A Emenda Constitucional nº 80 e a interiorização da Defensoria Pública

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Diante do compromisso constitucional de que em oito anos a partir da promulgação da Emenda Constitucional 80, de 2014, deve haver para todas unidades jurisdicionais defensores públicos, qual o modelo de Defensoria Pública almejamos?

1. INTRODUÇÃO

Os direitos de cidadania no Brasil têm trajetória histórica que não se alinha com o desenvolvimento ocorrido nos países em que primeiramente consagrada a idéia de cidadania no sentido mais moderno, assim considerada o status jurídico de igualdade em direitos de que gozam todos os nacionais de um Estado, sem divisão em segmentos sociais (nobreza, clero, plebe), oriundo da Revolução Francesa. Consoante nos fala Dalmo Dallari, no artigo “Estado de Direito e Cidadania”, nos séculos XVII e XVIII, momento de derrocada do absolutismo e ascensão da burguesia, cidadania, nos primórdios da França revolucionária, o termo cidadania foi utilizado para indicar que não haveria mais nobres e que todas as pessoas, em condições de igualdade, poderiam participar plenamente da vida social e influir sobre o governo. “Assim, a cidadania era a síntese da liberdade e da igualdade de todos e implicava o direito de gozar de todos os benefícios proporcionados pela vida social e de se fazer ouvir em relação a todos os assuntos de natureza comum”.[1]

Com efeito, o ordenamento jurídico no Brasil e os direitos dos cidadãos têm raízes na importação e reprodução de modelos jurídicos vigentes na Europa, especialmente em Portugal, sem que para isso a grande maioria do povo que se tornou titular de direitos tenha deles primeiramente se sentido digno e por isso os reivindicado do Estado brasileiro e participado da sua instituição.

Trata-se de movimento bastante diverso do empreendido pelo povo inglês para aquisição gradativa dos direitos individuais (civis), políticos e sociais, descrito pelo sociólogo inglês Thomas Humprey Marshall em Cidadania, classe social e status,[2] publicada em meados do século XX. Consoante acertado estudo de José Agripino de Castro sobre a obra de Marshall, no Brasil, a evolução histórica de nossos direitos de cidadania “(...) foi um processo imposto de cima para baixo, com o Estado paternalista (sic.) concedendo direitos políticos, sem que houvesse uma ativa vontade para reivindicá-los, o que prejudicou demasiadamente a consolidação de nossa consciência da cidadania, o nosso sentimento constitucional, bastante difundido nos países de tradição e colonização anglo-saxônica”.[3]

Em verdade, tal como já assinalei em “Considerações jus-sociológicas sobre o princípio da cidadania no Brasil”, a cultura da concessão e do gozo de benefícios advindos do Estado brasileiro, em regra geral, são ainda calcadas, principalmente nas pequenas cidades do interior do Brasil, na troca de favores entre o político e o beneficiário, não no reconhecimento de direitos e numa relação jurídica impessoal entre cidadão e Estado, conforme nos aponta Victor Nunes Leal em sua obra-prima “Coronelismo, enxada e voto”[4].

Tal quadro político-jurídico, com origens no modelo patriarcal e escravocrata instaurado no período colonial de nossa nação, convive em forte conflito com o critério meritório que no campo econômico tem foi adotado a partir do início das relações capitalistas emergidas no Brasil em razão da Revolução industrial, consoante nos aponta Jessé Souza em sua excelente obra “Modernidade Seletiva: uma reinterpretação do dilema brasileiro”[5], inspirada pelas luzes de Gilberto Freire. Assim, por exemplo, tendo se tornado competentes para o comércio, os filhos do português com escrava africana ou índia passaram a não mais depender do reconhecimento de sua dignidade e dos favores do seu pai e, em virtude dos recursos econômicos que foram acumulando, começaram a adquirir poder político.

É a partir dessas premissas que buscaremos nesse estudo analisar algumas conseqüências, para o Estado brasileiro, notadamente para a Defensoria Pública brasileira, da instituição da obrigatoriedade de existir defensor público onde haja juiz, conforme determinado pela Emenda Constitucional nº 80, de 2014, norma que alterou profundamente diversos artigos constitucionais, aperfeiçoando dicções e transformando diretrizes, conforme bem abordado por Franklyn Roger em “Reflexos da EC n. 80 de 2014”[6]. Havemos de nos perguntar, portanto, acerca do modelo de Defensoria Pública que deve ser perseguido para concretização do desafio estabelecido pela referida EC.


