5. O FIM DA GUERRA
A guerra entre os Estados pode terminar de várias maneiras, sendo, entretanto que a mais comum é a da conclusão de um tratado de paz.
Um outro modo é a debellatio, isto é, quando um dos beligerantes é aniquilado completamente. O beligerante não tem mais meios de resistência. É a ocupação total do território o vencido, sem que haja mais luta que possa ser considerada guerra.
A conclusão de um tratado de paz é o modo normal de terminação da guerra. Ele é geralmente antecedido de armistício que algumas vezes é seguido de uma ajuste de preliminares de paz ou é fixado ao mesmo tempo em que ele.
O Tratado de Paz segue as normas gerais do processo de conclusão dos tratados. Entretanto, é de assinalar que é da sua própria natureza que o tratado de paz é válido apesar da coação que normalmente existe sobre o vencido. A doutrina tem, contudo, condenado os denominados tratados leoninos.
As tendências atuais em matéria de reparação, segundo Tran Van Minh, são as seguintes:
a) o montante das reparações é em função do grau de responsabilidade. Assim a 1ª Guerra Mundial a Bélgica recebeu reparação integral, porque a violação da Alemanha em relação a ela foi a mais grave;
b) as despesas com a guerra não são indenizadas, só o sendo as perdas em virtude de operações militares;
c) responsável.
Os tratados de paz costumam prever a garantia de sua execução, que é normalmente a ocupação militar do território vencido.
Pode-se repetir, com Georges Soutou, que a Guerra mundial já criara um novo tipo de paz, em que pela primeira vez o vencido não participa da negociação de paz.
O fim da guerra não estabelece assim automaticamente o status quo bellum, por exemplo, não há obrigação de entrega do território ocupado, etc., que deverá ser convencionada no tratado de paz.
O jus polliminii no direito romano era o direito de retomar retroativamente todos os seus direitos, reconhecido na época clássica, em proveito do cativo que retornou efetivamente sobre o território romano, com intenção de nunca mais retornar ao inimigo. Este instituto foi utilizado por alguns internacionalistas para explicar que os bens, indivíduos e território que estiverem em mãos do inimigo ao retornarem ao seu Estado voltam a ter a mesma situação que possuíam antes de cair em mãos do inimigo.
Durante a 1ª Guerra Mundial, decreto de 13/05/1917, o governo brasileiro apreendeu os navios de nacionalidade alemã que estavam em portos brasileiros. O Brasil os apreendeu e não os confiscou. Mesmo após a declaração de guerra mantivemos o regime destes navios como apreendidos. Após a guerra, Epitácio Pessoa defendeu que estes navios serviriam para indenizar as reparações que a Alemanha deveria nos pagar. Contudo, as grandes potências defenderam que os navios que não haviam sido confiscados e nem submetidos a Tribunais de Presas tinham que ser divididos entre os Estados que tiveram perdas marítimas. O Brasil adjudicou os navios mediante indenização razoável, bem como por um acerto de contas, tendo em vista que a Alemanha reivindicavam indenização por termos usado os navios.
Em 1942, criou-se a Comissão de Reparações de Guerra que funcionou a te 1960 e era presidida pelo Ministro do Exterior. Ainda em 1942 foi criado o Fundo de Indenização, no âmbito do Banco do Brasil, com a finalidade de administrar e posteriormente liquidar os bens confiscados aos países inimigos.
Após a 2ª Guerra Mundial o Brasil devolveu sete navios italianos e guardou os alemães.
Os latino-americanos, conforme resolvera a Conferência de Potsdam, da qual eles não participaram, deveriam obter as reparações dos danos que sofreram com os bens do Eixo que se encontravam em seu território. Assim sendo, o Brasil ao participou da Conferência de Reparações, realizada em Paris em 1945.
6. A GUERRA E O CONFLITO NO DIREITO INTERNACIONAL
O consultor jurídico do Ministério das Relações Exteriores Antônio Paulo Cachapuz de Medeiros fala sobre o conflito entre os Estados Unidos e o Iraque visto pelo ângulo do Direito Internacional.
Lamentavelmente, acontecimentos recentes, notadamente o acirramento dos ânimos no Oriente Médio, a prática de abomináveis atos de terrorismo internacional e a ocorrência de violentas intervenções militares tem lançado um véu cinzento sobre o Direito Internacional. Na visão do ordenamento jurídico internacional contemporâneo, só se justifica a guerra defensiva. Em outras palavras, a carta da ONU, ao proibir a ameaça ou o uso da força nas relações internacionais, tornou a guerra de agressão proscrita, mas considerou lícitas as contramedidas representadas pela legitima defesa individual ou coletiva dos Estados e pelas decisões do Conselho de Segurança que compreendam o emprego da força ramada.
