O dever de informar segundo o Código Civil de 2002

04/11/2015 às 11:57
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O presente texto objetiva aprofundar o estudo sobre o dever de informar. Para tanto, abordará como o instituto se relaciona com os contratos, embalagens de produtos e com remédios. Por fim, será apresentada a visão da doutrina sobre o tema.

I. Conceito do dever de informar

Antes de nos aprofundarmos no dever de informar, necessitamos compreender em que se traduzem os deveres gerais de conduta. Tais deveres, passaram por uma evolução, eram vistos como maneira acessória, e depois com a mesma importância do crédito e do débito.

Os deveres gerais de conduta são aqueles que excedem o estrito dever de prestação. Inicialmente, foram estudados como deveres anexos, ou seja, derivados do dever primário do cumprimento da prestação. A evolução doutrinária transformou esses deveres, colocando-os acima do crédito e do débito, como limites da relação obrigacional. Importante lembrar que os deveres gerais estarão presentes nas relações obrigacionais independentemente da vontade dos participantes, pois resultam de fundamentos axiológicos maiores que a própria prestação (valor – os fundamentos valorativos são maiores, mais importantes). A interpretação dos deveres gerais não se sujeitam ao processo tradicional de subsunção do fato a norma.

O dever geral de conduta mais importante que temos é a boa-fé objetiva, art. 113 “Os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa fé objetiva e os usos do lugar de sua celebração.” – a boa-fé importa numa conduta honesta, leal e correta. Exprime a idéia de confiança e passa a irradiar sobre todas as relações obrigacionais, tendo em vista, como bem observa Judite Martins Costa, ela representa (a boa-fé), um topos subversivo do direito obrigacional. Topos significa lugar comum; existe um lugar comum das nossas relações, existe uma ideia de confiança expectativa, a boa-fé tem que ser encarada como um lugar da relação. A boa-fé acaba sendo a matriz de origem de todas essas hipóteses, como o dever de informar.

A informação não deve ser apenas transmitida ao consumidor ou contratante, ela também deve ser compreendida, o fornecedor ou contratado deve passar a informação de maneira clara, apresentando toda a verdade sobre o que será adquirido, são nessas situações que a boa-fé se manifesta; a parte adquirente acredita que o fornecedor ou contratado está agindo com boa-fé objetiva, está sendo honesto. Em alguns casos isso não acontece, sendo assim o contratante pode requerer seus direitos, pois foi enganado.

Atualmente, o dever de informar engloba grande parte do direito, atuando na alçada civil e regrando parte da relação médico-paciente. Contudo, daremos ênfase no que tange à área cível, precisamente o mundo contratual.


II. O direito ou dever de informar nos contratos.

O código de defesa do consumidor surgiu em meados da década de 90, o que fez com que a maioria das empresas tivessem que se adaptar às novas regras. Nos dias atuais, estas mesmas empresas parecem ter compreendido o CDC com perfeição, pois sabem exatamente os caminhos que devem ser trilhados para burlá-lo.

No CDC está garantindo ao consumidor o direito à informação, como estabelece ao fornecedor o dever de informar, como disposto no artigo 9º. Entretanto, como se trata de uma norma principiológica, cabe ao intérprete buscar caso a caso sua melhor aplicabilidade, como no caso onde o consumidor não será obrigado a cumprir o contrato, se a este não for apresentado o efetivo conhecimento das cláusulas contratuais.

Esta relação está descrita no artigo 46: “Os contratos que regulam as relações de consumo não obrigarão os consumidores, se não lhes for dada a oportunidade de tomar conhecimento prévio de seu conteúdo, ou se os respectivos instrumentos forem redigidos de modo a dificultar a compreensão de seu sentido e alcance”.

A respeito do que está explícito neste artigo, muitas empresas enganam seus consumidores por meio de uma linguagem excessivamente rebuscada em seus contratos, ou seja, as ideias e deveres estão expostos, porém sua compreensão se torna praticamente impossível.

