Maioridade penal: o menor como inimigo do estado baseado na teoria do Direito Penal do Inimigo de Gunter Jakobs

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Este resumo vem dissertar acerca da redução da maioridade penal que está sendo trazida à luz da discussão sob a ótica da teoria do direito penal do inimigo do alemão Gunter Jakobs

1. INTRODUÇÃO

Este resumo vem dissertar acerca da redução da maioridade penal que está sendo trazida à luz da discussão sob a ótica da teoria do direito penal do inimigo do alemão Gunter Jakobs, que levanta a possibilidade de se ver o menor infrator como inimigo do Estado.            

 Ao longo deste trabalho buscar-se-à demonstrar alguns pontos equivocados sobre os quais versam tal defesa e a sua errônea ligação com a resolução do problema da criminalidade no país apenas com a opção de se caracterizar uma parcela ínfima da população - os menores de 16 a 18 anos - com o perigoso conceito de inimigos do Estado, calcado nos fundamentos dessa teoria que, por sua vez, é desenhada nos moldes de um verdadeiro estado de guerra, onde, devido a realidade criada,  as regras do jogo devem ser diferentes. 

Para Jakobs, esse tipo de conduta pode chegar ao ponto de ser validada pelo uso de políticas públicas para o combate à criminalidade dentro ou fora do território nacional, com a desclassificação de alguns indivíduos do conceito de pessoas, tirando-lhes o direito as garantias constitucionais que o Estado então oferece a todos (de onde se pode incluir o principio da dignidade humana e o devido processo Legal) num raciocínio equivalente a um estado de guerra, momento em que beiramos um despotismo desenfreado onde o próprio Jakobs destaca que as regras do jogo aqui devem ser diferentes.

Trata-se do cruzamento de um limite que pode nos levar a caminhos que ferem a dignidade humana e os direitos universais a que todos temos direitos. Começar a construir uma “nova” ou “melhor” sociedade baseada em atos de guerra pelo ponto de vista de alguns poucos, certamente não é a das melhores opções que temos. 

Utilizou-se aqui uma pesquisa bibliográfica com abordagem teórica quantitativa para fundamentar a temática da maioridade penal: o menor como inimigo do estado baseado na teoria do direito penal do inimigo de Gunter Jakobs. Pode-se ainda afirmar que a pesquisa se caracteriza por ser também descritiva, por buscar uma análise que relacione os fenômenos, sem manipulá-los obviamente, de forma que possam ser discutidos dentro do campo jurídico e a relação entre a caracterização desses indivíduos como inimigos do Estado e a consequente redução da criminalidade no país.


2. MATERIAIS E MÉTODOS

Utilizou-se neste trabalho uma revisão bibliográfica sobre a abordagem teórica da redução da maioridade penal onde o menor é visto como inimigo do Estado, tendo como base a teoria direito penal do inimigo de Gunter Jakobs. Realizou-se uma pesquisa na base de dados de artigos e sites de conteúdo jurídico buscando-se ainda uma fundamentação na opinião de especialistas da área jurídica, livros e periódicos relacionados à ao tema.

Foram utilizados na pesquisa termos de busca como redução da maioridade, teoria do direito penal e Gunter Jakobs. As fontes bibliográficas e artigos adotados como referências bibliográficas são dos anos de 2009 a 2014 e serviram como base para fundamentação teórica.


3. RESULTADOS E DISCUSSÃO

Diante da discussão trazida por este trabalho acerca da redução da maioridade penal, é valido citar o ponto de vista da Subprocuradora-Geral da República, Raquel Elias Ferreira Dodge, quando defende ser clara a interpretação errônea acerca dos índices de violência cometidos por jovens em nosso país, colocando-os, deliberadamente, na ponta do iceberg desta realidade de violência tão gritante que temos vivido. Ao contrario, vivemos sob uma constante pressão da mídia que, segundo ela, dissemina uma sensação social de descontrole irreal em relação às ações violentas de nossos menores infratores que, na realidade, rebate Raquel, são vítimas de uma realidade social de abandono e exclusão,

Dados da Secretaria Nacional de Promoção dos Direitos das Crianças e dos Adolescentes confirmam tal afirmação no momento em que revelam que os roubos e atividades relacionadas ao tráfico de drogas representam de adolescentes somam 38% e 27% dos atos inflacionais, respectivamente, e, somados as estatísticas do Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) da ONU, que revelam que a porcentagem relacionada aos homicídios não chegam a 1% dos crimes cometidos entre jovens de 16 e 18 anos, ou seja, de acordo com a UNICEF, dos cerca de 21 milhões de adolescentes brasileiros, apenas 0,013% cometeram atos contra a vida, nos ajudam a entender esse equívoco.

