A relativização da soberania estatal em proteção à vida

03/11/2015 às 00:18
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O presente artigo trata de apresentar as teorias "Responsibility to Protect" e "Responsibility while Protecting", desenvolvidas para proteção da sociedade civil em face de Estados que, eventualmente, coloquem-na em risco.

INTRODUÇÃO

Uma das diretrizes básicas do Direito Internacional é o respeito à soberania dos Estados. Defende-se que cada nação tem a liberdade de definir suas próprias normas e ações. Por isso, a interferência nos atos internos de outro país não é aceitável, pela doutrina clássica.

É comum provocar estarrecimento o desrespeito aos Direitos Humanos por Estados contra a sua população. Não seria possível interferir nessa situação de lesão, pelo entendimento comum do Direito Internacional, pois a soberania é entendida como um princípio básico das Relações Internacionais.

Após a ocorrência de genocídios em Ruanda e Srebrenica, no final do século XX, começou-se a discutir formas de ajudar indivíduos em situação de risco à vida, relativizando-se, assim, a soberania.

Nesse contexto, desenvolveu-se a teoria Responsibility to protect, traduzida literalmente como “responsabilidade para proteger”, em defesa dos direitos civis e, posteriormente, sobre influência brasileira, a teoria Responsibility while Protecting, que significa "responsabilidade ao proteger".

Tratar-se-á no presente artigo da explicação sobre a evolução desse conceito, e como é utilizado hodiernamente.

1. SOBERANIA

O direito internacional durante séculos está ligado intrinsecamente às relações internacionais e ao desenvolvimento do comércio exterior.

Todo Estado, hodiernamente, detém um direito fundamental diante de outros, que é a Soberania, sendo soberana "a entidade que não conhece superior na ordem externa nem igual na ordem interna", segundo a definição de Jean Bodin (BONAVIDES, 2012, p. 555).

A soberania é fundamental para a ordem internacional, pois impede que outro Estado interfira na ordem interna de outro, e que haja preponderância de um sobre o outro. Ainda, há o princípio da autodeterminação dos povos, defendida na Carta da ONU, no artigo 1º, parágrafo 2º.

Como explica Francisco Rezek:

A soberania não é apenas uma ideia doutrinária fundada na observação da realidade internacional existente desde quando os governos monárquicos da Europa, pelo século XVI, escaparam ao controle centralizante do Papa e do Sacro Império romano-germânico. Ela é hoje uma afirmação do direito internacional positivo, no mais alto nível de seus textos convencionais. A Carta da ONU diz, em seu art. 2º, § 1º, que a organização “é baseada no princípio da igualdade soberana de todos os seus membros”. A Carta da OEA estatui, no art. 3º, f, que “a ordem internacional é constituída essencialmente pelo respeito à personalidade, soberania e independência dos Estados”. De seu lado, toda a jurisprudência internacional, aí compreendida a da Corte de Haia, é carregada de afirmações relativas à soberania dos Estados e à igualdade soberana que rege sua convivência. (REZEK, 2011, p. 260)

Por isso, via de regra, a soberania só seria relativizada se o Estado soberano permitisse, pela sua anuência a tratados internacionais ou a jurisdições de cortes transnacionais. Entretanto, se a nação comete faltas graves, descumprindo direitos humanos, sem que seja signatária de algum acordo que permita a sua punição por algum órgão estrangeiro ou restrinja seus atos, sua soberania impediria qualquer ato sancionatório vindo de entidades de fora desse país.

Em razão dos muitos atos de genocídio ocorridos durante o século XX, o caráter absoluto da soberania foi questionado durante vários momentos, considerando que esse princípio funcionaria como uma barreira para intervenções de órgãos internacionais em defesa dos Direitos Humanos.

2. OS DIREITOS HUMANOS E O DESRESPEITO ÀS DECISÕES DE ORGANISMOS INTERNACIONAIS

Após a Segunda Guerra Mundial, começou-se a se discutir a necessidade de promover a difusão de direitos mínimos - considerados intrínsecos à condição humana - para a proteção contra abusos cometidos por Estados ou agentes estatais contra seus nacionais. Assim, surgiu a Declaração Universal dos Direitos Humanos, em 1948.