Como a opinião pública sabe perfeitamente, a invasão do Iraque por tropas de uma coalizão sob o comando dos Estados Unidos da América do Norte não foi precedida de autorização expressa do Conselho de Segurança das nações Unidas.
O terrorismo é um dos piores flagelos que atingem a humanidade. Contudo, deve ser combatido dentro do marco da legalidade. A melhor maneira de combater o terrorismo internacional é através do reforço da cooperação entre os Estados. A própria ONU, assim como vários organismos regionais têm patrocinado a celebração de uma série de convenções internacionais para o combate ao terrorismo. Os Estados Unidos foram vítimas de um dos piores atentados terroristas de que se tem notícia. Partiram demonstrações de solidariedade aos norte-americanos de todos os quadrantes da Terra quando caíram as Torres Gêmeas em Nova Iorque. A brutalidade desse atentado não justifica, porém, a adoção de um sistema de detenções arbitrárias e de encarceramento e incomunicabilidade de pessoas, sem o direito de defesa. Esse gesto representou a infração a princípios muito caros aos norte-americanos, tanto que as primeiras críticas partiram de organizações de direitos humanos dos próprios Estados Unidos.
Outrossim, o pretexto de combater o terrorismo também não justifica prática de uma guerra preventiva. Nos termos da Carta da ONU, o emprego da legítima defesa por um Estado, que seria aquilo que se está denominando de guerra preventiva, só é aceitável em caso de esse Estado ser vítima de ataque armado, ou tentativa de ataque, vindo do Estado contra o qual lança mão dessa medida, e ainda assim, em caráter provisório, até que o Conselho De Segurança da ONU tome as providências necessárias. O direito do Estado à legítima defesa precisa ser condicionado à existência dum ataque prévio, real e efetivo. Caso contrário, poderia servir como explicação falsa para operações deliberadas de guerra. O Iraque não praticou um ataque dessa natureza contra os Estados Unidos da América do Norte.
Há uma situação curiosa no que toca às conseqüências desse conflito e à jurisdição do Tribunal Penal Internacional, instalado em Haia no início do corrente ano. O TPI tem competência para julgar o crime de genocídio, os crimes contra a humanidade, os crimes de guerra e o crime de agressão. Como é sábio, os Estados Unidos não ratificaram o Estado do TPI e lhe fazem forte oposição. O Iraque também não ratificou o Estatuto. A Grã-Bretanha, entretanto, sempre apoiou a criação do TPI e já o ratificou. Assim, os britânicos, bem como os militares de outros países de coalizão que já retificaram o Estatuto, acusados de crimes de guerra, poderiam estar sujeitos à jurisdição do TPI, caso a Justiça de seu respectivo país não proceda ao julgamento dos mesmos.
Não se justifica nenhum ataque que represente ameaça contra Estado que represente ameaça à paz e à segurança internacional sem a autorização expressa do Conselho de Segurança das Nações Unidas. Guerra sem essa autorização expressa ou é resultado do uso do direito à legítima defesa, o que não é o caso, já que não ficou provado que estivesse em curso qualquer ataque do Iraque aos Estados Unidos, ou é autêntica guerra de agressão, a clássica guerra de conquista, prescrita pelo Direito Internacional. O melhor caminho, indiscutivelmente, seria aguardar que os inspetores de armas a serviço das Nações Unidas concluíssem o trabalho que estavam desenvolvendo. Caso o Iraque não colaborasse, poderia ter sido punido pela ONU com outras medidas coercitivas, previstas pelo Direito Internacional, antes do recurso à força armada. A guerra só é tolerável como ultima ratio, isto é, depois de esgotados todos os recursos para alcançar-se pacificamente, ou até por meios coercitivos, determinado objetivo.
É preciso que a ONU seja valorizada e prestigiada. Hoje ela representa um grande foro onde todos os problemas internacionais graves são discutidos. É um canal permanente de comunicação entre os Estados, por mais tensas que estejam as relações entre eles. A ONU não é impotente. Seu poder de sensibilizar e formar a opinião pública internacional é notório. Ocorre que, dada a imperfeição do sistema – que confere poder de veto aos membros permanentes do Conselho de Segurança – às vezes as decisões da Organização não produzem efeito instantâneo, gerando natural frustração nas expectativas a seu respeito.
A ONU deu-se conta de que, desde 1998, os inspetores do programa que visava desarmar o Iraque (UNMOVIC) haviam sido obrigados a retirar-se. Este programa resultara da Guerra do Golfo (1990-1991), obrigando o Iraque a não mais ameaçar a paz e a segurança internacionais mediante o desenvolvimento de armas de destruição em massa, químicas, biológicas... (Resoluções do Conselho de Segurança n°s 660, de 1990, 678 e 687, de 1991).