Em relação a isso Grecco (2013) destaca que “não comprovação de que a redução da maioridade penal contribua para a redução da criminalidade”, uma declaração que provavelmente é embasada pelos números do Ministério da Justiça (BRASIL, 2012) que revelam que, do total de homicídios cometidos no Brasil nos últimos 20 anos, apenas 3% foram realizados por menores entre 16 e 18.

Adolescentes em conflitos com a lei no Brasil

Porcentagem dos que possuem conflitos com a lei

0,1583%

Restante da população

99,8417%

                     Fonte: Subsecretaria de promoção dos direitos da criança e do adolescente (2004).

Número esse que, em 2011, foi reduzido para 0,5% se considerados os homicídios e as tentativas causados por menores. Dados da Secretaria de Segurança Pública de São Paulo, Estado que registra o maior número de ocorrências no país, confirmam que os adolescentes foram responsáveis por menos de 4% dos crimes cometidos em 2004. Em 2003 o IBGE divulgou também números que nos ajudam a entender melhor essa realidade equivocada de se culpar os adolescentes pelos índices de criminalidade que assolam o país.

População Adolescente no Brasil

Faixa etária entre 123-18 anos

15%

Maiores de 18 anos

85%

                                                       Fonte: IBGE – Censo 2000.

Junto a esses dados, Grecco (2013) traz a tona o complexo quadro de desigualdades sociais que vivemos ao afirmar que os jovens (de 15 a 29 anos) são as maiores vítimas desse círculo social vicioso de pobreza e exclusão, pois, somente em 2012, dos 56 mil homicídios ocorridos no país, 30 mil eram jovens cuja maioria absoluta era formada de negros e pobres. 

Com números dados tão contundentes fica mais fácil de entender a posição de muitos especialistas contrária a redução da idade penal e favorável ao endurecimento da pena para adultos que corrompem menores – caso do Projeto de Lei 508/2015, do Deputado Federal Major Olímpio Gomes, que altera o art. 242, da Lei Nº 8.069/1990 (ECA), revoga o inciso V, do § único, do art. 16, da Lei nº 10.826/2003 (Estatuto do Desarmamento), revoga os arts. 18 e 19 do Decreto-Lei nº 3.688/41 (Lei de Contravenções Penais).

Porém, mesmo diante desses e outros dados contundentes fica o questionamento: porque a insistência em se reduzir a maioridade penal? Obviamente que somos frutos de uma espantosa manipulação da mídia televisiva e impressa, onde pessoas públicas da TV como apresentadores de programas de entretenimento, sem a qualificação necessária para tal, acabam discutindo assuntos de interesse nacional e que regem nosso cotidiano – como é o caso da segurança pública e de mudanças substanciais no judiciário desse país.

Esses indivíduos acabaram “elegendo” a si mesmos representantes do povo para discutir e impondo suas vontades com frases de efeito e discursos inflamados de criticas sobre o sistema penal brasileiro, sempre clamando por justiça depois de repetidas exibições de casos bárbaros de mexem com a opinião pública envolvendo adolescentes. Obvio é que, nesse circo montado quase que diariamente, a sociedade acaba induzida por jornalistas tendenciosos, que “arrancam” dos entrevistados o parecer favorável ao endurecimento das penas com a criação de novos tipos penais incriminadores, mesmo que afastando garantias processuais conquistadas a duras penas como se suficiente fosse para livrar a sociedade de seus flagelos.

