A supressão dos intervalos intrajornadas ou a compra do período de intervalo pelo empregador

11/11/2015 às 17:29
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Este texto trata do pagamento pelo empregador, dos intervalos intrajornadas suprimidos.

É prática comum nas empresas, em especial de vigilância, o pagamento da hora de intervalo ou pelo menos a concessão de trinta minutos de intervalo e o pagamento dos outros trinta minutos como extra, infringindo o que preceitua o artigo 71, cabeça, da CLT[1]. Justificam as empresas esta prática em razão de que é difícil, na atividade de vigilância, a concessão do intervalo, entendendo que a “compra” do intervalo tem fundamento, a “contrario sensu”, no artigo 71, parágrafo quarto, da CLT[2].

Uma análise superficial pode permitir efetivamente seja possível, pelo empregador, a “compra” do intervalo de uma hora. Ou seja, o trabalhador presta trabalho sem intervalo, recebendo o pagamento da hora de intervalo intrajornadas suprimida, acrescido do adicional de horas extras. Contudo, juridicamente esta conclusão não se sustenta.

O trabalhador não pode, de forma nenhuma, abrir mão do intervalo intrajornada. Como regra de higiene e saúde do trabalho, a concessão do intervalo serve para amenizar os efeitos da jornada de trabalho sobre o físico e o psíquico do empregado, permitindo o relaxamento e o descanso pelo período mínimo de uma hora.

Note-se que a redução do intervalo, conforme artigo 71, parágrafo terceiro, da CLT[3] apenas é possível nos casos em que há organização de refeitórios, sem que os empregados estejam sujeitos ao regime de horas extras e desde que haja autorização da Secretaria de Segurança e Medicina do Trabalho. Ou seja, não há como o empregado dispor deste direito. Não há, portanto, como o empregador impor esta condição. A redução, e não a supressão, depende de uma série de requisitos que na grandíssima maioria das vezes não faz parte da realidade laboral a que estão sujeitos os empregados que trabalham durante o período de intervalo.

Ainda, a leitura “a contrario sensu” do artigo 71, parágrafo quarto, da CLT é vedada pelo que preceitua o artigo 7º da CF/88[4]. Esta regra/princípio condiciona não apenas o legislador, mas, por uma questão de equilíbrio democrático, a fim de não ferir a harmonia dos poderes, artigo 2o da CF/88[5], o julgador e o interprete. É que uma coisa é a norma legal dispor que haverá pagamento da hora extra ficta em caso de não-concessão do intervalo. Outra coisa é permitir a contratação ou a institucionalização do pagamento desta hora extra “ficta” a fim de não conceder o intervalo.

Os limites à contratação estão nas leis, constituição e normas coletivas. Não há autorização legal, por força do artigo 444 da CLT[6] para a instituição da supressão permanente do intervalo. O contrato não pode aceitar como válidas cláusulas que infrinjam a lei, no caso o artigo 71 da CLT. A regra excepcional do parágrafo quarto do artigo 71 da CLT consta do diploma a fim de impedir a supressão do intervalo, que até a edição da lei 8.923/94, apenas determinava o pagamento de multa administrativa, sem qualquer efeito econômico ao trabalhador.

Quanto à forma de resolução deste problema no caso concreto, creio seja possível, por analogia, conforme autoriza o artigo 8º da CLT[7], a utilização da súmula 199 do TST[8]. Uma vez em havendo a adoção, pelo tomador do trabalho, da supressão do intervalo ou a supressão de parte dele com o respectivo pagamento, os valores utilizados para o pagamento ou “compra” destas horas devem ser considerados salário do trabalhador destinado ao pagamento das horas normais de trabalho. As horas objeto da supressão do intervalo, assim, deverão ser “novamente” pagas, tendo por base o valor da hora normal, salário acordado mais o valor utilizado para o pagamento das horas de intervalo suprimido[9].

Esta é a forma de melhor resolver este problema que, aos poucos se agiganta dentro da justiça do trabalho. É bom não perder de vista que os intervalos, assim entendidos as férias, o repouso semanal remunerado, o intervalo entrejornadas e o intervalo intrajornadas são dispositivos legais que buscam dar o equilíbrio entre a vida humana e o trabalho.[10] 

O respeito às normas de proteção ao trabalho são uma forma de respeito à existência do outro. É princípio de direito o reconhecimento no outro do próprio eu, princípio este consagrado pela Constituição federal quando trata, como fundamento da República a dignidade humana, artigo 1o, III.