2. A NATUREZA JURÍDICA DA DEFENSORIA PÚBLICA NO BRASIL – A GESTÃO DO BENEFÍCIO DA ASSISTENCIAL JURÍDICA INTEGRAL E GRATUITA E SUAS DIVERSAS FACES E CONSEQÜÊNCIAS:

Para melhor examinar a alteração que é objeto deste ensaio estabelecida pela Emenda Constitucional nº 80, de 2014 (art. 93, XIII, da Constituição e 98 do ADCT), entendemos ser necessário primeiramente compreendermos o que é a Defensoria Pública, sua natureza jurídica e atividade, segundo nosso ordenamento jurídico.

Conforme disposto no art. 134 da Constituição de 1988, em razão da EC nº 80, de 2014, e no art. 1º da Lei Complementar nº 80, de 1994, a Defensoria Pública brasileira é instituição do sistema de justiça que presta, “como expressão e instrumento do regime democrático, fundamentalmente, a orientação jurídica, a promoção dos direitos humanos e a defesa, em todos os graus, judicial e extrajudicial, dos direitos individuais e coletivos, de forma integral e gratuita, aos necessitados”.

A importância de tal múnus para o alcance progressivo do objetivo constitucional de redução das desigualdades sociais (art. 3º da Carta da República de 1988) é ainda mais evidente ao recordarmos que à Defensoria Pública compete exclusivamente dar concreção ao art. 5º, LXXIV, da Constituição, segundo o qual “o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos”.

A fim de materializar o ideário contido no inciso LXXIV do art. 5º e no art. 134 da Constituição brasileira, foram estabelecidas na Lei Complementar nº 80, de 1994, especialmente com a redação dada pela LC 132, de 2009, as funções institucionais da Defensoria Pública, das quais destacamos abaixo as que mais ilustram as atividades defensoriais:

Art. 4º São funções institucionais da Defensoria Pública, dentre outras:

I – prestar orientação jurídica e exercer a defesa dos necessitados, em todos os graus;

II – promover, prioritariamente, a solução extrajudicial dos litígios, visando à composição entre as pessoas em conflito de interesses, por meio de mediação, conciliação, arbitragem e demais técnicas de composição e administração de conflitos;

III – promover a difusão e a conscientização dos direitos humanos, da cidadania e do ordenamento jurídico;

III – promover a difusão e a conscientização dos direitos humanos, da cidadania e do ordenamento jurídico; (Redação dada pela Lei Complementar nº 132, de 2009).

(...)

IV – prestar atendimento interdisciplinar, por meio de órgãos ou de servidores de suas Carreiras de apoio para o exercício de suas atribuições;

(...)

VI – representar aos sistemas internacionais de proteção dos direitos humanos, postulando perante seus órgãos; (Redação dada pela Lei Complementar nº 132, de 2009).

VII – promover ação civil pública e todas as espécies de ações capazes de propiciar a adequada tutela dos direitos difusos, coletivos ou individuais homogêneos quando o resultado da demanda puder beneficiar grupo de pessoas hipossuficientes;

(...)

XI – exercer a defesa dos interesses individuais e coletivos da criança e do adolescente, do idoso, da pessoa portadora de necessidades especiais, da mulher vítima de violência doméstica e familiar e de outros grupos sociais vulneráveis que mereçam proteção especial do Estado; (Redação dada pela Lei Complementar nº 132, de 2009).

(...)

XV – patrocinar ação penal privada e a subsidiária da pública; (Incluído pela Lei Complementar nº 132, de 2009).

XVI – exercer a curadoria especial nos casos previstos em lei; (Incluído pela Lei Complementar nº 132, de 2009).

XVII – atuar nos estabelecimentos policiais, penitenciários e de internação de adolescentes, visando a assegurar às pessoas, sob quaisquer circunstâncias, o exercício pleno de seus direitos e garantias fundamentais; (Incluído pela Lei Complementar nº 132, de 2009).

XVIII – atuar na preservação e reparação dos direitos de pessoas vítimas de tortura, abusos sexuais, discriminação ou qualquer outra forma de opressão ou violência, propiciando o acompanhamento e o atendimento interdisciplinar das vítimas

(...)