Entretanto, mesmo sendo a maior parte dos Estados aderentes à referida Declaração dos Direitos Humanos, não quer dizer que não a descumpram. O Direito, quando há anuência de sujeitos a um contrato, pelo princípio do pacta sunt servanda, se ocorre descumprimento, deve haver alguma sanção. Mas não é isso que ocorre no cenário internacional: o tipo da relação entre os Estados e a comunidade internacional, de caráter horizontal, nem sempre dá ensejo a alguma sanção. Segundo BOBBIO:

A primeira dificuldade depende da própria natureza da comunidade internacional, ou, mais precisamente, do tipo de relações existentes entre os Estados singulares, e entre cada um dos Estados singulares e a comunidade internacional tomada em seu conjunto. Para retomar uma velha distinção, empregada outrora para descrever as relações entre Estado e Igreja, poder-se-ia dizer — com o grau de aproximação que é inevitável nas distinções muito nítidas — que os organismos internacionais possuem, em relação aos Estados que os compõem, uma vis directiva e não coactiva (BOBBIO, 2004, p. 22).

Por isso, a soberania se torna um fator que dificulta a aplicação de sanção ou de restrição a Estados que descumpram tratados internacionais. Mesmo que uma nação aceite um tratado que permita a responsabilização de nacionais por crimes praticados contra civis, não quer dizer que possa ocorrer a mobilização de agentes estrangeiros para invadir o território desse país e prender os culpados desses atos: Na verdade, é o próprio Estado soberano que age para cumprir acordos internacionais, o que dificulta a punição de crimes quando há a negligência dele em cooperar para o cumprimento do Direito Internacional

Nesse contexto, para resolver conflitos e promover a paz, há o uso da diplomacia, defendido pela Organização das Nações Unidas - ONU, segundo Ana Maria Bierrenbach:

O mundo globalizado, com suas contradições, oportunidades e ameaças, impunha o uso das ferramentas diplomáticas com vistas à prevenção de conflitos (“ação destinada a evitar disputas entre as partes, evitar que as disputas existentes se transformem em conflitos e evitar que o conflito se espalhe”), à imposição da paz (“ação destinada a forçar as partes em conflito a chegar a um acordo, essencialmente pelos meios pacíficos previstos no Capítulo VI da Carta das Nações Unidas”), à manutenção da paz (“o desdobramento da presença das Nações Unidas no terreno, até então com o consentimento de todas as partes envolvidas”) e a reconstrução pós-conflito (“ação com o objetivo de identificar e apoiar estruturas que poderão fortalecer e solidificar a paz”) (BIERRENBACH, p. 118).

Só que a paz, quando não respeitada, precisa de outros meios para ser defendida. É, por isso, que foi-se, aos poucos, planejando formas de relativizar a soberania, para criar outras formas de promover os Direitos Humanos, incluindo intervenções militares, quando esgotadas as medidas pacíficas.

3. RESPONSIBILITY TO PROTECT

Foi criada, no Canadá, em 2001, a Comissão Internacional sobre Intervenção e Soberania Estatal, para discutir formas de promover a defesa dos direitos civis, relativizando-se a soberania, já que a ONU fracassou em diversos momentos na prevenção de genocídios, pela ausência de intervenção com o uso de força dessa entidade nos países onde ocorreram tais atos:

Pode-se dizer que a ONU é mais lembrada pelo cidadão comum na hora do fracasso, sobretudo por não haver feito o que dela se esperava nos momentos de crise. Quando a expectativa é muito alta, qualquer resultado abaixo pode ser visto como uma frustração. Em geral a culpa recai sobre uma ação equivocada ou a simples inação do Conselho de Segurança das Nações Unidas. A lista pode passar por Somália, Ruanda ou pela limpeza étnica nos Bálcãs. O justificado sentimento de indignação diante de tais atrocidades esteve na base do argumento em favor de “intervenções humanitárias” na década de 1990. Sob o impacto da experiência no Kossovo, o problema foi objeto de um relatório da Comissão Internacional sobre Intervenção e Soberania Estatal, divulgado em 2001, por iniciativa canadense. Uma de suas conclusões reforçava a centralidade da ONU nessa matéria: “Não há foro melhor ou mais apropriado do que o Conselho de Segurança das Nações Unidas para autorizar uma intervenção militar para os propósitos de proteção humana. A tarefa não é definir alternativas ao Conselho de Segurança como fonte de autoridade, mas fazer o Conselho funcionar melhor do que tem funcionado”. (GARCIA, 2013, p. 105)