[1] Art. 71 - Em qualquer trabalho contínuo, cuja duração exceda de 6 (seis) horas, é obrigatória a concessão de um intervalo para repouso ou alimentação, o qual será, no mínimo, de 1 (uma) hora e, salvo acordo escrito ou contrato coletivo em contrário, não poderá exceder de 2 (duas) horas.

[2] § 4º - Quando o intervalo para repouso e alimentação, previsto neste artigo, não for concedido pelo empregador, este ficará obrigado a remunerar o período correspondente com um acréscimo de no mínimo 50% (cinqüenta por cento) sobre o valor da remuneração da hora normal de trabalho.

[3] § 3º O limite mínimo de uma hora para repouso ou refeição poderá ser reduzido por ato do Ministro do Trabalho, Indústria e Comércio, quando ouvido o Serviço de Alimentação de Previdência Social, se verificar que o estabelecimento atende integralmente às exigências concernentes à organização dos refeitórios, e quando os respectivos empregados não estiverem sob regime de trabalho prorrogado a horas suplementares.

[4] Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: (...).

[5] Art. 2º São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário

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[6] Art. 444 - As relações contratuais de trabalho podem ser objeto de livre estipulação das partes interessadas em tudo quanto não contravenha às disposições de proteção ao trabalho, aos contratos coletivos que lhes sejam aplicáveis e às decisões das autoridades competentes.

[7]   Art. 8º - As autoridades administrativas e a Justiça do Trabalho, na falta de disposições legais ou contratuais, decidirão, conforme o caso, pela jurisprudência, por analogia, por eqüidade e outros princípios e normas gerais de direito, principalmente do direito do trabalho, e, ainda, de acordo com os usos e costumes, o direito comparado, mas sempre de maneira que nenhum interesse de classe ou particular prevaleça sobre o interesse público. (destaquei).

[8] BANCÁRIO. PRÉ-CONTRATAÇÃO DE HORAS EXTRAS (incorporadas as Orientações Jurisprudenciais nºs 48 e 63 da SBDI-1) - Res. 129/2005, DJ 20, 22 e 25.04.2005

I - A contratação do serviço suplementar, quando da admissão do trabalhador bancário, é nula. Os valores assim ajustados apenas remuneram a jornada normal, sendo devidas as horas extras com o adicional de, no mínimo, 50% (cinqüenta por cento), as quais não configuram pré-contratação, se pactuadas após a admissão do bancário. (ex-Súmula nº 199 – alterada pela Res. 41/1995, DJ 21.02.1995 - e ex-OJ nº 48 da SBDI-1 - inserida em 25.11.1996)

II - Em se tratando de horas extras pré-contratadas, opera-se a prescrição total se a ação não for ajuizada no prazo de cinco anos, a partir da data em que foram suprimidas. (ex-OJ nº 63 da SBDI-1 - inserida em 14.03.1994).

[9] Podem haver casos em que o trabalhador receba pagamento de adicional de insalubridade, adicional de periculosidade (que deverá também ser recalculado) e adicional por tempo de serviço (este também deverá ser recalculado) que, igualmente, farão parte do valor da hora normal para a apuração da hora do intervalo.

[10] BOUCINHAS FILHO, José Cavalcanti e ALVARENGA, Rubia Zagonelli, “O dano existencial e o direito do trabalho”. Em Revista LTr, vol. 77, n. 04, abril de 2013, p. 450.

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Sobre o autor
Rafael da Silva Marques

Juiz do Trabalho titular da Quarta Vara do Trabalho de Caxias do Sul; Especialista em direito do trabalho, processo do trabalho e previdenciário pela Unisc;<br>Mestre em Direito pela Unisc; Doutor em Direito pela Universidade de Burgos (UBU), Espanha; Membro da Associação Juízes para a Democracia

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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Este texto trata da possibilidade ou não de o empegador "comprar" o período de intervalo do empregado.

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