XX – participar, quando tiver assento, dos conselhos federais, estaduais e municipais afetos às funções institucionais da Defensoria Pública, respeitadas as atribuições de seus ramos; (Incluído pela Lei Complementar nº 132, de 2009).

(...).

Assim, nossa ordem jurídica determinou que, em termos práticos, a Defensoria Pública seja, em nosso país, a guardiã jurídica dos segmentos economicamente hipossuficientes e vulneráveis de nossa sociedade, e sua atividade, dado o caráter integral e social, consista em defender, junto ao Executivo, Legislativo, Judiciário, Tribunais de Contas, Ministério Público, autarquias e empresas públicas, fundações e empresas privadas, bem como organismos internacionais, os direitos e interesses da cidadania e demais grupos tutelados, não apenas de modo subjetivo e concreto, mas também na discussão de políticas públicas e dos regramentos privados (quer para efetivação, quer para ampliação de seu alcance, adequando-os aos ditames constitucionais e legais), sem vinculação a um caso individual, como ocorre em comitês, conselhos e comissões interinstitucionais, bem assim câmaras de conciliação.

Nessa linha, a atividade defensorial diferencia-se, constitucionalmente, da advocacia, sobretudo por consistir na possibilidade de tratamento abstrato e coletivo das demandas individuais, pelo caráter público e, portanto, impessoal da prestação do serviço (estampado, por exemplo, no princípio do Defensor natural),[7] bem como pelo regime estatutário da relação do cidadão com a Instituição, que é contratual para com o advogado ou sociedade advocatícia. Este é um dos significados da alteração declaratória estabelecida pela Emenda Constitucional nº 80, de 2014, com a mudança do título da terceira seção e a criação da quarta seção, própria à Defensoria Pública brasileira, no capítulo IV (das funções essenciais à justiça) do título IV ( da Organização dos Poderes) da Constituição de 1988. Assim, foi mantido o patamar de igualdade das funções do Ministério Público, da Advocacia e da Defensoria Pública, porém cada uma com claro regramento próprio.

Em razão disso, na linha do que leciona Karl Larenz, o Constituinte brasileiro, por meio das Emendas Constitucionais nº 45, de 2004, e 80, de 2013, reconheceu as Defensorias Públicas Estaduais e a Defensorias Públicas da União e do Distrito Federal, reconheceu a condição de órgão independente não subordinado ao Executivo das respectivas esferas de governo, por ser o acesso pelo cidadão a órgãos de tal natureza um dos pilares básicos do Estado de Direito, uma vez que garante efetivamente que haja tutela de direitos por parte das entidades do Estado, seus concessionários e delegatários:

Um dos princípios fundamentais da construção do Estado de Direito é a concessão de uma ampla tutela jurídica. Com isso, não se quer indicar apenas a concessão de proteção aos cidadãos em suas relações entre si, que é algo que desde há séculos fazem os Estados, os senhores feudais, ou os municípios, mas, antes de tudo, a tutela jurídica dos cidadãos e das corporações diante dos atos de soberania estatal. Se no Estado de Direito todos os órgãos do Estado estão vinculados à lei e ao Direito, tem de existir uma última instância que decida com caráter definitivo sobre o que nesse Estado é Direito e o que não é. Se houvessem que decidi-lo as mesmas instâncias estatais que realizaram os atos de soberania, seriam juízes de seus próprios assuntos, o que manifestamente traria consigo o perigo de sua predisposição a favor de sua própria decisão e deixaria sem defesa o cidadão. Por isso, para que o Estado de Direito não “vire papel” e se verifique na prática cotidiana, é necessário o controle de todos os atos do Estado, que constituam ônus para os cidadãos, por tribunais que sejam independentes da instância cujo ato se deva revisar, que não possam receber nenhum tipo de instruções sobre o juízo que devem emitir e que decidam somente conforme a lei e ao Direito.[8]

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Nessa esteira, por diversas vezes já proclamou o Supremo Tribunal Federal a condição de órgão independente de cada ramo da Defensoria Pública em relação a respectiva esfera estatal. Nesse sentido:

Arguição de descumprimento de preceito fundamental. Medida cautelar. Referendo. Ato do Poder Executivo do Estado da Paraíba. Redução, no Projeto de Lei Orçamentária de 2014 encaminhado pelo Governador do Estado da Paraíba à Assembleia Legislativa, da proposta orçamentária da Defensoria Pública do Estado. Cabimento da ADPF. Mérito. Violação de preceito fundamental contido no art. 134, § 2º, da Constituição Federal. Autonomia administrativa e financeira das Defensorias Públicas estaduais. Medida cautelar confirmada.