A teoria Responsibility to Protect - identificada pela sigla "R2P" - foi idealizada nesse conselho, proporcionando novos olhares para intervir em Estados que não respeitem as determinações da ONU em proteção aos Direitos Humanos.

Essa ideia de intervenção "estabelece condições para o emprego de meios militares, mas claramente se trata de um último recurso a ser utilizado com parcimônia, somente depois de exauridas todas as possibilidades de encaminhamento diplomático do conflito" [1].

Segundo o relatório que a criou, essa ideia tem três responsabilidades básicas: 

A. A responsabilidade de prevenir: para abordar a raiz das causas e as causas diretas do conflito interno e outras crises provocadas pelo Homem que coloquem as populações em risco.

B. A responsabilidade de reagir: para responder a situações forçadas de necessidade humana com medidas apropriadas, que podem incluir ações coercitivas como sanções e julgamento internacional, e em casos extremos, intervenção militar.

C. A responsabilidade de reconstruir: para prover, particularmente depois de intervenção militar, total assistência para recuperação, reconstrução e reconciliação, abordando as causas do dano que a intervenção foi designada para deter ou evitar (tradução do autor) [2]

Essas diretrizes são fundamentais para a compreensão da Responsabilidade para Proteger, pois funcionam como metas para as autoridades utilizarem como referências em sua aplicação.

Assim, a ONU foi cogitando, aos poucos, aplicar essa doutrina.  O documento final da Cúpula Mundial de 2005 trouxe em dois parágrafos "critérios mínimos a serem seguidos, conforme o consenso alcançado a duras penas pelos Chefes de Estado e de Governo." (GARCIA, 2013, p. 109):

Primeiro, foi reconhecido que cada Estado tem a responsabilidade de proteger suas populações do genocídio, dos crimes de guerra, da limpeza étnica e de crimes contra a humanidade. Tal responsabilidade implicaria prevenção contra tais crimes, “por meios apropriados e necessários” (parágrafo 138). E, segundo, os líderes mundiais reconheceram que a comunidade internacional, por meio das Nações Unidas, também tem a responsabilidade de usar meios diplomáticos, humanitários e pacíficos apropriados, em conformidade com os Capítulos VI e VIII da Carta, a fim de ajudar a proteger as populações daqueles crimes. Nesse contexto, os Estados devem estar preparados para “tomar uma ação coletiva, de modo oportuno e decisivo, por meio do Conselho de Segurança”, de acordo com a Carta, analisando caso a caso e atuando em cooperação com organizações regionais relevantes, quando apropriado, se os meios pacíficos forem inadequados e as autoridades nacionais falharem manifestamente em proteger suas populações dos crimes supracitados (parágrafo 139) (GARCIA, 2013, p. 108-109).

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Em seguida, em 2006, "uma resolução específica tratou do tema e admitiu explicitamente que o ataque deliberado a civis e outras pessoas protegidas, assim como violações “sistemáticas, flagrantes e disseminadas” do direito internacional humanitário e dos direitos humanos em situações de conflito “podem constituir uma ameaça à paz e à segurança internacionais” (GARCIA, 2013, p. 110).

Nesse contexto, o Conselho de Segurança da ONU, então "reafirmou sua prontidão a avaliar tais situações e, quando necessário, adotar os 'passos apropriados'" (GARCIA, 2013, p. 110).