Foi, no entanto, a interpretação equivocada dos parágrafos 1º e 13º da supracitada Resolução que, finalmente, resultou na decisão do governo norte-americano de dar início à guerra contra o Iraque.
Ao longo de uma discussão da Sociedade Americana do Direito Internacional, em novembro de 2002, a opinião geral era a de que as conseqüências sérias poderiam incluir o uso da força militar.
Os inspetores voltaram no final de novembro e redigiram vários relatórios que, no entanto, não satisfizeram aos norte-americanos nem aos ingleses.
Espanha, Estados Unidos e Inglaterra concederam uma última oportunidade para que o Iraque cumprisse suas obrigações até 17 de março de 2002.
Não tendo o Iraque cumprido esse ultimato, e a ONU mostrando-se mais dividida que unida, os EUA e a Inglaterra deram início à chamada "doutrina Bush de golpe dissuasivo".
Na verdade, pode-se juridicamente defender que, agora, os EUA e seus aliados (a Coalizão) são a parte que comete uma infração material. Não somente o ato de recorrer à força militar parece ilegítimo, mas também porque, no parágrafo 12 da Resolução nº 1.441, o Conselho decidiu agir em conjunto "para assegurar a paz e a segurança internacional".
A Corte Internacional de Justiça, mais de trinta anos atrás, afirmou que os instrumentos internacionais têm que ser interpretados e aplicados no contexto do sistema jurídico internacional em vigor no momento de interpretação.
À luz desse parecer, a ação é claramente ilegítima.
A parcela da comunidade jurídica dos EUA que se opõe à guerra tentou obter uma decisão favorável que procuraria impedir o presidente Bush de dar início à guerra sem aprovação formal do Congresso norte-americano.
Baseado numa autorização anterior do Congresso, de 1990, que indicou inter alia que o Iraque não cumpriu suas obrigações de Direito Internacional, a Corte de Apelação, no dia 13 de março de 2002, recusou o pedido, acrescentando que o Congresso estava por demais envolvido na questão iraquiana e que nunca tinha renunciado à autoridade de declarar a guerra.
A entrada unilateral na guerra, porém, apresenta outra questão mais profunda: a da violação do artigo 2º, parágrafo 7º, da Carta, que proíbe intervenção nos assuntos que estejam essencialmente sob a jurisdição doméstica de qualquer país que seja.
Conseqüentemente, se o Conselho tivesse adotado uma resolução autorizando a força militar, a ilegitimidade da ação seria ainda mais duvidosa.
7. CONSELHO DE SEGURANÇA DA ONU
O Conselho de Segurança é composto por 15 membros, dos quais cinco são permanentes – China, Estados Unidos, Rússia, França e Reino Unido – e os outros 10 eleitos através de Assembléia-Geral por um período de dois anos.
Os países seguintes começaram um novo mandato em 1º de janeiro de 2003:
- Alemanha
- Angola
- Chile
- Espanha
- Paquistão
Estes 5 membros não-permanentes do Conselho de Segurança sucederão a Colômbia, Ilhas Maurício, Noruega e Cingapura, cujos mandatos se encerraram em 31 de dezembro de 2002.
Os cinco membros permanentes do Conselho já exerceram em uma ocasião ou outra este poder de veto. Se um membro permanente não apóia uma decisão, mas não deseja bloquear os debates usando seu direito de veto, pode abster-se.
Entretanto, aos 17 dias do mês de março, Bush Jr., presidente dos EUA, deu um ultimato ao Iraque: caso em 48 horas Saddam Hussein e seus filhos não optassem pelo exílio, os EUA atacariam "num momento de sua escolha". Essa "escolha" seria a dos EUA, não da ONU. E foi o que aconteceu.
Se, contudo, endossássemos a interpretação mais favorável aos EUA, o ultimato teria sido apenas um jogo de cena. Neste caso, a guerra fundamentar-se-ia nas resoluções da ONU.
Juridicamente, é possível defender a opinião de que não se pode fundamentar uma guerra num "parágrafo tão elástico". Se, porém, endossássemos mais uma vez a versão mais favorável aos EUA, isso seria possível – embora essa tese pudesse ensejar opiniões conflitantes. Mas neste caso surgiria um novo problema: As "graves conseqüências" (isto é, o ataque, no sentido dos EUA) pressuporiam que num primeiro momento se configurasse, para dizê-lo em termos jurídicos, o "suporte fático" da Resolução nº 1.441, quer dizer, que o Iraque não tivesse cooperado por ocasião das inspeções na medida pressuposta pela Resolução da ONU.
O único procedimento admitido para Resolução nº 1.441 teria sido o seguinte: os inspetores continuariam o seu trabalho enquanto não fossem convocados de volta pelo Conselho de Segurança. Este, depois, deliberaria sobre o seu relatório conclusivo.