Segundo Nelson Nery Jr., a redação das cláusulas contratuais, especialmente as que precedem futuro contrato de adesão, devem possuir linguagem direta, devem ser evitados termos linguísticos muito elevados e palavras em outro idioma. Contudo, se o abuso for provado e, portanto,  estiver caracterizado o descumprimento do dever de informar, o consumidor não será obrigado a cumprir o contrato. Por mais que se tente manter tal contrato, através do princípio do contrato (artigos 6º, V e 51 §2º, do CDC), essa tentativa se mostra falaciosa, ilusória, pois o consumidor não teve pleno conhecimento das condições aderidas.

O princípio da conservação do contrato é utilizado para invalidar condições abusivas sem prejudicar totalmente o negócio jurídico, entretanto, no caso apresentado, a anulação de uma cláusula abusiva não traria pleno equilíbrio à relação negocial, fazendo com que o contrato seja anulado. Para evitar tal processo, os artigos 46 e 54 do CDC estabelecem que os contratos que não forem plenamente claros para com os consumidores não serão eficazes.

Para Cláudia Lima Marques, o fato do contrato não obriga o consumidor, transformando-o em um contrato não-obrigatório, o que caracterizaria a inexistência de vínculo contratual.

Conclui-se que o dever de informar é um dever básico do fornecedor para com o consumidor. O descumprimento de tal dever fará com que o fornecedor assuma os eventuais prejuízos, uma vez que, sendo preenchidos esses requisitos, tais contratos não obrigam os consumidores.


III. O dever de informar nas embalagens.

Em todas as embalagens, bem em como em seus anúncios publicitários, deve estar expressa a composição do produto, como explicado no artigo 6º do CDC. Essa medida deve ser adotada a fim de zelar pelo bem estar do consumidor, que ao adquirir um produto deve, por exemplo, se informar de sua composição, para evitar uma possível reação alérgica devido ao seu uso. Não só a composição deve ser explícita, como também a ficha técnica, no caso do produto ser eletrônico, como no caso de um televisor.

Como previsto no artigo 31 a oferta e apresentação deve ser passada de maneira clara, correta, precisa, ostensiva e em língua portuguesa sobre suas características, qualidades, quantidade e preço, de modo que o consumidor típico possa compreender a informação antes de adquirir o produto.

O dever de informar nas embalagens existe tanto para a informação como para a proteção do cliente.


IV. O dever de informar na medicina.

Tendo em vista que é crescente o número de ações ajuizadas contra os profissionais da saúde, o dever de informar na medicina vem ocupando um papel cada vez mais importante. É dever de todos aqueles que exercem a medicina fornecer as informações de tratamento e risco a seus pacientes, para que estes possam ter discernimento suficiente para decidir o que será e o que não será feito em seu organismo.

Nos casos em que o paciente não esteja com o pleno controle de suas faculdades mentais, tais informações devem ser repassadas para seus familiares ou representantes legais. A decisão final sobre qualquer procedimento médico deve contar com o aval do paciente, fazendo do dever de informar o médico um dever fundamental.


V. Posições Doutrinárias sobre o dever de informar

De acordo com Paulo Luiz Netto Lobo “O direito à informação e o correspectivo dever de informar têm raiz histórica na boa-fé, mas adquiriram autonomia própria, ante a tendência crescente do Estado Social de proteção ou tutela jurídica dos figurantes vulneráveis das relações jurídicas obrigacionais. Indo além da equivalência jurídica meramente formal, o direito presume a vulnerabilidade jurídica daqueles que a experiência indicou como mais freqüentemente lesados pelo poder negocial dominante, tais como o trabalhador, o inquilino, o consumidor, o aderente. Nessas situações de vulnerabilidade, torna-se mais exigente o dever de informar daquele que se encontra em situação favorável no domínio das informações, de modo a compensar a deficiência do outro. O dever de informar é exigível antes, durante e após a relação jurídica obrigacional.”.