Essa doutrina foi utilizada na Líbia, em 2011, em combate ao governo local, no auge da "Primavera Árabe", utilizando-se suporte aéreo aos rebeldes que queriam derrotar o regime ditatorial do Estado líbio. [3] 

Em relatório de 2009, o Secretário-Geral Ban Ki-moon, defendeu "a importância de sinais de alerta precoce para prevenir episódios de atrocidades em massa”, propondo a implementação da Responsabilidade de Proteger em três pilares: “responsabilidades de proteção do Estado; assistência internacional e construção de capacidades; e resposta decisiva e oportuna" (GARCIA, 2013, p. 110).

Não custa ressaltar que a "responsabilidade para proteger" é aceita hoje para a proteção dos direitos humanos pela intervenção humanitária, em último caso.  Entretanto, há o risco de manipulação da intervenção militar. Rubens Ricupero, ao comentar sobre a "guerra preventiva" do presidente George W. Bush, em meados de 2003, disse que “transferir para o Conselho de Segurança a responsabilidade de decidir sobre a existência de uma ameaça latente não resolve o problema", porque "o Conselho não tem capacidade própria de inteligência e a informação provida por aqueles que possuem tal capacidade é muitas vezes factualmente errada ou manipulada politicamente" (GARCIA, 2013, p. 107).

4. RESPONSIBILITY WHILE PROTECTING

O Brasil, em defesa da ideia da Responsabilidade para Proteger, defendeu a Responsability while Protecting (Responsabilidade ao Proteger, em tradução livre), que é identificada pela sigla "RwP", na abertura dos trabalhos da ONU, em 21 de setembro de 2011, em discurso da presidente Dilma Rousseff:

O mundo sofre, hoje, as dolorosas consequências de intervenções que agravaram os conflitos, possibilitando a infiltração do terrorismo onde ele não existia, inaugurando novos ciclos de violência, multiplicando os números de vítimas civis.

Muito se fala sobre a responsabilidade de proteger, pouco se fala sobre a responsabilidade ao proteger. São conceitos que precisamos amadurecer juntos. Para isso, a atuação do Conselho de Segurança é essencial, e ela será tão mais acertada quanto mais legítimas forem suas decisões, e a legitimidade do próprio Conselho depende, cada dia mais, de sua reforma. (MARCON, p. 1)

O uso da teoria Responsabilidade para Proteger resultou "em agravamento dos conflitos e aumento da violência, bem como elevação da vulnerabilidade de civis, os quais, muitas vezes, eram (e são) deixados à própria sorte, carecendo de condições mínimas para autodefesa" (MARCON, 2012, p. 2).

Assim, surgiu a doutrina Responsabilidade ao Proteger, que busca evitar o agravamento das situações de intervenção militar: "Isso porque, uma vez que a Organização das Nações Unidas tem a prerrogativa de autorizar o uso da força, deve somente fazê-lo após analisar, objetivamente, os perigos envolvidos, bem como os meios de evitar danos aos civis, visto ser admissível que uma missão cause mais danos do que o conflito para o qual se prontificou a solucionar" (MARCON, 2012, p. 2).

A teoria pretende recomendar a utilização controlada, limitada e minuciosa da força nas intervenções, evitando-se excessos, como explica o ex-Ministro Antônio Patriota: "prevenção é sempre a melhor política; deve-se, primeiramente, buscar exaurir todos os meios pacíficos para tentar resolver a questão"; e "o uso da força deve produzir o mínimo possível de violência e instabilidade; a ação deve ser criteriosa, proporcional e limitada aos objetivos estabelecidos pelo Conselho de Segurança; dentre outros" (MARCON, 2012, p. 3).

Essa nova visão, idealizada pelo Brasil, da doutrina Responsability to Protect, somente consegue ser aplicada com muito planejamento, o que é interessante para diminuir os impactos das intervenções nos conflitos aos civis.    