1. A Associação Nacional dos Defensores Públicos, segundo a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, não detém legitimidade ativa para mandado de segurança quando a associação e seus substituídos não são os titulares do direito que pretende proteger. Precedente: MS nº 21.291/DF-AgR-QO, Relator o Ministro Celso de Mello, Tribunal Pleno, DJ de 20/10/95. Resta à associação a via da arguição de descumprimento de preceito fundamental, único meio capaz de sanar a lesividade alegada.

2. A autonomia administrativa e financeira da Defensoria Pública qualifica-se como preceito fundamental, ensejando o cabimento de ADPF, pois constitui garantia densificadora do dever do Estado de prestar assistência jurídica aos necessitados e do próprio direito que a esses corresponde. Trata-se de norma estruturante do sistema de direitos e garantias fundamentais, sendo também pertinente à organização do Estado.

3. A arguição dirige-se contra ato do chefe do Poder Executivo estadual praticado no exercício da atribuição conferida constitucionalmente a esse agente político de reunir as propostas orçamentárias dos órgãos dotados de autonomia para consolidação e de encaminhá-las para a análise do Poder Legislativo. Não se cuida de controle preventivo de constitucionalidade de ato do Poder Legislativo, ma, sim, de controle repressivo de constitucionalidade de ato concreto do chefe do Poder Executivo.

4. São inconstitucionais as medidas que resultem em subordinação da Defensoria Pública ao Poder Executivo, por implicarem violação da autonomia funcional e administrativa da instituição. Precedentes: ADI nº 3965/MG, Tribunal Pleno, Relator a Ministra Cármen Lúcia, DJ de 30/3/12; ADI nº 4056/MA, Tribunal Pleno, Relator o Ministro Ricardo Lewandowski, DJ de 1/8/12; ADI nº 3569/PE, Tribunal Pleno, Relator o Ministro Sepúlveda Pertence, DJ de 11/5/07. Nos termos do art. 134, § 2º, da Constituição Federal, não é dado ao chefe do Poder Executivo estadual, de forma unilateral, reduzir a proposta orçamentária da Defensoria Pública quando essa é compatível com a Lei de Diretrizes Orçamentárias. Caberia ao Governador do Estado incorporar ao PLOA a proposta nos exatos termos definidos pela Defensoria, podendo, contudo, pleitear à Assembleia Legislativa a redução pretendida, visto ser o Poder Legislativo a seara adequada para o debate de possíveis alterações no PLOA. A inserção da Defensoria Pública em capítulo destinado à proposta orçamentária do Poder Executivo, juntamente com as Secretarias de Estado, constitui desrespeito à autonomia administrativa da instituição, além de ingerência indevida no estabelecimento de sua programação administrativa e financeira.

5. Medida cautelar referendada.

(ADPF 307 DF, Relator(a): Min. DIAS TOFFOLI, DJe de 27-03-2014)

No que se refere à ADPF 339/PI, fora ajuizada em face de suposta omissão do governador do Estado do Piauí, consistente na ausência de repasse de duodécimos orçamentários à Defensoria Pública estadual, na forma da proposta originária. O Ministro Luiz Fux (relator) julgou procedente o pedido para, diante de lesão aos artigos 134, § 2º; e 168, ambos da CF, determinar ao governador que proceda ao repasse, sob a forma de duodécimos e até o dia 20 de cada mês, da integralidade dos recursos orçamentários destinados à Defensoria Pública estadual pela LOA para o exercício financeiro de 2015, inclusive quanto às parcelas já vencidas, assim também em relação a eventuais créditos adicionais destinados à instituição. Sublinhou serem asseguradas às Defensorias Públicas a autonomia funcional e administrativa, bem como a prerrogativa de formulação de sua proposta orçamentária, por força da Constituição. O repasse de recursos correspondentes, destinados à Defensoria Pública, ao Judiciário, ao Legislativo e ao Ministério Público, sob a forma de duodécimos, seria imposição constitucional. Ressaltou que o repasse de duodécimos destinados ao poder público, quando retidos pelo governo, constituiria prática indevida de flagrante violação aos preceitos fundamentais da Constituição. Assentou que o princípio da subsidiariedade, ínsito ao cabimento da arguição, estaria atendido diante da inexistência, para a autora, de outro instrumento igualmente eficaz ao atendimento célere da tutela constitucional pretendida. Reconheceu, ainda, a legitimidade ativa da Anadep. Em seguida, pediu vista o Ministro Edson Fachin.

