícios aos consumidores, criando-se mais opções de canais de televisão com conteúdos nacionais, ou traz inconveniências com o aumento dos custos das empresas; e, sucessivamente, o repasse para os preços das assinaturas dos serviços.[12]  

2.4. Regras transição do regime de outorgas por concessão para o regime de autorização administrativa

Questiona-se as regras de transição do regime antigo, referente aos atos de concessão e respectivos contratos das atuais prestadoras de TV a cabo[13], para o regime novo de outorga por autorização administrativa dos serviços de comunicação audiovisual de acesso condicionado.[14]  Argumenta-se que estas regras de transição violam o equilíbrio econômico-financeiro dos contratos administrativos[15], bem como o princípio da segurança jurídica.[16]  De fato, a transição do modelo antigo de concessão de serviço público para o novo regime privado de autorização administrativa  demanda a interpretação do art. 21, XI, da Constituição, que trata da competência legislativa da União para disciplinar os serviços de telecomunicações, bem como o art. 175, da CF. Também, a opção legislativa do regime privado por autorização administrativa, para regular o serviço de TV por assinatura, exige considerações sobre a incidência ou não do princípio licitatório nas outorgas do serviço de TV por assinatura (serviço de acesso condicionado).[17] Ao que parece, a qualificação do serviço de comunicação audiovisual de acesso condicionado, como serviço de telecomunicações de interesse coletivo, com a incidência do regime privado, torna desnecessária a exigência de licitação para a outorga do direito à prestação do serviço de acesso condicionado.

Outra questão é a regra de adaptação obrigatória das empresas prestadoras dos serviços de TV por assinatura aos termos da Lei n. 12.485/2011. Segundo a lei,  no art. 37, §7º, as renovações e transferências de outorgas, de controle, renovações de autorização do direito de uso de radiofrequências, alterações na composição societária da prestadora ou demais alterações de instrumentos contratuais referentes aos serviços  de TV a cabo, Serviços de Distribuição de Canais Multiponto Multicanal – MMDS e do Serviço de Distribuição de Sinais de Televisão e de Áudio por assinatura via Satélite (DTH) e do Serviço Especial de Televisão por assinatura (TVA), devem ser adaptadas às regras do novo regime do Serviço de Acesso Condicionado (SEAC). Argumenta-se que esta regra de mudança do regime jurídico de prestação do serviço de TV por assinatura tem impacto no regime de outorga, , bem como nos contratos firmados entre as empresas e o poder concedente. Haveria ofensa às garantias constitucionais da segurança jurídica, do ato jurídico perfeito e a proteção à confiança legítima. Ademais, argumenta-se que o dispositivo legal impede modificações societárias nas empresas prestadoras dos serviços de TV por assinatura.  De fato, a regulação federal sobre a matéria, na forma da Lei em análise,  tem impacto restritivo sobre os contratos privados das empresas de TV por assinatura. O STF verificará a constitucionalidade ou não desta regra da Lei n. 12.485/2011, com o apontamento de sua compatibilidade ou não com o texto constitucional. 

Também,  apresenta-se a impugnação  à regra de vedação à  renovação da outorga para a prestação do serviço de TVA e MMDS, por radiofrequência, após o prazo de encerramento das licenças em vigor.[18] A inconstitucionalidade da regra legal decorreria da violação à proteção à confiança legítima, segurança jurídica e cláusula do equilíbrio econômico-financeiro dos contratos administrativos.

Ainda quanto à impugnação das regras de transição, discute-se a inconstitucionalidade da regra que afasta a compensação financeira às prestadoras dos serviços de TV a cabo, dos serviços de distribuição de canais multiponto multicanal (MMDS) e do serviço de televisão por satélite (DTH), na hipótese de adaptação das outorgas de serviços à nova lei.[19] Portanto, está em debate no STF, saber se esta regra legal viola o princípio da proteção à confiança (segurança jurídica) e a garantia do equilíbrio econômico-financeiro dos contratos administrativos. Neste ponto, cumpre esclarecer que, embora não se desconheça a jurisprudência do STF no sentido da inexistência do direito adquirido diante da mudança de regime jurídico da prestação de serviços, algumas ressalvas devem ser efetuadas em relação ao art. 37, §5º, da Lei n. 12.485/2011. Ao que parece, esta proibição legal de compensação financeira merece uma interpretação adequada ao texto constitucional, sob pena de arbítrio legislativo contra os agentes econômicos.