5. O CASO DA SÍRIA e A CRÍTICA

Xenia Avezov, em artigo para o Instituto Internacional de Estocolmo de Pesquisas para a Paz, analisando a Responsabilidade ao Proteger, e indiretamente, o próprio instituto Responsabilidade para Proteger, citou suas dificuldades práticas, utilizando a guerra civil na Síria como exemplo:

De modo mais geral, a Síria tem destacado a paralisia que pode prender o Conselho de Segurança da ONU. A ênfase da Responsabilidade ao Proteger sobre o papel do Conselho de Segurança em debater e autorizar cada passo de uma intervenção poderia ser um grande obstáculo para a ação coletiva. Além disso, a Responsabilidade ao Proteger exige uma coordenação permanente com o Conselho de Segurança durante operações em curso. Arriscar a vida de soldados em uma missão estrangeira já é politicamente sensível o suficiente, sem a possibilidade de que o Conselho de Segurança possa ignorar os comandantes militares das forças de intervenção em solo (tradução do autor) (AVEZOV, 2013).

Em razão da intervenção demandar das deliberações do Conselho de Segurança da ONU, uma eventual morosidade pode resultar, segundo a autora, no comprometimento da operação, colocando em risco a vida de soldados. Não custa adicionar a informação de que o manejo de drones dispensaria o uso de indivíduos em conflitos, diminuindo os efeitos de uma lentidão desse órgão.

De qualquer forma, uma demora em decidir o que há de ser feito para enfrentar problemas em curso pode provocar a morte de civis, como o que ocorre na Síria atualmente, pela falta de eficiência dos órgãos internacionais para apaziguar o território do país. A carência de resolução desse caso deixa à própria sorte a população, que ou foge para outras nações, ou permanece em regiões em confronto até acabar o referido confronto, sabe-se lá quando.

A guerra civil na Síria serve para apresentar a dificuldade no uso das doutrinas de intervenção, supracitadas, quando há a falta de interesse de boa parte dos países para resolver problemas graves em outra nação:

A Síria é um caso de teste útil para a Responsabilidade ao Proteger em um sentido ainda mais importante. Argumentos sobre se a Responsabilidade ao Proteger iria ajudar ou atrapalhar a ação da Responsabilidade para Proteger na Síria - alguns comentaristas sugerem até mesmo que a Responsabilidade ao Proteger está ajudando a justificar a falta de intervenção nesse país - estão fora de questão. Por trás da retórica de culpar a China e a Rússia de bloquearem a ação, o principal obstáculo à intervenção na Síria é que ninguém quer fazê-lo. Duras lições do Afeganistão, agravados pelas dificuldades econômicas, tornaram os Estados Unidos e outros países ocidentais cautelosos a compromissos dispendiosos a longo prazo, especialmente aqueles sem benefícios razoavelmente assegurados e significantes (tradução do autor) (AVEZOV, 2013).

A política pode servir de empecilho para a organização de ações militares para combater infrações que coloquem risco à vida humana em um Estado, já que os gastos para uma intervenção podem ser muito altos.

Cabe ressaltar que os países que entram em defesa de outros, podem ser duramente criticados por sua própria população por motivos econômicos - como os custos da intervenção - ou sociais - dada a possibilidade da perda de vidas de nacionais ou danos à saúde dos combatentes. Isso pode fazer com que os governantes prefiram não arriscar suas carreiras políticas, o que pode refrear essas investidas de cunho humanitário:

A inação no conflito sírio é um sintoma de uma divisão crescente entre os princípios, o debate normativo internacional sobre a Responsabilidade para Proteger - que assume que nós sempre vamos intervir quando for necessário para proteger os civis - e a realidade de que a intervenção continua a ser uma questão de escolha. Embora seja politicamente incorreto dizer isso, a intervenção é muitas vezes guiada por um cálculo dos custos econômicos, políticos e humanos para o interveniente. Nem a Responsabilidade para Proteger, nem a Responsabilidade ao Proteger realmente abordam esses custos de intervenção e como eles influenciam a decisão de intervir. Enquanto a comunidade internacional segregar discussões normativas sobre a intervenção desses cálculos de custos, proteger os civis dos crimes atrocidades em massa continuará a trazer grandes desafios.  (tradução do autor) (AVEZOV, 2013).