O dever de informar pra ele se apresentou com grande força nos últimos anos no direito do consumidor. A grande complexidade dos produtos e o grande número de opções cujo conhecimento é difícil para o consumidor típico faz com que deva haver mais informações sobre o produto que se pretende adquirir, e todos que participaram do desenvolvimento e do lançamento do serviço ou do produto têm o dever de informar. A informação é necessária para a proteção do consumidor, privando-o de ter o difícil e cansativo trabalho de identificar o responsável pela informação errada, que pode ser o produtor, o fabricante, o importador, o distribuidor, o comerciante e,  por fim, o prestador de serviço.

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O dever de informar é completo quando a informação recebida pelo consumidor preenche os requisitos de (a) adequação, que está relacionado com os meios e com o conteúdo de informação, como os signos que devem ser precisos e claros, a pessoa deve entender a informação passada, o idioma utilizado para passar a informação deve ser o utilizado no país em que o produto está sendo vendido ou o serviço está sendo feito, os termos empregados devem ser compatíveis com o consumidor típico e a informação que envolva riscos ao consumidor deve ser destacada;  (b) suficiência,  onde a informação deve ser suficiente, completa para que não reste dúvidas ou lacunas sobre o produto, como a validade, as consequências que o produto pode causar; e a  (c) veracidade, que diz respeito as reais informações do produto e do serviço. Caso falte um destes requisitos, o dever de informar não foi cumprido.

Além do dever de informar estar bastante presente no direito do consumidor em relação aos produtos, está presente também na área médica. Gustavo Tepedino diz que todas  as informações devem ser passadas aos pacientes, e, quando a informação for abalar drasticamente um paciente, esta deve ser passada aos seus parentes ou responsável legal: “O dever de informação diz com os riscos do tratamento, a ponderação quanto às vantagens e às desvantagens da hospitalização ou das diversas técnicas a serem empregadas, bem como a revelação quanto aos prognósticos e ao quadro clínico e cirúrgico, salvo quando tal informação possa afetar psicologicamente o paciente”. Para Gerson Luiz Carlos Branco o dever de informar do médico se divide em dois: o dever de informação, que esta relacionado com as condições contratuais estabelecidas pelo médico para a utilização de seus serviços; e o dever de aconselhamento, que consiste na transmissão de informações sobre as condições em que o paciente se encontra e na condição deste decidir sobre um determinado tratamento.

Humberto Theodoro Júnior afirma que, para o perfeito cumprimento das obrigações, é necessário que dentro do conteúdo da obrigação haja prestações e comportamentos impostos pela lei e pelos costumes. Existem os deveres principais, que são os que suprem diretamente o interesse do credor, ou, quando há mais partes, o interesse de cada uma delas, por isso estes deveres, também chamados de essenciais, são “a razão de ser da própria relação obrigacional, que sem eles não existiria.”; deveres acessórios, que se referem a prestações exigíveis e determinadas em razão ao vinculo obrigacional; e os deveres fiduciários ou anexos, onde se inclui o dever de informar, que se referem aos comportamentos esperados das partes, comportamentos que se traduzem nas ideias de lealdade, correção, lisura, enfim, o “princípio da boa-fé contratual”.

De acordo com Humberto Theodoro Junior “No fundo e em síntese, os deveres anexos ou de mera conduta, a que se refere o princípio da boa-fé objetiva, traduzem-se em deveres de cooperação com a contraparte". Como não se pode antecipadamente especificar, diante do negócio jurídico, qual seria o dever anexo exigível, seu descumprimento somente pode ser analisado e detectado depois de consumada a infração da conduta leal necessária. Nessa altura, a comprovação do comportamento contrário à boa-fé representará ato ilícito, cuja sanção será, em regra, a imposição do dever de reparar o prejuízo causado à contraparte.


Referências

LÔBO, Paulo Luiz Netto. O contrato: exigências e concepções atuais. São Paulo: Saraiva, 1986.

THEODORO JÚNIOR, Humberto. O Contrato e sua Função Social. Rio de Janeiro: Forense, 2004

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