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2.5. Competência da Ancine para regular e fiscalizar serviços de empacotamento e programação dos canais de televisão

Outra questão apresentada refere-se à competência da Ancine para regular e fiscalizar os serviços de empacotamento e programação.[20] A alegação é no sentido da ofensa ao direito à liberdade de expressão  e de comunicação social em relação às empresas que atuam nestes segmentos econômicos.[21]

2.6. Restrições à Publicidade em Canais Comunitários

Aponta-se, ainda, a inconstitucionalidade da  regra que disciplina a exploração da publicidade por canais comunitários, com a vedação da veiculação remunerada de anúncios e outras práticas que configurem comercialização de seus intervalos, bem como transmissão de publicidade comercial.[22] Sustenta-se que a Lei neste aspecto é ofensiva às garantias constitucionais da liberdade de expressão e de comunicação. Aqui, é importante destacar que o regime de publicidade comercial das empresas de TV por assinatura é diferente do regime de publicidade dos canais comunitários.[23]  A própria natureza do canal de TV comunitária é um fator impeditivo à realização de publicidade comercial, algo inerente aos canais de TVs comerciais.  Sobre esta regra de restrição à publicidade comercial nos canais comunitários, ao que parece, o STF deve se pronunciar sobre a constitucionalidade deste limite legal, se superada a preliminar quanto à legitimidade da entidade que propos a ADI.

3. Pareceres Advocacia Geral da União e do Ministério Público Federal

Os pareceres da Advocacia Geral da União e do Ministério Público Federal entenderam que a Lei n. 12.485/2011 não é ofensiva às normas constitucionais impugnados, razão pela qual se manifestaram no sentido da improcedência das ações declaratórias de inconstitucionalidade.

4. Constitucionalidade da Lei da TV por assinatura ou a sua Inconstitucionalidade Parcial: as possíveis decisões do STF

Em conclusão, estão em debate nas ADIs pautadas para  julgamento no STF, importantes questões sobre a constitucionalidade da  Lei da TV por assinatura: i) restrições legislativas à propriedade cruzada e à propriedade vertical das empresas de telecomunições e empresas concessionárias e permissionárias de radiodifusão sonora e de sons e imagens; ii) distribuição obrigatória dos canais de TV comercial por radiodifusão (TV aberta); iii) cotas de conteúdo brasileiro na programação da TV por assinatura; iv) regras de transição do regime de outorgas por concessão para o modelo de autorização administrativa; v) competência da Ancine para regular e fiscalizar serviços de empacotamento e programação dos canais de televisão; vi) restrições à publicidade em canais de televisão comunitários, dentre outras.

Diante do Marco Regulatório da Comunicação Audiovisual de Acesso Condicionado, em julgamento a ofensa às garantias constitucionais: i)  livre iniciativa e livre concorrência; ii) defesa do consumidor; iii) liberdade de expressão e liberdade de comunicação; iv)  proporcionalidade e segurança jurídica; v)  equilíbrio econômico-financeiro dos contratos administrativos; vi) princípio licitatório; vii) competência legislativa da União para legislar sobre os serviços de telecomunicações; viii) tratamento constitucional dos serviços de radiodifusão sonora e de sons e imagens, entre outros; ix) princípios da produção e programação das emissoras de televisão.

Além da evidente perspectiva jurídica, estas questões constitucionais sobre a Lei n. 12.485/2011 apresentam relevância econômica, pois afetam diretamente o controle das estruturas de redes nos mercados de telecomunicações e de radiodifusão; a produção e a programação de conteúdos audiovisuais, bem como os atos de outorga e os contratos privados dos agentes econômicos que atuam no segmento da comunicação audiovisual de acesso condicionado.

Igualmente, a decisão do STF sobre a constitucionalidade ou não dos referidos dispositivos da Lei da TV por assinatura repercute no segmento das empresas de TV por assinatura: produtores, empacotadores, programadores e distribuidores); e, direta ou indiretamente, no segmento da TV por radiodifusão.

Sobre o autor
Ericson Meister Scorsim

Advogado e Consultor em Direito Público, com foco no Direito das Comunicações (Telecomunicações e Internet). Sócio Fundador do Escritório Meister Scorsim. Mestre em Direito pelo UFPR. Doutor em Direito pela USP.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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