Por isso, essas teorias de intervenção, criadas para ajudar a relativizar a soberania de Estados onde ocorrem conflitos que ponham vidas humanas em risco, por mais que sejam bem planejadas e consistentes, internamente, quando passam a ser aplicadas, na prática, encontram variantes muito complexas que podem dificultar ou impedir sua efetivação. 

Conclusão

A soberania é um direito a ser respeitado pela comunidade internacional, porém, passível de ser relativizado quando ocorrem abusos à integridade da população civil de um Estado. Para isso, foi desenvolvida a teoria "Responsabilidade de Proteger", em 2001, no Canadá, utilizada pela ONU no conflito da Líbia, em meados de 2011.

No final do mesmo ano de 2011, o Brasil passou a defender a "Responsabilidade ao Proteger", que se derivou da ideia humanitária, acima citada, sob o contexto de diminuir os impactos da utilização da intervenção militar, que pode até agravar os conflitos a que tenta debelar, prejudicando a sociedade civil. Essa novidade é um enfoque novo, brasileiro, à doutrina "Responsabilidade para Proteger".

Mesmo sendo essas doutrinas fundamentais para o planejamento de atos para evitar genocídios - ou diminuir seu agravamento, elas não conseguem ser aplicadas sem dificuldades: a influência da política nelas serve de motivação para as intervenções, ou dificulta-as de vir a ser realizadas. Isso é um ponto que a ONU em conjunto com a comunidade internacional devem discutir para promover um consenso em prol dos direitos civis.

Por fim, entende-se que os Direitos Humanos, fundamentais à condição humana, não podem ser limitados por barreiras geográficas ou estatais, e, por isso, é essencial haver a relativização da soberania em defesa da sociedade civil. Todos os seres humanos são dignos de proteção, e, por isso, cabe à comunidade internacional defendê-los, inclusive militarmente, quando esgotadas todas as vias pacíficas.

NOTAS DE RODAPÉ

[1] Segundo GARCIA, 2013, p. 106.

[2] Segundo ICISS, 2001, p. XI.

[3] Segundo GARCIA, 2013, p. 110-113.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

AVEZOV, Xenia. Jan.13: 'Responsibility while protecting': are we asking the wrong questions?. Disponível em: <http://www.sipri.org/media/newsletter/essay/Avezov_Jan13> 

BIERRENBACH, Ana Maria. O conceito de responsabilidade de proteger e o Direito Internacional Humanitário. Brasília: Fundação Alexandre de Gusmão, 2011. Disponível em: <http://www.funag.gov.br/biblioteca/dmdocuments/O_conceito_de_responsabilidade.pdf>

BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004.

BONAVIDES, Paulo. Ciência Política. 19 ed. São Paulo: Malheiros, 2012.

GARCIA, Eugênio Vargas. Conselho de Segurança das Nações Unidas. Brasília: FUNAG, 2013. 

ICISS. The Responsibility to Protect: Report of the International Commission on Intervention and State Sovereignty. Ottawa: International Development Research Centre, 2001.

MARCON, João Paulo Falavinha. O conceito de “Responsabilidade ao Proteger”, na política externa brasileira contemporânea. Disponível em: <http://www.humanas.ufpr.br/portal/nepri/files/2012/04/O-conceito-de-%E2%80%9CResponsabilidade-ao-Proteger%E2%80%9D-na-pol%C3%ADtica-externa-brasileira-contempor%C3%A2nea.pdf>

MELO, Jezreel Antônio. A Soberania e a Responsabilidade de Proteger. Disponível em: <http://www3.pucrs.br/pucrs/files/uni/poa/direito/graduacao/tcc/tcc2/trabalhos2013_1/jezreel_mello.pdf>

ONU. Declaração Universal dos Direitos Humanos. Disponível em: <http://www.ohchr.org/EN/UDHR/Documents/UDHR_Translations/por.pdf>

REZEK, Francisco. Direito internacional público: curso elementar. 13. ed. rev., aumen. e atual. – São Paulo: Saraiva, 2011.

 

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Sobre o autor
Arthur A. A. de Andrade

Graduando em Direito.

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Tema proposto pelo professor Gabriel Haddad Teixeira, que ministra a disciplina Direito Internacional Público.

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