Esse caminho desenhado pela mídia é lembrado com precisão por Sica (2002) quando destaca que “o terreno fértil para o desenvolvimento de um Direito Penal simbólico é uma sociedade amedrontada, acuada pela insegurança, pela criminalidade e pela violência urbana”. Já Grecco (2013) destaca o convencimento feito por intermédio do sensacionalismo, da transmissão de imagens chocantes, que causa revolta e repulsa no meio social. Homicídios cruéis, estupros de crianças, presos que, durante rebeliões, torturam suas vítimas, corrupções, enfim, a sociedade, acuada, acredita que o Direito Penal será a solução de todos os problemas.

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Nesse momento, lembra Grecco (2013), vê-se então que o Estado Social foi deixado de lado para dar lugar a um Estado Penal. Investimentos em ensino fundamental, médio e superior, lazer, cultura, saúde, habitação são relegados a segundo plano, priorizando-se o setor repressivo. A toda hora o Congresso Nacional anuncia novas medidas de combate ao crime.


4. CONCLUSÕES

Antes de tudo, é válido citar que, raríssimas exceções, ninguém é desprovido de sentimentos ou de uma percepção que permita ver a realidade assustadora da violência que nos cerca. Também não somos ausentes de sentimentos de punição máxima para os casos de crimes hediondos ou mesmo qualquer outro tipo de crime de natureza grave, independente se cometidos por menores ou não, ou se causam grande repercussão na mídia ou não. O que não podemos perder é o senso de lógica e a racionalidade que ainda nos coloca num patamar de desenvolver um senso critico que é pertinente a natureza humana.

E é esse mesmo senso critico que deve nos impelir a não desistir do senso de justiça. As garantias constitucionais conquistadas por décadas a preços tão altos não podem ser preteridas por conceitos unilaterais de poucos que buscam nomear de inimigos aqueles que não podem ser responsabilizados pelo caos que vem tomando conta da segurança pública desse país: os menores de 16 a 18 anos. Há que se prender, há que se punir, mas principalmente, há que se assegurar os direitos e garantias fundamentais de qualquer cidadão nesse país.

Meliá & Jakobs (2006) defendem que o chamado Direito Penal do Inimigo, na segunda metade da década de 1990, traça uma distinção entre um Direito Penal do Cidadão e um Direito Penal do Inimigo onde o primeiro, tradicionalmente, observa a todos os princípios fundamentais que lhe são pertinentes enquanto o segundo – denominado Direito Penal do Inimigo – teria um papel de inobservância aos princípios fundamentais penais por desconsiderar o individuo como cidadãos, mas sim vê-los como inimigos do Estado.

Nesse universo perigoso e medieval, Jakobs defende que as pessoas destacadas pela insistência em delinquir, acabam voltando ao seu estado natural antes do estado de direito, um estado de ausência de cidadania que acaba excluindo-o do rol de benefícios do conceito de pessoa por ser o estado natural um estado de ausência de norma, ou seja, de liberdade excessiva tanto como de luta excessiva. Quem ganha a guerra, defende Jakobs, determina o que é norma e como segui-la, enquanto quem perde há de submeter-se a essa determinação. Logo, com a defesa e posterior aplicação desses métodos iremos retroceder tanto no tempo que acabaremos voltando aos velhos tempos medievais com as teorias de Maquiavel para justificar o absolutismo imperioso de Luiz XIV antes de gritar “L’État c’est moi”.

O inimigo do Estado muitas vezes é ele mesmo com a falta de investimento em segurança pública, em políticas sociais para os menos favorecidos com oportunidades de empregos que os afastem dos flertes constantes das organizações criminosas e possa lhes dar uma chance de vencer as estatísticas que sempre conspiram contra seu futuro.


5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.

BRASIL, Ministério da Justiça. Homicídios no Brasil: registro e fluxo de informações. Brasília – DF, 2013.

GRECO, R. Direito penal do inimigo. Disponível em http://rogeriogreco.jusbrasil.com.br/artigos/121819866/direito-penal-do-inimigo. 2013. Acesso em jun 2015.

MELIÁ, M. C; JAKOBS, G. Derecho penal del enemigo. 2 ed. Madri. Thomson Civitas, 2006.

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Sobre os autores
Thais da Silva Spoladore

Estudante de Direito do Centro Universitário São Camilo, Cachoeiro de Itapemirim (ES).

Patricia Mara Moreira Amaral

Estudante de Direito do Centro Universitário São Camilo, Cachoeiro de Itapemirim (ES).

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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