ADI 5286/AP, rel. Min. Luiz Fux, 7 e 8.10.2015. (ADI-5286)

ADI 5287/PB, rel. Min. Luiz Fux, 7 e 8.10.2015. (ADI-5287)

ADPF 339/PI, rel. Min. Luiz Fux, 7 e 8.10.2015. (ADPF-339) (Informativo nº 802 do STF)

Outra importante face do múnus do Defensor se evidencia nos ramos da Defensoria Pública brasileira que adotam, com maior rigor, o modelo da prestação de assistência jurídica por meio de um processo administrativo formalmente constituído, a fim de garantir o registro dos atos destinados ao pleno gozo dos direitos dos necessitados.[9]

A partir de uma ótica interdisciplinar, percebe-se que as funções do Defensor Público e as atividades da Defensoria Pública transcendem a assistência jurídica que se concretiza em petições, ofícios, sustentações orais perante instâncias administrativas e judiciais e alcança outras dimensões dessa assistência ligadas a conceitos como o de gestão pública, administração da justiça e políticas sociais.

Com efeito, é de se ver que, em linhas gerais, a assistência jurídica enquadra-se no conceito de processo de que nos fala, por exemplo, Hammer e Champy, por ser “um grupo de atividades realizadas numa seqüência lógica com o objetivo de produzir um bem ou um serviço que tem valor para um grupo específico de clientes”, na medida em que a atividade defensorial na referida espécie de processo administrativo, quando materializado em autos, constitui verdadeira e constante prestação de contas dos atos praticados na tutela de direitos e interesses do indivíduo assistido.[10]

Tal processo inicialmente se presta ao pleito da assistência jurídica na condição de benefício assistencial (isto é, benefício prestado apenas aos que não podem arcar por um serviço semelhante da iniciativa privada). Nesse sentido, destina-se à comprovação, por parte do cidadão, do seu estado de hipossuficiência econômica e à decisão pela concessão ou não de tal benefício, por parte do defensor público a que for distribuído o caso.

Isto evidencia que o defensor é gestor público, pois, por um lado, preside tal processo à luz das normas defensoriais evidentemente e da Lei nº 9.784 e, por outro lado, detém a competência de decidir quem tem direito ou não a tal benefício assistencial, sem prejuízo da revisão pelo Defensor Geral do respectivo ramo da Defensoria Pública.

Nesse mesmo processo administrativo, o defensor público presta a assistência jurídica integral e gratuita de que trata a Constituição brasileira em seu art. 5º, LXXIV, por meio de variados atos judiciais e extrajudiciais, que obviamente serão praticados em tal ou qual situação e medida conforme entender adequado para a tutela dos direitos e interesses do cidadão assistido.

Vale lembrar ainda que, além da citada gestão de processo, cada defensor público realiza também a gestão de recursos materiais e humanos, devendo observar ao princípio da república e tutelar o interesse público.

Sobre o autor
Paulo Rogério Cirino de Oliveira

Defensor Público Federal desde 2008, com atuação nas unidades da Defensoria Pública da União em Maceió-AL e Brasília-DF, nas quais exerceu as funções de defensor público-chefe, defensor público-chefe substituto e coordenador dos ofícios cíveis; membro titular do Comitê Distrital de Enfrentamento ao Tráfico de Seres Humanos; bacharel em Direito pelo Centro Universitário de Brasília/UniCEUB; especialista em Direito Público pelo Centro Educacional Fortium/Faculdade Projeção; especializando em Direito Administrativo pela Universidade Anhanguera-Uniderp; ex-técnico judiciário do Supremo Tribunal Federal, onde compôs os gabinetes dos Ministros Marco Aurélio, Carlos Velloso e Ricardo Lewandowski; ex-analista processual do Ministério Público da União, com lotação nos gabinetes dos subprocuradores-gerais da República Lindôra Maria Araújo, Wallace de Oliveira Bastos e Rodrigo Janot Monteiro de Barros e na Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão, no mandato da Dra. Ella Wieco Volkmer de Castilho.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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