Ocorre que essa situação nem pôde configurar-se. Contrariando os depoimentos dos inspetores e a opinião de 11 dos 15 membros do Conselho de Segurança (posição de 18 de março, de acordo com as agências de notícias), o ultimato dos EUA interrompeu unilateralmente, depois de malograda a tentativa da superpotência de fazer passar uma nova resolução, o processo de controle e destruição das armas iraquianas.
Os EUA impediram, por conseguinte, que a Resolução nº 1.441, na qual eles agora querem apoiar-se novamente, fosse integralmente implementada. Genericamente, o suporte fatio da referida Resolução nem está definido de modo juridicamente válido; por isso, a conseqüência jurídica, a guerra, também não poderia ser justificada a partir dela.
No que tange à Alemanha, o art. 26 da Lei Fundamental lhe proíbe levar a cabo ou fomentar "guerras de agressão". E nos termos do art. 87a, ela também não pode mobilizar neste caso o exército alemão contra o Iraque.
A despeito dessa inequívoca posição jurídica internacional, os EUA e a Grã-Bretanha começaram, em 20 de março, sua guerra de agressão. Agora, a mídia freqüentemente lida com isto como se fosse uma cobertura esportiva, mas não devemos nos esquecer em nenhum momento que assim eles estão cometendo um crime que se agrava dia após dia.
Por outro lado, o Iraque age, até agora, licitamente. Sua autodefesa está explicitamente legitimada pela Carta da ONU. Apenas se o Iraque utilizasse gás venenoso – embora em revide, por ter sido provocado -, isso constituiria um crime, independentemente dos termos do Direito Internacional – assim como o seria o uso de "pequenas armas nucleares" que os EUA já ameaçaram fazer durante os últimos meses.
Para expressar o assunto politicamente, os Estados Unidos e a Grã-Bretanha seriam responsáveis até pelo uso iraquiano de gás venenoso – já que eles cometeram sua guerra de agressão, contrariando as advertências da comunidade internacional e assumindo o inteiro risco de incontroláveis efeitos subseqüentes.
CONCLUSÃO
Nessa pequena odisséia pela guerra podemos pinçar várias conclusões. Que o Direito Internacional e a guerra são questões de grande amplitude e totalmente dirigidas por problemas particulares, isto é muito óbvio. A interrogação fica no sentido de distinguirmos quais interesses estão ligados a quem. Essa teia que forma um emaranhado de conceitos e interesses, muitas vezes escusos e pouco divulgados, fazem das guerras um jogo com duas faces: uma virtual direcionada a todos e outra real mas obscurecida ao entendimento global permeada de interesses.
Nessa narrativa analítica, buscamos demonstrar que, acima de situações que, juridicamente tratadas, poder-se-ia chegar a um estado diferente do que se chegou, transitaram interesses pessoais de indivíduos e dos Estados dirigidos por esses mesmos indivíduos.
Em suma: o Direito Internacional Público não existe como direito, pelo menos é o que deixa transpassar por lhe faltar a previsão de sanções, um poder verdadeiramente sancionador com condições de coercibilidade e que vai esbarrar na soberania dos Estados. Mais: por orientar-se, não por um universo normativo, mas por interesses de pessoas naturais específicas e dos Estados que governam, nem sempre das nações ou dos povos que, proporcionalmente, nem sempre estão a dar seu aval àquele que tem o poder constitucional de fazer a guerra.
Certamente que isso não é Direito. Embora se o possa conceber como um esboço de universo formado por elementos regentes do chamado concerto das nações. Tudo sob a batuta de uns poucos que governam o mundo e tem, sob a sua chancela, o poder, a ganância e um Direito internacional que ainda não consegue estabelecer normas realmente eficazes e limites realmente delimitadores dos direitos irreais que tem alguns governantes.
BIBLIOGRAFIA
DELMAS, Phillipe. O Belo Futuro da Guerra, 1996.
LAVOYER, Jean-Phillipe. O Direito Internacional Humanitárioe o Conflito do Golfo, in BSBDI, janeiro e março de 1992, vols 77/79, págs. 125 e segts.
MELLO, Celso D. De Albuquerque, Curso de Direito Internacional, 11ª Edição Revista e Aumentada, 2º Volume, Editora RENOVAR,
MELLO, Linneu de Albuquerque. Gênese e Evolução da Neutralidade, 1943.
REVISTA JURÍDICA CONSULEX, Ano VII – nº 150 – de 15 de abril de 2003; p.08, 09, 17, 18, 22.
TRINDADE, Antônio Augusto Cançado. A Evolução do Direito Internacional Humanitário e as posições do Brasil, in BSBDI, 1987/1989, nº 69/71, págs. 76 e segts.